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Faculdade Pitágoras
Teixeira de Freitas
Direito
O Direito de Morrer Dignamente
Benaia Porto, Claudia Ferreira, Elenilton De S. Freitas, Maria Das Graças
Medina, Pedro Jhordy Moreira,Selmita Moura, Wandineia Rodrigues
Teixeira de Freitas
2014
Benaia Porto, Claudia Ferreira, Elenilton De S. Freitas, Maria Das Graças
Medina, Pedro Jhordy Moreira,Selmita Moura, Wandineia Rodrigues
O Direito de Morrer Dignamente
Trabalho apresentado como exigência
para obtenção de nota parcial do 2°
bimestre da matéria em Direito Penal, do
curso de Direito da Faculdade Pitágoras.
Professor: Roberto Albert de Almeida
Teixeira de Freitas
2014
RESUMO
Apesar do tema sugerir, este estudo não visa apreciar a eutanásia, ortotanásia,
distanásia, tampouco avaliar os fatores envolvidos na defesa do suicídio assistido.
Entretanto, este estudo avalia, através de pesquisa exploratória legislativa,
doutrinária e jurisprudencial, o direito de morrer dignamente diante da recusa a
submeter-se a um intervenção medica ou cirúrgica, sem consentimento do paciente
ou de seu representante legal, ainda que justificada por iminente perigo de vida.
Analisaremos a base constitucional para esta recusa, as responsabilidades civis dos
envolvidos e a possível não culpabilidade da equipe médica. Mostraremos que não
existe colisão de princípios fundamentais e que mais importante que a própria vida é
uma vida com dignidade ou uma morte digna.
Palavras-chave: Suicídio, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Direito,
Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Penal, Direito de Morrer
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 4
2 BREVE ANÁLISE CONSTITUCIONAL.................................................................................... 5
3 ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL................................................................................................ 10
4 ANÁLISE DO CÓDIGO PENAL.............................................................................................. 14
5 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 16
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................... 18
4
1 INTRODUÇÃO
Quando se pensa em recusa de tratamento médico ainda que em iminente perigo
de vida ligamos tal assunto à recusa de membros da religião Testemunhas de Jeová
a ter sangue transfundido em suas veias. Em vez de confrontarmos os argumentos
meramente pessoais contrários a esta posição, muitos deles eivados de ignorância
ou má-fé, iremos nos ater a aspectos éticos e jurídicos.
Será realmente que o direito à vida é tão absoluto ao ponto do Estado ter como
função preservá-la a todo custo? Faz realmente parte da função estatal influir nas
escolhas individuais de cada ser humano na sociedade? Podemos falar de conflito
de princípios fundamentais quando estes dizem respeito a um único sujeito ativo?
Analisaremos à seguir cada um destes pontos, culminando com a análise da
referencia que o Código Penal faz a respeito da excludente de tipicidade do
constrangimento ilegal, conforme previsto no artigo 146, § 3º, inciso I.
5
2 BREVE ANÁLISE CONSTITUCIONAL
A nossa Carta Magna já em seu Preâmbulo contém declaração dos constituintes
onde afirmam promulgá-la sob a proteção de Deus. No artigo 5º os incisos VI e VIII
falam, respectivamente, da liberdade de consciência e da não privação de direitos
por motivo de crença religiosa.
Segundo a liberdade de consciência, cada qual segue a diretriz de vida
conveniente desde que não seja ilícita. Sem liberdade de consciência não há sentido
em exercer as demais liberdades de pensamento, pois ela vai muito além de ter o
direito em acreditar em algo, mas também o de expressar e exercer os preceitos da
convicção professada em qualquer lugar ou condição em que se encontre. Quando
se impõe uma atitude que vai de encontro a essa liberdade de exercer a convicção
religiosa estaremos diante de uma violação de um ou dois princípios fundamentais.
Quando se rejeita um tratamento médico por convicções religiosas, mesmo que
em iminente perigo de vida, a pessoa estará apenas querendo viver de acordo com
suas crenças e isso deve ser respeitado, especialmente por não causar lesões a
direito de terceiros. Uma vez que inexiste em nosso país lei que obrigue
determinados tratamentos médicos, mesmo em perigo iminente de vida, essa recusa
será válida, conforme reza o principio da legalidade e, portanto, deve ser respeitada.
Segundo o professor de direito constitucional brasileiro UADI LAMMÊGO BULOS,
escusa de consciência, imperativo de consciência ou objeção de consciência são
sinônimos que indicam um direito, constitucionalmente protegido, que um indivíduo
tem de negar-se a se submeter a uma imposição contrária às suas posições
religiosas, políticas e filosóficas. Esse direito pode ser exercido quando há um
conflito entre uma imposição coletiva e as crenças pessoais do indivíduo. Para
compensar essa escusa compete à lei instituir prestação alternativa. Isso ocorre com
o alistamento eleitoral e dever de voto, o comparecimento ao júri e o serviço militar
obrigatório.
Conforme visto, a objeção de consciência por motivos religiosos tem amparo em
várias circunstancias. O mesmo poderia ser aplicado à recusa do paciente em um
determinado tratamento médico, por imperativo de consciência, obrigando o Estado
a dispor de uma alternativa a esse tratamento, conforme os avanços médicos-
científicos atuais.
6
Alguns dirão que instituir esta prestação alternativa seria ferir o principio da
isonomia, o que não está correto, pois este principio está dentro de um quadro
amplo de direito, ou seja, é uma norma geral. Já a escusa de consciência é uma
norma especial que, por sua vez, prevalece sobre a norma geral. Nesse
entendimento também, a reserva de vagas para deficientes físicos em concursos
públicos, como norma especial, não fere o principio da isonomia, pois deve-se tratar
desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam.
