O primeiro livro da Série Recanto Taliesin, O Sabiá "Chama", conta a história de um sabiá colocado na gaiola por um caçador negociante para atrair outros pássaros da mesma espécie. Ao ouvir o seu canto, outros sabiás se aproximam para defender seu território e acabam sendo aprisionados também. Ao ser realizada uma apreensão policial por denúncia, inicia-se o desenrolar dessa história. Ela mostra a vida em liberdade e a vida em cativeiro dessas avezinhas, como também as consequências para aqueles que quebram a harmonia do meio ambiente. Certamente, a emoção tocará a consciência daqueles que o lerem.
5. Prefácio e Agradecimento
“Como não temos asas para voar, sonhamos
aqui mesmo na terra, e alimentamos esses sonhos
com os cuidados prestados às nossas aves. A
liberdade de nossas almas está em libertarmos
os mais próximos, e a nós mesmos.” Stella Maris
Benez
Nós do Recanto também gostaríamos de
ter asas, voar e espalhar por todo Brasil a ideia de
preservação e proteção de nossa fauna. Com isso,
preservamos também nossas matas e florestas.
Com elas preservadas, preservamos nossos rios
e as espécies que deles dependem, incluindo o
homem, que impressionantemente é aquele que
os destrói.
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6. Não temos essas asas... Mas trabalhamos
aqui em nosso espaço, recebendo animais vitimados
e necessitados de cuidados.
Através da educação ambiental, como neste
pequeno livro, contamos suas histórias objetivando
livra-los dos traumas e da morte impostos pela caça
e pelo tráfico e do desejo do homem em manter
como doméstico a quem é selvagem. E, acima de
tudo, oferecer vida digna aos que ficaram inaptos,
e retorno ao seu habitat aos que estão prontos para
voltar.
Este livrinho, que contém histórias reais de
animais que passaram pelo Recanto Taliesin ou
estão abrigados nele, como primeiro de uma série, é
sem dúvida um meio de atuar para essa liberdade.
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7. Ilustrando o sofrimento, o trauma e as dores
ao público infanto-juvenil, estaremos com nosso
pequeno trabalho motivando e conscientizando
parte desta e das futuras gerações sobre o mesmo
ideal: PRESERVAÇÃO.
Agradecemos à grande amiga dos animais
Dra Satsiko Sakima por sua dedicação de anos e
anos acompanhando esse ideal de liberdade.
Agradecemos a nossa querida Mãe Natureza,
por nos acompanhar nessa busca por LIBERDADE.
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9. Lá vem o sol subindo devagarzinho, trazendo
sua luz. Está amanhecendo, e ele acena para a lua,
dizendo:
– Cheguei! Agora é minha vez. Pode iluminar
a noite em outro lugar, amiguinha. Eu fico por aqui
no Recanto. Boa noite!
– Bom dia, amigo! Os bichinhos já estão
acordando e saindo de suas toquinhas. Vão precisar
de calor hoje. Disse a lua acenando um adeus.
E assim, iluminando o dia, vem o nosso
grande sol.
Em uma de nossas personagens, uma
graaaaaande árvore, uma senhora de mais de cem
anos, a quem deram o nome de Figueira, dormem
muitas aves. Todas, nesse momento, começam
a espreguiçar suas asas, suas patas e a bocejar,
olhando para o céu, que já se torna de um azul
claro maravilhoso.
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10. Dona gralha sacode o rabinho e sente uma
fome danada.
– Ai , ai, que fome! O que teremos hoje? -
pergunta para suas amiguinhas de galho.
– Vamos dar um voo e procurar. Hum..., sinto
um cheiro bom no ar! Doce! Parece ameixa, ou será
amora?
E, juntas, saem voando pelo céu, rodopiando,
para exercitar as canelas e aproveitar o ar fresco
da manhã, que bate em suas penas. Em liberdade,
gargalham de alegria.
Ainda em um galho da senhora Figueira
está uma família dorminhoca. Num ninho bem
feitinho, dormem dois filhotes, protegidos pela
sua mãezinha, que os aquece.
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11. O pai dorme pertinho, encolhidinho mais ao lado,
com a cabecinha virada para as costas e o biquinho
entre as penas. Essa é a posição confortável para
uma ave dormir, sabia?
É a família Sabiá. Excelente cantor, o pai,
Bernardo, canta ao amanhecer e ao
entardecer. Dizem que é para avisar os
intrusos que ali tem pai bravo, protetor. Canta
alto para ninguém se atrever a incomodar sua
família.
Mesmo sendo assim, seu canto também
serve para alegrar os filhos e sua esposa. Alegra
também a mata e os moradores – gente do local.
Desce então do galho o Senhor Sabiá, em
pulinhos de galho em galho e pequenos voos,
até se soltar no ar com o alegre grupo de gralhas.
