1. SÍNDROME NEFRÓTICA
Gianna Mastroianni Kirsztajn
Aparecido Bernardo Pereira
Corresponde a uma síndrome edematosa secundária a hipoalbuminemia, que por sua vez é secundária a
proteinúria; esta geralmente é de grande magnitude. Elevações de colesterol e triglicerídeos são
freqüentemente encontradas, mas não são essenciais para o diagnóstico.
Na investigação de um paciente com síndrome nefrótica, é necessário, antes de mais nada, caracterizar a
síndrome, o que se faz através do exame de urina, determinação de proteinúria de 24 horas e eletroforese de
proteínas ou, simplesmente, dosagem de albumina sérica. A eletroforese de proteínas teria a vantagem de
fornecer informações adicionais; além da hipoalbuminemia, ela poderia detectar alterações protéicas
secundárias, tais como elevações de alfa-2 e beta-globulinas, que se constituem num indício indireto de que a
hipoalbuminemia já tem algum tempo de duração; a presença de níveis normais ou elevados de gama-
globulina sugere tratar-se de síndrome nefrótica secundária ou associada a infecções crônicas, hepatopatias
crônicas ou doenças auto-imunes. Eventualmente, também com base em alterações presentes na eletroforese
de proteínas, pode-se suspeitar de mieloma múltiplo como doença causadora da síndrome nefrótica. Deve-se
também determinar a creatinina sérica e/ou a depuração de creatinina e os níveis séricos de colesterol e
triglicerídeos.
Uma vez estabelecido que se trata de uma síndrome nefrótica, é importante fazer-se um esforço para
estabelecer sua etiologia. Os exames de triagem a serem feitos nesta etapa incluem: glicemia de jejum
(pensando em nefropatia diabética que se apresente como síndrome nefrótica), exame de fezes (pacientes com
esquistossomose podem apresentar lesão glomerular com síndrome nefrótica), pesquisa de anticorpos
antinucleares, inclusive anti-DNA (síndrome nefrótica pode ser o quadro de apresentação do lúpus
eritematoso sistêmico), sorologia para sífilis, pesquisa de HBsAg e de anticorpos anti-HBc (hepatite B), de
anti-HCV (hepatite C) e, eventualmente, de anti-HIV (em pacientes pertencentes a grupos de risco para
AIDS) ou exames específicos para outras doenças infecciosas, com base na suspeita clínica. Se os
antecedentes epidemiológicos para esquistossomose forem positivos e o exame de fezes não demonstrar a
presença de ovos de S. mansoni, deve-se fazer biópsia de valva retal para diagnóstico. Neoplasia é uma
possibilidade a ser aventada, particularmente em pacientes idosos, mas a extensão da investigação deve ser
julgada criteriosamente.
Deve-se também avaliar se a glomerulopatia que está evoluindo com síndrome nefrótica é normo ou
hipocomplementêmica e se a ativação do complemento se faz pela via clássica ou alternativa; assim, as
determinações de CH50, C1q, C3 e C4 devem ser realizadas.
A presença de proteinúria significativa e persistente é evidência de lesão renal importante e justifica a
investigação, quer se caracterize ou não uma síndrome nefrótica completa.
Antes de comentarmos as propostas terapêuticas básicas, vale salientar que, em se tratando de síndrome
nefrótica secundária, o tratamento é preferencialmente dirigido ao controle ou à cura da doença de base,
quando existirem recursos para tal, como por exemplo: tratamento específico para sífilis, drogas antivirais
e/ou imunomoduladoras no manuseio das hepatites B e C, quimioterapia ou outras medidas em caso de
neoplasias.
A dieta do paciente com síndrome nefrótica, que mantém função renal normal, deverá ser hipossódica e
normoprotéica. A ingestão de líquidos também deverá ser controlada.
Os diuréticos devem ser usados com parcimônia para evitar hipotensão e insuficiência renal aguda. Dá-se
preferência aos diuréticos com ação na alça de Henle. Pacientes em anasarca podem requerer a administração
endovenosa dessas drogas; o uso concomitante de expansores plasmáticos estará indicado em pacientes com
evidências clínicas de depleção do volume intravascular.
O tratamento da síndrome nefrótica primária no adulto é tema sujeito a controvérsias, exceto quando o
diagnóstico de doença de lesões mínimas (DLM) é estabelecido. Neste caso, há consenso quanto à
necessidade de tratamento, face aos altos percentuais de resposta observados em crianças e adultos com esta
doença sendo a corticoterapia a primeira opção.
Já no que se refere à glomerulosclerose segmentar e focal (GESF), estudos mais antigos mostravam
percentuais de remissão mais baixos que os atuais; falava-se em 10 a 20% de remissão mantida com
tratamento. Mais recentemente, em estudo retrospectivo que envolvia pacientes com GESF idiopática e
síndrome nefrótica tratada com corticóide e/ou imunossupressor, observou-se que menos de um terço dos
pacientes obtiveram remissão completa em 8 semanas. Assim, fazendo-se o tratamento clássico com
prednisona por 8 semanas apenas, um considerável número de pacientes capazes de responder à corticoterapia
2. não seria identificado. Tem-se demonstrado que, nessa doença, a resposta a tratamento é, em geral, observada
após 12 a 16 semanas de tratamento. Diante disso, um curso mais prolongado de corticoterapia deve ser
seriamente considerado em todos os pacientes nefróticos com GESF primária nas quais o uso de corticóide
não esteja contra-indicado.