O cerceamento desse direito ocorre quando o Estado, fazendo uso do seu direito
superior, tenta compelir um indivíduo a fazer algo contra sua consciência
religiosamente treinada, causando-lhe repulsa, sem levar em conta, também, que
vivemos numa sociedade cada vez mais plural. O que o Estado não pode fazer é
viver a vida do indivíduo para poupá-lo de riscos que ele está disposto a assumir.
Outro direito constitucional contrariado na imposição de tratamento médico contra
a vontade do paciente é o direito fundamental à privacidade, consagrado na
Constituição Federal, no inciso X do artigo 5º, nos seguintes termos: "São invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Não se pode falar em respeito à privacidade quando uma intervenção médica
forçada tira do indivíduo o sossego, a tranqüilidade, torna sua vida intima e privada
devassada por terceiros e sufocada pelas excessivas ingerências do Estado
Em parecer, o jurista CELSO RIBEIRO BASTOS expôs:
"Quando o Estado determina a realização de transfusão de sangue –
ocorrência fenomênica que não pode ser revertida – fica claro que
violenta a vida privada e a intimidade das pessoas no plano da
liberdade individual. Mascara-se, contudo, a intervenção indevida,
com o manto da atividade terapêutica benéfica ao cidadão atingido
pela decisão. Paradoxalmente, há também o recurso argumentativo
aos ‘motivos humanitários’ da prática, quando na realidade mutila-se
a liberdade individual de cada ser, sob múltiplos aspectos."
Trataremos agora do principio da dignidade da pessoa humana, que engloba a
necessidade de respeito à integridade física, psíquica e intelectual do indivíduo.
Embora considerados por alguns, o direito fundamental à vida não é absoluto,
conforme mostraremos também mais adiante, pois encontra limites na dignidade.
ANA CAROLINA DODE LOPEZ discorreu sobre isso com muita propriedade:
7
"Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais
arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados,
desprezados. A pergunta que se faz é a seguinte: adianta viver sem
dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria
pessoa prefere a morte é porque o desrespeito às suas convicções
espirituais configura uma morte pior: a morte de seu espírito, de sua
moral."O Direito quer proteger a vida humana à custa da dignidade
da pessoa? Quer proteger a vida de um indivíduo mesmo que isto
represente ferir profundamente a sua dignidade? A resposta
certamente é negativa para o Direito Brasileiro, do que se infere do
art. 1º, III, da CF, caso contrário este artigo teria proclamado como
fundamento do Estado Democrático de Direito a vida humana, e não
a dignidade da pessoa humana, como fez."
Tratando ainda do direito à vida, consagrado no caput do artigo 5º da nossa
Constituição, o desembargador MARCOS ANTÔNIO IBRAHIM da 18ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirma que:
O direito à vida não se resume ao viver... O Direito à vida diz
respeito ao modo de viver, a dignidade do viver. Só mesmo a
prepotência dos médicos e a insensibilidade dos juristas pode
desprezar a vontade de um ser humano dirigida a seu próprio corpo.
Sem considerar os aspectos morais, religiosos, psicológicos e,
especialmente, filosóficos que tão grave questão encerra. A liberdade
de alguém admitir, ou não, receber sangue, um tecido vivo, de outra
(e desconhecida) pessoa. (trecho do voto – vencido – do
Desembargador Marcos Antônio Ibrahim no Agravo de Instrumento
n.º 2004.002.13229, julgado em 05.10.2004 pela 18ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do RJ).
Que esse direito não é absoluto fica bem evidenciado em nosso próprio
ordenamento jurídico, uma vez que existem hipóteses legais em que se admite a sua
8
flexibilização, como a exclusão da ilicitude da conduta cujo resultado é a morte
quando o ato é praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal, no exercício regular de direito, bem como na
imputabilidade do aborto quando a gestante corre risco de morte ou quando
resultante do estupro. Se o direito à vida fosse tão absoluto como alguns insistem
em afirmar, a vida humana seria preservada a todo custo, independente de qualquer
outra coisa. De fato, a vida deve ser preservada, mas não a qualquer custo. Custo
esse que muitas vezes seria muito caro à própria vida.
Nesse sentido, v. STF, DJ 12 mai. 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello:
"Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não
há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se
revistam de caráter absoluto."
Sendo assim, embora o consentimento por si só não represente suficiência para
o titular do direito à vida dispor dela, direito este que em prima facie pode ser
considerado indisponível, possivelmente outros valores ou direitos fundamentais
podem justificar essa decisão, pois não é absoluto.
Não há porque se falar de conflitos entre direitos personalíssimos de um mesmo
titular, mas sim de concorrência. Neste sentido, CANOTILHO ensina que há conflito
entre direitos fundamentais por parte de seu titular quando estes colidem com o
exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Não estamos falando de
acumulação de direitos, como na concorrência de direitos, mas de um verdadeiro
choque.
Assim, quando há concorrência de direitos fundamentais o Principio da
Proporcionalidade indicará qual deles, numa situação concreta, está ameaçado de
sofrer lesão mais grave e, por isso, merece prevalecer, de acordo com a
preponderância de interesses.
ANDERSON SCHREIBER considera como "intolerável que uma Testemunha de
Jeová seja compelida, contra sua livre manifestação da vontade, a receber
transfusão de sangue, com base na pretensa superioridade do direito à vida sobre a
liberdade de crença. Note-se que a priorização da vida representa, ela própria uma
'crença', apenas que da parte do médico, guiado, em sua conduta, por um
entendimento que não deriva das normas jurídicas, mas das sua próprias convicções
9
científicas e filosóficas... A vontade do paciente deve ser respeitada, porque assim
determina a tutela da dignidade humana, valor fundamental do ordenamento jurídico
brasileiro" .
