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Introdução
Embora os estudos sobre a problemática da socialização sejam abundantes
no campo da sociologia da educação (cf. Foracchi e Pereira, 1973; Foracchi
e Martins, 1980; Gomes, 1988, 1989; Van Zanten e Duru-Bellat, 1999), é
possível observar um tímido debate sobre a particularidade desse processo
de interação social vivido na atualidade (cf. Dubet, 1996, 1998; Charlot,
2000; Dubar, 2000, Lahire, 1998). Este artigo tem como intenção refletir
sobre a emergência de novos modelos de socialização. Pretendo abordar o
processo de construção da identidade social e pessoal do indivíduo na atua-
lidade, a partir das transformações sofridas no interior das agências tradicio-
nais da educação. Proponho ainda compreender o surgimento de outras
instâncias que compartilham a responsabilidade na formação da subjetivi-
dade e das representações dos indivíduos no mundo contemporâneo.
Para refletir sobre essas considerações, irei referir-me primeiramente às
contribuições de Anthony Giddens (1991). Creio que esse autor, ao arti-
cular três dimensões das transformações na modernidade (a ressignificação
do tempo/espaço, o desencaixe e a reflexividade), ajuda-nos a mapear uma
nova configuração social. Para Giddens, é possível observar o “‘desloca-
mento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestrutu-
ração através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. Nesse sentido,
A particularidade do processo de
socialização contemporâneo
Maria da Graça Jacintho Setton
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2336
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
[...] o advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomen-
tando relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de qualquer situação
dada ou interação face a face [...] isto é, os locais são completamente penetrados e
moldados em termos de influências sociais bem distantes deles (Giddens, 1991,
pp. 27-29).
Essa nova arquitetura do social tende a determinar outra forma de per-
cepção do indivíduo em relação ao mundo, potencializando sua capacida-
de reflexiva, aumentando sua capacidade de articular a multiplicidade de
informações a que tem acesso (cf. Benjamin, 1983; Giddens, 1994); e
tende, conseqüentemente, a introduzir uma leitura crítica e distanciada
sobre o universo social e individual em cada um de nós (cf. Simmel, 1977;
Dubet, 1996).
A partir dessas reflexões, Giddens (1991, 1994) consegue sistematizar
as principais tendências que caracterizam as transformações culturais –
notadamente as relativas ao fenômeno da cultura de massas1
– ocorridas
no último século, associando evolução tecnológica e material às transfor-
mações de ordem cultural e/ou subjetiva dos indivíduos. Ele oferece um
corpo de conceitos que nos possibilita analisar outras formas de interação
e sociabilidade. Giddens apresenta-nos um pano de fundo, contextualiza
sociologicamente o surgimento de outra ordem social que influencia pro-
fundamente a constituição de um novo homem, a forma como esse ho-
mem pensa sobre si mesmo e sobre suas relações, e como ele se orienta e
constrói a realidade a que pertence.
Hall (1997) corrobora essa idéia afirmando que “o impacto das revolu-
ções culturais sobre as sociedades globais e a vida cotidiana local, no final do
século XX, parece tão significativo e abrangente que justifica a afirmação de
que a substantiva expansão da ‘cultura’”2
, que hoje experimentamos, não
tem precedentes. Mais do que isso, considera que a menção desse impacto
na “‘vida interior’ lembra-nos outra dimensão que precisa ser considerada:
a centralidade da cultura na constituição da subjetividade, da própria iden-
tidade e da pessoa como um ator social [...]”. Para ele, “é cada vez mais difí-
cil manter a tradicional distinção entre ‘interior’ e ‘exterior’, entre o social e
o psíquico, quando a cultura intervém” (Hall, 1997, pp. 23-24 e 27).
Dito isso, creio que para refletir sobre o processo de socialização con-
temporâneo é necessário considerar alguns aspectos relativos à formação
da individualidade e da subjetividade do indivíduo atual3
. Considero rele-
vante repensar esse processo a partir da reconfiguração dos papéis das ins-
1.Por cultura de massa
entendooprocessomun-
dializado de produção e
difusãodemercadoriasde
caráter simbólico. Reme-
to-mesobretudoàsanáli-
sesdeMorin(1984).
2.A noção de cultura é
aqui utilizada com um
sentido bastante especí-
fico. Extrapolando o
sentido antropológico
do termo, ou seja, um
sistema de valores e nor-
mas de comportamento
que orientam a prática
humana, o conceito de
cultura passa a assumir
outro significado no sé-
culo XX, segundo Hall.
Ele afirma que, na série
de transformações so-
cioculturais da contem-
poraneidade, é possível
observar o crescimento
da importância da cul-
turacomofenômenode
mercado, que passa a
exercerumpapelcentral
na nossa existência coti-
diana.Emsuaspalavras,
“a expressão ‘centralida-
dedacultura’indicaaqui
a forma como a cultura
penetra em cada recanto
davidasocialcontemporâ-
nea, fazendo proliferar
ambientes secundários,
mediandotudo.Acultura
está presente nas vozes e
imagens incorpóreas que
nos interpelam nas telas,
nospostosdegasolina.Ela
é um elemento-chave no
337novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
tâncias tradicionais da educação, bem como da emergência da mídia como
importante agência socializadora ou educadora4
. Nesse sentido, primeira-
mente terei de retomar alguns autores clássicos com o intuito de repensar
suas contribuições. Buscando desenvolver esse argumento, recuperarei al-
gumas visões paradigmáticas a respeito da função das instituições sociais
no processo de socialização e, por último, apontarei as formulações teóri-
cas recentes de François Dubet e Bernard Lahire, que delineiam problemas
atuais da socialização.
As visões clássicas
Os estudos clássicos da sociologia da educação abordam dois espaços
de socialização tradicionais – a família e a escola (cf. Van Zanten e Duru-
Bellat, 1999). Grande parte dos trabalhos desta área, no que se refere ao
tema socialização, tem como paradigma maior Émile Durkheim e, mais
recentemente, Peter Berger e Thomas Luckmann5
.
Em A educação – sua natureza e função, Durkheim define educação
como uma
[...] ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram
ainda preparadas para a vida social: tem por objetivo suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela
sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particular-
mente, se destine (1978, p. 41).
A educação consiste, pois, numa socialização metódica das novas gera-
ções. Segundo o autor,
[...] a sociedade se encontra, a cada nova geração, como que diante de uma tabula
rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos
meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma
natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Ela cria no homem
um ser novo (1978, p. 42).
Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade. [...] É a
sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga a considerar outros
interesses que não os nossos, que nos ensina a dominar as paixões, os instintos, e
dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins
individuais a outros mais elevados. Todo o sistema de representação que mantém
modo como o meio am-
bientedomésticoéatrela-
do,peloconsumo,àsten-
dênciasemodasmundiais
[...]” (Hall, 1997, p. 22).
Para uma melhor com-
preensão do conceito de
cultura, ver Thompson
(1995), e Cuche (1999),
entreoutros.
3.As noções de indiví-
duo,sujeitoeatorsocial
serão usadas aqui como
sinônimos.Emboracons-
ciente das implicações
teóricas do uso indiscri-
minado dessas noções,
optei por fazê-lo para
não carregar a leitura.
Contudo,partodoprin-
cípiodequeosujeitoso-
cial tem uma participa-
ção ativa no processo de
construção da realidade
a que pertence. Numa
intensa e contínua troca
simbólica, a relação en-
tre indivíduo e institui-
çõessociaiséoqueman-
tém e transforma as es-
truturasdomundocole-
tivo. A esse respeito ver,
Bourdieu (2000; 1992)
e Setton (2002b).
4.CombaseemRibeiro
(1973), Rocco (1999),
Martín-Barbero (1995,
2000, 2002) e Baccega
(2002), entendo o sen-
tido da prática educati-
va não apenas como o
processo de aprendiza-
gem de um conheci-
mento formal e siste-
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2338
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
em nós a idéia e o sentimento da lei, da disciplina interna ou externa, é instituído
pela sociedade (Idem, p. 45).
Por isso mesmo, o suposto antagonismo, muitas vezes admitido, entre indivíduo e
sociedade não corresponde a coisa alguma no terreno dos fatos. Bem longe de esta-
rem em oposição, ou de poderem desenvolver-se em sentido inverso, um do outro –
sociedade e indivíduo são idéias dependentes uma da outra. Desejando melhorar a
sociedade, o indivíduo deseja melhorar-se a si próprio. Por sua vez, a ação exercida
pela sociedade, especialmente através da educação, não tem por objeto, ou por efei-
to, comprimir o indivíduo, amesquinhá-lo, desnaturá-lo, mas ao contrário engran-
decê-lo e torná-lo criatura verdadeiramente humana (Idem, pp. 46-47).
A partir dessas considerações, seria possível concluir que o agente social
para Durkheim é visto como um organismo em que os instintos e os dese-
jos infinitos devem deixar de ser regulados naturalmente. Uma educação
normativa e moral deveria assentar a unidade entre indivíduo e sociedade,
ambos concebidos como duas faces de uma mesma realidade. Mais do que
isso, o sucesso desse processo educacional seria caracterizado pela constru-
ção de um ser social totalmente identificado com os valores societários.
Nesse sentido, existiria uma total correspondência entre ator e sistema so-
cial (cf. Dubet, 1996). Segundo essa leitura, o processo de interiorização
das regras de comportamento moral não se constituiria como arbitrário ou
impositivo6
. Ao contrário, a coerção é entendida aqui como uma etapa
civilizatória em direção à liberdade. Assim, a educação familiar e escolar
estariam longe de ter apenas um valor instrumental, ou seja, ser a aquisição
de aprendizagens úteis. Elas exerceriam sobretudo uma influência total na
personalidade dos indivíduos7
.
Nesse mesmo estudo, Durkheim afirma que, diferente da família, volta-
da a ensinamentos de caráter privado e doméstico, a escola surge como com-
plementar a esta, como instituição responsável pela construção de indiví-
duos morais e eticamente comprometidos com o ideal público. A sociedade
do final do século XIX, segundo o autor, demandava a construção de espíri-
tos solidários e altruístas para consolidar o projeto de modernidade do sé-
culo XX. A educação moral das instituições família e escola teria a responsa-
bilidade, portanto, de forjar a personalidade de um novo sujeito social,
agora identificado com a proposta de uma sociedade burguesa e capitalista.
