O Dr. Alexandre Naime Barbosa, infectologista do Hospital Dia Domingos Alves Meira em Botucatu, discute em entrevista: 1) Como estudos sobre SNPs podem auxiliar em futuras terapias contra o HIV; 2) Que hoje, com tratamento, pacientes com HIV podem viver uma vida normal; 3) Que cerca de 500 pessoas são atendidas no Hospital Dia, com equipe multidisciplinar.
1. SÁBADO, 07 DE AGOSTO DE 2010DIÁRIO DA SERRA a
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Gente
Entrevista
Dr. Alexandre Naime
Barbosa, infectologista
assistente do SAE/Hospital
Dia “Domingos Alves
Meira” e do HC Unesp
CLARISSA ATHAYDE
esta semana, a
reportagem do
Diário entrevis-
tou o infectolo-
gista assistente
do Serviço de
Ambulatório s
Especializados Hospital Dia
de Aids/Hepatites Virais: “Dr.
Domingos Meira” e do Hospital
das Clínicas da Faculdade de
Medicina/Unesp Botucatu, Dr.
Alexandre Naime Barbosa. O
médico,quetambémémembro
titulareespecialistapelaSocie-
dade Brasileira de Infectologis-
ta, recentemente participou da
18ª Conferência Internacional
sobre Aids, realizada em Vie-
na, e apresenta dados sobre
o atendimento aos pacientes
feitos em Botucatu. Confira os
principais trechos.
Diário - Recentemente, o
senhor participou da 18ª Con-
ferência Internacional sobre
Aids, realizada em Viena. Na
ocasião, junto com dois cole-
gas, o senhor apresentou um
estudoque,segundoanálises,
os resultados podem auxiliar
em futuras terapêuticas con-
traoHIV.Dequemaneiraesse
estudo pode contribuir?
DR. ALEXANDRE - O estudo
analisouSNPs(polimorfismosde
base única), que são pequenas
diferenças genéticas entre as
pessoas, mutações pontuais, e
que podem determinar impor-
tantes variações biológicas. Por
exemplo,existemSNPsdistintos
paracorredoresdeprovascurtas
e para maratonistas, alguns
SNPs estão ligados à maior su-
cesso no tratamento de certas
doenças. No estudo apresenta-
do em Viena, foi demonstrado
que alguns SNPs em pessoas
vivendo com HIV/Aids estão re-
lacionadoscomprogressãomais
rápida da doença. No futuro, o
aperfeiçoamento dessa ferra-
menta pode auxiliar o médico a
introduzir mais precocemente a
terapia antrretroviral (coquetel
anti-HIV) em determinados pa-
cientes que tenham maior risco
de adoecer.
Diário - Ainda não é conhe-
cida uma cura para a aids,
porém,hoje,umpacientecom
HIV pode viver mais do que
antigamente.Comoestáessa
evolução? Quantos anos, em
média,umpacienteconsegue
viver com a doença?
DR. ALEXANDRE - O sur-
gimento do coquetel anti-HIV,
em 1995, trouxe uma verda-
deira revolução no tratamento
das pessoas vivendo com
HIV/Aids. Se o paciente tomar
regularmente e sem falhas o
tratamento prescrito, hoje em
dia ele tem praticamente a
mesmaexpectativadevidaque
alguém na mesma faixa etária.
Ou seja, na quase totalidade
dos casos, se o indivíduo tiver
regularidade na tomada das
medicações, ele terá uma vida
normal,longedasdoençasedo
alto índice de mortalidade que
atingiaessaspessoashápouco
mais de 15 anos.
Diário-EmBotucatu,éfeito
umexcelentetrabalhocomos
pacientesdoSAE/HospitalDia
“Domingos Alves Meira”. Em
média, quantas pessoas são
atendidas?
DR. ALEXANDRE - O ponto
chave fundamental no suces-
so alcançado no atendimento
dessas pessoas é o caráter
multiprofissional. A equipe
composta por infectologistas,
N
HIV/Aids sem preconceito
e-mail - saude@diariodaserra.jor.br
Equipe multidisciplinas do Serviço de Ambulatório Especializado e Hospital: “Domingos Alves Meira”
Viver com Aids é possível,
com o preconceito não
“
Dr. Alexandre
Naime Barbosa
fotos sidney trovão
enfermeiras, dentista, farma-
cêuticas, fisioterapeuta, tera-
peuta ocupacional, assistente
social, psicóloga, nutrólogo,
nutricionistas, auxiliares de
enfermagem, cirurgião plásti-
co, coloproctologista, pessoal
de administração, motorista
e seguranças é, no conjunto,
responsável pelo acolhimento
e atendimento humanizado,
com a intenção de suprir não
só o tratamento do HIV em si,
mastodaademandadesaúde,
e também questões sociais,
psicológicas, de mercado de
trabalho,entreoutras.Amissão
é focar globalmente a proble-
mática da pessoa vivendo com
HIV/Aids, e com essa visão,
cerca de 500 pessoas seguem
em acompanhamento regular
no Hospital Dia.
Diário - Qual é o maior
desafio do SAE/Hospital Dia
Domingos Alves Meira?
DR. ALEXANDRE - O maior
desafio é vencer o estigma e
preconceito
que muitos
setores da
sociedade
ainda impõe
às pessoas
vivendo com
HIV/Aids. Vi-
vemos em
pleno século XXI, mas ainda
existemmuitashistóriastristes,
comocasosdedemissãodotra-
balho pelo fato do funcionário
ser portador do HIV, sem que
issorepresentealgumriscoem
qualqueratividadeprofissional.