Portanto, o procedimento médico forçado, ainda que para proteger a vida do
indivíduo, é uma afronta aos princípios constitucionais, sacrificaria sua consciência,
agrediria sua dignidade, violaria sua honra e traria extrema infelicidade, tornando a
própria vida um fardo demasiadamente pesado para se carregar.
10
3 ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL
A legitimidade da recusa a tratamentos médicos, como transfusões de sangue,
encontra amparo no artigo 15 do Código Civil, qual prescreve que: ‘Ninguém pode
ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou à
intervenção cirúrgica".
Novamente, não vamos nos aprofundar nos riscos existentes e difundidos na
medicina mundial sobre transfusões de sangue, bastando dizer que grande parte
das intervenções médicas-cirúrgicas traz algum risco de vida.
Se o tratamento médico ou intervenção cirúrgica objetiva salvar a vida de um
paciente, ainda que um ou outro seja arriscado, porque ele não é imposto? Seguindo
essa linha de raciocínio, seria mais prudente pecar pela ação que pela omissão.
Numa interpretação mais ampla a frase “com risco de vida”, contida no artigo
citado, refere-se mais ao estado do paciente que a um atributo do tratamento ou
intervenção. Seja qual for a interpretação dada, é importante aqui salientar a
nobreza dada à autorização prévia do paciente, apesar de todo notável saber
médico.
Associado a um fundamento consistente, não meramente uma vontade
caprichosa, essa recusa é legítima
Para CARLOS ALBERTO GONÇALVES:
“A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não
atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa
de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua
finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano. (...) Na
impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve-se obter
a autorização escrita, para o tratamento médico ou a intervenção
cirúrgica de risco, de qualquer parente maior, da linha reta ou
colateral até o 2º grau, ou do cônjuge, por analogia com o disposto
no art. 4º da Lei n. 9.434/97, que cuida da retirada de tecidos, órgãos
e partes do corpo de pessoa falecida.”
Ainda sobre esse assunto, FELIPE AUGUSTO BASÍLIO discorreu:
"...pela nova regra do Código Reale, o pressuposto para que o
11
médico não atue sem o consentimento do paciente é a própria
gravidade da situação em si, de maneira que não será o caso
emergencial ou a situação gravosa que lhe permitirá agir sem o
consentimento.
"As conseqüências jurídicas só surgirão no caso de atuação
médica sem consentimento e o efeito danoso se dará por agir sem
autorização, pelo que responderá por perdas e danos. Por este
artigo, o risco de morte do paciente cria a obrigação do médico de
colher o seu consentimento sobre o método terapêutico a ser
aplicado, sob pena de responder civilmente pelos danos aos seus
direitos de personalidade que o tratamento forçado pode causar."
GUSTAVO TEPEDINO afirma:
“Na esteira de tais considerações, há de ser interpretado o art.
15: não só o constrangimento que induz alguém a se submeter a
tratamento com risco deve ser vedado, como também a intervenção
médica imposta a paciente que, suficientemente informado, prefere a
ela não se submeter, por motivos que não sejam fúteis e que se
fundem na afirmação de sua própria dignidade. Nesta sede, a
normativa deontológica há de se conformar aos princípios
constitucionais”.
No mesmo sentido, Diaulas Costa Ribeiro, para quem: “[a] leitura desse artigo
‘conforme a Constituição’ deve ser: ninguém, nem com risco de vida, será
constrangido a tratamento ou a intervenção cirúrgica, em respeito à sua autonomia,
um destacado direito desta Era dos Direitos”.
O artigo 15 do Código Civil é uma inovação legislativa que avança em contraste
com normas ultrapassadas de hierarquia igual ou inferior que autorizavam a
intervenção médica contra a vontade do paciente (especialmente os artigos 46 e 56
do Código de Ética Médica, uma mera resolução do Conselho Federal de Medicina,
e o art. 146, § 3º, inciso I, do Código Penal), mesmo naqueles casos de iminente
risco de vida.
Falando ainda de inovações legislativas a Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)
12
em seu artigo 17 traz a seguinte redação:
"Artigo 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades
mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde
que lhe for reputado mais favorável.
Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder
à opção, esta será feita:
I – pelo curador, quando o idoso for interditado;
II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não
puder ser contatado em tempo hábil;
III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não
houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;
IV - pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar
conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério
Público.
Analisando detalhadamente o inciso III do artigo supracitado podemos notar que
a iminente situação de risco de vida não é suficiente para que o médico possa optar
pelo tratamento, mas isso deverá ocorrer concomitantemente com a impossibilidade
de manifestação do paciente, familiares ou de seu representante legal. A
intervenção médica, ainda que nos casos de iminente risco de vida, só poderá ser
possível quando não houver possibilidade de conhecer, por qualquer meio, a
vontade do paciente ou representante legal. Assim, inexiste lógica ética ou jurídica
para que essa prerrogativa não seja expandida aos pacientes civilmente capazes de
idade inferior a 60 anos.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, aprofundando-se no tema da recusa do
paciente em receber sangue alheio por convicções filosóficas e religiosas pondera:
“(...) a matéria, pela disparidade de posições, permanece ainda
13
no campo opinativo, aguardando novos elementos, científicos ou
jurídicos, como um problema do Direito no segundo milênio.”
Em meio a esta controvérsia pode-se afirmar que a questão não é simplesmente
o individuo querer dispor da sua própria vida, de preferir a morte a receber a
transfusão de sangue ou outro tratamento objetado. É uma questão de ter o melhor
tratamento possível disponível na comunidade médica ou que ao menos seus
direitos fundamentais, dentre eles o da vida humana digna, sejam respeitados, ainda
que haja o risco de morrer.
14
4 ANÁLISE DO CÓDIGO PENAL
Deixamos a análise do código penal em ultimo lugar pelo fato de que este deve
ser o ultimo ramo do direito a ser invocado, caso os outros não abranjam a demanda
em concreto.