Embora até hoje as proposições de Durkheim sejam paradigmáticas,
creio que para os objetivos desta reflexão seria interessante retomar algu-
mático, mas também
como uma prática que
está presente de manei-
ra difusa e pulverizada
no cotidiano das rela-
ções sociais, sobretudo
no conhecimento pul-
verizado e possibilitado
pelo crescimento da cir-
culação de informações.
5.Durkheim, em seus
escritos sobre educação
e sociologia que datam
do início do século pas-
sado; Talcott Parsons e
George Mead entre as
décadasde1930e1950;
Peter Berger e Thomas
Luckmannnadécadade
1960 e Bourdieu nos
anos de 1970 e 1980,
com sua teoria do habi-
tus. Embora todas essas
contribuiçõessejamrefe-
rências, irei abordar aqui
apenasosautorescitados.
Sobreoconceitodehabi-
tusnaobradeBourdieua
partir de uma leitura
contemporânea, ver
Setton(2002b).
6.É interessante salien-
tar que, embora o pro-
cesso de incorporação
dasdisposiçõessociocul-
turais seja impositivo, o
indivíduo não o sente
como tal, mas deseja-o,
pois identifica-se com a
realidade que o cerca. A
partir de outra perspec-
tiva, Fernandes (1994)
abordacriticamenteessa
leitura.
339novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
mas considerações. Ao compreender a ação individual atrelada a um proje-
to exterior, construído por um conjunto de instituições sociais, Durkheim
explicita uma concepção passiva do agente social. Ou seja, para ele, a cons-
tituição de um ser social e o desenvolvimento da dimensão humana dos
indivíduos estariam totalmente condicionados ao estabelecimento de uma
ordem coletiva em que se encontraria uma perfeita harmonia entre estí-
mulos externos, objetivos e materializados em valores da coletividade, e
estímulos internos e subjetivos dos indivíduos. Embora contemporâneo a
uma série de reflexões sobre o caráter conflitivo e ambíguo das relações
entre indivíduo e sociedade (cf. Freud, 1974; Simmel, 1977), Durkheim
enfatiza e crê na coerência entre valores institucionais e individuais na cons-
trução de um projeto moderno de civilização. A escola laica viria a ser o
grande veículo educativo, instituição capaz de transmitir um corpo de
normas e referências formadoras de uma consciência e de uma personali-
dade moral e ética.
A repercussão das proposições socializadoras de Durkheim pode ser
observada nas contribuições de outros sociólogos que se debruçaram sobre
o mesmo tema. É possível identificar que grande parte das abordagens
culturais e funcionalistas da socialização acentuam essa característica es-
sencial da formação dos indivíduos, pois a entendem como a incorporação
das maneiras de ser de um grupo, uma visão de mundo e uma relação com
o futuro, em outras palavras, a interiorização incondicional de valores,
normas e disposições sociais que fazem do indivíduo um ser socialmente
identificável (cf. Dubar, 2000).
George Mead na década de 1930, Talcott Parsons e Erving Goffman
nas décadas posteriores, entre outros, embora com apropriações distintas
da obra de Durkheim, parecem ser tributários de algumas contribuições
desse autor. Atribuindo às instituições e seus agentes a função da manu-
tenção da ordem social, concebem a construção da realidade a partir de
uma coerência de propósitos entre o indivíduo e o espírito de seu tempo.
Seja na metáfora do ator representando um papel (cf. Parsons, 1973a e b),
seja na noção de self (cf. Mead, 1963), ou mesmo na dimensão dialógica e
interativa da construção da identidade (cf. Goffman, 1975), esses autores
entendem a organização social como um sistema coerente de contínuas
adaptações do indivíduo diante dos ditames institucionais.
A busca pela coerência de propostas entre agentes e instituições sociais,
tal como a exposta acima, rege também escritos mais recentes, que servem
de referência sobre o processo da socialização. Thomas Luckmann e Peter
7.Durkheim (1995)
fala, neste caso, sobre-
tudo a respeito da con-
dição dos conventos ou
internatos. Um exem-
plo do ambiente, do
cotidiano e do espírito
dos internatos pode ser
encontrado nas produ-
ções cinematográficas
de François Trufautt,
em Os incompreendidos,
de 1959, e de Louis
Malle, em Adeus, me-
ninos, de 1987.
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2340
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
Berger, no livro A construção social da realidade (1983)8
, retomam e
aprofundam as análises anteriores sobre o mesmo fenômeno, acrescentan-
do conceitualmente uma distinção interessante entre socialização primária
e socialização secundária9
. A primeira, segundo os autores, define-se pela
imersão da criança em um mundo social no qual vive não como um uni-
verso possível entre todos, mas como o mundo, o único mundo existente
e concebível, o mundo tout court. Essa imersão se faz a partir de um conhe-
cimento de base que serve de referência para que ela consiga objetivar o
mundo exterior, ordená-lo por intermédio da linguagem, bem como refle-
tir e projetar ações passadas e futuras. É a incorporação desse saber de base
na e com a aprendizagem primária da linguagem – oral e escrita – que
constitui o processo fundamental da socialização primária, pois assegura a
posse subjetiva de um eu e de um mundo exterior (cf. Berger e Luckmann,
1983, pp. 173-190; Dubar, 2000, p. 98).
Para esses autores, os saberes básicos incorporados pelas crianças depen-
derão não somente das relações entre a família e o universo escolar, mas de
sua própria relação com os adultos responsáveis pela socialização. No en-
tanto, o interesse essencial desse livro reside na tentativa de construir uma
teoria operatória da socialização secundária, aqui definida como a “interio-
rização de submundos institucionais especializados” e/ou a “aquisição de
saberes específicos e de papéis direta ou indiretamente enraizados na divi-
são do trabalho”. Seriam saberes vistos como maquinarias conceituais que
compreendem um vocabulário, um programa formalizado, um verdadeiro
universo simbólico veiculando uma nova concepção de mundo, que, ao
contrário dos saberes de base da socialização primária, são definidos e cons-
tituídos em referência a um campo especializado de atividades, adquiridos
sobretudo nas instituições escolares. Para os autores, contudo, a coerência
entre saberes de base e saberes especializados não responde a uma dinâmica
única (cf. Berger e Luckmann, 1983, pp. 173-190; Dubar, 2000, p. 99). A
linearidade ou a complementariedade entre os saberes não estariam garan-
tidas. Ao contrário, estariam sujeitas a uma série de fatores conjunturais da
história biográfica e da trajetória social dos indivíduos.
Não obstante, para os objetivos desta reflexão, o que interessa é consi-
derar que a leitura que Luckmann e Berger fazem do processo socializador
assegura um avanço em relação às concepções anteriores. Embora ainda
esteja fortemente vinculada a uma visão culturalista da socialização, essa
abordagem sobre o processo de construção social da realidade permite con-
ceber a socialização a partir da perspectiva da mudança social, e não apenas
8.Otexto“Socialização:
comoserummembroda
sociedade”,dePeterBer-
ger e Brigitte Berger
(1973), embora siga de
uma maneira geral o ar-
gumentodolivroAcons-
trução social da realidade
(editadopelaprimeiravez
em 1966), foi publicado
algunsanosdepoisenão
enfatizaomundodotra-
balho como único res-
ponsávelpeloprocessode
socialização secundária,
como veremos a seguir.
A ênfase é dada a todo
tipo de ambiente social,
fora da esfera doméstica,
que possa exercer algum
domínio sobre o indiví-
duonoprocessodecons-
trução identitária.
9.É importante ressal-
tar que, de maneira in-
formal, Durkheim já
havia feito a distinção
entre as funções das
instituições família e
escola no processo de
socialização. Entretan-
to, são Berger e Luck-
mann que conceituam
teoricamente a distin-
ção entre os dois mo-
mentos desse processo.
341novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
a partir da reprodução da ordem ou da total coerência e identificação entre
indivíduo e sociedade, como pregado por Durkheim. Enfatizando a dife-
renciação e o aprendizado dos saberes institucionais especializados na oca-
sião da socialização secundária, notadamente nas instituições escolares téc-
nicas e profissionais, essa teoria abre a possibilidade de definir a mudança
social como um processo de transformação de uma identidade adquirida
na socialização primária. Nesse sentido, as instituições da socialização não
mais poderiam ser consideradas instâncias funcionalmente integradas e
complementares umas às outras. Ao contrário, elas teriam certa autono-
mia, contribuindo para a construção de mundos diferenciados. A coerên-
cia e a hierarquização dos saberes não seriam mais garantidas por um siste-
ma único de controle social e de legitimidade cultural. Em outras palavras,
os padrões normativos das instituições tradicionais da socialização primá-
ria, ao interagirem com os padrões normativos das instituições da sociali-
zação secundária, poderiam provocar uma série de conflitos identitários,
pois explicitariam lógicas de atuação e concepções de mundo muito dis-
tintas (cf. Dubar, 2000, p. 101). Dessa forma, os autores atribuem uma
participação ativa do indivíduo nas instâncias socializadoras, conferindo a
ele maior autonomia e liberdade reflexiva. Esse indivíduo é concebido como
tendo capacidade de dialogar, questionar e escolher um universo de rela-
ções, bem como os valores que constituem esse universo diferente dos
demais10
.
Apesar de o avanço teórico das reflexões de Berger e Luckmann em
relação à visão clássica do processo de socialização ser inegável, e ainda
procedente, é necessário, não obstante, fazer algumas considerações pa-
ralelas. Uma delas diz respeito ao caráter datado dessas contribuições,
ou seja, ao circunstanciar a socialização secundária em um aprendizado
especializado e/ou na imersão de um universo de símbolos vinculados a
um mundo profissional, os autores se baseiam na realidade social de
uma época. Luckmann e Berger abordam a socialização secundária deri-
vada de uma situação histórica específica do século XX, em que o pro-
cesso de diferenciação social e de autonomização dos campos do traba-
lho estavam consolidados e haviam construído e fortalecido novos grupos
em interação. Isto é, conceberam aquela realidade a partir das relações
nem sempre harmoniosas entre grupos de interesses e profissionais, que
opunham identidades grupais e individuais, essas definidas não somen-
te por seus interesses estratégicos, mas também por suas identidades de
cultura (cf. Dubar, 2000, p. 102).