Vai em busca de alimento para os filhotes.
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12. Esse trabalho ele divide com a mamãe Sabiá.
Desce um, desce outro, trazendo a papinha, e os
famintos filhotes levantam a cabecinha com um
bicão aberto, esperando que os pais coloquem lá
dentro tudo mastigadinho. Folgados, não?
Bem, enfim, todo o sítio acorda e inicia seu
dia.
As galinhas pedem milho. O cavalo quer
pastar, e a graminha está verde, molhada
pelo sereno da noite. Uma delícia!...
Os cachorros dão latidos de bom
dia ao dono, e abanam, sem parar, os
rabinhos, dizendo uns para os outros:
– Ei, amigo! Dormiu bem?
– Dormi, sim. Fiquei alerta, cuidando de tudo,
mesmo durante o sono. Mas tudo estava bem.
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13. – É, eu também. Só uns gambazinhos
passando por aqui, mas tudo bem.
Gambás saem à noite. Bicho noturno adora
dar passeios e procurar alimento quando não há
mais a luz do sol. Assim é a natureza. Não para.
Há vida o tempo todo.
Quebrando o sossego, que se instalava no
novo amanhecer, ouviu-se uma buzina. Vinha lá do
portão. Quem seria?
Nossos amigos-gente, donos do sítio, foram
se encontrar com o visitante. Ao avistar o carro,
um carro de polícia, dessas que cuidam da floresta,
foram entristecendo pelo caminho. Sabiam que os
policias traziam algum bichinho para ser socorrido
no sítio.
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14. Os policiais acompanhavam outro carro.
Era um voluntário do Recanto Taliesin que
transportava uma ave encaminhada pelo DEPAVE
– Divisão de Fauna Silvestre em São Paulo.
Um local onde animais feridos são tratados e
aqueles que não podem ser devolvidos à natureza,
depois são encaminhados para criadouros
autorizados pelo IBAMA, onde possam cuidar
deles para o resto da vida, quando o ferimento não
permite soltar novamente na natureza. E lá estava
um Sabiá, igualzinho àquele que dormia na grande
árvore, a Dona Figueira, lembra?
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15. Estava com as penas das asas todas
quebradas. Em cima de sua cabeça, poucas penas
haviam. E, para nossa tristeza, com um olhinho que
tinha sido muito, muito ferido agora fechadinho,
cego.
De cabecinha baixa, mal respirava. Enchia
o peito de ar com dificuldade e soltava com um
lamento de dor. Mas isso era tristeza e exaustão
pelo transporte. Já mostrava bons sinas
de saúde recuperada pelo Centro em
que foi tratado.
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17. Nossos amigos, donos do sítio, acomodaram
o Sabiá em uma sala especial, para animais recém
chegados. A sala estava quentinha, para que o
pobre Sabiá pudesse se sentir melhor.
Foram dias e dias de cuidados para adaptação.
A dedicação de nossos amigos fizeram o Sabiá se
sentir melhor. Era hora de sair da sala e ver o sol.
Ele foi colocado em uma gaiola. Essa era a
moradia, à qual ele estava acostumado. Do lado
de fora da sala, que serve como um hospital –
sabe aquele lugar aonde vamos quando estamos
doentes? Lá no sítio também tem. Mas é só para
bicho.
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18. Nesse momento, voando livre, dando uma
voltinha, enquanto a mamãe Sabiá ensinava os
primeiros pulinhos para fora do ninho aos seus
filhotes, Bernardo viu a gaiola na parede, e lá
dentro um amigo da mesma espécie, um Sabiá.
E pensou: “nada para fazer hoje,
acho que vou dar uma descidinha e bater
um papo com aquele amigo ali. Nem preciso cantar
para avisar que aqui mando eu. Ele está tão abatido,
coitado... Esse não representa perigo. Também,
preso naquela gaiola, vai para onde?! Minha família
está a salvo dele. Vou lá”.
Desceu, pousou em um galho próximo à
gaiola e iniciou um diálogo com o amigo:
– Olá! Tudo bem aí?
– Não muito, amigo. Nada bem.
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19. – O que aconteceu com o seu olho? Cara,
você está cego!...
– Estava trabalhando como de costume.
– Em quê? Tô fora desse trabalho. Que coisa
de louco, trabalhar e se machucar!...
– Meu dono gosta de aves em gaiolas. Têm
muitas delas penduradas na varanda. Gosta de
ouvir os pássaros cantar.
– Mas nós cantamos soltos, voando também.
Por que na gaiola?
- Não sei... coisa de homem... Se distrai
colocando frutinhas, comidinhas
para nós. Coloca também uma
banheirinha para a gente se
lavar. Ai... que saudades do lago!
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20. – E de uma boa poça de água da chuva!...