De acordo com os princípios fundamentais do direito penal o Estado só deveria
intervir nos casos de maior gravidade. Além disso, quando há uma ofensividade
mínima da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, grau reduzido de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada, não se
justifica a intervenção estatal, quer estabelecendo restrições à uma conduta quer
ressalvando-a.
O Código Penal, em seu artigo 146 ressalva a conduta do médico quando realiza
o procedimento sem obter o consentimento do paciente em caso de iminente risco
de vida. O referido artigo apenas extingue uma responsabilidade penal do médico
em caso de imposição de tratamento.
Desnecessário se fez o legislador ao consagrar o inciso que trata diretamente
dessa ressalva, tendo em vista que a manifestação de vontade deve ser respeitada,
baseada em princípios constitucionais e por uma interpretação mais ampla do artigo
onde é perfeitamente possível aplicá-lo aos casos onde há iminente risco de vida e
não é possível extrair o consentimento do paciente.
Ainda assim, não se pode falar de omissão do médico que respeita a autonomia
da vontade do paciente, mas sim de recusa do ultimo a um tratamento médico e a
proibição ao médico de se valer de coação. Cabe relembrar que a possibilidade de
recusa é extraída diretamente da Constituição e uma eventual incompatibilidade com
outras normas não afasta as conclusões obtidas.
Omissão de socorro é, literalmente, deixar de prestar auxílio quando possível
fazê-lo sem risco pessoal. Todavia, um médico aparado com os meios técnicos
disponíveis pelo Estado não está deixando de prestar auxílio a um paciente que se
recusa a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Não se pode interpretar esse
texto por analogia, pois ela não é permitida na interpretação de texto penal, uma vez
que o texto do artigo 135 não se aplica a esses casos onde o paciente, na verdade,
exerce apenas a sua autonomia.
No caso do artigo 146 do texto penal, inexiste obrigação de submeter o paciente
15
a intervenção médica ou a tratamento compulsório, pois a vedação à violabilidade da
vida é dirigida à terceiros, a saber, contra a sociedade e contra o Estado.
Viver é um direito, contudo inexiste obrigação de viver com sofrimento psíquico,
moral. No caso de aborto em gestante vítima de estupro temos uma vida trocada por
outra vida com dignidade. Neste mesmo sentido, não se pune a tentativa de suicídio,
nem a autolesão, quando não estiver envolvida com alguma tentativa de fraude.
De fato, com respeito a este tema bastante controverso o Código Penal não é o
melhor instituto para dirimir a conduta acerca do consentimento da vontade de
recusa ou mesmo a imposição do tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Se
assim o fosse, deveria impor sanção ao estupro moral e psicológico que se configura
no desrespeito à vontade do paciente.
16
5 CONCLUSÃO
O trabalho apresentado deve provocar diversas reflexões. A ofensividade da
conduta de quem não deseja intervenção cirúrgica ou procedimento médico, ainda
que isso acarrete risco de morrer, é tão grave ao ponto de impor sanção a quem
decidir respeitar essa vontade? Existe perigo social advindo desta conduta? Quão
reprovável é este comportamento? Qual a gravidade da lesão supostamente
provocada? Vale a pena o Estado, por meio da coerção, condenar um indivíduo,
segundo suas convicções, à uma vida suja, impura, indigna?
Em linhas gerais, é um direito constitucional a recusa a tratamento médico, diante
da inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença e da dignidade da pessoa
humana. É bem verdade que não se pode dispor do direito à vida, mais ainda assim,
este direito continua sendo inviolável, aspectos que não devem ser confundidos e
isto implica na inviolabilidade do direito a uma vida digna.
Embora o direito à vida não contemple o direito de morrer, a vida vai além do
aspecto físico, pois envolve elementos morais e emocionais. Contudo, não existe
obrigação jurídica consigo mesmo de viver mediante imposição de tratamento
médico ou procedimento cirúrgico.
Não é atribuição do Estado destituir a liberdade básica do individuo,
compreendida como expressão de sua dignidade. A obrigação estatal é proteger
essa dignidade, obedecendo os princípios constitucionais, ainda que essa proteção
culmine na morte do indivíduo.
O inciso I do § 3º do artigo 146 do Código Penal fere os princípios da legalidade e
da dignidade da pessoa humana. Fere também o direito à privacidade e à intimidade
e aplica erroneamente a insignificância aos resultados da imposição estatal,
personificada pela conduta médica.
É inoportuno responsabilizar criminalmente o médico que atende a vontade
devidamente motivada e fundamentada do paciente, ao rejeitar tratamento médico,
mesmo que tal respeito acarrete a morte do paciente. É dissonante com os recentes
entendimentos envolvidos na autonomia do paciente abarcados pelo biodireito e
bioética.
Toda conduta que afeta a relação do individuo para com o seu meio é
socialmente relevante e assim sendo, toda conduta socialmente danosa deve ser
17
tipificada e coibida. É verdadeiramente danosa a afronta ao direito de se ter uma
vida digna ou mesmo de morrer dignamente. Uma vez desrespeitado o direito a uma
vida digna, fere-se não apenas o individuo, mas também os princípios individuais
garantidos em nossa Constituição Federal.
18
REFERÊNCIAS
BASÍLIO, Felipe Augusto. O princípio da dignidade da pessoa humana e a recusa a
tratamentos médicos com hemotransfusão por motivos de convicção religiosa. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n.º 809, 20 set. 2005. Disponível
em: jus.com.br/revista/texto/7311">http://jus.com.br/revista/texto/7311. Acesso em
11 nov. 2014.