10.As reflexões de Ber-
ger e Luckmann, se-
gundo eles mesmos, in-
serem-se no escopo de
uma sociologia do co-
nhecimento. Devedo-
res da corrente feno-
menológica, os autores
buscam um diálogo
entre teorias das ciên-
cias humanas, na ten-
tativa de construir um
entendimento dialéti-
co entre estruturas so-
ciais e subjetividades.
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2342
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
No entanto, eles poderiam ser tomados como referência para pensar o
fenômeno da socialização na atualidade? Creio que suas contribuições dei-
xam margem para refletir sobre outras instâncias socializadoras fora do
mundo do trabalho11
, que ocupariam papel significativo na formação das
identidades sociais atuais. Portanto, proponho compreender a articulação
entre saberes e concepções de mundo distintos a partir da experiência da
socialização contemporânea, com o apoio das reflexões de François Dubet
(1996) e Bernard Lahire (1998). Esses autores, ao enfatizarem o impacto
da modernização no processo de construção das identidades, podem aju-
dar na compreensão de algumas proposições.
Uma visão contemporânea
Como já foi dito, a intenção deste artigo é entender o processo de socia-
lização a partir da emergência de uma nova ordem sociocultural, identifi-
cando a presença de uma maior circularidade de experiências e referências
identitárias. Mais do que isso, é importante a heterogeneidade dos espaços
em que se produz e se troca informações, saberes e competências. Na socieda-
de contemporânea, a cultura – no sentido empregado por Hall (1997) –, a
informação e o acesso a formas simbólicas em suas diferentes linguagens – tal
como identificado por Giddens na expressão dos sistemas peritos12
– alcança-
ram um nível de produção e circulação nunca antes visto. O pressuposto
aqui, portanto, é o surgimento de um universo cultural plural e diversificado.
Nesse sentido, é necessário buscar contribuições que assegurem o diá-
logo e as relações de interdependência entre indivíduo e sociedade, tal
como Luckmann e Berger o fizeram na década de 1960, mas que incorpo-
rem também a especificidade do momento cultural moderno. Sensíveis à
problemática da socialização no mundo atual, François Dubet e Bernard
Lahire contribuem na tarefa de explicitar uma nova forma de se com-
preender as experiências de socialização vividas na contemporaneidade.
No livro Sociologia da experiência, François Dubet (1996) reflete so-
bre a crise de paradigma dentro da sociologia como disciplina acadêmi-
ca. Aponta um certo esgotamento das contribuições da sociologia clássi-
ca nas questões relativas ao ator e ao sistema social. Segundo ele, essa
sociologia, representada por Durkheim, Parsons e, de certa forma, por
Norbert Elias, define o ator individual pela interiorização do social, ou
seja, a ação individual seria a realização das normas de um conjunto
social integrado em torno de princípios comuns a atores e sistemas.
11.Os autores também
se referem a associações
religiosas, profissionais,
sindicatos e exército co-
mo instituições respon-
sáveis pela socialização
secundária.
12.Com sistemas peri-
tos Giddens (1991, p.
35) refere-se a sistemas
de excelência técnica
ou competência profis-
sional que organizam
grandes áreas do am-
biente material em que
vivemos hoje.
343novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
Não obstante, com base em pesquisas empíricas, Dubet questiona essa
interpretação. Crê que não é mais possível explicar a ação social a partir do
modelo anterior e sugere a noção de experiência para designar as condutas
individuais e coletivas dominadas pela heterogeneidade de princípios de
orientação. A noção de experiência social parece ser, segundo ele, a menos
inadequada para designar as condutas sociais que não são redutíveis a pu-
ras aplicações de códigos interiorizados ou a encadeamentos de opções
estratégicas que fazem da ação uma série de decisões racionais. Seriam
condutas organizadas por princípios estáveis, mas heterogêneos (cf. Idem,
p. 93). É essa heterogeneidade que permite falar de experiência, esta defi-
nida pela combinação de várias lógicas de ação. A representação clássica da
sociedade deixa de ser adequada nos casos em que os indivíduos são obri-
gados a gerir, simultaneamente, várias lógicas de ação que remetem a di-
versas lógicas do sistema social. Para ele, as combinações de lógicas de ação
que organizam a experiência social do indivíduo moderno não têm centro,
não assentam sobre nenhuma lógica única ou fundamental. A experiência
social, na medida em que sua unidade não é dada, gera necessariamente
uma atividade dos indivíduos, uma capacidade crítica e uma distância em
relação a si mesmos (cf. Idem, p. 94). Para Dubet, a experiência social é
uma maneira de construir o mundo. O indivíduo não está inteiramente
socializado, não porque lhe preexistam elementos “naturais” e irredutíveis,
mas porque a ação não tem unidade, não é redutível a um programa único.
Segundo o autor, existe alguma coisa de inacabado e de opaco na experiên-
cia social do indivíduo contemporâneo, porque não há adequação absolu-
ta entre a subjetividade do ator e a objetividade do sistema. Não existe
uma socialização total, mas se processa uma espécie de separação entre a
subjetividade do indivíduo e a objetividade de seu papel. E essa socializa-
ção não é total, não porque o indivíduo escape do social, mas porque sua
experiência se inscreve em registros múltiplos e não congruentes (cf. Idem,
pp. 94-96).
Para Dubet, a heterogeneidade dos princípios da ação remete à hetero-
geneidade dos sistemas de ação e à própria heterogeneidade dos mecanis-
mos de determinação das lógicas da ação. É essa pluralidade que permite
falar de ator e não de agente, pois a construção de uma coerência da expe-
riência e de uma capacidade de ação é uma exigência. As experiências so-
ciais são combinatórias subjetivas de elementos objetivos. A sociologia da
experiência não separa ator de sistema, não recusa sua unicidade. Mas afir-
ma que, se a unidade das significações da vida social não está no sistema,
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2344
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
só pode ser observada no trabalho do ator social, trabalho pelo qual cons-
trói sua experiência (cf. Idem, p. 107).
Uma sociologia da experiência incita a que se considere cada indivíduo
como um intelectual, como um ator capaz de dominar, conscientemente,
pelo menos em certa medida, sua relação com o mundo. O ator não é
redutível aos seus papéis, nem aos seus interesses. O indivíduo não adere
totalmente a nenhum de seus papéis, que têm como tarefa articular lógicas
de ação, que o ligam a cada uma das dimensões de um sistema. O ator é
obrigado a combinar lógicas de ação diferentes e é a dinâmica gerada por
essa atividade que constitui a subjetividade do ator e sua reflexividade (cf.
Idem, pp. 105-107).
Essa heterogeneidade de experiências socializadoras identificada por
Dubet é também familiar a Bernard Lahire. Para ele, aquilo que vivemos
com nossa família, na escola, com amigos ou no trabalho, não é sintetica-
mente somado de maneira simples. Sem postular uma lógica de desconti-
nuidade absoluta, pressupondo contextos diferentes, pode-se pensar as
experiências como não sendo sistematicamente coerentes, homogêneas e
compatíveis. Cada vez mais o contato precoce com outros universos além
da família está presente em nossas vidas. Lahire afirma ainda que é difícil
conceber um universo coerente e harmonioso em relação ao universo fa-
miliar. Para ele, é necessário constatar que a experiência da pluralidade de
mundos tem todas as chances de ser precoce nas sociedades atuais. Vive-se
simultânea e sucessivamente em contextos sociais diferenciados e não equi-
valentes (cf. Lahire, 2002, pp. 27-31).
Lahire afirma que entre a família, a escola, os amigos e/ou as múltiplas
instituições culturais com quem ou em que a criança e o jovem são levados
a conviver, apresentam-se situações heterogêneas, concorrentes e às vezes
contraditórias, no que se refere aos princípios da socialização. A coerência
dos esquemas de ação que os indivíduos podem interiorizar depende, por-
tanto, da coerência dos princípios de socialização a que estão submetidos.
Desde que um indivíduo esteja simultânea e continuamente no seio de
uma pluralidade de mundos sociais, não homogêneos e às vezes contradi-
tórios, ou no seio de universos sociais relativamente coerentes, mas apre-
sentando em certos aspectos contradições, ele está exposto a um estoque
de esquemas de ação não homogêneos, não unificados, e conseqüente-
mente a práticas heterogêneas, variando segundo o contexto social que
será levado a valorizar (cf. Idem, pp. 32-36).
Por não ocupar posições semelhantes em todos os espaços sociais, o in-
345novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
divíduo vive experiências variadas e às vezes contraditórias na contempora-
neidade. Um ator plural é então produto de experiências – cada vez mais
precoces – de socialização em contextos sociais múltiplos. Pertence simul-
taneamente, no curso da trajetória de sua socialização, a universos sociais
variados (cf. Lahire, 1998, 2002; Dubet, 1996, 1998)13
.
Diante disso, é possível afirmar que, contrários ao posicionamento clás-
sico que, grosso modo, concebe as instâncias da socialização com a função
de transformar valores e normas sociais em papéis identitários, os autores
consideram, não obstante, que a sociedade contemporânea se caracteriza
pela heterogeneidade de princípios de ação. Lahire e Dubet observam um
afastamento gradual, mas contínuo, entre a coerência das práticas dos ato-
res e os espaços institucionais em que circulam.
Eles chamam a atenção para o fato de que, à medida que os universos
de referências sociais e identitários compartilhados se multiplicam e se
diversificam, à medida que uma pluralidade de opções e escolhas está ao
alcance dos indivíduos, estes terão, conseqüentemente, cada vez mais opor-
tunidades de deliberar. Nesse caso, os atores sociais não se reduziriam a
uma identificação coerente com papéis sociais identitários e com padrões
normativos institucionais atribuídos a eles, nem interiorizariam linearmente
projetos institucionais, mas articulariam uma gama variada de padrões e
valores identitários. Portanto, é possível conceber suas práticas e experiên-
cias sociais com base em uma combinação de várias lógicas de ação, que os
ligam a uma variedade de espaços institucionais (cf. Dubet, 1996; Lahire,
2002). Mais do que isso, é possível afirmar que a identidade social e indi-
vidual, na contemporaneidade, não se realizaria mais a partir de uma cor-
respondência contínua entre indivíduo e sociedade, entre papéis propostos
pelas instituições e sua integral identificação pelos indivíduos. O que se
observa é uma tendência à articulação e à negociação constante entre valo-
res e referências institucionais diferenciados e as biografias dos sujeitos.
