Este documento fornece uma cronologia detalhada da história do Mosteiro de São Salvador de Grijó desde sua fundação no século X até sua extinção no século XIX. Alguns pontos importantes incluem a fundação da igreja em 912, sua elevação a mosteiro beneditino em 1093, e as várias doações de terras e propriedades ao longo dos séculos. O documento também descreve eventos como a morte do Infante D. Rodrigo Sanches nas portas do mosteiro em 1245.
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Contributo para a história da paróquia de são Cipriano
de paços de brandão
O MOSTEIRO DE SÃO SALVADOR DE GRIJÓ
Por: Carlos Varela
Na Vila de Grijó, pertencente ao Concelho de Vila Nova de Gaia, que na
Idade Média, pertencia às Terras de Santa Maria – Feira, existe o Mosteiro
de São Salvador de Grijó, cujo vasto território, se estendia,
principalmente, entre os rios Douro e Vouga, verificando-se a maior
concentração de propriedade, num raio de 10 Km.
A história do Mosteiro de Grijó, revela-se de uma importância bastante
acentuada para todos aqueles que se queiram inteirar, do que se escreveu
sobre as Terras de Santa Maria (Feira), e, no que nos toca, a nós
«brandoenses» ou «brandoeiros», habitantes ou naturais desta Terra de
Paços de Brandão, serve para uma melhor compreensão e estudo do
passado, em que as origens de um povo devem ser objecto de um
tratamento muito cuidado e especial, tendo-se em atenção que o que se
possa escrever sobre a história de um povo ou de uma simples localidade,
deve obedecer a muita clareza e rigor histórico.
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Mosteiro de Grijó
CRONOLOGIA
912 (?) – A Guterre e Ausindo Soares, é-lhes dado pelo seu irmão Nuno
Soares «O Velho», terreno de uma herdade sua, situada no lugar de
Murraceses, entre o Monte Pedroso e Sagitela, que tinha na Comarca da
Feira, onde fundam uma pequena igreja (Eclesiola).
922 – Os irmãos Guterres, e, porque se lhe juntaram outros Clérigos,
fundam, junto da igreja, um Convento, em que era Prelado, com título de
Abade, Guterre Soares.
1093 – A 3 de Novembro de 1093 (em alguns documentos é mencionada a
data de 3 de Outubro de 1093) o Bispo de Coimbra, D. Crecónio, vem
sagrar esta igreja, que é dedicada ao Salvador do Mundo. No mesmo dia,
Soeiro Fromarigues, perante o Bispo, ratificou publicamente a doação e
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testamento de grandioso legado ao convento. Este Soeiro Fromarigues,
era casado com Elvira Nunes, pais dos irmãos Guterres (família Soares).
1093-1133 – Soeiro Fromarigues e sua mulher, Elvira Nunes, doam todas
as suas fazendas e o padroado das igrejas de Argoncilhe, Perosinho,
Cerzedo, Travanca da Bemposta, São Miguel de Travassô e Eyrol.
1128 – O Convento é coutado por D. Teresa.
1132 – Aderiu à Regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho.
1135 – A reformação realizada em Santa Cruz de Coimbra, por D.
Teotónio, foi seguida pelo Abade D. Paio Soares, do Mosteiro de Grijó,
recebendo como reformadores, D. João Peculiar e seu sobrinho D.Pedro
Rabaldiz, que chegaram em 21 de Novembro de 1135. D. Paio rejeitou o
governo do Mosteiro e o título de Abade, tendo o Bispo de Coimbra,
mandado eleger um prelado com título de prior, sendo o primeiro eleito
canonicamente, o padre D. Trutesindo.
1139 – Por couto de D. Afonso Henriques (11 de Janeiro de 1139), é
doado ao convento a Vila de Brito (S. Félix da Marinha).
1142 – Novamente, por couto de D. Afonso Henriques (13 de Julho de
1142) é doado Tarouquela (Vilar do Paraíso).
1220 – D. Sancho I, faz doação da Ermida de Nª Senhora de Vagos (Vagos-
Aveiro).
1245 – O Infante D. Rodrigo Sanches, filho natural do Rei D. Sancho I (da
relação amorosa que este Rei teve com D. Maria Pais «Ribeirinha»), vindo
mortalmente ferido, de um combate, morre às portas do convento. É
enterrado com todas as honras, em 7 de Julho de 1245.
4. 4
(Pagela informativa do interior da Igreja do Mosteiro de Grijó)
A Morte do Infante D. Rodrigo Sanches
Referente às causas que levaram à morte do Infante D. Rodrigo Sanches,
cujo túmulo se encontra no Claustro do Mosteiro de Grijó, transcrevo o
que vem escrito na História de Portugal, Ed. Monumental, Direcção de
Damião Peres, Vol.II, pags. 243 a 245 :
«Ao infeliz Sancho II, atribuíam muitas das desgraças que assolavam o
Reino, acabaria por ser destituído e o reino entregue a seu irmão D.
Afonso III, “O Bolonhês”. Foi um momento de guerra civil entre partidários
do Rei e os que apoiavam Afonso “Conde de Bolonha”, é pois neste
cenário que se dá a Lide do Porto.
“O Conde de Bolonha” chegara a Lisboa nos últimos dias de 1245 ou nos
primeiros de 1246. É de Fevereiro o foral em que confirma ao concelho de
Lisboa todas as suas cartas e foros, «escritos como não escritos», em paga
do bom acolhimento que lhe tinham feito os munícipes; da sujeição e
obediência que haviam prestado “aos mandados apostólicos” e dele
5. 5
Procurador do Reino, e com que se haviam oposto “aos inimigos da
fidelidade e da injustiça”.
A resistência manifestou-se nas terras do centro e norte do País, e o seu
núcleo principal estava em Coimbra, residência habitual da corte. O
homem mais representativo desse movimento de resistência, pela
audácia, pela turbulência e porque tudo podia na cúria régia, visto ser o
grande amigo, o valido do Rei, foi Martim Gil, o filho de Gil Vasques de
Soverosa e de Maria Aires de Fornelos, que fora amante de Sancho I. A
esse irrequieto rico-homem, e à sua influência perniciosa que ele exercia
no espírito do infeliz Sancho II, atribuíram os contemporâneos muitas
desgraças do reino. Fora ele o protogonista duma batalha que travara,
próximo de Gaia, entre dois bandos de poderosos senhores, e que,
passados anos, os velhos relembravam como um acontecimento que
grandemente impressionara o País – A LIDE DO PORTO . Nela, o bando de
Martim Gil tinha deixado mortos no campo os rico-homens Abril Peres,
senhor de Lumiares e tenente das Terras de Riba-Tâmega, e Rodrigo
Sanches, o bastardo de Sancho I, tio do Rei e tenente de Entre Douto e
Lima.
A Lide do Porto deu-se em 1245, meses antes da chegada do Bolonhês,
quando a conjura ia já certamente adiantada. Seria tal combate uma
daquelas guerras entre nobres, tão vulgares no tempo de Sancho II ? Seria,
como Herculano se inclina a supor, o primeiro acto, “a primeira
manifestação armada” da própria revolução que devia conduzir ao mando
supremo o Conde Bolonhês? Nesse pressuposto, Martim Gil de Soverosa
chefiaria já as forças do Rei, em oposição aos dois tenentes do norte, que
teriam prometido levantar aquelas províncias.
Rodrigo Sanches ficou sepultado no Mosteiro de Grijó, próximo do Porto.
E “é notável – diz Herculano numa nota – a esmola que o Conde de
Bolonha faz depois ao Mosteiro de Grijó por alma de Rodrigo Sanches. É
curioso na verdade que tenha perecido na famosa lide um tio do Rei
Sancho II, e que o chefe do bando que o matou fosse o valido desse Rei, e
continuasse a sê-lo, acompanhando-o depois na defesa desesperada da
coroa.»
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Túmulo do Infante D. Rodrigo Sanches
1247 – Os cónegos, por acharem que o local era húmido e feio,
transferem o convento, um pouco mais para sul do actual .
1280 – D. Maria Pães, fez doação, do Padroado e mais fazendas, que tinha
na Vila de Maçãs de Dona Maria, Bispado de Coimbra.
1301 – A Infanta D. Constança Sanches, irmã do Infante D. Rodrigo
Sanches, doa ao Mosteiro, uma quinta que tinha em Aveleda, duas léguas
da Cidade do Porto para Norte, junto ao mar; assim como metade dos
direitos reais, que tinha nas Vilas de Sarzedas e Sovereira Fermosa, do
Bispado de Coimbra.
Em 1479, 1482 e 1483 – O Prior D. João Álvares era comendatário ou
administrador perpétuo dos, Mosteiro de Grijó e São Jorge de Coimbra.
1517 – Era Prior de Grijó, D. João, Bispo de Safim, provedor-mór do
Hospital Real de Todos os Santos, reitor da Universidade de Lisboa, e
Desembargo régio.
1536 – 1539 – O Prior D. Bento de Abrantes, a pretexto do local ser
insalubre, resolveu mudar novamente o Mosteiro, transferindo-o para a
Quinta de Quebrantões, em Vila Nova de Gaia. Nem todos os cónegos
7. 7
estiveram de acordo com a mudança o que motivou a intervenção do
Papa Pio V.
1540 – A instituição da Congregação de Santa Cruz de Coimbra,
confirmada por bula do Papa Paulo III, de 26 de Fevereiro de 1540, foi
precedida da reforma do Mosteiro de Santa Cruz, cometida por D. João III
a Frei Brás de Barros, da Ordem de São Jerónimo e a Frei António de
Lisboa, com início a 13 de Outubro de 1527, no dia de São Geraldo
confessor. A esta reforma aderiram os priores de São Vicente de Fora de
Lisboa, e de São Salvador de Grijó.
1542 – 1546 – Processo de mudança do Mosteiro do lugar de Grijó, para
vila Nova de Gaia, para a Serra do Pilar, Mosteiro de Santo Agostinho da
Serra. O descontentamento de alguns cónegos vindos de Grijó, levou-os a
alcançar do Papa Pio V, uma bula de separação entre mosteiros antigo e
novo (Serra do Pilar), passada em 1566. Estabelecida que fossem dois
mosteiros distintos e que se dividissem as rendas.
1572 – O Prior D. Pedro do Salvador decidiu fazer nova igreja, com
largueza adequada. É a subsistente. O projecto para a nova igreja é da
autoria do arquitecto Francisco Velasques. As obras iniciaram-se em 1574.
A partir de 1581, a direcção das obras passa a ser da responsabilidade de
Gonçalo Vaz.
1612 – A conclusão da igreja ainda estava atrasada, mas as dependências
conventuais encontravam-se praticamente concluídas.
1626 – A igreja, concluída e benzida.
1770 – É emitido o breve de Clemente XIV e beneplácito régio de 6 de
Setembro de 1770, de que foi executor o Cardeal Cunha, em que Grijó foi
extinto com mais nove mosteiros da Congregação e seus bens anexados
ao Mosteiro de Mafra, para nele se desenvolverem os estudos.
1770 – Julga-se que foi este o ano em que foi vendido ao Desembargador
João Fernandes de Oliveira.
1792 – A Bula «Expositum nobis» concedida pelo Papa Pio VI, em 3 de
Abril, a instâncias da Rainha D. Maria I, foi executada por três sentenças
8. 8
de D. José Maria de Melo, Bispo do Algarve e Inquisidor Geral, nomeado
Juiz Comissário e Delegado para proceder com todas as faculdades
apostólicas, recebendo também beneplácito régio. A primeira, dada em
Lisboa a 10 de Maio de 1792, mandou remover os Cónegos Regrantes do
Mosteiro de Mafra para outros mosteiros da sua Congregação,
restituindo-os aos religiosos da Província de Santa Maria da Arrábida, e
estabeleceu que a união e distribuição dos mosteiros extintos, cujas
rendas tinham estado unidas a Mafra, se fizesse em benefício dos que
continuassem a existir, restitui-lhes os mosteiros extintos de São Vicente
de Fora, de Grijó e provisionalmente o de Refóios de Lima, e aplicar os
rendimentos dos outros a usos pios.
1794 – Segunda sentença, dada a 1 de Julho; mandou distribuir e aplicar
os bens e rendimentos dos mosteiros extintos, que tinham estado unidos
ao extinto Mosteiro de Mafra, ou aplicados a outros fins.
1794 – A terceira sentença, dada a 24 de Dezembro, estabeleceu os
mosteiros que deviam constituir a Congregação dos Cónegos Regrantes de
Santo Agostinho: Santa Cruz de Coimbra, São Vicente de Fora de Lisboa,
Salvador de Grijó, Santo Agostinho da Serra, Santa Maria de Refóios de
Lima e o Colégio da Sapiência de Coimbra, restituídos “in integrum” ao
estado regular e conventual, com todos os bens, rendimentos, privilégios,
isentos e padroados de que eram possuidores ao tempo da sua extinção.
Estabeleceu o número prefixo de cónegos em cada um, num total de 230,
exceptuando os inválidos, bem como o número de conversos e as sanções
para os priores gerais infractores.