LEIRIA, Cláudio da Silva. Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da
religião Testemunhas de Jeová. Uma gravíssima violação de direitos humanos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2100, 1 abr. 2009. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/12561>. Acesso em: 12 nov. 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed., revista e
atualizada nos termos da reforma constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
SCHREIBER, Anderson. 3ª Ed. Direitos da personalidade, Atlas, 2014
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral – de
acordo com a Lei n. 12.874/2013 / Carlos Roberto Gonçalves. – 12. ed. – São Paulo
: Saraiva, 2014.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
GUSTAVO Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes,
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. 1, 2004, p. 41
DIAULAS Costa Ribeiro, Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte,
Cadernos Saúde Pública 22:1750, 2006

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O direito de morrer dignamente

  • 1. Faculdade Pitágoras Teixeira de Freitas Direito O Direito de Morrer Dignamente Benaia Porto, Claudia Ferreira, Elenilton De S. Freitas, Maria Das Graças Medina, Pedro Jhordy Moreira,Selmita Moura, Wandineia Rodrigues Teixeira de Freitas 2014
  • 2. Benaia Porto, Claudia Ferreira, Elenilton De S. Freitas, Maria Das Graças Medina, Pedro Jhordy Moreira,Selmita Moura, Wandineia Rodrigues O Direito de Morrer Dignamente Trabalho apresentado como exigência para obtenção de nota parcial do 2° bimestre da matéria em Direito Penal, do curso de Direito da Faculdade Pitágoras. Professor: Roberto Albert de Almeida Teixeira de Freitas 2014
  • 3. RESUMO Apesar do tema sugerir, este estudo não visa apreciar a eutanásia, ortotanásia, distanásia, tampouco avaliar os fatores envolvidos na defesa do suicídio assistido. Entretanto, este estudo avalia, através de pesquisa exploratória legislativa, doutrinária e jurisprudencial, o direito de morrer dignamente diante da recusa a submeter-se a um intervenção medica ou cirúrgica, sem consentimento do paciente ou de seu representante legal, ainda que justificada por iminente perigo de vida. Analisaremos a base constitucional para esta recusa, as responsabilidades civis dos envolvidos e a possível não culpabilidade da equipe médica. Mostraremos que não existe colisão de princípios fundamentais e que mais importante que a própria vida é uma vida com dignidade ou uma morte digna. Palavras-chave: Suicídio, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Direito, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Penal, Direito de Morrer
  • 4. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 4 2 BREVE ANÁLISE CONSTITUCIONAL.................................................................................... 5 3 ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL................................................................................................ 10 4 ANÁLISE DO CÓDIGO PENAL.............................................................................................. 14 5 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 16 REFERÊNCIAS.......................................................................................................................... 18
  • 5. 4 1 INTRODUÇÃO Quando se pensa em recusa de tratamento médico ainda que em iminente perigo de vida ligamos tal assunto à recusa de membros da religião Testemunhas de Jeová a ter sangue transfundido em suas veias. Em vez de confrontarmos os argumentos meramente pessoais contrários a esta posição, muitos deles eivados de ignorância ou má-fé, iremos nos ater a aspectos éticos e jurídicos. Será realmente que o direito à vida é tão absoluto ao ponto do Estado ter como função preservá-la a todo custo? Faz realmente parte da função estatal influir nas escolhas individuais de cada ser humano na sociedade? Podemos falar de conflito de princípios fundamentais quando estes dizem respeito a um único sujeito ativo? Analisaremos à seguir cada um destes pontos, culminando com a análise da referencia que o Código Penal faz a respeito da excludente de tipicidade do constrangimento ilegal, conforme previsto no artigo 146, § 3º, inciso I.
  • 6. 5 2 BREVE ANÁLISE CONSTITUCIONAL A nossa Carta Magna já em seu Preâmbulo contém declaração dos constituintes onde afirmam promulgá-la sob a proteção de Deus. No artigo 5º os incisos VI e VIII falam, respectivamente, da liberdade de consciência e da não privação de direitos por motivo de crença religiosa. Segundo a liberdade de consciência, cada qual segue a diretriz de vida conveniente desde que não seja ilícita. Sem liberdade de consciência não há sentido em exercer as demais liberdades de pensamento, pois ela vai muito além de ter o direito em acreditar em algo, mas também o de expressar e exercer os preceitos da convicção professada em qualquer lugar ou condição em que se encontre. Quando se impõe uma atitude que vai de encontro a essa liberdade de exercer a convicção religiosa estaremos diante de uma violação de um ou dois princípios fundamentais. Quando se rejeita um tratamento médico por convicções religiosas, mesmo que em iminente perigo de vida, a pessoa estará apenas querendo viver de acordo com suas crenças e isso deve ser respeitado, especialmente por não causar lesões a direito de terceiros. Uma vez que inexiste em nosso país lei que obrigue determinados tratamentos médicos, mesmo em perigo iminente de vida, essa recusa será válida, conforme reza o principio da legalidade e, portanto, deve ser respeitada. Segundo o professor de direito constitucional brasileiro UADI LAMMÊGO BULOS, escusa de consciência, imperativo de consciência ou objeção de consciência são sinônimos que indicam um direito, constitucionalmente protegido, que um indivíduo tem de negar-se a se submeter a uma imposição contrária às suas posições religiosas, políticas e filosóficas. Esse direito pode ser exercido quando há um conflito entre uma imposição coletiva e as crenças pessoais do indivíduo. Para compensar essa escusa compete à lei instituir prestação alternativa. Isso ocorre com o alistamento eleitoral e dever de voto, o comparecimento ao júri e o serviço militar obrigatório. Conforme visto, a objeção de consciência por motivos religiosos tem amparo em várias circunstancias. O mesmo poderia ser aplicado à recusa do paciente em um determinado tratamento médico, por imperativo de consciência, obrigando o Estado a dispor de uma alternativa a esse tratamento, conforme os avanços médicos- científicos atuais.