– Mas não é só isso que fazemos: cantar,
comer e se lavar. Temos um trabalho muito chato,
uma tarefa para cumprir.
– Foi nela que se machucou assim?
– Foi.
– Conta aí como é.
– Somos levados para o meio do mato em uma
gaiola especial. Saímos da nossa, que já não é lá
muito confortável, e vamos para outra. Nela está
presa uma gaiola menor. Lá no mato, ele coloca a
gaiola que estamos em um galho, e
fica de longe esperando.
– Esperando o quê?
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21. – Que outro sabiá venha brigar comigo por
eu estar em seu território. Então, ele grita um
monte de coisas para eu sair de lá, e eu grito para
ele que não posso sair. Estou preso, oras!... Daí
ficamos gritando, e meu dono acha que estamos
cantando...
– Cara, que coisa de louco!... Aqui eu grito
também para o intruso cair fora. Tenho que proteger
minha família. Mas ele está solto, livre. Logo vai
embora e tudo bem.
– Mas não é só isso. Na verdade, o que meu
dono quer é um outro gritador...
– Ah! Explica isso direitinho. Vou até sentar
aqui e te ouvir. Disse Bernardo acomodando-se em
um ramo de árvore.
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22. – Quando estamos lá gritando, discutindo
quem manda, quem fica, o outro vai se aproximando
da minha gaiola, pois vê que não posso sair, estou
indefeso. E grita mais. Daí eu grito mais também,
mas já é de medo, cara! Ele então pensa que eu
estou bravo, e vem me bater. Entre a tela da gaiola
ele coloca o bico para me acertar. Tenta me agarrar
com as patas. É loucura! Que medo!... Eu lá dentro,
o que posso fazer?
– É...só pode gritar, gritar!
– Então, quanto mais grito, mais ele me
machuca. Bica minha cabeça... E veja, acertou meu
olho dessa vez. Foi bravo!... Tudo vai acontecendo,
até que ele, sem perceber que tem junto
da minha gaiola uma outra, que serve para
prender quem vem brigar comigo, cai nela
e plat! Uma portinhola
fecha, e o cara fica preso.
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23. E ainda brigando comigo!...
– Irado...
Com a ponta da asa no bico, Bernardo estava
horrorizado com o que ouvia.
– Daí, voltamos para casa, e meu dono me
coloca em minha gaiola. Põe lá uma frutinha fresca,
e todo sorridente diz:
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25. – Bom trabalho, garoto!
– Então, acho que isso é trabalho. Só que
machuca...
– Você, machucado, tô vendo! Perdeu
o olho, amigo!... E o seu agressor foi preso em
gaiola também deixando sua família desprotegida
na mata... Por quê? Não dá para entender esses
homens!...
– Porque ele vende o outro sabiá que pegou,
entende? E assim vai pegando outro e outro... e
vendendo.
– E muitas famílias ficando abandonadas na
mata. Falou Bernardo pensativo, lembrando-se de
seus filhotes seguros com a mamãe sabiá na Dona
figueira, protegidos em local de muita paz para
todos os animais.
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26. – Só você trabalha lá? Pergunta Bernardo.
– Não, têm outros. Tem Canário, tem
Coleirinha... Tem tudo o que é ave que canta bem.
Todos trabalham, e assim vivemos até morrer.
– E como você veio parar aqui?
– Hoje, de manhãzinha, é a hora em que
ele nos leva. Um policial apareceu com algumas
pessoas. Pude ouvir o que falavam. Um menino,
que ia para a escola, passando sempre por ali,
assistia tudo, todo dia. Cansado de me ver
sofrer, contou para seu pai. E foram os dois
chamar pelos policiais ambientais.
Sabe, os que cuidam das florestas, dos
rios, de nós, do meio ambiente.
– Que sorte, cara!
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27. – E chegaram todos bem na hora, em que
eu já me rendia. Tô cansado, velho, não aguento
mais. Dessa vez, cara, o outro era forte, me pegou
de jeito. Eu estava com o olho machucado, não
vi direito, mas percebi que me colocaram em um
carro, me vi no hospital de animais sendo tratado e
depois fui encaminhado para cá.
– E seu dono, cadê o safado?
– Os policiais levaram ele. Acho que foi
preso. Ufa! Até que enfim!... Acaba o sofrimento
dos amigos que moravam lá também. Ouvi, durante
o caminho para cá, que eles iriam ser soltos pela
polícia. Finalmente, liberdade!... Puxa, como estou
feliz por eles! Soltariam também o sabiá que brigou
comigo.
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28. – Feliz? Feliz pelo cara que te deixou aí cego,
danado, voar de volta para casa na boa?...
– Ele não tem culpa. Só estava defendendo
sua família, seu território. Você também não canta
aqui?