Considerações finais
Até a década de 1960, a sociologia refletiu sobre as instâncias família e
escola sobretudo como duas instituições separadas (cf. Van-Zanten e Duru-
Bellat, 1999; Sengalen, 1999a). Não antagônicas, é claro, mas cada uma
delas com sua função e com seus papéis complementares na formação e na
socialização dos indivíduos. De um lado, a família, como espaço de afeto,
espaço privado responsável por um patrimônio e uma herança cultural de
13.É importante consi-
derarqueessasafirmações
levamaoutrascontribui-
ções de Dubet (1998),
como quando define o
processodedesinstitucio-
nalizaçãocomoum mo-
do de produção dos in-
divíduos nas sociedades
contemporâneas.Refere-
se sobretudo à perda da
força das instâncias tra-
dicionaisdaeducaçãona
responsabilidadedecons-
truiridentidadescoeren-
tes com suas propostas
institucionais.
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2346
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
base (cf. Sengalen, 1999a, 1999b; Berger e Luckmann, 1983; Bourdieu,
1979). De outro, a escola, como espaço público de formação, de educação
moral, social e profissional dos indivíduos (cf. Durkheim, 1978; Berger e
Luckmann, 1983). Instituições de socialização, coerentes e em perfeita
sintonia com seu público, ambas investem em um projeto integrado, vol-
tado para o desenvolvimento da ordem do sistema social (cf. Dubar, 2000;
Setton, 2002a).
No entanto, a partir de meados do século passado nos países desenvolvi-
dos ocidentais e capitalistas, e notadamente a partir da década de 1970 no
Brasil, com o crescimento de um mercado de bens simbólicos, podemos
visualizar outra configuração sociocultural. Em poucos anos, a sociedade
brasileira viu-se imersa em uma realidade cultural desconhecida até então.
Surge timidamente, mas aos poucos se consolida, um mercado difusor de
informações e de entretenimento com um forte caráter socializador (cf.
Ortiz, 1988; Thompson, 1995; Hall, 1997). Estamos falando do surgi-
mento da cultura de massa, que, com toda sua diversidade e seu aparato
tecnológico, com a capacidade de publicizar conselhos e estilos de vida (cf.
Morin, 1984), passa a difundir uma série de propostas de socialização. Par-
tilha, pois, com a família e a escola, uma responsabilidade pedagógica. Nes-
se contexto, é possível considerar uma nova articulação entre as instâncias
educadoras. Família e escola, tradicionalmente detentoras do monopólio
de formação de personalidades, aos poucos perdem seu poder na constru-
ção das identidades sociais e individuais dos sujeitos (cf. Dubet, 1996;
Lahire, 1998). Novos modelos familiares e novas propostas pedagógicas
surgem, constituindo uma pluralidade de projetos educativos (Singly,
2000a e b; Dayrell, 2000; Setton, 2002a; Martín-Barbero, 1995, 2000,
2002; Rocco, 1999).
Nesse sentido, retomando, quais as implicações da presença de uma
nova configuração cultural para o campo da educação? Creio que, funda-
mentalmente, a importância encontra-se nos aspectos referentes à sociali-
zação, ou seja, nas maneiras de aprendizado formal e informal, na adapta-
ção e na percepção que o indivíduo contemporâneo passa a ter sobre o
mundo e sobre ele mesmo.
O fenômeno da cultura de massa, responsável pela circulação de infor-
mações, favorecido pela fragilidade das instituições tradicionais de educa-
ção, constrói um ambiente favorável à difusão de valores e padrões de con-
duta diversificados e por vezes heterogêneos. Nesse contexto, aponta para
uma nova arquitetura das relações sociais, em que as ações educativas não
347novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
se realizam apenas nos espaços institucionais tradicionais. Ao contrário,
essa nova configuração cultural alerta para outras modalidades educativas,
circunstanciando a particularidade do processo de socialização na contem-
poraneidade. E é nesse quadro que a nova ordem cultural impõe um im-
pacto ao processo de construção da identidade e da subjetividade do indiví-
duo nas formações sociais atuais. Ao dar ênfase ao caráter massivo da
difusão da informação, com enfoque na ampla difusão dos bens culturais, e
ao considerar a reestruturação das instâncias tradicionais da educação, cha-
ma a atenção o fato de que a pluralidade e a heterogeneidade das informa-
ções em circulação contribuem para o surgimento de uma nova percepção
do indivíduo sobre si e sobre os grupos que o rodeiam; contribuem para o
surgimento de novas formas de interação social, novas formas de aproxima-
ção e/ou afastamento entre os indivíduos e grupos (cf. Giddens, 1991,
1994; Dubet, 1996; Simmel, 1977); e oferecem condições de ampliar e
diversificar o conhecimento do indivíduo sobre o mundo, aumentando
suas predisposições e/ou disposições interpretativas e reflexivas.
Assim, poderíamos conceber os sujeitos sociais com um potencial refle-
xivo maior, passando a orientar suas práticas e ações, a refletir sobre a
realidade, construí-la e experimentá-la a partir de outros parâmetros que
não sejam mais exclusivamente locais e institucionais. Em outras palavras,
as biografias individuais e coletivas contemporâneas, segundo essa pers-
pectiva, não estariam mais definidas e traçadas apenas a partir de experiên-
cias próximas no tempo e no espaço, transmitidas pelos agentes tradicio-
nais da educação. Ao contrário, poderiam ser influenciadas por modelos e
referências produzidos e vividos em contextos sociais longínquos e/ou vir-
tuais, possibilitados por essa nova configuração cultural.
Para finalizar, é importante salientar que essa circulação e a intensidade
de penetração de novas formas de pensar e agir, em outras palavras, a
circularidade de novas maneiras de conceber e interpretar o mundo, serão
sempre apropriadas e experimentadas de forma particular e singular, pois
estão continuamente sujeitas aos condicionamentos sociais e às trajetórias
individuais ou de grupos. Não se trata de um processo homogêneo e mas-
sificado. Trata-se sempre de experiências individuais que se apropriam da
heterogeneidade e da complexidade do mundo social a partir de um reper-
tório conquistado a priori e um devir construído no presente.
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2348
A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350
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349novembro 2005
Maria da Graça Jacintho Setton
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Resumo
A particularidade do processo de socialização contemporâneo
O objetivo deste artigo é refletir sobre o processo de socialização do indivíduo contem-
porâneo a partir do ponto de vista do educador, mais especificamente sob a ótica da
sociologia da educação. A autora aborda a particularidade do processo de socialização
pela sua contextualização em uma nova configuração sociocultural, tendo como base a
concepção de modernidade de Anthony Giddens. Procura também abordar esse fenô-
meno a partir das contribuições de Émile Durkheim, Peter Berger, Thomas Luck-
mann e, mais recentemente, François Dubet e Bernard Lahire, enfatizando os limites
das concepções clássicas da socialização diante do surgimento de uma cultura midiática.
Palavras-chave: Socialização; Cultura de massa; Identidade social; Instituições sociais.
Abstract
The Particularity of contemporary socializing process
The aim of this paper is to look at the contemporary individual’s socializing process
from the standpoint of the educator, more specifically, from the Sociology of Educa-
tion point of view. It deals with the particularity of the socializing process through its
contextualization in a new socio-cultural configuration, based on Anthony Giddens’
concept of modernity. It also deals with this phenomenon taking Émile Durkheim,
Peter Berger,Thomas Luckmann and, more recently, François Dubet e Bernard Lahire’s
contributions, highlighting the limits of classical socialization concepts facing the
emergence of a media-boosted culture.
Keywords: Socialization; Mass culture; Social identity; Institutions.
Texto recebido em 3/5/
2003 e aprovado em
15/12/2003.