  • 7. 6 Alguns dirão que instituir esta prestação alternativa seria ferir o principio da isonomia, o que não está correto, pois este principio está dentro de um quadro amplo de direito, ou seja, é uma norma geral. Já a escusa de consciência é uma norma especial que, por sua vez, prevalece sobre a norma geral. Nesse entendimento também, a reserva de vagas para deficientes físicos em concursos públicos, como norma especial, não fere o principio da isonomia, pois deve-se tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. O cerceamento desse direito ocorre quando o Estado, fazendo uso do seu direito superior, tenta compelir um indivíduo a fazer algo contra sua consciência religiosamente treinada, causando-lhe repulsa, sem levar em conta, também, que vivemos numa sociedade cada vez mais plural. O que o Estado não pode fazer é viver a vida do indivíduo para poupá-lo de riscos que ele está disposto a assumir. Outro direito constitucional contrariado na imposição de tratamento médico contra a vontade do paciente é o direito fundamental à privacidade, consagrado na Constituição Federal, no inciso X do artigo 5º, nos seguintes termos: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Não se pode falar em respeito à privacidade quando uma intervenção médica forçada tira do indivíduo o sossego, a tranqüilidade, torna sua vida intima e privada devassada por terceiros e sufocada pelas excessivas ingerências do Estado Em parecer, o jurista CELSO RIBEIRO BASTOS expôs: "Quando o Estado determina a realização de transfusão de sangue – ocorrência fenomênica que não pode ser revertida – fica claro que violenta a vida privada e a intimidade das pessoas no plano da liberdade individual. Mascara-se, contudo, a intervenção indevida, com o manto da atividade terapêutica benéfica ao cidadão atingido pela decisão. Paradoxalmente, há também o recurso argumentativo aos ‘motivos humanitários’ da prática, quando na realidade mutila-se a liberdade individual de cada ser, sob múltiplos aspectos." Trataremos agora do principio da dignidade da pessoa humana, que engloba a necessidade de respeito à integridade física, psíquica e intelectual do indivíduo. Embora considerados por alguns, o direito fundamental à vida não é absoluto, conforme mostraremos também mais adiante, pois encontra limites na dignidade. ANA CAROLINA DODE LOPEZ discorreu sobre isso com muita propriedade:
  • 8. 7 "Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados, desprezados. A pergunta que se faz é a seguinte: adianta viver sem dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria pessoa prefere a morte é porque o desrespeito às suas convicções espirituais configura uma morte pior: a morte de seu espírito, de sua moral."O Direito quer proteger a vida humana à custa da dignidade da pessoa? Quer proteger a vida de um indivíduo mesmo que isto represente ferir profundamente a sua dignidade? A resposta certamente é negativa para o Direito Brasileiro, do que se infere do art. 1º, III, da CF, caso contrário este artigo teria proclamado como fundamento do Estado Democrático de Direito a vida humana, e não a dignidade da pessoa humana, como fez." Tratando ainda do direito à vida, consagrado no caput do artigo 5º da nossa Constituição, o desembargador MARCOS ANTÔNIO IBRAHIM da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirma que: O direito à vida não se resume ao viver... O Direito à vida diz respeito ao modo de viver, a dignidade do viver. Só mesmo a prepotência dos médicos e a insensibilidade dos juristas pode desprezar a vontade de um ser humano dirigida a seu próprio corpo. Sem considerar os aspectos morais, religiosos, psicológicos e, especialmente, filosóficos que tão grave questão encerra. A liberdade de alguém admitir, ou não, receber sangue, um tecido vivo, de outra (e desconhecida) pessoa. (trecho do voto – vencido – do Desembargador Marcos Antônio Ibrahim no Agravo de Instrumento n.º 2004.002.13229, julgado em 05.10.2004 pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RJ). Que esse direito não é absoluto fica bem evidenciado em nosso próprio ordenamento jurídico, uma vez que existem hipóteses legais em que se admite a sua
  • 9. 8 flexibilização, como a exclusão da ilicitude da conduta cujo resultado é a morte quando o ato é praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal, no exercício regular de direito, bem como na imputabilidade do aborto quando a gestante corre risco de morte ou quando resultante do estupro. Se o direito à vida fosse tão absoluto como alguns insistem em afirmar, a vida humana seria preservada a todo custo, independente de qualquer outra coisa. De fato, a vida deve ser preservada, mas não a qualquer custo. Custo esse que muitas vezes seria muito caro à própria vida. Nesse sentido, v. STF, DJ 12 mai. 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello: "Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto." Sendo assim, embora o consentimento por si só não represente suficiência para o titular do direito à vida dispor dela, direito este que em prima facie pode ser considerado indisponível, possivelmente outros valores ou direitos fundamentais podem justificar essa decisão, pois não é absoluto. Não há porque se falar de conflitos entre direitos personalíssimos de um mesmo titular, mas sim de concorrência. Neste sentido, CANOTILHO ensina que há conflito entre direitos fundamentais por parte de seu titular quando estes colidem com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Não estamos falando de acumulação de direitos, como na concorrência de direitos, mas de um verdadeiro choque. Assim, quando há concorrência de direitos fundamentais o Principio da Proporcionalidade indicará qual deles, numa situação concreta, está ameaçado de sofrer lesão mais grave e, por isso, merece prevalecer, de acordo com a preponderância de interesses. ANDERSON SCHREIBER considera como "intolerável que uma Testemunha de Jeová seja compelida, contra sua livre manifestação da vontade, a receber transfusão de sangue, com base na pretensa superioridade do direito à vida sobre a liberdade de crença. Note-se que a priorização da vida representa, ela própria uma 'crença', apenas que da parte do médico, guiado, em sua conduta, por um entendimento que não deriva das normas jurídicas, mas das sua próprias convicções
  • 10. 9 científicas e filosóficas... A vontade do paciente deve ser respeitada, porque assim determina a tutela da dignidade humana, valor fundamental do ordenamento jurídico brasileiro" . Portanto, o procedimento médico forçado, ainda que para proteger a vida do indivíduo, é uma afronta aos princípios constitucionais, sacrificaria sua consciência, agrediria sua dignidade, violaria sua honra e traria extrema infelicidade, tornando a própria vida um fardo demasiadamente pesado para se carregar.