1795 – Execução da 3ª sentença, por ordem da Rainha, carta régia de 1 de
Janeiro e Prior Geral, comunicou-a à Congregação por carta patente
datada de 9 de Fevereiro desse ano.
1832 – Os cónegos D. Diogo da Assunção e D. Luis de Miranda Henriques,
moradores no extinto mosteiro, apresentaram-se, na cidade do Porto, à
chegada do Exército Libertador, onde permaneceram e foram agraciados
pelo Imperador do Brasil e Duque de Bragança.
1833 – A 27 de Agosto, os deputados da Comissão Administrativa dos
bens dos conventos extintos ou Comissão Administrativa dos conventos
9. 9
abandonados, o abade António Manuel Lopes Vieira de Castro e Francisco
da Rocha Soares, na presença de Luís do Patrocínio de Nossa Senhora,
cónego regular de Santo Agostinho, do Juiz imediato do couto de Grijó, e
de outros elementos, procederam à descrição e inventário dos objectos
existentes no mosteiro, que incluía uma hospedaria, sendo escrivão,
Nicolau Joaquim Pereira, escriturário da Comissão.
Em 1833, o inventário do extinto Mosteiro refere três cartórios: o cartório
(cujos documentos transitaram depois, na sua maioria, para o Arquivo da
Torre do Tombo e para o Arquivo Distrital do Porto), o cartório eclesiástico
com documentos da freguesia de Grijó (com livros de visitação do
Mosteiro, registos de testamentos, audiências, e despesas eclesiásticas,
registos de termos de culpados, de ordens, de certidões de baptismo,
registo de baptismo, do crisma, de casamentos, de óbitos), e das
freguesias do Salvador de Perosinho, de São Mamede de Serzedo, de São
Martinho de Argoncilhe, de São Miguel de Travassô, e de Santa Eulália de
Eirol, e ainda o cartório do Juízo privativo do Mosteiro, contendo autos,
sentenças, execuções, penhoras. O inventário menciona ainda o dinheiro,
pratas e objectos, apreendidas nas imediações de Grijó, por pertencerem
ao Mosteiro, acondicionados em sis baús, três caixões e cinco embrulhos,
conduzidos em carros para o depósito geral do extinto Convento dos
Congregados do Porto. O auto de arrombamento foi realizado na igreja da
Congregação do Oratório do Porto, em 28 de Agosto de 1833, na presença
dos membros da Comissão Administrativa dos bens dos conventos
abandonados, em cujo inventário constam livros encadernados, papéis, e
maços contendo pergaminhos.
1834 – Extinção das Ordens e Congregações Religiosas.
1835 – João Monteiro da Fonseca e Manuel Alves Ramos Camelo,
empregado da comissão de extinção, procederam ao inventário do que
tinha ficado no Mosteiro sob a fiscalização do provedor do concelho de
Grijó, mencionando diversos papéis de pouca importância que ainda se
encontravam em gavetas de uma estante do cartório.
13. 13
O Mosteiro do Salvador de Grijó, como foi descrito, era masculino,
situava-se na antiga Terra e Comarca da Feira. Aderiu à Ordem de Santo
Agostinho. Esteve sujeito à jurisdição ordinária do Porto. Aderiu à reforma
do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e foi unido à Congregação do
mesmo nome.
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Na Revista “O INSTITUTO”da Universidade de Coimbra, incerto nos vols.
XI, XII, XIII e XIV, foi publicado em 1864, sob o título de “Uma Chronica
Inedita”, por M. da C. Pereira Coutinho, referente a um manuscrito do
Mosteiro de S. Salvador de Grijó, que passo a transcrever na íntegra, com
algumas alterações ortográficas, que efectuei para o português actual.
UMA CHRONICA INEDITA
O manuscrito nº 640, conservado entre os muitos da Biblioteca da Universidade de
Coimbra, é um livro de 356 folhas, de marca grande, encadernação forte e antiga, de
boa letra, sempre do princípio até ao fim, da mesma pena. Depois da última folha
numerada (a 356) na volta da qual tem – Finis -, há mais quatro em branco sem
numeração; na quinta, também sem numeração, assim como as seguintes até ao fim,
começa o índex, que aparece não foi concluído, porque não passa além de
confirmações e doações, com o que ocupa seis páginas e mais duas linhas de outra,
continuando ainda algumas folhas em branco. Este livro tem no lombo em letras
douradas – Crónica do Mosteiro de Grijó - ; e dentro no frontespício lê-se o mesmo
título, porém mais desenvolvido, em que se declara que é a Crónica do Mosteiro de S.
Salvador de Grijó, e que é dividida em duas partes ou épocas principais, a primeira
desde a fundação do Mosteiro até à sua reformação; e a segunda é daqui em diante
até ao ano de 1630.
O escrito é anónimo. Não sabemos a causa por que, numa obra, outrora de tanto
merecimento, o autor quis ocultar o seu nome; seria por modéstia?...E este livro, que
parece ter sido propriedade do Convento de Grijó, por que voltas veio ele incorporar-se
com os manuscritos da Biblioteca de Universidade?... Não sabemos. É certo que é obra
de génio, no trabalho insano, e de profunda aplicação. O autor declara que a
empreendeu no ano de 1630; e que foi por obrigações que devia ao Mosteiro,
acrescentando - «que bem é tenha trabalho quem participa da honra, pello direyto
querer que estas duas cousas andem sempre junctas».
O autor revela vasta lição de escritores antigos tanto sagrados como profanos, e
alguma perícia em conhecimentos diplomáticos e paleográficos, predicados
indispensáveis para escrever uma longa história fundada quase exclusivamente em
documentos antiquíssimos.
Se não fora o receio de sermos acusados por abusar da paciência da maior parte dos
leitores, publicaríamos na sua íntegra, neste jornal, a crónica do Mosteiro de Grijó; mas
atendendo a que um estilo demasiadamente difuso, carregado com longas citações,
segundo a moda, nessa época, muito embora se compadecesse com o silencioso
15. 15
descanso claustral, não se acomoda ao gosto de hoje, em que o espírito cubiçoso de
novidades abomina leituras estéreis, daremos apenas um conhecimento sinóptico do
contexto do manuscrito, transcrevendo todavia de teor alguns trechos em que por
ventura se possa encontrar alguma utilidade histórica tanto especial como geral.
Começa o autor por dar uma suscinta notícia do valor que nas datas dos nossos mais
antigos documentos tinham algumas letras do alfabeto para designarem, mil,
quinhentos, cinquenta…, fazendo também alguma explicação sobre o valor do X
cortado e não cortado, etc.
(Fotografia antiga do Portal do Mosteiro de Grijó)
Segue-se logo no verso da primeira folha – Declaração do intento que se pretende ter
nesta curiosidade. O discurso sob esta epígrafe é uma espécie de prólogo, em que o
autor menciona, como já dissemos, a causa da empresa, o agradecimento, e faz a
divisão sistemática e subdivisões da obra.
No verso de fl. 2 há uma breve exposição sobre a era de César, causas que houve para
os «hispanhoes» a adoptarem para a sua cronologia, diferença que há de anos entre
ela, e a do nascimento de Cristo, e quando em Portugal se deixou de contar por ela. É
suposto seja matéria, em que devam achar-se versados todos aqueles, que dedicam
algum tempo aos estudos da nossa arqueologia, não julgamos fora de propósito
oferecer aqui de teor este breve capítulo:
«De algumas antiguidades necessárias para se entender melhor o que nestes livros
se escrever.»
«As antiguidades que aqui nos pareceu declarar hão de ser: Era, Ano. E algumas
figuras, por onde os antigos faziam seus cômputos, mostrando logo que coisa seja Era
16. 16
de César, ano de Cristo, da sua Encarnação e da sua Paixão, e quando cada uma de
estas coisas começou e acabou.
Dizemos melhores autores, que escreveram de antiguidade de «Hispanha», que
começaram os espanhóis 38 anos antes da nascença de Cristo, notar, e dar princípio a
suas escrituras, e instrumentos públicos com este nome da Era de César, deixando
desde então as outras contas e anotações de que usavam, e a razão foi (diz Garibay no
compêndio de história de «Hispanha» tom. 1º, liv. 6º, cap. 26; Morales e Fr. Bernardo
de Brito, cronista deste reino na sua Monarchia Lusitana, e outros) por ser este ano de
38 antes da vinda de Cristo, o que os espanhóis tiveram por primeiro e princípio de seu
império; e ser «Hispanha» na divisão do triumvirato imperada por Octaviano César, a
quem como pr+incipe seu quizeram, com isto respeitar e honrar os espanhóis. É
contudo grande dúvida entre os autores até que tempo durou em Espanha este modo
de contar; e deixadas, as várias opiniões que trazem, temos para nós que em Aragão
durou até o tempo de el-rei D. Pedro IV, ano de 1351, como diz Silva bo seu catálogo na
“lei de Hispanha” fl. 172; ou como parece no ano de 1354, e ano de 1358, como afirma
Garibay citado e Estaco nas antiguidades de Portugal, cap. 10, nº 7. Em Castela até o
de el-rei D. João o primeiro, que é o que foi vencido no campo de Aljubarrota,
mandando no ano de 1385, nas cortes que fazia em Segóvia, se usasse de ali por diante
do ano de Cristo, como tem para si Salazar liv. 3º, cap. 18, e Garibay citado. Em
Portugal se fez esta mudança em tempo de D. João I ano de Cristo de 1415, “discat na
lei de Hispanha” fl. 172 de 1422, como aponta a ordenação velha deste reino liv. 4º,
17. 17
tit. 51, a que segue o ilustríssimo D. Rodrigo da Cunha, arcebispo que hoje é de Lisboa,
no catálogo que compôs dos bispos da Sé do Porto, 2ª. P., c.26, e Estaco citado, contra
Genebrardi que querfosse feita esta mudança em Portugal no ano de 1415.
De este modo se usa hoje entre os cristãos, por Cristo ser o que deu princípio à nossa
redenção com seu nascimento, não se usando em Portugal de Era desde o ano de 1422;
se não fosse por erro em que deram escrivães com mais vantagem, e os que
escreveram vizinhos ao mesmo ano. Porém, quando alguns papéis antigos se acharem
escritos com Era de César, saiba-se que é trinta e oito anos primeiro que o ano de
Cristo, como diz Garibay citado no liv. 9º, e 4º, Cunha, Fr. Bernardo de Brito na sua
“Monarchia Luzitana”, Ambrósio de Morales, e a torrente dos historiadores.
Querem alguns que a conta da Encarnação de Cristo começará no ano de 527, e tem
para si Jepes na crónica de S. Bento centúria 1ª, que do ano de 550 começaram alguns
a contar o ano do Nascimento de Cristo, e outros de sua paixão; porém o que deixamos
neste parágrafo assentado parece o mais certo, e conforme a ele se há-de seguir no
computo que fizemos quando nestes livros falámos da era de César.
A fl 4, depois de acabar o parágrafo precedente há outro que o autor expõe os valores
que algumas letras do alfabeto tinham nas datas dos nossos antigos diplomas, tendo
procurado imitar à pena essas letras ou caracteres originais.
A fl 5 há outro parágrafo com a numeração de 3º e com esta epígrafe:
«Dos livros que no archivo do mosteiro de Grijó há, com que se allega no que se
disser adiante.»
§ 3º.
Além dos pergaminhos soltos que há no arquivo do Mosteiro de Grijó, também há
alguns livros antigos e modernos, em que estão escritas muitas doações, privilégios, e
outras coisa, dos quais há um que se chama – Livro Baio-ferrado, que é de meia folha,
de pergaminho, com tábua por fora, que fica sendo um reportório, ou registo de
breves, que os sumos Pontífices passaram a este mosteiro, de cartas de reis, e doações
que muitos fiéis lhe fizeram.
18. 18
(Fotografia antiga – Vista Parcial do Mosteiro de Grijó)
Outro livro pequeno também escrito em pergaminho, que se chama Tombo do
Convento, com tábuas por fora, onde estão alguns trslados autênticos de coisas que
neste mosteiro sucederam.
Tem mais um livro de quarto, que é o treslado autêntico de um tombo que el-rei D.
Pedro mandou fazer por Ivo Giraldes procurador da comarca da Beira de todas as
propriedades, foros, rendas e padroados que este mosteiro tinha, no ano de 1565 (Aqui
de certo houve lapso do amanuense; ou o rei que mandou fazer o tombo não foi
D.Pedro, ou se o foi, então o ano deve ser o de 1365); e dos senhores que nele tinham
comedorias.
Há mais um livro grande que se chama Livro Preto, e é registo de algumas doações, e
cartas de reis, passadas a este mosteiro, inquirições, e outras coisas tiradas da Torre do
Tombo, tudo passado em pública forma, com licença do mesmo rei no ano de mil
quatrocentos e cinquenta e dois (Esta data que no original é alfabética, se é a
verdadeira, corresponde ao reinado de D. Afonso V), e tem selo pendente; e é este livro
de grande autoridade.