Por fim, consideramos que, tanto em DLM, como em GESF, um curso com múltiplas recidivas, córtico-
dependência e, especialmente, córtico-resistência, constituiu-se em indicação para medicamentos
imunossupressores.
Dados conflitantes no que tange ao sucesso terapêutico com o uso de corticóide e drogas imunossupressoras,
aliado aos efeitos colaterais dessas drogas e ao curso natural em geral benigno, mantêm a discussão quanto à
adequação de tratar ou não pacientes com glomerulopatia membranosa (GNM). Muitos preferem não lançar
mão de qualquer tratamento imunossupressor. Alguns autores sugerem que sejam tratados apenas pacientes
em risco de progressão de doença, pois está bem definido que pacientes com GNM e déficit de função renal
estabelecido têm risco alto de desenvolvimento de doença renal terminal. Outros acreditam que todos os
pacientes devem ser tratados. Ponticelli et al., por exemplo, observaram que, em pacientes com GNM
idiopática, o uso de metilprednisolona e clorambucil alternadamente por 6 meses ou metilprednisolona
isoladamente determinava não só redução da proteinúria, como melhora da função renal em pacientes com
insuficiência renal.
No que se refere à glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP), não se deve esquecer que a maioria dos
estudos relacionados ao tratamento desta doença relata pouco sucesso terapêutico na prevenção de dano renal.
Tem-se sugerido o uso de prednisolona isoladamente ou associações dessa droga com imunossupressores,
anticoagulantes e antiagregantes plaquetários, com resultados controvertidos.
A realização de biópsia renal diante de síndrome nefrótica em adultos é a conduta apropriada para aqueles que
acreditam que o tratamento deve ser instituído de acordo com o tipo histológico. Alguns autores acreditam
que se poderia tratar esses pacientes com corticóide e, apenas se não houvesse resposta, indicar a biópsia,
como se faz com crianças. Vale salientar que, nessa faixa etária, a predominância da DLM facilita tal conduta,
assim como o conhecimento de que a quase totalidade desses pacientes são córtico-sensíveis. Em adultos, a
freqüência de glomerulonefrites outras que não respondem tão bem a tratamento ganha importância; além
disso, não se pode esquecer que a necessidade de um curso intensivo de tratamento em algumas delas, como
já comprovado no caso da GESF, reforça o valor de obter-se uma biópsia renal para subsidiar o tratamento.
Quando biópsia renal não se encontra disponível ou se é partidário da realização de biópsia renal apenas após
um falha inicial de tratamento, poder-se-ia lançar mão do uso seqüencial de esteróides e drogas
imunossupressoras em todos os pacientes com síndrome nefrótica idiopática, excluindo aqueles com
depuração de creatinina inferior a 50 ml/min ou pacientes que apresentem contra-indicações ao uso de alguma
dessas drogas, excluídos portadores de diabetes mellitus e neoplasias.
Numa primeira etapa, o paciente pode ser submetido a corticoterapia, administrando-se prednisona 1
mg/kg/dia (num esquema diário nas primeiras 4 semanas e, em seguida, a mesma dose total administrada em
dias alternados por mais 4 semanas). Com este esquema os efeitos colaterais tendem a ser menores. Se a
remissão completa for alcançada nesse período, reduz-se paulatinamente a droga (com retirada total em cerca
de 16 semanas). Se durante as 8 semanas for observada melhora clínica e/ou tendência a redução da
proteinúria, sem que se negative totalmente, prolonga-se o tratamento por mais 4 semanas, para só então
iniciar-se a retirada gradual. Se não houver qualquer resposta às primeiras 8 semanas de tratamento,
usualmente se suspende a droga em mais 4 semanas.
Numa segunda etapa, podemos utilizar drogas citotóxicas, como ciclofosfamida (2 mg/kg/dia), usada em geral
por 2 meses, ou azatioprina (2 mg/kg/dia), que poderia ser administrada por período mais prolongado
(variando habitualmente de 3 a 6 meses). No caso de lesões mínimas, damos preferência ao uso de
ciclofosfamida, mas o uso de clorambucil (0,1 a 0,2 mg/kg/dia) também tem sido recomendado.
Se as drogas das etapas anteriores não foram capazes de induzir remissão e, eventualmente também como
segunda alternativa, pode-se utilizar a ciclosporina por um período também de 3 a 6 meses. Neste caso, os
níveis sangüíneos da droga devem ser acompanhados face ao seu potencial nefrotóxico.
Caso nenhum desses tratamentos seja bem-sucedido, a administração de inibidor da enzima conversora de
angiotensina tem sido preconizada na tentativa de reduzir a proteinúria, fator de mau prognóstico na evolução
de doença renal .
Um recurso adicional na condução do tratamento parece ser a dosagem urinária de proteínas de baixo peso
molecular, como a beta-2-microglobulina (b2M) e a proteína transportadora do retinol (RBP), as quais são
livremente filtradas pelo glomérulo e reabsorvidas a nível de túbulo proximal com uma eficiência superior a
99%. Diante de um dano tubular, seus níveis aumentam na urina. Considerando-se que a lesão túbulo-
3. intersticial teria um papel preponderante na evolução da nefrite rumo a insuficiência renal, acreditamos que o
encontro e a manutenção de níveis elevados dessas proteínas na urina, traduzindo uma lesão túbulo-
intersticial, seja um indicador de má resposta a tratamento, assim como de mau prognóstico quanto à
preservação da função renal.
A abordagem terapêutica da síndrome nefrótica poderá ser facilitada com a adoção do tratamento seqüencial,
particularmente se orientado pela dosagem de marcadores de função tubular, permitindo decidir até quando
insistir com o tratamento.