  • 11. 10 3 ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL A legitimidade da recusa a tratamentos médicos, como transfusões de sangue, encontra amparo no artigo 15 do Código Civil, qual prescreve que: ‘Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou à intervenção cirúrgica". Novamente, não vamos nos aprofundar nos riscos existentes e difundidos na medicina mundial sobre transfusões de sangue, bastando dizer que grande parte das intervenções médicas-cirúrgicas traz algum risco de vida. Se o tratamento médico ou intervenção cirúrgica objetiva salvar a vida de um paciente, ainda que um ou outro seja arriscado, porque ele não é imposto? Seguindo essa linha de raciocínio, seria mais prudente pecar pela ação que pela omissão. Numa interpretação mais ampla a frase “com risco de vida”, contida no artigo citado, refere-se mais ao estado do paciente que a um atributo do tratamento ou intervenção. Seja qual for a interpretação dada, é importante aqui salientar a nobreza dada à autorização prévia do paciente, apesar de todo notável saber médico. Associado a um fundamento consistente, não meramente uma vontade caprichosa, essa recusa é legítima Para CARLOS ALBERTO GONÇALVES: “A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano. (...) Na impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve-se obter a autorização escrita, para o tratamento médico ou a intervenção cirúrgica de risco, de qualquer parente maior, da linha reta ou colateral até o 2º grau, ou do cônjuge, por analogia com o disposto no art. 4º da Lei n. 9.434/97, que cuida da retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoa falecida.” Ainda sobre esse assunto, FELIPE AUGUSTO BASÍLIO discorreu: "...pela nova regra do Código Reale, o pressuposto para que o
  • 12. 11 médico não atue sem o consentimento do paciente é a própria gravidade da situação em si, de maneira que não será o caso emergencial ou a situação gravosa que lhe permitirá agir sem o consentimento. "As conseqüências jurídicas só surgirão no caso de atuação médica sem consentimento e o efeito danoso se dará por agir sem autorização, pelo que responderá por perdas e danos. Por este artigo, o risco de morte do paciente cria a obrigação do médico de colher o seu consentimento sobre o método terapêutico a ser aplicado, sob pena de responder civilmente pelos danos aos seus direitos de personalidade que o tratamento forçado pode causar." GUSTAVO TEPEDINO afirma: “Na esteira de tais considerações, há de ser interpretado o art. 15: não só o constrangimento que induz alguém a se submeter a tratamento com risco deve ser vedado, como também a intervenção médica imposta a paciente que, suficientemente informado, prefere a ela não se submeter, por motivos que não sejam fúteis e que se fundem na afirmação de sua própria dignidade. Nesta sede, a normativa deontológica há de se conformar aos princípios constitucionais”. No mesmo sentido, Diaulas Costa Ribeiro, para quem: “[a] leitura desse artigo ‘conforme a Constituição’ deve ser: ninguém, nem com risco de vida, será constrangido a tratamento ou a intervenção cirúrgica, em respeito à sua autonomia, um destacado direito desta Era dos Direitos”. O artigo 15 do Código Civil é uma inovação legislativa que avança em contraste com normas ultrapassadas de hierarquia igual ou inferior que autorizavam a intervenção médica contra a vontade do paciente (especialmente os artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica, uma mera resolução do Conselho Federal de Medicina, e o art. 146, § 3º, inciso I, do Código Penal), mesmo naqueles casos de iminente risco de vida. Falando ainda de inovações legislativas a Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)
  • 13. 12 em seu artigo 17 traz a seguinte redação: "Artigo 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável. Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita: I – pelo curador, quando o idoso for interditado; II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contatado em tempo hábil; III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar; IV - pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público. Analisando detalhadamente o inciso III do artigo supracitado podemos notar que a iminente situação de risco de vida não é suficiente para que o médico possa optar pelo tratamento, mas isso deverá ocorrer concomitantemente com a impossibilidade de manifestação do paciente, familiares ou de seu representante legal. A intervenção médica, ainda que nos casos de iminente risco de vida, só poderá ser possível quando não houver possibilidade de conhecer, por qualquer meio, a vontade do paciente ou representante legal. Assim, inexiste lógica ética ou jurídica para que essa prerrogativa não seja expandida aos pacientes civilmente capazes de idade inferior a 60 anos. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, aprofundando-se no tema da recusa do paciente em receber sangue alheio por convicções filosóficas e religiosas pondera: “(...) a matéria, pela disparidade de posições, permanece ainda
  • 14. 13 no campo opinativo, aguardando novos elementos, científicos ou jurídicos, como um problema do Direito no segundo milênio.” Em meio a esta controvérsia pode-se afirmar que a questão não é simplesmente o individuo querer dispor da sua própria vida, de preferir a morte a receber a transfusão de sangue ou outro tratamento objetado. É uma questão de ter o melhor tratamento possível disponível na comunidade médica ou que ao menos seus direitos fundamentais, dentre eles o da vida humana digna, sejam respeitados, ainda que haja o risco de morrer.