Além dos acima há três cadernos em que estão alguns treslados autênticos de alguns
privilégios. É um livro grande antigo de pergaminho que se chama – Tombo que
mandou fazer o Prior D. Affonso Estevens – em que está escrita toda a fazenda deste
mosteiro, com o que cada uma pagava; e algumas memórias que deviam ser escritas
pelos cónegos que então viviam.
Estes são os livros donde tirámos o que ao diante dizemos, e com quem alegámos, que
os escrupelosos poderão ver nos lugares qie apontamos; como também nos demais
papéis conforme os assinalámos, sacos e números, que advertiremos. E posto que
neste cartório estejam alguns pergaminhos antigos, em os quais as firmas são todas da
19. 19
mesma letra, nem por isso deixam de ser originais, porque antigamente não punham
seu sinal, os que confirmavam, e eram testemunhas, senão o escrivão que fazia a
escritura assinava por todos, como deixou advertido o grande indagador de
antiguidade o padre Fr. António Brandão na sua Monarchia Lusitana I, cap. 5º, fl. 129.
Estão muitas escrituras antigas escritas em latim, que era o costume daqueles tempos,
que se veio a perder com o uso; e em Castela por lei particular, em que mandou el-rei
D. Affonso décimo de nome, que se chamava o sábio, por de facto o ser, no ano de
1259, que todas as escrituras reais e mais privilégios, que era costume escreverem-se
em latim, se escrevessem de ali por diante em língua castelhana, como deixa advertido
o catálogo real de Hispanha fl. 143.
A fl. 6 começa o 1. 1º, com o título de – Livro 1º. Da Fundação do Mosteiro de Grijó –
segue-se logo um pequeno exórdio, e no verso da folha tem a epígrafe de uma sub-
divisão.
PRIMEIRA PARTE DO PRIMEIRO LIVRO.
DO NOME QUE O MOSTEIRO DE GRIJÓ TEVE E HOJE CONSERVA
Cap. 1º
De aqui até folhas 8 emprega-se o autor na indagação histórica do vocábulo Grijó,
mostrando por documentos originais do respectivo cartório que o primitivo nome do
loca do mosteiro e do mesmo mosteiro era, no latim bárbaro, o de eglesiola,
ecclesiola, e de S. Salvador de Ecclesiola, egrejinha nome que pelo correr dos tempos
se converteu no de egreijó, e de que Grijó, pelo qual era conhecido nos tempos
modernos. Ainda a fl. 8 começa o cap. 2º com a epígrafe de
(Claustros – Fotografia antiga)
QUEM FUNDOU O MOSTEIRO DE GRIJÓ
20. 20
De aqui até fl. 16 trata da matéria indicada nesta epígrafe, e compreende os cap. 2º, 3º
e 4º e principia o escritor este capítulo dizendo – Não é pequena desgraça não se saber
o autor de qualquer obra gloriosa, heróica, e magnífica, para por ela se lhe dar justo
louvor, que é o prémio devido à virtude, e com que espertam outros a se empregarem
em semelhantes empresas como disse o Espírito Santo - «Virtus laudata crescit».
Vai depois disto relatando as opiniões de diversos autores acerca dos fundadores do
mosteiro, e prova contra a opinião de aqueles, à vista de uma carta de doação
existente no arquivo do mosteiro com data da era de 960, que ele tinha sido fundado
(ano de 922) por Guterro Abbade e seu irmão Ausindo.
Conclui o cap. 4º por confessar que Manuel de Severim Faria no disc. 4º e Pennoto na
Hist.dos Coneg. Regul. L. 2º cap. 32, nº 5, são conformes com este documento. Porém
que o mosteiro já se achava fundado quando se fez aquela doação, porque nela
aparecem já frades figurando como testemunhas.
Sendo verdadeiro o diploma da fundação, como acreditamos que é, não obstante
alguns defeitos que encontrámos na cópia, sem sabermos se devemos fazer cargo deles
a inópia de conhecimento paleográfico da parte do cronista, se à ignorância e leveza
do copista, porque dos erros deste abunda o manuscrito, é certo que os dois irmãos
Guterro Abba e Ausindo fundaran uma igreja ou antes capela na sua quinta chamada
Egrejinha «fundabimus Eglesia in villa, quo (sic.) vocitant Eglesiola»; e lhe dotaram
todos os bens que possuíam, quer fossem herdados de seus antepassados, quer de
outros parentes, ou havidos por compra - «de avolenga, sive et parentella, sive et de
comparandella», para sustentação dos irmãos e irmãs, que ali habitarem e
21. 21
observarem a vida monacal…«pró tollerantia fratruum et sororum qui in ipso loco
habitantes fuerint, et vitam monasticam tenuerint…»
Também na mesma carta de doação mencionaram algumas alfaias, paramentos, e
outros objectos de serviço divino e eclesiástico; sem esquecer um sino de metal, «et
signo medalis».
É patente deste diploma que os dois irmãos fundadores eram homens ricos; dominados
do espírito de piedade, edificaram em propriedade sua, e á sua custa, uma capela ou
ermida, talvez com estabelecimentos contíguos, acomodados, para habitação das
pessoas, que ali fossem admitidas, para se dedicarem à vida religiosa.
22. 22
Assim começaram a maior parte dos mosteiros de Portugal de instituição mais remota.
Associavam-se alguns indivíduos para viverem em comum empregados no serviço de
Deus, oração, pregação e instrução dos povos, sem muitas vezes aparecer nos
documentos declaração alguma de instituto então conhecido, a cuja regra os
associados se obrigassem. Depois de mais desenvolvidos adoptaram os institutos de
algum dos patriarcas das ordens religiosas mais antigas, entre nós S. Bento e S.
23. 23
Agostinho, e organisaram as suas instituições especiais, segundo a disciplina de algum
daqueles santos, para se governarem.
Estas pequenas fundações assim irregulares e isoladas, feitas por actos inteiramente
livres dos primeiros fundadores, foram o embrião de algumas casas religiosas, que no
futuro chegaram a ser grandes potentados, como as de Bentos e Cruzios.
Os devotos fundadores do Mosteiro de Grijó, nem dizem que tinham escolhido para si,
nem obrigam os que lhe sucederam, naquele estabelecimento religioso, a obedecer a
instituto algum; apenas declaram que fundaram aquela igreja «in honorem sancti
salvatoris domini nostri Jesu Chrisri»; dando-lhe assim a invocação de S. Salvador; e,
como já dissemos, dotando-lhe todos os bens para os irmãos e irmãs (talvez frades e
freiras) que aí guardassem a vida monástica.
O cronista deve declarar mais adiante, quando os habitantes deste pequeno
estabelecimento professaram a regra de Santo Agostinho, e se fizeram cónegos
regrantes.
Os cap. 5º, 6º e 7º, que decorrem desde fl. 16 a 22 v., são empregados pelo autor numa
enfadonha investigação da genealogia de Sueiro Fromarigues e sua mulher Elvira
Nunes benfeitores do mosteiro, logo depois dos fundadores.
É admirável como o autor (mas era mania de todos os escritores deste género) em
tempos tão obscuros como remotos, pretende, por hipóteses figuradas a seu modo,
24. 24
encontrar fio genealógico para nos dizer que Sueiro Fromarigues e sua mulher eram
pessoas muito fidalgas, e poderosas naquele tempo; levando o seu entusiasmo pela
exaltação destes benfeitores á inépcia de sonhar em o nome de Elvira uma sílaba
ilustre!! Vamos a ver a habilidade que o cronista de Grijó desenvolveu na
decomposição do nome daquela senhora para fazer esta notável e engenhosa
descoberta.
Os espanhóis e os portugueses, diz o cronista, costumam empregar o artigo – El para
indicar grandeza e majestade, por isso dizem – El-rei - , e não o rei como fazem os
franceses.
O nome Elvira vem escrito no documento assim – Gelvira – que é como antigamente se
escrevia; mas tirando-lhe o G, resta o el, que, anteposto a vira, forma Elvira. E assim
(palavras do autor) do nome=vir, que significa homem, derivaram, vira, que quer dizer
mulher: Logo, Elvira era a senhora mais poderosa, instruída, e ilustre do seu tempo !!
Por este modo o nome de Elvira exprimia em breve monograma o preclaro
merecimento desta excelente senhora. Então não é isto um engenhoso sofisma do
talentoso cronista ?!!
As doações que Sueiro, ou Soeiro Fromarigues e Elvira Nines fizeram ao mosteiro,
foram esta na era de 1170 (ano de 1132) de todas as igrejas que tinham entre Douro e
Águeda, de muitos prédios no lugar de Nogueira e um casal junto ao mosteiro, mas
não transcreveu a carta de doação; e aquele na de 1131 (ano de 1093) das porções que
tinha comprado da dita Igreja de Grijó, que eram metade, e uma terça parte de outra
metade com suas adjenciais e passaes, com as alfaias e utensílios sagrados e profanos,
repetidos quase nominalmente como na já referida fundação e doação, que no ano de
922 fizeram os dois irmãos Guterro, e Aizindo; e de todos mais bens que tinha por
outras partes, que vêm apontados, na doação transcrita de teor de fl. 9 vº a 10 vº.
Vê-se desta carta de doação que Sueiro Fromarigues reuniu ao acto de benfeitor do
mosteiro toda a grandeza de uma esplêndida solenidade, porque a convite dele foi o
bispo de Coimbra D. Cresconio fazer a dedicação da igreja, e na presença deeste
prelado, e de grande concurso de pessoas de ambos os sexos, que vieram tomar parte
na festividade, «in magno concilio virorum et mulierum qui ad gaudium dedicationis
convenerunt», publicou a doação e fez mencionar na escritura dela um grosso numero
de testemunhas a última das quais é – Cresconius Episcopus.
Poderá alguém impugnar a existência dos dois documentos acima apontados, as
doações, a 1ª de Guterro Abba, a 2ª de Soeiro Fromarigues, não obstante o cronista
copiá-las integralmente; e com efeito um leve reparo dá lugar à impugnação, ou pelo
menos a conceder que só uma delas fosse verdadeira; pois se os dois irmãos
fundadores, como já dissemos, doaram a sua igreja com todos os bens, que possuíam,
alfaias, utensílios, etc., para o culto religioso e sustentação das pessoas, que aí
25. 25
vivessem empregadas no serviço de Deus, para que havia de vir Soeiro Fromarigues,
depois no ano de 1093, dar a maior parte dos bens, que já estavam dados?
Nós, sem defendermos a existência de aqueles dois documentos, e até mesmo pondo
alguma dúvida na exactidão da sua trasladação para leitura nova, entendemos que a
objecção proposta deve desaparecer logo, que admita, como efectivamente se deve
admitir, que as igrejas e seus bens eram objecto de herança, entravam em partilhas e
constituíam portanto matéria de transacção.
O capítulo 8º, a fl. 22 vº, é destinado a instruir o leitor acerca do que era Rico Homem,
para demonstrar que o benfeitor do convento Soeiro Fromarigues era um fidalgo da
sublime categoria dos Ricos Homens.
Não damos de teor este capítulo por nos parecer, que o cronista nada acrescenta ao
que escritores antigos e modernos têm dito sobre este assunto.
O capítulo 9º, que ocupa as folhas desde 24 a 27 vº, e tem o título de – Dos sítios e
lugares que o Mosteiro de Grijó tem tido desde que se fundou, - transcrevemo-lo
integralmente por conter algumas especialidades históricas, mais sabidas pelos
documentos, do que pelos livros.
Costumam os que pretendem dar a conhecer alguma cidade, lugar, ou mosteiro,
declararem os sítios, que teve, para mostrarem as variedades dos tempos, que de
ordinário costumam dar sabor, ao que pouco de antes o tinham tirado; de aqui pode
ser, nasceria acharmos muitas terras, e cidades deste reino mudadas de um lugar para
outro, entre as quais é a cidade de Coimbra, fundada em seu princípio por Brigo
Terceiro, rei de «Hispanha», como alguns afirmam, em o lugar, que chamam Condeixa-
a-Velha, que quer dizer Coimbra deixada, como advertiu um curioso, só com o nome de
Coimbriga, tomado do próprio rei que a fundou, no qual primeiro lugar a conservaram
os Romanos; porém depois de Ataces, rei dos Alanos, grande tirano e ariano, a
destruiu, mudando-a para onde hoje está junto ao rio Mondego, distante duas léguas
do lugar antigo, como consta de uma carta que Arisberto, segundo bispo do Porto,
escreveu ao bispo das Idanhas, que traz a Mon. Luzit. Tomo 2º, liv. 6º, cap. 3, e
catálogo dos bispos da Sé do porto, 1ª parte, cap. 3, o qual rei a cercou logo fazendo-
lhe os muros, que ainda hoje tem, em cuja obra trazia a trabalhar como tirano que era,
muitos cristãos cativos, dos quais um era o bispo da mesma cidade, Elipando, e o do
Porto, Arisberto, e o sacerdote Esseno, como adverte a história eclesiástica dos
Arcebispos de Braga, 1ª parte, cap. 71.