Rejeição familiar por parte de
amigos e conhecidos também
são exemplos de atitudes sem
justificativa científica, moral
ou ética. Essas atitudes cruéis
e desumanas são o foco de
ações dentro do Hospital Dia,
com projetos de ressocializa-
ção, atendimento psicológico,
terapia ocupacional e de rein-
serçãonomercadodetrabalho.
Viver com Aids é possível, com
o preconceito não.
Diário - O senhor possui
alguns dados para citar sobre
o número de portadores de
HIV/AidsnaCidade?Amaioria
édehomensoumulheres?Em
qual faixa etária?
DR.ALEXANDRE-Adistribui-
ção de casos de infecção pelo
HIV em Botucatu se assemelha
muito com os dados nacionais,
comcercade0,3%a0,5%dapo-
pulaçãoafetada.Parecepouco,
masseforlevadoemconsidera-
çãoqueapenasumterçodessas
pessoas sabe ser portadora do
HIV, e que o cuidado em usar o
preservativo fica menor, pode
se ter uma idEia do risco de
transmissão. Ou seja, dos 700
mil casos estimados no Brasil,
apenas 250 mil estão diagnos-
ticados. O HIV está distribuído
portodasasfaixasdeidade,em
todas as camadas sociais, em
qualquercordepele,indiferente
da opção sexual (hetero ou ho-
mossexual). Existe atualmente
um crescimento nas meninas
de 13 a 19 anos, nos homos-
sexuaisjovensmasculinoseem
idosos.Essefatonãoprotegeas
outras camadas da sociedade,
portanto a prevenção com uso
do preserva-
tivo deve ser
universal.
Diário -
Na sua opi-
nião, com
o advento
do coquetel
“anti-HIV”,
as pessoas passaram a temer
menos a doença?
DR. ALEXANDRE - Relatos
de descaso com a prevenção
devido à falsa sensação de se-
gurança causada pela eficácia
do coquetel realmente chegam
até nós, e são completamente
ilógicos. Assumir o risco de
contrair uma doença que não
tem cura, apesar de um trata-
mento eficaz, não tem sentido.
É fundamental lembrar que
o coquetel deve ser tomado
rigorosamente de acordo com
a prescrição, sem falhas, para
o resto da vida, e que possui
muitos efeitos colaterais. É
muito mais fácil e inteligente
usar a camisinha nas relações
sexuais, e se prevenir.
Diário - Ainda há muito
preconceito em relação aos
portadores de HIV/Aids. Na
sua opinião, a quê se deve
este fato?
DR. ALEXANDRE - Esse é
sem dúvida o maior obstáculo
hoje em dia. O preconceito em
relação às pessoas vivendo
comHIV/Aidsvemdaépocaque
a doença atingia grupos espe-
cíficos de pessoas estigmati-
zadas até hoje pela sociedade,
como homossexuais, usuários
de drogas e profissionais do
sexo. Discriminar pessoas por
serem portadoras de alguma
doença (qualquer que seja) ou
por sua opção sexual, ativida-
de profissional, cor da pele,
religião,alémdeserdesumano
e cruel, também é passível de
pena de até quatro anos de
prisão, segundo projeto de lei
da Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) da Câmara dos
Deputados.
Diário - O Hospital Dia
costuma promover diversas
atividades com o intuito de
incentivar os pacientes na
socialização. Como está o
trabalho hoje?
DR. ALEXANDRE - Vários
programas estão em fun-
cionamento, principalmente
envolvendo a descoberta e
aperfeiçoamento de habilida-
des nas oficinas de terapia
ocupacional, além de ações
junto às entidades patronais
visando desestigmatizar o pro-
fissional vivendo com HIV/Aids.
Um projeto de aprendizado em
informática está em implanta-
ção conjuntamente.
Diário - O senhor teria
alguma história interessante
de algum fato ou história com
pacientes?
DR. ALEXANDRE - A histó-
ria que gosto de contar, não
é um ou de
outropaciente,
édetodose,se
repete quase
diariamente.
Superação e
vontade de
viver. Aprendi
muito com as
pessoas que
acompanho,
mudouaforma
que encaro os
problemas,ad-
miro a força que trazem dentro
de si. Chegam muitas vezes
debilitadas física e psicologi-
camente pela descoberta da
doença, muitas delas em situ-
ação de risco social. Rebatem
e respondem positivamente,
se cuidam e transformam a
infecçãopeloHIVnomenordos
problemas.Alutaeavitóriapela
vida é o que mais me fascina
nessa história toda.
Diário-Dentreospacientes
assistidos pelo senhor, qual é
a principal forma de contágio
da doença?
DR. ALEXANDRE - A trans-
missão sexual, seja por relação
pênis-vagina, anal ou oral é a
principal rota aquisição do HIV.
O uso da camisinha deve ser
preocupação de todos, uma
pessoa com HIV/Aids pode não
saber disso, e
não exibir sin-
tomas. Outras
formas ainda
perduram,prin-
cipalmente o
compartilha-
mentodeserin-
gas e agulhas
por usuários
de drogas ilí-
citas. Cuidado
deve ser toma-
docomobjetos
de uso pessoal, como alicates
de tesoura de unha, lâminas
de barbear, escovas de dentes,
piercings, brincos, além de agu-
lhas de tatuagem, que podem
ser vias de transmissão não só
do HIV, mas também dos vírus
dahepatiteBeC.Todagestante
deve realizar o teste anti-HIV
nos exames de pré-natal, a fim
de evitar a transmissão para o
recém-nascido.
Botucatu se assemelha
muito com os dados
nacionais, com cerca
de 0,3% a 0,5% da
população afetada
“
Dr. Alexandre
Naime Barbosa