Maria da Graça Jacinto
Setton é professora de
Sociologia da Educação
do Curso de Pedagogia,
Licenciatura, e do Pro-
gramadePós-Graduação
da Faculdade de Educa-
çãodaUSP.Émestreem
SociologiapelaPUC-SP
e doutora também em
SociologiapelaFFLCH–
USP. Fez pós-doutora-
do na École de Hautes
Études en Sciences So-
ciales, Paris. E-mail:
gracaset@usp.br

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Sociologia 2

  • 1. Introdução Embora os estudos sobre a problemática da socialização sejam abundantes no campo da sociologia da educação (cf. Foracchi e Pereira, 1973; Foracchi e Martins, 1980; Gomes, 1988, 1989; Van Zanten e Duru-Bellat, 1999), é possível observar um tímido debate sobre a particularidade desse processo de interação social vivido na atualidade (cf. Dubet, 1996, 1998; Charlot, 2000; Dubar, 2000, Lahire, 1998). Este artigo tem como intenção refletir sobre a emergência de novos modelos de socialização. Pretendo abordar o processo de construção da identidade social e pessoal do indivíduo na atua- lidade, a partir das transformações sofridas no interior das agências tradicio- nais da educação. Proponho ainda compreender o surgimento de outras instâncias que compartilham a responsabilidade na formação da subjetivi- dade e das representações dos indivíduos no mundo contemporâneo. Para refletir sobre essas considerações, irei referir-me primeiramente às contribuições de Anthony Giddens (1991). Creio que esse autor, ao arti- cular três dimensões das transformações na modernidade (a ressignificação do tempo/espaço, o desencaixe e a reflexividade), ajuda-nos a mapear uma nova configuração social. Para Giddens, é possível observar o “‘desloca- mento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestrutu- ração através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. Nesse sentido, A particularidade do processo de socialização contemporâneo Maria da Graça Jacintho Setton
  • 2. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2336 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 [...] o advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomen- tando relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face [...] isto é, os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles (Giddens, 1991, pp. 27-29). Essa nova arquitetura do social tende a determinar outra forma de per- cepção do indivíduo em relação ao mundo, potencializando sua capacida- de reflexiva, aumentando sua capacidade de articular a multiplicidade de informações a que tem acesso (cf. Benjamin, 1983; Giddens, 1994); e tende, conseqüentemente, a introduzir uma leitura crítica e distanciada sobre o universo social e individual em cada um de nós (cf. Simmel, 1977; Dubet, 1996). A partir dessas reflexões, Giddens (1991, 1994) consegue sistematizar as principais tendências que caracterizam as transformações culturais – notadamente as relativas ao fenômeno da cultura de massas1 – ocorridas no último século, associando evolução tecnológica e material às transfor- mações de ordem cultural e/ou subjetiva dos indivíduos. Ele oferece um corpo de conceitos que nos possibilita analisar outras formas de interação e sociabilidade. Giddens apresenta-nos um pano de fundo, contextualiza sociologicamente o surgimento de outra ordem social que influencia pro- fundamente a constituição de um novo homem, a forma como esse ho- mem pensa sobre si mesmo e sobre suas relações, e como ele se orienta e constrói a realidade a que pertence. Hall (1997) corrobora essa idéia afirmando que “o impacto das revolu- ções culturais sobre as sociedades globais e a vida cotidiana local, no final do século XX, parece tão significativo e abrangente que justifica a afirmação de que a substantiva expansão da ‘cultura’”2 , que hoje experimentamos, não tem precedentes. Mais do que isso, considera que a menção desse impacto na “‘vida interior’ lembra-nos outra dimensão que precisa ser considerada: a centralidade da cultura na constituição da subjetividade, da própria iden- tidade e da pessoa como um ator social [...]”. Para ele, “é cada vez mais difí- cil manter a tradicional distinção entre ‘interior’ e ‘exterior’, entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém” (Hall, 1997, pp. 23-24 e 27). Dito isso, creio que para refletir sobre o processo de socialização con- temporâneo é necessário considerar alguns aspectos relativos à formação da individualidade e da subjetividade do indivíduo atual3 . Considero rele- vante repensar esse processo a partir da reconfiguração dos papéis das ins- 1.Por cultura de massa entendooprocessomun- dializado de produção e difusãodemercadoriasde caráter simbólico. Reme- to-mesobretudoàsanáli- sesdeMorin(1984). 2.A noção de cultura é aqui utilizada com um sentido bastante especí- fico. Extrapolando o sentido antropológico do termo, ou seja, um sistema de valores e nor- mas de comportamento que orientam a prática humana, o conceito de cultura passa a assumir outro significado no sé- culo XX, segundo Hall. Ele afirma que, na série de transformações so- cioculturais da contem- poraneidade, é possível observar o crescimento da importância da cul- turacomofenômenode mercado, que passa a exercerumpapelcentral na nossa existência coti- diana.Emsuaspalavras, “a expressão ‘centralida- dedacultura’indicaaqui a forma como a cultura penetra em cada recanto davidasocialcontemporâ- nea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediandotudo.Acultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam nas telas, nospostosdegasolina.Ela é um elemento-chave no
  • 3. 337novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton tâncias tradicionais da educação, bem como da emergência da mídia como importante agência socializadora ou educadora4 . Nesse sentido, primeira- mente terei de retomar alguns autores clássicos com o intuito de repensar suas contribuições. Buscando desenvolver esse argumento, recuperarei al- gumas visões paradigmáticas a respeito da função das instituições sociais no processo de socialização e, por último, apontarei as formulações teóri- cas recentes de François Dubet e Bernard Lahire, que delineiam problemas atuais da socialização. As visões clássicas Os estudos clássicos da sociologia da educação abordam dois espaços de socialização tradicionais – a família e a escola (cf. Van Zanten e Duru- Bellat, 1999). Grande parte dos trabalhos desta área, no que se refere ao tema socialização, tem como paradigma maior Émile Durkheim e, mais recentemente, Peter Berger e Thomas Luckmann5 . Em A educação – sua natureza e função, Durkheim define educação como uma [...] ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social: tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particular- mente, se destine (1978, p. 41). A educação consiste, pois, numa socialização metódica das novas gera- ções. Segundo o autor, [...] a sociedade se encontra, a cada nova geração, como que diante de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da educação. Ela cria no homem um ser novo (1978, p. 42). Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade. [...] É a sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga a considerar outros interesses que não os nossos, que nos ensina a dominar as paixões, os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins individuais a outros mais elevados. Todo o sistema de representação que mantém modo como o meio am- bientedomésticoéatrela- do,peloconsumo,àsten- dênciasemodasmundiais [...]” (Hall, 1997, p. 22). Para uma melhor com- preensão do conceito de cultura, ver Thompson (1995), e Cuche (1999), entreoutros. 3.As noções de indiví- duo,sujeitoeatorsocial serão usadas aqui como sinônimos.Emboracons- ciente das implicações teóricas do uso indiscri- minado dessas noções, optei por fazê-lo para não carregar a leitura. Contudo,partodoprin- cípiodequeosujeitoso- cial tem uma participa- ção ativa no processo de construção da realidade a que pertence. Numa intensa e contínua troca simbólica, a relação en- tre indivíduo e institui- çõessociaiséoqueman- tém e transforma as es- truturasdomundocole- tivo. A esse respeito ver, Bourdieu (2000; 1992) e Setton (2002b). 4.CombaseemRibeiro (1973), Rocco (1999), Martín-Barbero (1995, 2000, 2002) e Baccega (2002), entendo o sen- tido da prática educati- va não apenas como o processo de aprendiza- gem de um conheci- mento formal e siste-
  • 4. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2338 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 em nós a idéia e o sentimento da lei, da disciplina interna ou externa, é instituído pela sociedade (Idem, p. 45). Por isso mesmo, o suposto antagonismo, muitas vezes admitido, entre indivíduo e sociedade não corresponde a coisa alguma no terreno dos fatos. Bem longe de esta- rem em oposição, ou de poderem desenvolver-se em sentido inverso, um do outro – sociedade e indivíduo são idéias dependentes uma da outra. Desejando melhorar a sociedade, o indivíduo deseja melhorar-se a si próprio. Por sua vez, a ação exercida pela sociedade, especialmente através da educação, não tem por objeto, ou por efei- to, comprimir o indivíduo, amesquinhá-lo, desnaturá-lo, mas ao contrário engran- decê-lo e torná-lo criatura verdadeiramente humana (Idem, pp. 46-47). A partir dessas considerações, seria possível concluir que o agente social para Durkheim é visto como um organismo em que os instintos e os dese- jos infinitos devem deixar de ser regulados naturalmente. Uma educação normativa e moral deveria assentar a unidade entre indivíduo e sociedade, ambos concebidos como duas faces de uma mesma realidade. Mais do que isso, o sucesso desse processo educacional seria caracterizado pela constru- ção de um ser social totalmente identificado com os valores societários. Nesse sentido, existiria uma total correspondência entre ator e sistema so- cial (cf. Dubet, 1996). Segundo essa leitura, o processo de interiorização das regras de comportamento moral não se constituiria como arbitrário ou impositivo6 . Ao contrário, a coerção é entendida aqui como uma etapa civilizatória em direção à liberdade. Assim, a educação familiar e escolar estariam longe de ter apenas um valor instrumental, ou seja, ser a aquisição de aprendizagens úteis. Elas exerceriam sobretudo uma influência total na personalidade dos indivíduos7 . Nesse mesmo estudo, Durkheim afirma que, diferente da família, volta- da a ensinamentos de caráter privado e doméstico, a escola surge como com- plementar a esta, como instituição responsável pela construção de indiví- duos morais e eticamente comprometidos com o ideal público. A sociedade do final do século XIX, segundo o autor, demandava a construção de espíri- tos solidários e altruístas para consolidar o projeto de modernidade do sé- culo XX. A educação moral das instituições família e escola teria a responsa- bilidade, portanto, de forjar a personalidade de um novo sujeito social, agora identificado com a proposta de uma sociedade burguesa e capitalista. Embora até hoje as proposições de Durkheim sejam paradigmáticas, creio que para os objetivos desta reflexão seria interessante retomar algu- mático, mas também como uma prática que está presente de manei- ra difusa e pulverizada no cotidiano das rela- ções sociais, sobretudo no conhecimento pul- verizado e possibilitado pelo crescimento da cir- culação de informações. 5.Durkheim, em seus escritos sobre educação e sociologia que datam do início do século pas- sado; Talcott Parsons e George Mead entre as décadasde1930e1950; Peter Berger e Thomas Luckmannnadécadade 1960 e Bourdieu nos anos de 1970 e 1980, com sua teoria do habi- tus. Embora todas essas contribuiçõessejamrefe- rências, irei abordar aqui apenasosautorescitados. Sobreoconceitodehabi- tusnaobradeBourdieua partir de uma leitura contemporânea, ver Setton(2002b). 6.É interessante salien- tar que, embora o pro- cesso de incorporação dasdisposiçõessociocul- turais seja impositivo, o indivíduo não o sente como tal, mas deseja-o, pois identifica-se com a realidade que o cerca. A partir de outra perspec- tiva, Fernandes (1994) abordacriticamenteessa leitura.
  • 5. 339novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton mas considerações. Ao compreender a ação individual atrelada a um proje- to exterior, construído por um conjunto de instituições sociais, Durkheim explicita uma concepção passiva do agente social. Ou seja, para ele, a cons- tituição de um ser social e o desenvolvimento da dimensão humana dos indivíduos estariam totalmente condicionados ao estabelecimento de uma ordem coletiva em que se encontraria uma perfeita harmonia entre estí- mulos externos, objetivos e materializados em valores da coletividade, e estímulos internos e subjetivos dos indivíduos. Embora contemporâneo a uma série de reflexões sobre o caráter conflitivo e ambíguo das relações entre indivíduo e sociedade (cf. Freud, 1974; Simmel, 1977), Durkheim enfatiza e crê na coerência entre valores institucionais e individuais na cons- trução de um projeto moderno de civilização. A escola laica viria a ser o grande veículo educativo, instituição capaz de transmitir um corpo de normas e referências formadoras de uma consciência e de uma personali- dade moral e ética. A repercussão das proposições socializadoras de Durkheim pode ser observada nas contribuições de outros sociólogos que se debruçaram sobre o mesmo tema. É possível identificar que grande parte das abordagens culturais e funcionalistas da socialização acentuam essa característica es- sencial da formação dos indivíduos, pois a entendem como a incorporação das maneiras de ser de um grupo, uma visão de mundo e uma relação com o futuro, em outras palavras, a interiorização incondicional de valores, normas e disposições sociais que fazem do indivíduo um ser socialmente identificável (cf. Dubar, 2000). George Mead na década de 1930, Talcott Parsons e Erving Goffman nas décadas posteriores, entre outros, embora com apropriações distintas da obra de Durkheim, parecem ser tributários de algumas contribuições desse autor. Atribuindo às instituições e seus agentes a função da manu- tenção da ordem social, concebem a construção da realidade a partir de uma coerência de propósitos entre o indivíduo e o espírito de seu tempo. Seja na metáfora do ator representando um papel (cf. Parsons, 1973a e b), seja na noção de self (cf. Mead, 1963), ou mesmo na dimensão dialógica e interativa da construção da identidade (cf. Goffman, 1975), esses autores entendem a organização social como um sistema coerente de contínuas adaptações do indivíduo diante dos ditames institucionais. A busca pela coerência de propostas entre agentes e instituições sociais, tal como a exposta acima, rege também escritos mais recentes, que servem de referência sobre o processo da socialização. Thomas Luckmann e Peter 7.Durkheim (1995) fala, neste caso, sobre- tudo a respeito da con- dição dos conventos ou internatos. Um exem- plo do ambiente, do cotidiano e do espírito dos internatos pode ser encontrado nas produ- ções cinematográficas de François Trufautt, em Os incompreendidos, de 1959, e de Louis Malle, em Adeus, me- ninos, de 1987.