Quase o mesmo sucedeu à cidade de Viseu, a qual foi fundada afastada do lugar, onde
hoje está, como adverte o foral, que el-rei D. Sancho I lhe deu, do qual as palavras que
o mostram são …«Milites et clerici, qui in veteri civitate de Vizeu casas habuerint
possideant eas…» nas quais distingue o rei, Viseu o velho, de Viseu o novo.
26. 26
Também se sabe que a Sé da cidade da Guarda esteve primeiro nas Idanhas, pátria,
como muitos querem, de el-rei o Bamba, cavaleiro principal da geração gótica, de onde
ainda hoje conserva o nome que lá tinha, por cujo respeito se chama, nestes nossos
tempos, o seu bispo – Episcopus Egitanensis; efeito tudo do tempo, que costuma
desencaixar, volver e resolver tudo com sucessos não esperados, como alguns disseram
ao mesmo propósito.
Com a mesma variedade tratou o tempo ao Mosteiro de Grijó, porque por tradição
muito antiga dos religiosos de ele, tirada de escrituras antigas, se sabe ter seu primeiro
fundamento em o lugar de Muraceses, pouco distante, de onde hoje está, onde devia
estar pelos anos de 1075, e de 1093, que foi o primeiro ano, em que á igreja se pôs o
nome de S. Salvador, por autoridade do bispo D. Cresconio; do qual sítio, por acharem
ser ventoso, se mudou o mosteiro para onde hoje está, ficando as celas para o sul; e
tenho para mim, foi pelos anos de 1241, porque deste ano até o de 1137 sagrou a
igreja deste mosteiro o bispo do porto, chamado D.Pedro do Salvador. Costume antigo
era sagrarem-se as igrejas, o qual se veio a perder; para que ficasse mais fácil o
desenviolarem-se, e caso que se inviolassem (sic) que devia ser por se fazer de novo,
com a mudança do novo mosteiro; e este foi o segundo sítio, que o Mosteiro de Grijó
teve desde a fundação, no qual foi achado pelos anos de 1536, quando os cónegos
reformados de Santa Cruz vieram para ele, porém a claustra estava para a parte do
norte, onde estavam as casas dos priores mores.
Não se contentaram os religiosos reformados do sítio; assim por o terem por pouco
sadio, como também por lhes parecer pouco acomodado para com zelo da salvação do
próximo servirem a Deus; e assim pareceu bem ao Padre Fr. Braz, religioso de S.
Jerónimo, e actualmente reformador desta congregação (que era o que então
mandava em tudo), e ao Cardeal D. Henrique, Infante D. Luiz, e a alguns religiosos
desta congregação fosse a mudança deste mosteiro para junto do Porto, da banda de
àquem do rio Douro, junto a Vila Nova, na serra, em cima para a parte do nascente; a
qual resolução e mudança confirmou o Papa Paulo III, no ano de 1539, a instância do
católico rei D. João III; com que trataram logo na obra do novo mosteiro, comprando o
sítio, que era parte da Quinta de Quebrantões, no ano de 1540 com licença do mesmo
rei; e com tanto fervor se puseram a ela, que quando foi o ano de 1543 já estava capaz
para nele viverem religiosos; em o qual ano se mudaram para ele, ficando o antigo de
Grijó quase desamparado, somente com um cura secular, servindo só de granja ao
mosteiro novo, ao qual tinha unido o velho o Papa Paulo III, no ano de 1540, em 26 de
Fevereiro, ano sexto do seu Pontificado, porque «quod (são palavras da bula) dictum
monasterium sancti Salvatoris in loco húmido, et minus sano esset constitutum»,
pondo o Santo Padre por obrigação, que no mosteiro velho um ou dois religiosos
«morari tenerentur», o que depois confirmou o Papa Júlio III, no ano de 1552, unindo
ao mesmo mosteiro novo as igrejas da jurisdição.
27. 27
O sítio da serra foi o terceiro que o Mosteiro de Grijó teve, no qual continuou vinte e
um anos, chamando-se o Mosteiro de S. Salvador de Grijó, junto ao Porto, no qual
tempo teve sete priores, que foram D. Manuel, D. Clemente, D. Thomé, D. Vicente, D.
Estévão, D. Lourenço, e D. Henrique, onde viviam com tanto ponto, que na sua portaria
servia um sacerdote secular, que tinha por obrigação ministrar os sacramentos aos
familiares e residir sempre na portaria, a quem se dava, além da sustentação, um
certum quid, e esmola pela missa, que todos os dias dizia; e como as coisas
experimentadas são diferentes do que antes parecem, acharam os padres que tanto,
ou mais doentio era o sítio da serra, que o mosteiro antigo de Grijó.
Não assistia o religioso, ou religiosos, que o Santo Padre mandava; com que entrou o
escrúpulo neles, parecendo-lhes não podia estar o mosteiro antigo de Grijó sem
religiosos, em modo de comunidade; e vendo as contínuas queixas, que os moradores e
fregueses de ele faziam aos capítulos gerais do desamparo, em que ficaram, e ficara
toda a terra, e levados de outros pios respeitos, assentaram no capítulo geral
celebrado no ano de 1564, em o 1º de Junho, tornasse ser habitado o mosteiro antigo;
e que para maior argumento desta congregação, ficasse o mosteiro novo da serra
também com religiosos, para cuja sustentação desse o mosteiro antigo parte da renda,
a qual vieram liquidar os capítulos gerais seguintes; a esta resolução deu logo
consentimento no mesmo ano, em 24 do mesmo mês de Junho, o convento do novo
mosteiro da serra, e os religiosos, queentão nele estavam, eram D. Henrique, prior, D.
Simão, D. Isidoro, D. Constâncio, D. Bazilio, D. Urbano, D. Jerónimo…determinando o
mesmo capítulo geral se chamasse o mosteiro novo – Mosteiro do Salvador do Porto, e
o antigo – Mosteiro do Salvador de Grijó. Com o qual nome continuou o mosteiro novo
da serra até ao ano de 1599, em que o capítulo geral mandou, que para maior
distinção destes dois mosteiros se nomeasse de ali por diante, o da serra – Mosteiro de
Santo Agostinho, e o antigo de Grijó – de S. Salvador, que são nomes, que hoje têm.
A mudança que se fez para o mosteiro antigo de Grijó confirmou o Papa Pio V, no ano
de 1566, 12 calend. Novemb. Anno primo sui pontificatus, sendo Bispo do porto D.
Rodrigo Pinheiro. O mesmo tornou a fazer SS. Padre, no 2º ano do seu pontificado, que
foi o de 1567; porém no capítulo geral antecedente, celebrado no ano de 1564, se
apontaram os religiosos, que haviam de vir para o mosteiro velho eleger seu prior logo,
como fizeram, elegendo ao Padre D. Bazilio, que foi o primeiro prior, que este Mosteiro
de Grijó teve depois que se tornou para o antigo sítio, que parece, podemos dizer, foi o
quarto depois da primeira fundação, com que os religiosos de ele não podem ser
notados de inconstantes, senão de escrupulosos, e ainda prudentes, pois diz o Espírito
Santo – Sapientis est mutare judicium.
Postos os religiosos outra vez no mosteiro antigo, trataram de o fazerem acomodado
para nele poderem estar os religiosos reformados; e para isso fizeram algumas celas
sobre a claustra, que estava para a parte do N., achando ali seria melhor vivenda,
28. 28
aproveitando-se juntamente das casas dos priores mores; e porque as celas ficavam
ainda poucas, fizeram um lanço delas por cima do refeitório, no ano de 1568, sendo
prior D. Vicente; no qual sítio viveram até ao ano de 1598, servindo-se da mesma igreja
antiga, que já não era sagrada.
Com o cómodo que os padres reformados fizeram no Grijó, que ainda chamamos velho,
foram vivendo com pensamento de fazerem outro mosteiro mais grandioso, e que
fosse para a parte S., por acharem frio o em que estavam; e com estes pensamentos
foram continuando até ao ano de 1576, em que resolveram lançar-lhe a primeira
pedra, para a torre dos sinos, se deu princípio, sendo prior o Padre D. Gaspar Brandão,
a obra é louvada dos arquitectos, que a vêm, ainda que reprovado o sítio em que está,
a qual hoje tem oito sinos, dos quais cinco são grandes, e todos mui sonorosos. Teve
antiigamente um sino, que se chamava de Jesus, com estes versos:
«Mille, et quingentis annis post funerem Christi
Adde decem atque novem calculus acta docet.
Cum mihi Dulce datum fuerat cognomen Jesus,
Terríficos tonitruos tellaque sedo Jovis,
Artificem nostrum potes, hoc comprehendere
versu.
Ara sumus, Vuaglevens fusa, Simone duo.
Os quais mostram o nome que tinha quem o fez, e o ano, em que fora feito, para
impedir os trovões (!!). Havia também outro do Santo André que tinha estes outros:
«Andreae laudo, Deum verum plebemque voco.
Clerum congrego, defunctos ploro,
Pestem fugo, fasta decoro. Ano de 1458.»
Os quais se quebraram, e em seu lugar se fizeram outros muito formosos. Após a torre
se foi fazendo o mosteiro, que antes dela tinha principiado o prior D. Pedro, com a
sumptuosidade, que hoje se vê; o qual, tanto que esteve para se poder habitar,
mudaram-se alguns religiosos para ele, que foi no ano de 1599, sendo prior D. Nicolau
dos Santos; entrando a primeira vez nele com cruz levantada, e asperção de àgua
benta, ficando ainda alguns religiosos no mosteiro velho, onde viveram até ao ano de
1624, sendo segunda vez prior o Padre D. Lourenço da Piedade. E estando neste
mosteiro novo se serviram alguns anos da igreja velha, enquanto se a nova ia fazendo,
que foi até ao ano de 1626, dia do nosso Padre Santo Agostinho, que foi o primeiro dia,
29. 29
em que nela se disse a primeira missa, a qual foi pontifical, a qual disse o Padre D.
Sebastião da Graça, actualmente geral desta congregação; o qual templo acabado
será um dos melhores deste reino. Este foi pois o quinto e último sítio que o Mosteiro
de Grijó parece teve, desde que foi fundado; onde continuará até o tempo causador de
todas as vaidades lhe não der outra volta, enfadando-se de sua continuação.
Da terra e bispado, em que o Mosteiro de Grijó foi, e está hoje fundado.
Cap. 10.
A terra, em que o Mosteiro de Grijó teve a sua primeira fundação, e está hoje fundado,
chamava-se de Santa Maria, nome que teve antigamente a terra, que começa desde a
foz do Douro para estas partes, como declaram várias doações, que estão no arquivo
deste mosteiro, e o tem ainda hoje a terra circum-vizinha a ele, que chamamos Terra
da Feira; o seu principal castelo, o qual sabemos de escritura autêntica, que está no
arquivo deste mosteiro, se chamava pelos anos de 1093, Castelo de Santa Maria, sendo
neste mesmo ano em três de Outubro Alcaide-Mor dele Flacencio, e diz o catálogo dos
bispos do porto, 1ª p., cap. 1º, fl. 13 e 16, que chamar-se esta terra da invocação de
Santa Maria , fora, porque, quando os gascões entraram na cidade do Porto, depois de
estar avassalada pelos mouros, e nela fizeram assento e se puseram a conquistar toda
a terra da sua comarca, que então estava sujeita ás armas maumetanas, a toda a que
rendiam punham o nome de Terra de Santa Maria, querendo dizer nisto que ao favor
da Virgem Maria, mãe de Deus, deviam suas armas a vitória que alcançavam…
Não reprovamos a razão, antes acrescentamos continuaria a Terra da Feira com o
nome de Terra de Santa Maria, por assim se chamar a sua cidade do Porto, dentro de
cujo bispado está quase toda, a qual cidade se chama de Santa Maria, e como diz a
Monarchia Lusitana, liv. 9, c. 13, e o declara o título, que tem á porta de sua câmara,
que diz – Civitas Beatae Virginis – o qual tomou da sua igreja matriz, que sempre se
chamou Igrejta Maria, como achei em muitas doações, feitas ao Mosteiro de Grijó, e
juntamente o declara o livro dos óbitos de mesmo mosteiro, onde estão escritos muitos
cónegos daquela Sé, que deviam ser do tempo que ela era dos cónegos regulares,
dizendo: Obiit N. Canonicus Sanctae Mariae do Porto; ao que parece aludiu el-rei D.
Afonso II nas cortes que fez em Leiria, pelos anos de 1254, chamando á cidade do Porto
vila da igreja; e ainda, se nos é lícito de uma coisa tirarmos outras, digo que já no ano
de 848 se chamava esta Terra de Santa Maria, reinando em Portugal D. Ramiro I, o
qual fazendo uma doação ao Mosteiro de Lorvão, neste ano de 848 lhe dá nas rendas
de Terra de Santa Maria, quinhentos soldos; são as palavras latinas: Ego pró meae
30. 30
redemptione animae meorumque parentum in terra vobis, de Sanctae Mariae, quod
annis sólidos quingentos. A qual doação traz a Monarchia Luzitana, liv. 7, cap.13. Pelo
mesmo nome a nomeia João, Abade de Lorvão, no ano de 850, como se pode ver na
mesma Monarchia Luzitana, cap. 14. E os gascões entraram no Porto pelos anos de
963, pouco mais ou menos, como diz a Monarchia Luzitana, liv. 7, cap. 23, reinado de
D. Ramiro III, que é muito tempo adiante, pelo que mais antigo é a Terra da Feira
chamar-se Terra de Santa Maria, que a entrada que no Porto fizeram os gascões.