Bernardo, pensativo, olhou para o amigo,
olhou para o céu e disse:
– Canto, sim. Aqui não tem gaiola prendendo
ninguém. Dá para ganhar o céu, mano. Se aparecer
perigo, a gente voa. Mas ainda estou invocado com
uma coisa.
– Fala!
– Todo mundo livre, solto...
O safado do caçador preso, é bem
feito, justo. Mas e você nessa
história, como fica?
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29. – Fico aqui, amigo, nesta gaiola para o resto
da vida. Estou cego. Não posso mais voar, pois vou
acabar batendo em alguma árvore, e danou-se de
vez. Mas não reclamo não. Aqui não preciso brigar.
Estou em mãos de gente boa, que vão cuidar de
minhas unhas, que crescem muito pela minha
idade. Estou velho e não dá mais para lixar nos
galhos como você. Vão me alimentar, e é só eu
decorar o local em que colocam a água e a
comida. E vou ficando... Escuto muitos
cantarem aqui por perto. Têm mais
caras machucados como eu?
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30. – Têm sim, amigo... Agora que você contou
sua história, eu entendo o porquê de alguns ficarem
em gaiolas e viveiros aqui, enquanto um cara como
eu voa livre o dia todo.
– Apareça! Vem bater um papinho comigo.
Não vou ter muito o que fazer agora...
– Venho sim. Até mais, amigo... Se cuida. Ah,
qual o seu nome mesmo?
– Chama. O Sabiá que chama o outro
para ser preso.
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31. Bernardo saiu cruzando o ar, no imenso azul
do céu, o mais rápido que pôde. Seu objetivo era
chegar em casa, no galho da Dona Figueira, e contar
a seus filhotes a história que ouviu, aproveitando
para alertá-los e ensiná-los a temer e fugir do
homem que caça.
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33. Quem é o
Recanto Taliesin
O Recanto Taliesin iniciou sua trajetória em
12 de fevereiro de 2003, com registro no IBAMA,
na Categoria de Criadouro Conservacionista –
AMBRAGA.
Seguimos com a tarefa de manutenção de
animais, a nós encaminhados por centro de triagem,
em situação de inaptos ao retorno à vida livre; com
sequelas, devido a tratamento inadequado quando
em cativeiro ilegal; em acidentes, durante caça; em
transporte para comércio ilegal; ou em acidentes
naturais.
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34. Envolvidos com as necessidades desses
animais, sendo que cada qual apresenta uma
em especial, adequada à sua espécie, demos
prosseguimento ao trabalho com o perfil de Abrigo
Permanente e Santuário, com a manutenção dos já
abrigados, e sempre atentos e abertos à entrada de
outros.
Acompanhado pela ONG ISBI – Instituto de
Sustentabilidade para a Biodiversidade, fundada
no ano de 2002, que abraça o Recanto como um
projeto, segue ocupando uma área de 78.000 m²
em zona rural no interior do estado de São Paulo,
que oferece clima e qualidade de vida para o
sucesso na manutenção dos animais.
O sítio produz, de forma orgânica, mais de
doze espécies de frutíferas, tem a colaboração
de produtores de cultivo de milho, mandioca
e hortaliças, de forma a praticamente suprir a
necessidade alimentar de seus moradores.
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35. Um sistema cooperativista e integrado,
em que a galinha caipira fornece os ovos para
complemento alimentar de algumas espécies, e o
cavalo, também abrigado, colabora para o composto
orgânico.
Assim, nesse ambiente comunitário,
alguns representantes de nossa fauna
superam suas necessidades, com
atenção e respeito à sua integridade física.
A propriedade mantém mata
preservada e estímulo à visitação de
animais livres e espécies nativas,
possibilitando a realização de mais um de seus
projetos, a Reabilitação para Soltura ou Reintrodução
desses animais, quando vitimados.
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37. Biografia
Chama é um Sabiá-laranjeira (turdus
rufiventris) que, após uma apreensão feita pela
polícia ambiental na cidade de São Paulo, foi levado
para o DEPAVE – Divisão de Fauna Silvestre em São
Paulo.
Após receber tratamento adequado e de ser
constatada a sua inaptidão para o retorno à vida
livre, foi encaminhado para o Mantenedouro de
Fauna AMBraga (com registro de numero 274171
emitido e aprovado pela Gerência Executiva do
IBAMA em São Paulo no dia 12 de fevereiro de
2003) localizado no Recanto Taliesin, um Abrigo
para Animais com Necessidades Especiais.
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38. A necessidade do “Chama” é a de passar
o resto de sua vida sem precisar se submeter à
crueldade imposta por caçadores de aves cantoras.
Está agora em um ambiente tranquilo, cercado pela
natureza protegida e com muito respeito.
(Turdus rufiventris, número de licença
321/2003, número de registro no IBAMA
6354, número de marcação no Mantenedouro
AMBraga 032)
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