  • 6. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2340 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 Berger, no livro A construção social da realidade (1983)8 , retomam e aprofundam as análises anteriores sobre o mesmo fenômeno, acrescentan- do conceitualmente uma distinção interessante entre socialização primária e socialização secundária9 . A primeira, segundo os autores, define-se pela imersão da criança em um mundo social no qual vive não como um uni- verso possível entre todos, mas como o mundo, o único mundo existente e concebível, o mundo tout court. Essa imersão se faz a partir de um conhe- cimento de base que serve de referência para que ela consiga objetivar o mundo exterior, ordená-lo por intermédio da linguagem, bem como refle- tir e projetar ações passadas e futuras. É a incorporação desse saber de base na e com a aprendizagem primária da linguagem – oral e escrita – que constitui o processo fundamental da socialização primária, pois assegura a posse subjetiva de um eu e de um mundo exterior (cf. Berger e Luckmann, 1983, pp. 173-190; Dubar, 2000, p. 98). Para esses autores, os saberes básicos incorporados pelas crianças depen- derão não somente das relações entre a família e o universo escolar, mas de sua própria relação com os adultos responsáveis pela socialização. No en- tanto, o interesse essencial desse livro reside na tentativa de construir uma teoria operatória da socialização secundária, aqui definida como a “interio- rização de submundos institucionais especializados” e/ou a “aquisição de saberes específicos e de papéis direta ou indiretamente enraizados na divi- são do trabalho”. Seriam saberes vistos como maquinarias conceituais que compreendem um vocabulário, um programa formalizado, um verdadeiro universo simbólico veiculando uma nova concepção de mundo, que, ao contrário dos saberes de base da socialização primária, são definidos e cons- tituídos em referência a um campo especializado de atividades, adquiridos sobretudo nas instituições escolares. Para os autores, contudo, a coerência entre saberes de base e saberes especializados não responde a uma dinâmica única (cf. Berger e Luckmann, 1983, pp. 173-190; Dubar, 2000, p. 99). A linearidade ou a complementariedade entre os saberes não estariam garan- tidas. Ao contrário, estariam sujeitas a uma série de fatores conjunturais da história biográfica e da trajetória social dos indivíduos. Não obstante, para os objetivos desta reflexão, o que interessa é consi- derar que a leitura que Luckmann e Berger fazem do processo socializador assegura um avanço em relação às concepções anteriores. Embora ainda esteja fortemente vinculada a uma visão culturalista da socialização, essa abordagem sobre o processo de construção social da realidade permite con- ceber a socialização a partir da perspectiva da mudança social, e não apenas 8.Otexto“Socialização: comoserummembroda sociedade”,dePeterBer- ger e Brigitte Berger (1973), embora siga de uma maneira geral o ar- gumentodolivroAcons- trução social da realidade (editadopelaprimeiravez em 1966), foi publicado algunsanosdepoisenão enfatizaomundodotra- balho como único res- ponsávelpeloprocessode socialização secundária, como veremos a seguir. A ênfase é dada a todo tipo de ambiente social, fora da esfera doméstica, que possa exercer algum domínio sobre o indiví- duonoprocessodecons- trução identitária. 9.É importante ressal- tar que, de maneira in- formal, Durkheim já havia feito a distinção entre as funções das instituições família e escola no processo de socialização. Entretan- to, são Berger e Luck- mann que conceituam teoricamente a distin- ção entre os dois mo- mentos desse processo.
  • 7. 341novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton a partir da reprodução da ordem ou da total coerência e identificação entre indivíduo e sociedade, como pregado por Durkheim. Enfatizando a dife- renciação e o aprendizado dos saberes institucionais especializados na oca- sião da socialização secundária, notadamente nas instituições escolares téc- nicas e profissionais, essa teoria abre a possibilidade de definir a mudança social como um processo de transformação de uma identidade adquirida na socialização primária. Nesse sentido, as instituições da socialização não mais poderiam ser consideradas instâncias funcionalmente integradas e complementares umas às outras. Ao contrário, elas teriam certa autono- mia, contribuindo para a construção de mundos diferenciados. A coerên- cia e a hierarquização dos saberes não seriam mais garantidas por um siste- ma único de controle social e de legitimidade cultural. Em outras palavras, os padrões normativos das instituições tradicionais da socialização primá- ria, ao interagirem com os padrões normativos das instituições da sociali- zação secundária, poderiam provocar uma série de conflitos identitários, pois explicitariam lógicas de atuação e concepções de mundo muito dis- tintas (cf. Dubar, 2000, p. 101). Dessa forma, os autores atribuem uma participação ativa do indivíduo nas instâncias socializadoras, conferindo a ele maior autonomia e liberdade reflexiva. Esse indivíduo é concebido como tendo capacidade de dialogar, questionar e escolher um universo de rela- ções, bem como os valores que constituem esse universo diferente dos demais10 . Apesar de o avanço teórico das reflexões de Berger e Luckmann em relação à visão clássica do processo de socialização ser inegável, e ainda procedente, é necessário, não obstante, fazer algumas considerações pa- ralelas. Uma delas diz respeito ao caráter datado dessas contribuições, ou seja, ao circunstanciar a socialização secundária em um aprendizado especializado e/ou na imersão de um universo de símbolos vinculados a um mundo profissional, os autores se baseiam na realidade social de uma época. Luckmann e Berger abordam a socialização secundária deri- vada de uma situação histórica específica do século XX, em que o pro- cesso de diferenciação social e de autonomização dos campos do traba- lho estavam consolidados e haviam construído e fortalecido novos grupos em interação. Isto é, conceberam aquela realidade a partir das relações nem sempre harmoniosas entre grupos de interesses e profissionais, que opunham identidades grupais e individuais, essas definidas não somen- te por seus interesses estratégicos, mas também por suas identidades de cultura (cf. Dubar, 2000, p. 102). 10.As reflexões de Ber- ger e Luckmann, se- gundo eles mesmos, in- serem-se no escopo de uma sociologia do co- nhecimento. Devedo- res da corrente feno- menológica, os autores buscam um diálogo entre teorias das ciên- cias humanas, na ten- tativa de construir um entendimento dialéti- co entre estruturas so- ciais e subjetividades.
  • 8. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2342 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 No entanto, eles poderiam ser tomados como referência para pensar o fenômeno da socialização na atualidade? Creio que suas contribuições dei- xam margem para refletir sobre outras instâncias socializadoras fora do mundo do trabalho11 , que ocupariam papel significativo na formação das identidades sociais atuais. Portanto, proponho compreender a articulação entre saberes e concepções de mundo distintos a partir da experiência da socialização contemporânea, com o apoio das reflexões de François Dubet (1996) e Bernard Lahire (1998). Esses autores, ao enfatizarem o impacto da modernização no processo de construção das identidades, podem aju- dar na compreensão de algumas proposições. Uma visão contemporânea Como já foi dito, a intenção deste artigo é entender o processo de socia- lização a partir da emergência de uma nova ordem sociocultural, identifi- cando a presença de uma maior circularidade de experiências e referências identitárias. Mais do que isso, é importante a heterogeneidade dos espaços em que se produz e se troca informações, saberes e competências. Na socieda- de contemporânea, a cultura – no sentido empregado por Hall (1997) –, a informação e o acesso a formas simbólicas em suas diferentes linguagens – tal como identificado por Giddens na expressão dos sistemas peritos12 – alcança- ram um nível de produção e circulação nunca antes visto. O pressuposto aqui, portanto, é o surgimento de um universo cultural plural e diversificado. Nesse sentido, é necessário buscar contribuições que assegurem o diá- logo e as relações de interdependência entre indivíduo e sociedade, tal como Luckmann e Berger o fizeram na década de 1960, mas que incorpo- rem também a especificidade do momento cultural moderno. Sensíveis à problemática da socialização no mundo atual, François Dubet e Bernard Lahire contribuem na tarefa de explicitar uma nova forma de se com- preender as experiências de socialização vividas na contemporaneidade. No livro Sociologia da experiência, François Dubet (1996) reflete so- bre a crise de paradigma dentro da sociologia como disciplina acadêmi- ca. Aponta um certo esgotamento das contribuições da sociologia clássi- ca nas questões relativas ao ator e ao sistema social. Segundo ele, essa sociologia, representada por Durkheim, Parsons e, de certa forma, por Norbert Elias, define o ator individual pela interiorização do social, ou seja, a ação individual seria a realização das normas de um conjunto social integrado em torno de princípios comuns a atores e sistemas. 11.Os autores também se referem a associações religiosas, profissionais, sindicatos e exército co- mo instituições respon- sáveis pela socialização secundária. 12.Com sistemas peri- tos Giddens (1991, p. 35) refere-se a sistemas de excelência técnica ou competência profis- sional que organizam grandes áreas do am- biente material em que vivemos hoje.