(Castelo da Feira – Torre de Menagem – Fotografia antiga)
E assim entendo se chamava a Terra de Santa Maria, de uma cidade, que dentro de si
tinha, fundada no monte que hoje se chama Sagitella, tendo pela parte do N. o
caminho mourisco, que os mouros descobriram, e pela parte do P. o mar o qual é
vizinho a este Mosteiro de Grijó; e para a parte do S. as confrontações da cidade, que
nele estava fundada, a qual cidade se chamava de Santa Maria, como declaram várias
doações que no arquivo deste mosteiro há. E que aqui estivesse esta cidade o declara a
31. 31
carta de venda feita a 15 das Kalendas de Dezembro, era de 1124, que é a seis de
Dezembro do ano de 1086, a qual, para declarar a terra vendida, diz - … in villa
Nogueira de Ecclesiola ab integro subtus monte Sagitella discurrente fonte de frui
Lacum, in suburbis civitatis Sanctae Mariae. Se a igreja matriz do Porto deu nome à
cidade, chamando-se cidade de Santa Maria, por ser da mesma Senhora a sua igreja,
também o chamar-se hoje principalmente Terra de Santa Maria à da Feira, pode ser
seja em ordem às muitas casas de oração que dentro de si tem da invocação de Nossa
Senhora, todas de muita romagem e veneração, entre as quais é a ermida de Nossa
Senhora do Campo (a mais antiga de quantas há desde o Douro até ao Vouga); como é
tradição em todos os moradores destas partes de que antigamente era a Senhora da
Terra da Feira, sita dentro do isento deste mosteiro, afastado dele para o N. um quarto
de légua, onde acham remédio para maleitas os fiéis cristãos, que dali levam com
devoção uma pouca de terra; a Senhora das Duas Fontes que muito pouco dista do
mesmo mosteiro para a banda do mar, e está dentro do mesmo isento da invocação de
Nossa Senhora da Nascença, em cujo dia tem feira, e há grande concurso de gente;
Nossa Senhora da Alimieira, que está distante deste mosteiro, para o S. duas léguas e
meia, onde há grande irmandade de clérigos e grande feira no seu dia; a Senhora de
Entre as Águas, que está para a mesma parte três léguas, onde há grande romagem, e
acham indulgência plenária os que no seu dia (que é o de Nossa Senhora da Nascença e
oitava do Espírito Santo), desde as vésperas antecedentes a visitam contrictos e
confessados; e Nossa Senhora das Areias (que tem assim o nome por ficar junto ao
mar, entre as areias da Costa Branca), anexa a S. Cristóvão de Ovar. Com tudo chama-
se esta terra, por uma ou por outra razão, Terra de Santa Maria. Entre ela está situado
o Mosteiro de Grijó.
E para que nada falte aos curioso ,chamava-se, no tempo dos romanos, esta Terra da
Feira Lamgobrica, como adverte Frei Luiz dos Anjos, no jardim que compôs das
muralhas virtuosas de Portugal, fl. 3 e 6, o qual nome lhe deu o principal povo, que em
sitem, chamando-lhe Vila da feira, que então se chamava Lamgobrica, como consta do
itenerário que deixou o Imperador Antonino, que servia de roteiro aos romanos para
não errarem as terras, em o qual tinha posto as principais que então havia de Coimbra
até Braga, que eram – Conimbrica, Emineum, Talabrica, Lamgobrica, Cale, Bracara, e
são, como declara Vasconcelos, Coimbra, Águeda, Aveiro, Feira, Porto e Braga. E como
esta Terra da feira não ter mais circuito que dezoito léguas (como consta de uma
sentença, que está no cartório deste mosteiro), contudo tomando-a toda desde o
Douro, começando de Vila Nova, tem oitenta e oito igrejas, sitas dentro do bispado do
Porto, das quais vinte têm o SS. Sacramento e cinco mosteiros, aos quais estão anexas
104 ermidas, que renderam ao menos 13 contos, excepto a igreja de Riomeão com as
suas duas anexas S. Pedro de Macedo, e S. Martinho de Arada, que são Comenda de
Malta, e costumam render 600$000 reis forros para a Comenda (este ano de 1639
estão arrendadas em 530$000 reis).
32. 32
(Igreja de Rio Meão)
É fama constante e imemorial, fundada em muitas razões, que esta igreja de Riomeão
foi dos Templários; tem mais onze igrejas das quais dez pertencem ao bispado de
Coimbra, e uma ao de Viseu. A gente desta Comarca pertencente ao bispado do Porto
passa de 22.800 pessoas de comunhão, e 6.200 menores, tudo advertido pelo catálogo
dos bispos do Porto. A terra que é somente precisa da Feira tem conde; cuja casa e
paços principais é o Castelo da Vila da Feira em que reside, que renderá onze mil
cruzados. Há mais nesta Comarca da Feira, oito Comendas de Cristo, scilicet – Canedo
com duas anexas; Lobão e Louredo que rende 600$000 reis; S. Miguel de Oliveira com
sua anexa, Sanc’Iago de Riba Ul (Santiago de Riba Ul) que rende 300$000 reis; S.
Miguel do Souto que rende 150$000 reis; S. Vicente de Pereira com a sua anexa, S.
Martinho da Gandara que rende 200$000 reis; Sancta Marinha d’Avanca com as
anexas, S. Mamede de Mondoil, S. João do Loureiro e S. Matheus de Brunheiro que
rende 700#000 reis; Sanct’Iago de Beduido com sua anexa Sancta Maria de Mortoza,
que rende 670$000 reis; S. Miguel d’Arcuzelo com sua anexa; S. Paio d’Oleiros que
rende 150$000 reis, cujo padroado é deste Mosteiro de Grijó; S. Pêro Fins com sua
anexa Sancto Estêvão de Guetim, (onde está uma relíquia do Santo Lenho) que rende
200$000 reis; Sancto André de Lever anexa da dos Medos, que está da outra banda do
rio, que rende 120$000 reis. Tem também esta terra dois morgados, a que chamam de
Villar do Paraizo, que come os frutos da igreja com título de capela, ficando obrigado
mandar dizer certas missas, e dar azeite para a lâmpada do Santíssimo que nela está, e
apresenta cura. O morgado de Fermedo, onde tem duas casas, e padroado da mesma
igreja.
33. 33
Entre a freguesia de Vilar do Paraizo, e de Golpelhares se costuma fazer feira de bois
todas as quinta feiras do mês, onde somente os que compram e vendem, que são de
fora do termo, pagam Siza, e nenhuma portagem, fica uma légua deste mosteiro entre
ele e o Porto.
Além da jurisdição, que o Conde da Feira tem na sua terra, há oito coutos particulares,
que são os de Grijó, o de Pedroso, que hoje é do Colégio da Companhia de Coimbra; o
de Avintes que é o Sendim, das freiras de S. Bento do porto; o de Cucujães, que é do
Mosteiro de S. Bento do mesmo nome; o de Crestuma, que é do bispo do Porto; os
quais todos têm seus juízes particulares. Esta pois é a Terra de Santa Maria, e Comarca
da Feira, dentro da qual está situado o Mosteiro de Grijó.
O bispado dentro de cuja diocese está hoje este mosteiro é o da cidade do Porto.
Verdade é que em tempo antigo era no de Coimbra, não porque estivesse então
fundado em diferente lugar do de hoje, senão porque nos primeiros tempos da
expulsão dos mouros destas partes, chegava o bispado de Coimbra até o Douro,
ficando dentro da sua diocese toda a Terra da Feira; e o do porto não passava o Douro;
no que perseverou até o tempo em que foi bispo dele D. João Pedulialis, cónego regular
dos primeiros doze que instituíram o Mosteiro Real de Santa Cruz de Coimbra; do qual
tempo o bispo por diante ficou o bispado do Porto estendendo-se até onde hoje chega,
compreendendo entre si quase toda a Terra da Feira; no qual bispado houve depois da
sua fundação, e restauração do Mosteiro de Grijó, cinquenta e nove bispos até D.
Geraldo do Rego e da Fonseca, natural da cidade da Guarda, que actualmente tem a
mitra desta Sé, e seja nomeado por presidente do Paço (o que diz Silva no seu catálogo
real de Hispanha, fl 112); suas generosas acções o elevaram, onde aos outros conduz
sua deligência, para que se veja que à virtude dos grandes homens sempre se lhe
reservam prémios devidos a seus merecimentos.
Da província em que o Mosteiro de Grijó está e esteve situado
Cap. 11
A província, em que o Mosteiro de Grijó o foi em seus princípios, e está hoje edificado, é
o que antigamente se chamava Lusitânia; porque, como diz Osório, no prólogo da
história de el-rei D. Manuel I; Rezende, nas Antiguidades de Portugal, liv.3º ; Fr. Luiz de
Sousa na vida de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, liv. 1º, cap. 26;
Mon.Lus, liv. 18, cap. 15; o Padre António de Vasconcelos, na descrição do Porto 3 nº 1;
34. 34
Fr. Bernardo de Brito, na Mon.Lus. Liv. 1º, Cap. 15; Duarte Nunes de Leão, na descrição
de Portugal, cap. 1 , e outros, a Lusitânia chegava até ao rio Douro, chamando-se
Lusitânia toda a terra, que está do rio Douro para o sul, até ao rio Guadiana; de cuja
boca os Romanos o demarcavam pela parte do Ocidente, junto à costa do mar oceano,
até à boca do novo Douro; e assim do mesmo rio Douro começava, nos mesmos
tempos, Galiza, para a parte do norte; do que advertindo Plínio, liv. 4º, hist., cap. 20,
disse, que o rio Douro dividia os lusitanos dos galegos, sem que alguma hora se
chamasse a província de entre Douro e Minho Lusitânia, como acrescenta Floriam do
Campo, liv. 1º, cap. 3, e António de Sousa, nas suas flores de Hispanha, 1ª, p. cap.
1º,escel. 4º. Veio-se, porém, pelo tempo adiante chamar Portugal a província de entre
Douro e Minho, com todo o mais reino, com que ficou perdendo o nome antigo, que
tinha de Galiza, e de galegos, os que de ela eram naturais; e quer Garibay, liv. 34,
cap.1º, no compêndio de história de Hispanha, fosse depois da entrada dos mouros; e
posto que não consta ao certo em que ano; contudo por certo temos se chamava já
Portugal entre Douro e Minho, no ano de 1030, como se pode ver em Estaco, nas
antiguidades c. 92; do que fica certo, como diz António de Vasconcelos na Monarchia
Lusitana, liv. 10, cap. 43, como alguns quiseram não ser Santo Teotónio Santo galego,
se não português; porque ainda que nasceu em o lugar de Guinfães da banda de
aquém de Tui, e do rio Minho, foi pelos anos de 1081, pouco mais ou menos, tempo e
ano em que já se chamava Portugal tudo o que estava desde o rio Minho, até o Douro,
nome que lhe deu a cidade do Porto, como afirma Rezende, citado, a quem seguem
muitos grandes autores antigos; e depois a todo o reino, chamando-se todo ele
Portugal da cidade do Porto (como diz, Monarchia lusit., c. 15, fl. 41), da maneira que o
deu a cidade de Toledo a todo o seu reino; e a de Granada, chamando-se este reino de
Granada, e aquele outro reino de Toledo. E quando isto fosse, não se sabe ao certo;
sabemos contudo que, quando el-rei D. Fernando I, de Castela, se partiu tomar
Portugal, ainda se chamava Lusitânia toda a terra, que está do Douro para o sul; e esta
jornada foi pelos anos de 1030, conforme orçou Beuter, 1ª p., cap. 32, e no ano de
1093, em três de Outubro, já se chamava Portugal, como declara a doação que neste
tempo fez Soeiro Fromarigues a este Mosteiro de Grijó, que fica no cap. 2, onde para
declarar este fidalgo o lugar e terra, em que o Mosteiro de Grijó estava fundado, disse
in território portugalensi, e já tinha este nome no ano de 1075, como declara com as
mesmas palavras a carta de compra, que neste ano fez o mesmo Soeiro Fromarigues
da parte da igreja, livro Baio, fl. 56; com que fica claro não estar o Mosteiro de Grijó,
alguma hora fundado em terra que se chamasse Galiza, senão que de princípio se
chamava Lusitânia (nome que lhe deu Luso, filho de Sio Celio, rei de Portugal, catálogo
real de Hispanha, fl. 5), pouco antes do ano da criação do Mundo 2486 (ano de 1466
antes do nascimento de Cristo), como dis Fr. Bernardo de Brito, na Monarchia Luzit.
tom. 1º, liv. 1º, cap. 15, ser Lusitânia tomado por Lisias filho de Bazo, outro rei que fora
do mesmo Portugal, como quer a Monarchia Luzit. citada, e Fr. Nicolau de Oliveira, no
livro que compôs das grandezas de Lisboa tract. liv. E 1º, e tract. 2º, e 16, que era tanto
35. 35
o amor que já naqueles tempos tinham os portugueses aos seus reis, que até no nome
se queriam parecer com eles, como advertiu Sousa, nas Flores de Hispanha. Bem assim
que não era Lusitânia interior a província em que este mosteiro foi fundado por essa
ser a província do Alentejo ou Algarve, como parece quer dizer Sousa, citado, cap. 3º,
excelência 6ª, se não Lusitânia exterior, que era a terra que estava entre o rio Tejo e
Douro; e depois se chamou Portugal, nome que a pouco e pouco foi tomando este
reino; e posto que várias eram as nações, que nesse tempo chegaram a povoar a
Lusitânia, como se pode ver em Fr. Bernardo de Brito, na Geografia, que compôs, que
anda no princípio do primeiro tomo da sua Monarchia Luzitana; contudo, a nação que
habitou antigamente a Lusitânia exterior era dos antigos Turdelos, morando pela costa
do mar, que está da boca do Tejo até ao Douro; a qual nação constava de gente bem
entendida, que se governava por leis escritas em verso, de tempos antigos, como refere
Strabo, trazido por Fr. Bernardo de Brito, citado; e assim os moradores que
antigamente teve a terra, onde se fundou o Mosteiro de Grijó, eram Turdelos, gente de
bom juízo e razão.