  • 15. 14 4 ANÁLISE DO CÓDIGO PENAL Deixamos a análise do código penal em ultimo lugar pelo fato de que este deve ser o ultimo ramo do direito a ser invocado, caso os outros não abranjam a demanda em concreto. De acordo com os princípios fundamentais do direito penal o Estado só deveria intervir nos casos de maior gravidade. Além disso, quando há uma ofensividade mínima da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada, não se justifica a intervenção estatal, quer estabelecendo restrições à uma conduta quer ressalvando-a. O Código Penal, em seu artigo 146 ressalva a conduta do médico quando realiza o procedimento sem obter o consentimento do paciente em caso de iminente risco de vida. O referido artigo apenas extingue uma responsabilidade penal do médico em caso de imposição de tratamento. Desnecessário se fez o legislador ao consagrar o inciso que trata diretamente dessa ressalva, tendo em vista que a manifestação de vontade deve ser respeitada, baseada em princípios constitucionais e por uma interpretação mais ampla do artigo onde é perfeitamente possível aplicá-lo aos casos onde há iminente risco de vida e não é possível extrair o consentimento do paciente. Ainda assim, não se pode falar de omissão do médico que respeita a autonomia da vontade do paciente, mas sim de recusa do ultimo a um tratamento médico e a proibição ao médico de se valer de coação. Cabe relembrar que a possibilidade de recusa é extraída diretamente da Constituição e uma eventual incompatibilidade com outras normas não afasta as conclusões obtidas. Omissão de socorro é, literalmente, deixar de prestar auxílio quando possível fazê-lo sem risco pessoal. Todavia, um médico aparado com os meios técnicos disponíveis pelo Estado não está deixando de prestar auxílio a um paciente que se recusa a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Não se pode interpretar esse texto por analogia, pois ela não é permitida na interpretação de texto penal, uma vez que o texto do artigo 135 não se aplica a esses casos onde o paciente, na verdade, exerce apenas a sua autonomia. No caso do artigo 146 do texto penal, inexiste obrigação de submeter o paciente
  • 16. 15 a intervenção médica ou a tratamento compulsório, pois a vedação à violabilidade da vida é dirigida à terceiros, a saber, contra a sociedade e contra o Estado. Viver é um direito, contudo inexiste obrigação de viver com sofrimento psíquico, moral. No caso de aborto em gestante vítima de estupro temos uma vida trocada por outra vida com dignidade. Neste mesmo sentido, não se pune a tentativa de suicídio, nem a autolesão, quando não estiver envolvida com alguma tentativa de fraude. De fato, com respeito a este tema bastante controverso o Código Penal não é o melhor instituto para dirimir a conduta acerca do consentimento da vontade de recusa ou mesmo a imposição do tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Se assim o fosse, deveria impor sanção ao estupro moral e psicológico que se configura no desrespeito à vontade do paciente.
  • 17. 16 5 CONCLUSÃO O trabalho apresentado deve provocar diversas reflexões. A ofensividade da conduta de quem não deseja intervenção cirúrgica ou procedimento médico, ainda que isso acarrete risco de morrer, é tão grave ao ponto de impor sanção a quem decidir respeitar essa vontade? Existe perigo social advindo desta conduta? Quão reprovável é este comportamento? Qual a gravidade da lesão supostamente provocada? Vale a pena o Estado, por meio da coerção, condenar um indivíduo, segundo suas convicções, à uma vida suja, impura, indigna? Em linhas gerais, é um direito constitucional a recusa a tratamento médico, diante da inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença e da dignidade da pessoa humana. É bem verdade que não se pode dispor do direito à vida, mais ainda assim, este direito continua sendo inviolável, aspectos que não devem ser confundidos e isto implica na inviolabilidade do direito a uma vida digna. Embora o direito à vida não contemple o direito de morrer, a vida vai além do aspecto físico, pois envolve elementos morais e emocionais. Contudo, não existe obrigação jurídica consigo mesmo de viver mediante imposição de tratamento médico ou procedimento cirúrgico. Não é atribuição do Estado destituir a liberdade básica do individuo, compreendida como expressão de sua dignidade. A obrigação estatal é proteger essa dignidade, obedecendo os princípios constitucionais, ainda que essa proteção culmine na morte do indivíduo. O inciso I do § 3º do artigo 146 do Código Penal fere os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana. Fere também o direito à privacidade e à intimidade e aplica erroneamente a insignificância aos resultados da imposição estatal, personificada pela conduta médica. É inoportuno responsabilizar criminalmente o médico que atende a vontade devidamente motivada e fundamentada do paciente, ao rejeitar tratamento médico, mesmo que tal respeito acarrete a morte do paciente. É dissonante com os recentes entendimentos envolvidos na autonomia do paciente abarcados pelo biodireito e bioética. Toda conduta que afeta a relação do individuo para com o seu meio é socialmente relevante e assim sendo, toda conduta socialmente danosa deve ser
  • 18. 17 tipificada e coibida. É verdadeiramente danosa a afronta ao direito de se ter uma vida digna ou mesmo de morrer dignamente. Uma vez desrespeitado o direito a uma vida digna, fere-se não apenas o individuo, mas também os princípios individuais garantidos em nossa Constituição Federal.
  • 19. 18 REFERÊNCIAS BASÍLIO, Felipe Augusto. O princípio da dignidade da pessoa humana e a recusa a tratamentos médicos com hemotransfusão por motivos de convicção religiosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.º 809, 20 set. 2005. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/7311">http://jus.com.br/revista/texto/7311. Acesso em 11 nov. 2014. LEIRIA, Cláudio da Silva. Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunhas de Jeová. Uma gravíssima violação de direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2100, 1 abr. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12561>. Acesso em: 12 nov. 2014. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed., revista e atualizada nos termos da reforma constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. SCHREIBER, Anderson. 3ª Ed. Direitos da personalidade, Atlas, 2014 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral – de acordo com a Lei n. 12.874/2013 / Carlos Roberto Gonçalves. – 12. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. GUSTAVO Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. 1, 2004, p. 41 DIAULAS Costa Ribeiro, Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte, Cadernos Saúde Pública 22:1750, 2006