  • 9. 343novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton Não obstante, com base em pesquisas empíricas, Dubet questiona essa interpretação. Crê que não é mais possível explicar a ação social a partir do modelo anterior e sugere a noção de experiência para designar as condutas individuais e coletivas dominadas pela heterogeneidade de princípios de orientação. A noção de experiência social parece ser, segundo ele, a menos inadequada para designar as condutas sociais que não são redutíveis a pu- ras aplicações de códigos interiorizados ou a encadeamentos de opções estratégicas que fazem da ação uma série de decisões racionais. Seriam condutas organizadas por princípios estáveis, mas heterogêneos (cf. Idem, p. 93). É essa heterogeneidade que permite falar de experiência, esta defi- nida pela combinação de várias lógicas de ação. A representação clássica da sociedade deixa de ser adequada nos casos em que os indivíduos são obri- gados a gerir, simultaneamente, várias lógicas de ação que remetem a di- versas lógicas do sistema social. Para ele, as combinações de lógicas de ação que organizam a experiência social do indivíduo moderno não têm centro, não assentam sobre nenhuma lógica única ou fundamental. A experiência social, na medida em que sua unidade não é dada, gera necessariamente uma atividade dos indivíduos, uma capacidade crítica e uma distância em relação a si mesmos (cf. Idem, p. 94). Para Dubet, a experiência social é uma maneira de construir o mundo. O indivíduo não está inteiramente socializado, não porque lhe preexistam elementos “naturais” e irredutíveis, mas porque a ação não tem unidade, não é redutível a um programa único. Segundo o autor, existe alguma coisa de inacabado e de opaco na experiên- cia social do indivíduo contemporâneo, porque não há adequação absolu- ta entre a subjetividade do ator e a objetividade do sistema. Não existe uma socialização total, mas se processa uma espécie de separação entre a subjetividade do indivíduo e a objetividade de seu papel. E essa socializa- ção não é total, não porque o indivíduo escape do social, mas porque sua experiência se inscreve em registros múltiplos e não congruentes (cf. Idem, pp. 94-96). Para Dubet, a heterogeneidade dos princípios da ação remete à hetero- geneidade dos sistemas de ação e à própria heterogeneidade dos mecanis- mos de determinação das lógicas da ação. É essa pluralidade que permite falar de ator e não de agente, pois a construção de uma coerência da expe- riência e de uma capacidade de ação é uma exigência. As experiências so- ciais são combinatórias subjetivas de elementos objetivos. A sociologia da experiência não separa ator de sistema, não recusa sua unicidade. Mas afir- ma que, se a unidade das significações da vida social não está no sistema,
  • 10. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2344 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 só pode ser observada no trabalho do ator social, trabalho pelo qual cons- trói sua experiência (cf. Idem, p. 107). Uma sociologia da experiência incita a que se considere cada indivíduo como um intelectual, como um ator capaz de dominar, conscientemente, pelo menos em certa medida, sua relação com o mundo. O ator não é redutível aos seus papéis, nem aos seus interesses. O indivíduo não adere totalmente a nenhum de seus papéis, que têm como tarefa articular lógicas de ação, que o ligam a cada uma das dimensões de um sistema. O ator é obrigado a combinar lógicas de ação diferentes e é a dinâmica gerada por essa atividade que constitui a subjetividade do ator e sua reflexividade (cf. Idem, pp. 105-107). Essa heterogeneidade de experiências socializadoras identificada por Dubet é também familiar a Bernard Lahire. Para ele, aquilo que vivemos com nossa família, na escola, com amigos ou no trabalho, não é sintetica- mente somado de maneira simples. Sem postular uma lógica de desconti- nuidade absoluta, pressupondo contextos diferentes, pode-se pensar as experiências como não sendo sistematicamente coerentes, homogêneas e compatíveis. Cada vez mais o contato precoce com outros universos além da família está presente em nossas vidas. Lahire afirma ainda que é difícil conceber um universo coerente e harmonioso em relação ao universo fa- miliar. Para ele, é necessário constatar que a experiência da pluralidade de mundos tem todas as chances de ser precoce nas sociedades atuais. Vive-se simultânea e sucessivamente em contextos sociais diferenciados e não equi- valentes (cf. Lahire, 2002, pp. 27-31). Lahire afirma que entre a família, a escola, os amigos e/ou as múltiplas instituições culturais com quem ou em que a criança e o jovem são levados a conviver, apresentam-se situações heterogêneas, concorrentes e às vezes contraditórias, no que se refere aos princípios da socialização. A coerência dos esquemas de ação que os indivíduos podem interiorizar depende, por- tanto, da coerência dos princípios de socialização a que estão submetidos. Desde que um indivíduo esteja simultânea e continuamente no seio de uma pluralidade de mundos sociais, não homogêneos e às vezes contradi- tórios, ou no seio de universos sociais relativamente coerentes, mas apre- sentando em certos aspectos contradições, ele está exposto a um estoque de esquemas de ação não homogêneos, não unificados, e conseqüente- mente a práticas heterogêneas, variando segundo o contexto social que será levado a valorizar (cf. Idem, pp. 32-36). Por não ocupar posições semelhantes em todos os espaços sociais, o in-
  • 11. 345novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton divíduo vive experiências variadas e às vezes contraditórias na contempora- neidade. Um ator plural é então produto de experiências – cada vez mais precoces – de socialização em contextos sociais múltiplos. Pertence simul- taneamente, no curso da trajetória de sua socialização, a universos sociais variados (cf. Lahire, 1998, 2002; Dubet, 1996, 1998)13 . Diante disso, é possível afirmar que, contrários ao posicionamento clás- sico que, grosso modo, concebe as instâncias da socialização com a função de transformar valores e normas sociais em papéis identitários, os autores consideram, não obstante, que a sociedade contemporânea se caracteriza pela heterogeneidade de princípios de ação. Lahire e Dubet observam um afastamento gradual, mas contínuo, entre a coerência das práticas dos ato- res e os espaços institucionais em que circulam. Eles chamam a atenção para o fato de que, à medida que os universos de referências sociais e identitários compartilhados se multiplicam e se diversificam, à medida que uma pluralidade de opções e escolhas está ao alcance dos indivíduos, estes terão, conseqüentemente, cada vez mais opor- tunidades de deliberar. Nesse caso, os atores sociais não se reduziriam a uma identificação coerente com papéis sociais identitários e com padrões normativos institucionais atribuídos a eles, nem interiorizariam linearmente projetos institucionais, mas articulariam uma gama variada de padrões e valores identitários. Portanto, é possível conceber suas práticas e experiên- cias sociais com base em uma combinação de várias lógicas de ação, que os ligam a uma variedade de espaços institucionais (cf. Dubet, 1996; Lahire, 2002). Mais do que isso, é possível afirmar que a identidade social e indi- vidual, na contemporaneidade, não se realizaria mais a partir de uma cor- respondência contínua entre indivíduo e sociedade, entre papéis propostos pelas instituições e sua integral identificação pelos indivíduos. O que se observa é uma tendência à articulação e à negociação constante entre valo- res e referências institucionais diferenciados e as biografias dos sujeitos. Considerações finais Até a década de 1960, a sociologia refletiu sobre as instâncias família e escola sobretudo como duas instituições separadas (cf. Van-Zanten e Duru- Bellat, 1999; Sengalen, 1999a). Não antagônicas, é claro, mas cada uma delas com sua função e com seus papéis complementares na formação e na socialização dos indivíduos. De um lado, a família, como espaço de afeto, espaço privado responsável por um patrimônio e uma herança cultural de 13.É importante consi- derarqueessasafirmações levamaoutrascontribui- ções de Dubet (1998), como quando define o processodedesinstitucio- nalizaçãocomoum mo- do de produção dos in- divíduos nas sociedades contemporâneas.Refere- se sobretudo à perda da força das instâncias tra- dicionaisdaeducaçãona responsabilidadedecons- truiridentidadescoeren- tes com suas propostas institucionais.