E como este nome de Portugal ficou comum a todo o reino, tratou de se dividir em seis
províncias, para maior distinção, pondo os reis de Portugal em cada uma delas seu
corregedor, a quem pudessem os moradores de elas recorrer com facilidade em seus
negócios: uma era entre Douro e Minho, 2ª Trás-os-Montes, 3ª a beira, 4ª a
Estremadura, 5ª Alentejo, 6ª todo o reino do Algarve, como diz o padre António de
Vasconcelos, na Descrição de Portugal, nº 2; e Duarte Nunes de Leão, na Descrição de
Portugal cap.2º. E querendo o padre Fr. Nicolau no livro das grandezas de Lisboa, tr.1º,
cap. 2º, declarar os limites de cada uma destas províncias, diz que a província de entre
Douro e Minho começa da cidade do porto até Valença do Minho e seu termo; a de
Trás-os-Montes do rio Tâmega (que é de S. Gonçalo de Amarante) até todo o bispado
de Miranda; a da Beira desde Aveiro, Coimbra, Guarda, e terra da ribeira de Côa; a da
Estremadura desde Cascais, pelo mar, até à foz do rio Mondego, e por ele acima até à
ponte de Coimbra, e daí até Abrantes (Ita Monarchia Luz., liv. 1º, cap.34); a do
Alentejo, a que está entre o Tejo e Guadiana; a do Algarve, todo o seu reino; e como
seja certo estar o mosteiro fundado dentro de uma destas províncias, tem obrigação,
quem seguir esta repartição dizer, que não está fundado na do Algarve, nem na do
Alentejo, como está claro, nem também na da Estremadura, por ela não passar o
Mondego, nem na de Trás-os-Montes, que começa de S. Gonçalo de Amarante, nem na
de entre Douro e Minho, que começa da cidade do porto, e assim fica a partium
enumeratione fundado na província da Beira, que antigamente se chamava Beira dos
Berones, que habitavam a Lusitânia em tempo do imperador Tibério, como diz o bispo
Pinheiro, nas Annotações 2ª parte. A qual província com pouca corrupção se veio a
chamar Beira, e seus moradores beirões; e parece favorecer Fr. Bernardo de Brito, no
fim da geografia citada, dizer-se chegou à Beira, onde está este Mosteiro de Grijó,
enquanto afirma ser a comarca da beira antigamente dos Turdelos, os quais moravam
36. 36
desde o rio Tejo até ao rio Douro, como já dissemos, e o diz Plínio, liv. 4º e 2º, e
Pomponio Mella.
Duarte Nunes de Leão, declarando as comarcas e correições, que cada uma destas
seisprovíncias tem no lugar citado, diz: que a província da Estremadura tem seis, que
são – a de Lisboa, de Santarém, de Tomar, de Alenquer, de Leiria e de Setúbal; a
província da Beira outras seis, a saber: a de Coimbra, da Guarda, de Lamego, de Viseu,
de Castelo Branco, e a da Covilhã; a de entre Douro e Minho tem quatro, que são – a do
porto, de Viana da foz do Lima, de Guimarães, e a de Ponte de Lima. E tratando este
mesmo autor das terras, que contam cada uma das comarcas e correições, vindo à
comarca de Aveiro, diz a folhas oito, que da sua correição é a vila de Ovar, e a vila e
Terra da Feira. E assim conforme este autor, parece se há-de dizer, que não está este
Mosteiro de Grijó fundado na província da Beira, por não estar dentro das Terras da
Feira, ainda que seu couto confina com elas, mas que está situado dentro da província
de entre Douro e Minho, por pertencer à correição do Porto a terra em que este
mosteiro está fundado; contudo o que a mim me parece é que, falando em rigor, se há-
de dizer está o Mosteiro de Grijó fundado na Estremadura, porque antigamente as
terras que estavam vizinhas ao Douro chamavam-se Extema.Durii, como notou
Monarch. Luz., tomo 2º, liv. 7, cap. 28, como esta está, e este mosteiro está fundado
junto ao Douro, de onde não dista mais de uma légua, que há dele até Arnelas.
Do estado em que estava este reino, e estas partes, assim no temporal como no
espiritual, quando este mosteiro se fundou, até o (tempo) em que entrou o Conde D.
Henrique.
Cap. 12
Fazendo um pouco o pé mais atrás, brevemente direi, sem averiguar as opiniões por
não ser esse o meu intento, que desde que os Romanos tiveram senhoriado Hispanha,
durou o mando sobre ela até ao ano de 343, tendo o império Honório, o Theodosio 2º
do nome, como disse o Fr. Nicolau de Oliveira, no livro das grandesas de Lisboa, tract.
2, cap. 22; ou, como parece melhor, pelos anos de 400, em que governa Arcádio e
Honório, filhos do grande Imperador Theodosio, como refere a história eclesiástica dos
arcebispos de Braga, 1ª p, cap. 9; e novamente Silva, no seu catálogo dos reis de
Hispanha, folhas 10; havendo já rei godo em Hispanha no ano de Cristo de … que se
chamava Ateulfo, que pôs sua corte em Barcelona, como diz Silva, citado fl. 12; e assim
37. 37
fica claro estar Portugal debaixo do império dos romanos ao tempo que nele se
promulgou a fé católica em as partes de entre Douto e Minho, com a entrada que nela
fez a primeira vez o Apóstolo Sanct’Iago, no ano de 40, ou 41, pelas praias de
Matosinhos, pouco distante da cidade do Porto, sendo esta terra a primeira, onde se
ensinou a fé de Cristo fora da Samaria, e seus naturais e moradores os primeiros
cristãos de Hispanha, e ainda do mundo, excepto Judeia, que não é pequeno bem, para
Deus os conservar em sua santa fé.
Aos Romanos sucederem as bárbaras nações, que saindo das três províncias do norte
(Scocia, sic, Suécia e Noruega) a conquistar o mundo, entraram em Itália e França, e
passando a Hispanha a renderam e sujeitaram toda a suas armas, com que se fizeram
senhores de toda ela, matando uns, e cativando outros; e como esta gente era uma
mistura de toda a maldade, a saber, uns cristãos infeccionados com a heresia de Arrio,
e outros gentios e outros idolatras, punham toda a sua felicidade em perseguir aos
verdadeiros cristãos, matando uns, e cativando outros, destruindo suas igrejas e
templos, aplicando a seu serviço tudo o que estava deputado para o ministério de eles;
e assim vindo no ano de 526 Childeberto, rei de França, à Hispanha, com mão armada,
para tomar vingança de Amaberico, seu cunhado, rei dos godos, grande arriano, pelos
agravos que fazia a sua mulher, por ser cristã, depois de o matar, entrou em seu
tesouro, no qual achou sessenta cálices, quinze patenas todas de ouro e de pedras
preciosas, e juntamente achou outros vasos riquíssimos ordenados ao culto divino,
como adverte a história de Braga citada, 1º p., cap. 67, nº 6, as relíquias e corpos dos
santos queimados e lhe faziam muitos agravos, que foi ocasião para os bispos, que se
achavam no concílio celebrado em Braga, ano de 410, determinarem que cada um em
seu bispado escondesse em lugares subterrâneos as santas relíquias com rotolos de
declarassem os nomes delas, fazendo de isso cada um dos bispos rol, o qual mandasse
ao arcebispo de Braga, que então era Pancracio, o qual concílio trás a história referida
cap. 9. Eram estes tiranos una alanos, outros godos, e também suevos, sendo
igualmente honrados os godos e suevos, como notou António de Sousa, nas Flores de
Hispanha, cap. 7, Excel. 3ª, os quais todos depois que tiveram senhoreada toda a
Hispanha, repartiram-na entre si, ficando cada um com seu próprio reino; na qual
repartição ficaram os godos com a Bética, os alanos com a Lusitânia, a Cartaginense, e
os suevos com Galiza, em que entrava todo o entre Douro e Minho, como se pode ver
no catálogo dos bispos do Porto, 1ª p., cap. 1º, folhas 12.
Não se perseverou muito esta repartição por ser muito comum entrar na cobiça, onde
há maior poder; e assim como os godos ficaram mais poderosos, tratou o seu rei de ter
o mando sobre todos, o que foi ocasião para com o poder de suas armas encorporar o
reino dos suevos com o seu, com o que se acabou o reino dos suevos, e quer Baronio
tom. 3, ano 583, Fr. Bernardo de Brito na sua Monarchia Lus. Liv. 6, cap. 19, e a história
eclesiástica dos arcebispos de Braga 1 p. cap. 75 mº 6 e cap 77 in fine fosse pelos anos
de 683 ainda que a outros parece fosse esta incorporação do reino dos suevos com o
38. 38
dos godos no ano de 584, como traz Estacio nas antiguidades de Portugal cap. 68 nº 3,
e alguns fosse no ano de 585, como refere Mon. Lusit. Liv. 20 c. 6 por este ano ser no
que Leovigildo quando tirano, rei dos godos e pai do santo mártir Erminigildo,
conquistou Portugal, como diz o catálogo dos bispos do Porto 1 p. cap. 5, e Silva no
catálogo real de Hespanha fol. 25, onde diz concordam todos os autores não durou o
governo dos suevos mais que 174 anos, e como os trabalhos nunca costumam vir
desacompanhados permitiu Deus por seus altos juízos que no tempo que a cristandade
de Hespanha estava tão oprimida nascesse no ano de 597 o perverso Mafamede, que
se começou a chamar profeta no ano de 622, semeando sua falsa e abominada
doutrina com tal espírito diabólico, que com morrer no ano de 627, nesse mesmo
começou sua falsa e perversa seita, como conta Bellarmino Liv. 3 de Pontif. Ro,. Cap. 4:
catálogo dos bispos do Porto 1 p. c. 7… in fiae, e posto que muitos reis que nestes anos
governaram a Hespanha foram hereges da seita Ariana, alguns houve católicos, e pelo
decurso do tempo vieram a ser cristãos começando de el-rei Recaredo, o qual,
deixando a seita Ariana movido dos conselhos e doutrina de seus tios os santos S.
Leandro e S. Fulgêncio, ficou grande católico. Com o governo de Hispanha
perseveraram os godos 344 anos, como quer Vasco tom. 1, onde trata dos godos, ou
380 pouco mais, como afirma o padre mestre André de Rezende L. 3 das Antiguidades
Lusitanas, ficando tendo cento e vinte e nove anos o governo de Portugal; e querem
alguns historiadores fosse pelo decurso de todo este tempo 36 os reis godos que
governaram toda a Hespanha, começando de Athanarico até D. Rodrigo, que foi o
último, bem assim que o catálogo real de Hespanha não faz menção mais do que de
trinta e três, que deve ser o mais certo.
Aos godos sucederam os Mouros pelo anos de 713 conforme ao computo de Baronio, e
parecer de Fr. Nicolau de Oliveira nas Grandezas de Lisboa trat. 2 cap. 22, que foi o ano
em que começou a conquistar o reino de Hispanha, Ulit monarca da babilónia e grão
califa dos Árabes, tendo por capitães Muça e Tarif, ajudados do conde D. Julião,
cunhado que fora de el-rei, e de Opos ou Orps, arcebispo de Sevilha, e intruso de
Toledo, irmão do mesmo rei, os quais capitães, continuando com sua conquista no ano
de 714, depois de vários encontros que tiveram com el-rei D. Rodrigo, vieram
desbaratá-lo nas margens do rio Guadelete, junto da cidade de Xeres e Medina-Sidonia
num domingo 9 de Fevereiro, como admitiu a história dos arcebispos de Braga 1 p. cap.
6 nº 1 e cap. 10 nº 4, o catálogo dos bispos do Porto 1 p. cap. 11, Estacio nas
Antiguidades de Portugal, cap. 34 e o catálogo real de Hespanha fol. 36. Bem assim
que diz Illascos na história pontif., tomo 1 fol. 237 fora esta disjunctura no ano de 719,
que não tenho por tão certo como o primeiro, o rei D. Rodrigo se acolher a Portugal,
onde morrera na cidade de Viseu, onde se achou a sua sepultura na igreja de S. Miguel
duzentos anos depois da sua perda. Entrados os árabes em Hispanha a avassalaram, e
se fizeram senhores dela em espaço de oito meses destruindo as melhores cidades de
Portugal, entre as quais foram as do Porto e Braga, que deixaram feitas um monte de
pedras, e chegando a Galiza se tornaram para a Estremadura por verem suas terras de
39. 39
mais abundância onde se deixaram estar, e com se perder a Hespanha em tão breve
tempo, gastaram-se quase oitocentos anos em se recuperar, em que se deram três mil
setecentas e nove batalhas, como refere o catálogo real de Hespanha fol. 37.
Tiveram os mouros outros capitães, grandes flagelos da cristandade, entre eles houve
um que se chamava Abderamen e entrou nestes reinos pelos anos de 760, como diz
Estacio nas Antiguidades Lusitanas cap. 34 nº 1, o qual mouro foi tão grande tirano,
que mandava queimar os corpos dos santos, o que vendo os cristãos, tomavam-nos e
as demais relíquias, que nas igrejas achavam e escondiam-nas com as que podiam
trazer consigo, fugiam para terras menos cursadas deste inimigo, onde as escondiam
pondo-lhes letreiros e sinais, com que pudessem contar aos vindouros dos tesouros que
ali deixavam, remetendo à provodência divina a manifestação delas, como adverte Fr.
António Brandão, cronista deste reino, liv. 11 da Mon. Lusit. Cap. 23, Estacio citado.
Depois pelos anos de 920 chegou a estas partes de Portugal outro Abderamen, rei de
Córdova, com grande poder, e pondo cerco à cidade do Porto (que então estava
assentada da bande de àquem onde hoje é gaia) a defendeu valorosamente o conde D.
Erminigildo, até que foi socorrido de el-rei D. Ordonho II que desbaratou o tirano, e o
fez voltar para onde viera com grande perda do exército e riquezas que deixou.
Outro capitão de el-rei de Córdova, chamado Albiazar Iben Albucadan, entrou também
por estes reinos no ano de 936 pouco mais ou menos, sendo rei deles D. Ramiro II de
nome. O qual árabe rendeu a cidade do Porto e outras, em cujo castelo (que era o de
Gaia, de que ainda hoje há alguns sinais), ficou vivendo, até que el-rei Ramiro II com os
seus o mataram na ocasião em que vinha tirar de seu poder a rainha sua mulher, como
refere Fr. Bernardo de Brito no liv. 7 da Mon. Lus. Cap. 21, e no ano de 975 entrou por
Portugal o mouro Ahuraxis rei de Sevilha até Compostela, com tão grande poder que
tudo assolou e acabou de destruir o que ficara em Portugal dos demais trabalhos,
como conta Vasco tom. 1, Mon. Lus. Liv. 7 cap. 23, Estaco cap. 5 nº 2, ficando desta vez
o vale de Arouca de tal maneira desbaratado, que por mais de 26 anos se não tornou a
povoar da maneira que dantes estava, como diz Monarchia Lusitana citada, e não
duvido passasse a mesma desventura em o Mosteiro de Grijó, que já estava fundado,
visto estar pouco distante um do outro. Mais pelos anos de 982 entrou na Lusitânia um
mouro por nome de Almançor, que quer dizer nunca vencido por respeito das muitas
vitórias que alcançou, como adverte o padre Fr. Luiz dos Anjos no jardim das mulheres
virtuosas de Portugal, grande tirano e capitão de Córdova, o qual vindo com o conde D.
Vella fez muitos estragos em muitas cidades de Portugal, que a este tempo estavam
fora do jugo mahometano, entre as quais foi a cidade de Coimbra, ficando debaixo do
poder do bárbaro até à última vez que el-rei D. Fernando lha tirou no ano de 1064,
donde o tirano se passou à cidade do Porto e de aí à de Braga deixando-as um monte
de pedras, e tornando-se a recolher pelas partes da Beira, deixando feito notáveis
extorsões, e os portugueses que viviam desde o rio Douro até ao Algarve sujeitos ao
poder dos mouros, como afirma Mon. Lus.Liv.7 cap. 25, tornando depois no ano de 997
40. 40
este mesmo tirano a Portugal, onde se rebelaram algumas terras das que deixara
sujeitas às suas armas, destruiu as que lhe fizeram resistência, nas quais entrou
Coimbra que desbaratou com tão pouca piedade em 29 de Junho, que se não habitou
de aí a sete anos, o mesmo fez a Montemor-o-Velho, Viseu, Lamego, Porto e Braga,
não deixando em todas elas pedra sobre pedra, e passando a Galiza entrou no sagrado
templo do Apóstolo S. Thiago que roubou, mas não foi sem grande castigo seu, porque
tornando-se foi tão grande a doença que lhe deu no exército, que lhe morreram muitos
soldados junto destas partes do Douro, de que tomou ocasião o valoroso capitão conde
Frojas Vermois, tronco da nobilíssima geração dos Pereira (de quem este conde
procede reconta o catálogo real de Hespanha fol. 42, brevemente) para lhe sair ao
encontro com os Portugueses que pode ajuntar, e dando nos bárbaros antes de subir a
serra de Manhouce os desbaratou, ficando muitos mortos, com o que foi forçado ao
capitão Almançor deixar o caminho que levava, e tornar por Cambra a tomar o
caminho de Coimbra, mas o conde Frojas Vermois lhe tornou a sair ao vale que está
junto ao rio Cambra, onde fez tanta matança nos bárbaros, que chamando-se dantes o
Valle de Osse se ficou chamando Ossella (nome que hoje conserva, e pelo que ali está
fundado tomando o nome dos muitos ossos de mouros de que ficou semeado como
notou Monarchia Lus. L. 7 cap. 25, com que ficou o conde muito rico) por respeito dos
muitos e grandes despojos que os bárbaros deixaram, que tinham tomado nas cidades,
igrejas e mosteiros, e juntamente com grande nome, por destruir um tirano tão
poderoso e tão insolente com tantas vitórias, o que não é pequeno louvor para a casa
da Feira, que dele procede em razão de Frojas. E com estas tiranias sabe-se de certo
ficou em pé e com religiosos o Mosteiro de Lorvão, que está junto de Coimbra; e o do S.
Frutuoso, que é vizinho de Braga, e nos tempos antigos se chamava de S. Salvador,
ambos estão de monges de S. Bento; e ainda dizem que a igreja que tem hoje este
mosteiro é a que fez S. Frutuoso, como adverte a história eclesiástica dos arcebispos de
Braga t. 1 cap. 42 nº 4, que é muito por santo a fundar no ano de 659, como afirma
Gonzaga 3. P. fol. 947 (também o de Vacarissa, Monarchia Lusitana L. 11 cap. 2 ).
Avassalada Hispanha dos Árabes deu Deus espírito ao infante D. Pelaio primo de el-rei
D. Rodrigo, e da nação dos Godos, para que das Astúrias onde estava, desse princípio à
restauração destes reinos, a quem seguiram seus descendentes, dos quais seu genro D.
Afonso, que ficou sendo o primeiro do nome, se opôs com tão grande peito ao inimigo
comum de Cristo, que em poucos anos o deitou de entre Douro e Minho, tomando-lhe
Braga, Porto novo e velho, e a vila de Águeda e Viseu, que foi antes do ano de 757 por
ser este em que este rei morreu, com que mereceu o nome de católico. Bem assim que
tornaram pelos tempos adiante algumas destas terras ao poder dos mouros, porque
sabe-se que no ano de 840 estava por senhor de Gaia Mahamed Cid.Atauf, de Águeda
Amolei Achim, de Viseu Tarif Iben Boges; e de Coimbra Alhamor; aos quais depois el-rei
Ramiro, primeiro do nome, avassalou; e como os cristãos eram ainda poucos, deixou
ficar o rei a estes mouros nas mesmas terras, mas por vassalos seus o que durou até ao
ano de 877 em que el-rei D. Affonso o Magno tirou a Coimbra do governo dos mouros,
41. 41
e outras terras com que ficaram os cristãos que viviam em Coimbra, Terra da Feira,
Porto e na maior parte de entre o Douro e Minho, qietos, na qual quietação duraram
por alguns anos, e assim em 5 de Maio ano de 900 era conde do Porto Erminigildo de
Águeda, seu filho, Árias, como se pode ver numa doação que traz Fr. Bernardo de Brito
na Mon. Lus. Liv. 7 cap. 16 feita por el-rei D. Affonso o Magno: o qual D. Erminigildo
ainda era conde desta cidade no ano de 920 em que defendeu o cerco que el-rei de
Córdova Abderramen lhe pôs, até que foi socorrido por el-rei D. Ordonho II como já
dissemos, e posto que o reino de Portugal foi tão ocupado dos mouros, contudo muitos
dos cristãos se ficaram em suas terras vivendo com eles na lei de Cristo, consentindo-
lhes os mouros ter igrejas e fazer nelas suas cerimónias eclesiásticas, dando-lhes um
cristão dos principais, que os governasse em casos que não fosse de morte, a que
chamavam conde dos cristãos, e pelos anos de 770 havia em Coimbra este governo,
que tinha um fidalgo descendente dos reis Godos, que se chamava Theodo, como
refere Fr. Bernardo de Brito Mon. Lus. Liv. 7 cap. 8, o que consentiram os mouros em
ordem aos tributos que os cristãos lhe pagavam, os quais se chamam muçarabes nome
corrupto do latino: mextiarabes, como advertiu Fr. António Brandão Mon. Lus. Liv. 10
cap. 23. Em Lisboa também permaneceram os cristãos, e foram eles grande ajuda a el-
rei D. Afonso Henriques, quando a tomou, como notou Mon. Lus. Liv. 11 cap. 29.
Quando a Terra da Feira e a que estava desde o rio Minho até ao Mondego da
quietação que ficou, … tendo com a expulsão do mouro Abdrramen, e o governo dos
seus condes Erminigildo e Árias, e do rei D. Ordenço II que entrou no governo de
Portugal no ano de 923. Como afirma a melhor opinião que segue o catálogo real de
Hespanha fol. 51 fundaram este Mosteiro de Grijó os dois irmãos Gustierres e Ausindo,
que devia ser pouo antes do ano de 922, como deixámos assentado no cap. 4 desta
curiosidade, sendo ainda rei Ordenço II e a rainha sua segunda mulher D. Aragonte,
que tinha recebido no ano de 921 o qual rei morreu no ano de 923, como quer Silva no
seu catálogo real fol. 51, ou, como dizem outros, no de 924, a que sucedeu seu irmão D.
Truella, que morreu logo, e assim já no ano de 924 ou 925 era D. Afonso Monge rei, no
qual ano governava as terras de entre Douro e Minho, porto e as da Feira, que já então
se chamavam Terras de S. Maria (Monarchia Lusitana, liv. 7 cap. 18 o conde D.
Gutierres e Árias filho do conde D. Erminigildo que já era morto neste ano de 925)
casado com D. Allara, e o conde Aufoufes casado com D. Thereja, Viseu com as terras
ao redor, renunciou el-rei D. Afonso o Monge estes reinos no ano de 927 em seu irmão
D. Ramiro, II do nome, cujo governo não foi bem recebido dos Portugueses, e assim não
conservou este reino na quietação com que lhe foi entregue, porque em seu tempo
pelos anos de 932 tinha já o governo do porto e castelo de gaia o mouro Alboazar, com
que tornou esta Terra da Feira ao jugo e governo dos Árabes, ainda que depois foi este
mouro morto no mesmo castelo de Gaia, e o próprio castelo arrasado, e a vila
destruída pelos soldados deste Ramiro, na ocasião que vinha tirar do poder do mouro
sua primeira mulher a rainha D. Urraca, como conta Fr. Bernardo de Brito, Monarch.
Lus., liv. 7 cap. 21, com que tornou esta terra ao governo cristão, continuou com o
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governo de Portugal el-rei Ramiro até ao ano de 950. Repetindo as palavras de Job:
«nu nascido ventre de minha mãe, e nu tornarei à terra» como adverte o catálogo real
fol. 55. Sucedendo-lhe seu filho D. Ordenço, III do nome, cuja morte se antecipou de
maneira que não reinou mais que cinco anos e sete meses, e lhe sucedeu no ano de 955
seu irmão D. Sancho, que por ser doente foi excluído do reino, e levantado pelo rei D.
Ordenço o mau filho de D. Afonso o Monge, mas depois tornou a entrar no reino D.