  • 12. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2346 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 base (cf. Sengalen, 1999a, 1999b; Berger e Luckmann, 1983; Bourdieu, 1979). De outro, a escola, como espaço público de formação, de educação moral, social e profissional dos indivíduos (cf. Durkheim, 1978; Berger e Luckmann, 1983). Instituições de socialização, coerentes e em perfeita sintonia com seu público, ambas investem em um projeto integrado, vol- tado para o desenvolvimento da ordem do sistema social (cf. Dubar, 2000; Setton, 2002a). No entanto, a partir de meados do século passado nos países desenvolvi- dos ocidentais e capitalistas, e notadamente a partir da década de 1970 no Brasil, com o crescimento de um mercado de bens simbólicos, podemos visualizar outra configuração sociocultural. Em poucos anos, a sociedade brasileira viu-se imersa em uma realidade cultural desconhecida até então. Surge timidamente, mas aos poucos se consolida, um mercado difusor de informações e de entretenimento com um forte caráter socializador (cf. Ortiz, 1988; Thompson, 1995; Hall, 1997). Estamos falando do surgi- mento da cultura de massa, que, com toda sua diversidade e seu aparato tecnológico, com a capacidade de publicizar conselhos e estilos de vida (cf. Morin, 1984), passa a difundir uma série de propostas de socialização. Par- tilha, pois, com a família e a escola, uma responsabilidade pedagógica. Nes- se contexto, é possível considerar uma nova articulação entre as instâncias educadoras. Família e escola, tradicionalmente detentoras do monopólio de formação de personalidades, aos poucos perdem seu poder na constru- ção das identidades sociais e individuais dos sujeitos (cf. Dubet, 1996; Lahire, 1998). Novos modelos familiares e novas propostas pedagógicas surgem, constituindo uma pluralidade de projetos educativos (Singly, 2000a e b; Dayrell, 2000; Setton, 2002a; Martín-Barbero, 1995, 2000, 2002; Rocco, 1999). Nesse sentido, retomando, quais as implicações da presença de uma nova configuração cultural para o campo da educação? Creio que, funda- mentalmente, a importância encontra-se nos aspectos referentes à sociali- zação, ou seja, nas maneiras de aprendizado formal e informal, na adapta- ção e na percepção que o indivíduo contemporâneo passa a ter sobre o mundo e sobre ele mesmo. O fenômeno da cultura de massa, responsável pela circulação de infor- mações, favorecido pela fragilidade das instituições tradicionais de educa- ção, constrói um ambiente favorável à difusão de valores e padrões de con- duta diversificados e por vezes heterogêneos. Nesse contexto, aponta para uma nova arquitetura das relações sociais, em que as ações educativas não
  • 13. 347novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton se realizam apenas nos espaços institucionais tradicionais. Ao contrário, essa nova configuração cultural alerta para outras modalidades educativas, circunstanciando a particularidade do processo de socialização na contem- poraneidade. E é nesse quadro que a nova ordem cultural impõe um im- pacto ao processo de construção da identidade e da subjetividade do indiví- duo nas formações sociais atuais. Ao dar ênfase ao caráter massivo da difusão da informação, com enfoque na ampla difusão dos bens culturais, e ao considerar a reestruturação das instâncias tradicionais da educação, cha- ma a atenção o fato de que a pluralidade e a heterogeneidade das informa- ções em circulação contribuem para o surgimento de uma nova percepção do indivíduo sobre si e sobre os grupos que o rodeiam; contribuem para o surgimento de novas formas de interação social, novas formas de aproxima- ção e/ou afastamento entre os indivíduos e grupos (cf. Giddens, 1991, 1994; Dubet, 1996; Simmel, 1977); e oferecem condições de ampliar e diversificar o conhecimento do indivíduo sobre o mundo, aumentando suas predisposições e/ou disposições interpretativas e reflexivas. Assim, poderíamos conceber os sujeitos sociais com um potencial refle- xivo maior, passando a orientar suas práticas e ações, a refletir sobre a realidade, construí-la e experimentá-la a partir de outros parâmetros que não sejam mais exclusivamente locais e institucionais. Em outras palavras, as biografias individuais e coletivas contemporâneas, segundo essa pers- pectiva, não estariam mais definidas e traçadas apenas a partir de experiên- cias próximas no tempo e no espaço, transmitidas pelos agentes tradicio- nais da educação. Ao contrário, poderiam ser influenciadas por modelos e referências produzidos e vividos em contextos sociais longínquos e/ou vir- tuais, possibilitados por essa nova configuração cultural. Para finalizar, é importante salientar que essa circulação e a intensidade de penetração de novas formas de pensar e agir, em outras palavras, a circularidade de novas maneiras de conceber e interpretar o mundo, serão sempre apropriadas e experimentadas de forma particular e singular, pois estão continuamente sujeitas aos condicionamentos sociais e às trajetórias individuais ou de grupos. Não se trata de um processo homogêneo e mas- sificado. Trata-se sempre de experiências individuais que se apropriam da heterogeneidade e da complexidade do mundo social a partir de um reper- tório conquistado a priori e um devir construído no presente.
  • 14. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2348 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 Referências Bibliográficas BACCEGA, Maria Aparecida. (2002), “Televisão e escola: aproximações e distanciamentos”. Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Ciên- cias da Comunicação Intercom, Bahia, Salvador. BENJAMIN, Walter. (1983), “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Walter Benjamin. São Paulo, Abril, pp. 165-196 (col. “Os Pensadores”). BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. (1983), A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes. BERGER, Peter & BERGER, Brigitte. (1973), “Socialização: como ser um membro da sociedade”. In: FORACCI, Marialice M. & SOUZA MARTINS, José (orgs.). Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. São Paulo/Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, pp. 200-214. BOURDIEU, Pierre. (1979), La distinction: critique sociale du jugement. Paris, Minuit. ______. (1992), Réponses – avec Löic J. D. Wacquant. Paris, Seuil. ______.(2000), Esquisse d’une théorie de la pratique – précedé de trois études d’ethnologie kabyle. Paris, Seuil. CHARLOT, Bernard. (2000), Da relação com o saber, elementos para uma teoria. Porto Alegre, Artmed. CUCHE, Denys. (1999), A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, Edusc. DAYRELL, Juarez. (2000), A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude em Belo Horizonte. Tese de doutorado, Faculdade de Educação da Uni- versidade de São Paulo. ______. (2002) “O rap e o funk na socialização da juventude”. Educação e Pesquisa. Revista da Faculdade de Educação, 28(1): 117-136, jan./jun., São Paulo, USP. DUBAR, Claude. (2000), La socialisation. Paris, Armand Collin. ______. (1997), A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto, Editora Porto. DUBET, François. (1996), A sociologia da experiência. Lisboa, Instituto Piaget. ______. (1998), “A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização”. Contempora- neidade e Educação, ano III, 3: 27-33, mar., São Paulo. DURKHEIM, Émile. (1978), Educação e sociologia. São Paulo, Melhoramentos. ______. (1995), A evolução pedagógica. Porto Alegre, Artes Médicas. FERNANDES, Heloisa. (1994), Sintoma social dominante e moralização infantil. São Paulo: Edusp/Escuta. FORACCI, Marialice M. & SOUZA MARTINS, José (orgs.). (1980), Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro/São Paulo, Livros Técnicos e Científicos.
  • 15. 349novembro 2005 Maria da Graça Jacintho Setton FORACCI, Marialice M. & PEREIRA, Luis (orgs.). (1973), Educação e sociedade. Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional. FREUD, Sigmund. (1974), “O mal-estar na civilização”. In: ______.Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago. GIDDENS, Anthony. (1991), As conseqüências da modernidade. São Paulo, Editora da Unesp. ______. (1994). Modernidade e identidade pessoal. Oeiras, Celta. GOFFMAN, Erving. (1975), A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes. GOMES, Jerusa G. (1988), “Do campo à cidade: as transformações nas práticas educativas familiares”. Cadernos de Pesquisa, 64: 48-56, fev., São Paulo. ______.(1989), “Socialização: um problema de mediação?”. Revista Psicologia, 1: 57- 65, São Paulo, USP. HALL, Stuart. (1997), “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo”. Educação e Realidade, 22 (2): 15-45, Porto Alegre. LAHIRE, Bernard. (1998), L’homme pluriel. Paris, Nathan. ______. (2002), Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis, Vozes. MARTÍN-BARBERO, Jesús. (1995), Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hege- monia. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ. ______.(2000), Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Pau- lo, Senac. ______.(2002). La educación desde la comunicación. Enciclopedia Latinoamericana de Sociocultura y Comunicación. Buenos Aires, Grupo Editorial Norma. MEAD, George. (1963), L’esprit, le soi et la société. Paris, Puf. MORIN, Edgar. (1984), Cultura de massa no século XX – o espírito do tempo – 1. Neu- rose. Rio de Janeiro, Forense-Universitária. ORTIZ, Renato. (1988), A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo, Brasiliense. PARSONS, Talcott. (1973a), “Papel e sistema social”. In: ______. Homem e sociedade. São Paulo, Companhia Editora Nacional, pp. 47-55. ______. (1973b), “A interação social”. In: ______. Homem e sociedade. São Paulo, Companhia Editora Nacional, pp. 56-59. RIBEIRO, José Quirino. (1973), “Formas do processo educacional”. In: FORACCI, Marialice M. & PEREIRA, Luis. (orgs.). Educação e sociedade. Rio de Janeiro, Com- panhia Editora Nacional, pp. 70-87. ROCCO, Maria Tereza F. (1999), “Televisão e educação: um canal aberto”. In: FIGUEIREDO, Vera Lúcia (org.). Mídia e educação. Rio de Janeiro, Gryphus, pp. 51-73. SENGALEN, Martine. (1999a), História da família. Lisboa, Terramar, vol. 4.
  • 16. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2350 A particularidade do processo de socialização contemporâneo, pp. 335-350 ______. (1999b), Sociologia da família. Lisboa, Terramar. SETTON, Maria da Graça J. (2002a), “Família, escola e mídia: um campo com novas configurações”. Educação e Pesquisa, Revista da Faculdade de Educação da USP, 28 (1): 107-116. ______. (2002b), “A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma interpretação con- temporânea”. Revista Brasileira de Educação. Anped – Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação, jan./abr., pp. 60-70. SIMMEL, Georg. (1977), Filosofía del dinero. Madrid, Instituto de Estudios Políticos. SINGLY, François de. (2000a), O eu, o casal e a família. Lisboa, Publicações Dom Quixote. ______. (2000b), Família e individualização. Rio de Janeiro, Editora FGV. THOMPSON, John B. (1995), Ideologia e cultura moderna. Petrópolis, Vozes. VAN ZANTEN, Agnès & DURU-BELLAT, Marie. (1999), Sociologie de l’école. Paris, Armand Colin. Resumo A particularidade do processo de socialização contemporâneo O objetivo deste artigo é refletir sobre o processo de socialização do indivíduo contem- porâneo a partir do ponto de vista do educador, mais especificamente sob a ótica da sociologia da educação. A autora aborda a particularidade do processo de socialização pela sua contextualização em uma nova configuração sociocultural, tendo como base a concepção de modernidade de Anthony Giddens. Procura também abordar esse fenô- meno a partir das contribuições de Émile Durkheim, Peter Berger, Thomas Luck- mann e, mais recentemente, François Dubet e Bernard Lahire, enfatizando os limites das concepções clássicas da socialização diante do surgimento de uma cultura midiática. Palavras-chave: Socialização; Cultura de massa; Identidade social; Instituições sociais. Abstract The Particularity of contemporary socializing process The aim of this paper is to look at the contemporary individual’s socializing process from the standpoint of the educator, more specifically, from the Sociology of Educa- tion point of view. It deals with the particularity of the socializing process through its contextualization in a new socio-cultural configuration, based on Anthony Giddens’ concept of modernity. It also deals with this phenomenon taking Émile Durkheim, Peter Berger,Thomas Luckmann and, more recently, François Dubet e Bernard Lahire’s contributions, highlighting the limits of classical socialization concepts facing the emergence of a media-boosted culture. Keywords: Socialization; Mass culture; Social identity; Institutions. Texto recebido em 3/5/ 2003 e aprovado em 15/12/2003. Maria da Graça Jacinto Setton é professora de Sociologia da Educação do Curso de Pedagogia, Licenciatura, e do Pro- gramadePós-Graduação da Faculdade de Educa- çãodaUSP.Émestreem SociologiapelaPUC-SP e doutora também em SociologiapelaFFLCH– USP. Fez pós-doutora- do na École de Hautes Études en Sciences So- ciales, Paris. E-mail: gracaset@usp.br