Sancho o excluído, por já andar são, em cujo tempo entrou por estas partes o mouro
Aluxaris no ano de 975, nas quais fez grandes perdas, como já dissemos, as quais se a
cidade do porto as não sentiu, foi por já não ter neste tempo em que as experimentar.
A cidade estava toda destruída, o castelo de Gaia todo posto por terras; morreu el-rei
D. Sancho no ano de 967, e entrou seu filho D. Ramiro, III do nome, no qual tempo
estava o governo desde o rio Minho até ao Mondego em poder dos senhores cristãos,
dos quais havia neste reino um fidalgo muito ilustre por nome D. Gonçalo Moniz, que
governava as terras de Portugal, e no ano de 972 tinha o governo de Braga e Terras de
S. Maria, e outro, que se chamava Gudesto Moniz, as de Arouca, e posto que em
Coimbra neste tempo havia muitos mouros, contudo não lhe faziam vexação alguma;
tratavam e vendiam uns aos outros, e o governo era dos cristãos. Porém pouco
continuou esta cidade de Coimbra com esta liberdade, porque no ano de 982
assenhoriou o mouro Almançor, quando entrou neste reino com o conde D. Villa, como
já dissemos; com que ficou outra vez debaixo do governo dos Mouros (Mon. Lus. Liv.7
cap. 25) e estas Terras da Feira e todas as que estavam desde o rio Douro até ao
Algarve.
Porém como nas maiores pressas Deus costuma acudir, pouco depois deste trabalho,
no ano de 983 (como quer Fr. Bernardo de Brito na Mon. Lus. Liv. 7, cap. 23 e o conde
D. Pedro, título 36, ou, como parece no catálogo dos bispos do porto 1ª parte cap. 15
entre os anos de 982-985) entraram os Gascões pela foz do rio Douro com uma
poderosa armada, cujo capitão era D. Moninho Viegas, que vinham com zelo da fé
destruir os mouros, e como achassem o castelo de Gaia destruído, e a cidade do Porto
feita um monte de pedras, fizeram novos muros onde hoje está a cidade do Porto, e aí
se fortaleceram, donde faziam guerra aos mouros, que estavam de uma e outra parte
do Douro, com que os cónegos que então habitassem o Mosteiro de Grijó (quando
tempos tão calamitosos os consentissem ter) tomariam alentos por tornarem ver livres
os seus vizinhos do poder dos mouros. Governava o reino de Portugal no ano que estes
novos conquistadores entraram no Porto el-rei D. Ramiro III, que morreu no ano de 982
como parece bem a Silva no seu catálogo, ou como outros querem no ano de 985; e
como não tivesse filho herdeiro de seus reinos, sucedeu-lhe D. Bermudo que morreu no
ano de 999, em cujo tempo tornou esta Terra da Feira a sentir a braveza e tirania do
mesmo tirano Almançor, quando tornou a entrar em todo Portugal no ano de 997,
como reconta Silva no seu catálogo, deixando Coimbra assolada, como já acima
tocámos. Morto D. Bermudo entrou por rei destes reinos seu filho D. Afonso V do nome,
que, opondo-se aos mouros, fez tornar a habitar as terras de Arouca vizinhas deste
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mosteiro, e tirou outras do poder dos bárbaros, até que estando vercando Viseu foi
morto no ano de 1027, como quer a Mon. Lus. ou de 1028, como diz Silva, em cinco de
Maio, de uma setada que lhe atirou um mouro, que depois o pagou bem. Entrou por rei
seu filho D. Bermudo III, que morreu no ano de 1037 numa batalha que teve com seu
cunhado D. Fernando, infante de Navarra, que veio a ser rei de Castela, o qual se
levantou por rei destes reinos de Portugal, e como por estes anos estavam os mouros
com o governo de Coimbra, era esta Terra da Feira a fronteira dos mouros. Foi
venturoso este reino com el-rei D. Fernando por ele ser o que libertou muitas terras e
cidades de Portugal do poder dos mouros, como foram as vilas de Ceia e Gouveia. Ele
tomou à força de armas no ano de 1038 a 28 de Junho a cidade de Viseu, a de Lamego
a 22 de Junho do mesmo ano e a de Coimbra no ano de 1064, depois de um porfiado e
largo cerco, deixando primeiro destruída a Terra de santa Maria, como refere uma
doação, que o próprio rei fez ao Mosteiro de Lorvão, depois de ganhada Coimbra, que
traz a Monarchia Lusitana liv. 7, cap. 28. Em a qual cidade deixou o rei por governador
o conde D. Sisnando e de outras terras que tinha tomado aos mouros, fazendo-o senhor
de Coimbra, Viseu e Lamego, e das mais terras que estão entre o Douro e o Mondego,
começando pelo Douro abaixo até ao mar, como se pode ver em Frei António Brandão
na Mon. Lus. tom. 3, liv. 8, cap. 4º, o qual rei D. Fernando morreu no ano de 1067, dia
de S. João Evangelista, e na repartição que fez de seus reinos deixou o de Portugal a
seu filho D. Garcia, que depois de o ter governado quatro anos foi vencido pelo irmão
D. Sancho II do nome (que por ser mais velho queria todos os reinos contra o que tinha
prometido e jurado a seu pai) em batalha dada junto de Santarém no fim do ano de
1071. Com que ficou D. Sancho rei destes reinos, e Portugal incorporado com o de
Castela, porém logo no ano seguinte do 1072, como uns querem, ou no ano de 1073,
como parece a Silva fol. 70, foi morto atravessado el-rei D. Sancho, e sucedeu em todos
os reinos de seu pai seu irmão segundo, D. Afonso, VI do nome, de Leão, e primeiro de
Castela, que se chamou o da mão funda em razão de sua grande liberalidade, e não
pelo que se conta do chumbo, como alguns fabulosamente querem dizer. Ao qual foi
posto o nome de imperador, e foi avô de el.rei D. Afonso Henriques. Continuava D.
Sisnando com o governo que dantes tinha destas terras, que deixamos nomeadas, por
lhe ter confirmado el-rei D. Afonso tudo o que seu pai D. Fernando lhe tinha dado, e
assim tem para si Frei António Brandão citado, que a este fidalgo estavam sujeitos
outros que tinham o governo de algumas terras e cidades e castelos que estavam entre
o Mondego e o Douro, e para que conste quais fidalgos fossem, é certo que no ano de
1074 governava a cidade do Porto, Moninho Henriques, as Terras de Arouca, Mem
Moniz, e as Terras de Santa Maria, Egas Moniz, como se pode ver numa doação que
traz Frei Bernardo de Brito, Mon.Lus. Liv. 7, cap. 30, no ano de 1092 (em que consta ser
ainda vivo o conde D. Sisnando) o mesmo governo tinham das terras de Arouca, Monio
Viegas, Odorio Telles e Álvaro Telles, os quais estão assinalados numa doação, feita ao
Mosteiro de Arouca por Frei Adffonso Confesso, que traz a Mon.Lus. liv. 7, cap. 30, e liv.
8, cap. 5.
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Sucedeu por morte de D. Sisnando no governo de Coimbra o conde Martim Moniz seu
genro, casado com sua filha D. Elvira Sisnandes, o qual governo tinha em 30 de
Dezembro de 1092 e em 27 de Fevereiro do ano de 1093. Este governo se mudou neste
mesmo ano de 1093, e devia ser com a vinda que el-rei D. Afonso VI fez a estas partes;
o qual estava na cidade de Coimbra em 22 de Abril deste mesmo ano de 1093, como
consta do foral, que à mesma cidade então deu, na qual cidade deixou por governador
dela seu genro D. Raymundo, casado com D. Urraca sua filha legítima. Em a qual
cidade o achamos no fim deste mesmo ano de 1093, que se intitulava conde e senhor
de toda a Galiza, de cuja mão devia estar posto o Alcaide-Mor do castelo da Feita, que
em 3 de Outubro deste ano de 1093 se chamava Flauncio, que foi o próprio dia e ano
que este mosteiro se dedicou ao Salvador do mundo, e lhe fez o ilustre cavaleiro Soeiro
Fromarigues uma grande doação, o qual era um dos fidalgos que seguiam a corte do
conde D. Raymundo, com outros do mesmo tempo que tinha na mesma cidade de
Coimbra, os quais estão assinalados numa doação feita em 12 de Novembro de 1094 à
Sé da mesma cidade de Coimbra do Mosteiro da Vacariça, que se podem ver na Mon.
Lus. liv. 8, cap. 5. No qual ano, em 10 de Agosto, tinha o governo das terras de Arouca,
Martim Moniz, do qual lhe devia ter feito mercê el-rei D. Afonso, tanto que deu a seu
genro D. Raymundo o governo de Coimbra, que teve com o governo deste reino de
Portugal antes de nele entrar o conde D. Henrique, pai de el-rei D. Afonso Henriques,
como adverte Frei Luiz dos Anjos, no Jardim das Sanctas Mulheres de Porugal nº 58. O
qual conde D. Henrique tomou posse deste reino no ano de 1090, como quer Silva no
seu catálogo real de Hispanha fol. 73, verso, ou no ano de 1094, cuja memória se acha
em 18 de Dezembro deste ano, sem que até este tempo tivesse governo algum neste
reino de Portugal, como evidentemente mostra Fr. António Brandão, cronista-mór
deste reino, na Mon. Lus . , que compôs com tanta curiosidade, tom.3, liv.8, cap. 8, e
este foi o ano em que este reino se desmembrou dos outros reinos de Hispanha, como
diz Mon. Lus. Liv. 10, cap.6. Com tantas revoltas de guerra, tantas mudanças de
governo e tantas entradas de mouros e destruição de terras, cidades e povoações,
mosteiros e igrejas, como sucederam desde o ano de 922, com que tenho para mim foi
este mosteiro edificado por estas partes comarca, província e terras, que estão entre o
rio Douro e o Mondego, até à entrada que neste reino fez o ilustre conde D. Henrique
no ano de 1094, não é muito faltartem memórias do que neste mosteiro de Grijó
sucedeu por estes anos, máximo até ao de 1093, e posto que duvido haves por estes
anos sempre religiosos neste mosteiro, tenho por certo não padecer naufrágio a igreja
e mosteiro, por constar de uma carta de compra, que no seu arquivo está, a ter
comprado Soeiro Fromarugues, ou a maior parte dela no ano de 1075 em 30 de
Janeiro, como dissemos no cap. 2º, e da doação que este mesmo fidalgo fez no ano de
1093 aos religiosos, ter junto de si muito boas casas para viverem. Teria este mosteiro
e a igreja outro nome antes do ano de 1093, no qual, em três de Outubro, se lhe pôs o
de S. Salvador, como a outros mosteiros sabemos se fez; o que hoje se chama de S.
Frutuoso, em seu princípio se chamava de S. Salvador, e o mosteiro desta congregação,
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que está junto a Vila Nova do Porto, com se chamar do seu princípio de S. Salvador, o
nome com que hoje se conserva é o de Santo Agostinho; quanto mais bem podia este
mosteiro ter dantes este nome e agora se tornar a dedicar com solenidade ao mesmo
Salvador do mundo por não haver implicação alguma nisso. E assim temos visto os
vários governos temporaes, que passaram pelos arredores da terra, em que o Mosteiro
de Grijó se fundpu, até ao ano de 1090 ou de 1094. Entrou o conde D. Henrique, pai de
el-rei D. Afonso Henriques, no governo destes reinos de Portugal, e de mais fica sabido
que era rei da Galiza e Leão e destas partes D. Ordonho II quando este mosteiro se
fundou, se a sua fundação foi no ano de 922, ou pouco dantes como temos por mais
certo; e sendo sua fundação no ano de 950, como outros disseram, era rei de Leão e
Galiza, D. Ramiro II, e não D. Ordonho II, como disse erradamente o catálogo dos
bispos do Porto no lugar que fica referido no cap. 2, por ser morto D. Ramiro no ano de
923 ou 924. E quando este mosteiro fosse fundado no ano de 1093, era rei de Galiza,
Leão e Castela, el-rei D. Afonso, o sexto de Leão e primeiro de Castela, e governava
Coimbra e estas partes, D. Raymundo seu genro, casado com sua filha Elvira, quando o
conde D. Henrique não tivesse romado posse deste reino já no ano de 1090, como
alguns disseram. Era bispo de Coimbra D. Cresconio, que tinha entrado neste bispado
no ano de 1092, como afirma o cronista-mór deste reino, Fr. António Brandão, na sua
Monarchia Lusitana liv. 8, cap. 7, e assim fica sendo erro manifesto dizer o catálogo
dos bispos do porto 2ª p. cap. 44, fol. 382, que este bispo de Coimbra D. Cresconio
assistira à fundação que deste mosteiro se fizera no ano de 950, não havendo então tal
bispo, e pode ser que nem ainda fosse nascido. Bem assim que assistiu este bispo neste
mosteiro no ano de 1093 em três de Outubro, em o dia em que lhe fez o ilustre e
magnânimo Soeiro Fromarigues (um dos grandes deste reino) uma grandiosa doação,
que no cap. 2º fica referida.