Mais uma publicação no afã de difundir a mais pura exposição do ensino genuíno da Palavra de Deus, especialmente do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, fundamentada nos escritos dos puritanos históricos e daqueles que foram os seus seguidores até o presente.
Como a misericórdia triunfa sobre o juízo Thomas Manton
1. Como a Misericórdia
Triunfa sobre o Juízo
Por Thomas Manton (1620-1677)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
Mar/2017
2. 2
M293
Manton,Thomas–1620-1677
Como a misericórdia triunfa sobre o juízo – Thomas
Manton / Tradução, adaptaçãoe ediçãoporSilvioDutra – Rio de
Janeiro, 2017.
11p.; 14,8 x 21cm
1. Teologia. 2. Vida Cristã 2. Graça 3. Fé. 4. Alves,
Silvio Dutra I. Título
CDD 230
3. 3
“Porque o juízo é sem misericórdia para com
aquele que não usou de misericórdia. A
misericórdia triunfa sobre o juízo.” (Tiago 2.13)
Tiago disse no versículo anterior: “Falai de tal
maneira e de tal maneira procedei como aqueles
que hão de ser julgados pela lei da liberdade”.
Ele lembra ao cristão que ele deveria proceder
como quem não está debaixo do rigor da aliança
das obras; porque se você se permitir qualquer
pecado ou fazer qualquer coisa contra qualquer
parte da lei régia, você nada pode esperar além de
juízo sem misericórdia. Ser cruel em não prover
os seus irmãos e não ter misericórdia para com
eles é um pecado que vai colocá-lo nesta
condição, não somente por ser isto uma
transgressão da lei, mas um pecado especial, que
parece requerer tal julgamento.
“Porque o juízo será sem misericórdia para com
aquele que não usou de misericórdia” – Nesta
expressão Tiago se reporta ao efeito do pacto de
obras, que é o julgamento, sem qualquer mistura
de misericórdia, a lei do pacto feito com Adão e
sua descendência, nada faz para diminuir a
transgressão, como também implica a retaliação
de Deus: homens duros acharão justamente
uma dura recompensa.
4. 4
(A aliança feita por Deus com Adão para que em
tudo fosse obedecido, e que a menor transgressão
de Sua vontade seria punida com a morte (física,
espiritual e eterna) permanece em pleno vigor. Daí
decorre que todos morrem à semelhança de Adão,
porque todos são pecadores. A força do
argumento do apóstolo Tiago neste texto de Tg
2.13, para os cristãos, é que, apesar de não estarem
debaixo do juízo aqui referido no verso 13,
deveriam ser cuidadosos no exercício da
misericórdia, uma vez que há tal juízo terrível
repousando sobre aqueles que estão debaixo da lei
e não da graça, revelando o quanto desagrada à
justiça de Deus não sermos misericordiosos. Com
esta advertência, Tiago tencionava despertar para
a verdade aqueles que havia repreendido
anteriormente por estarem fazendo acepção de
pessoas na reunião pública da igreja, por
desprezarem os pobres e honrando os ricos, e que
não demonstravam a evidência de uma fé viva,
por negligenciarem as necessidades de seus
irmãos na fé. Então a misericórdia é um dever,
mesmo para os que estão debaixo da nova aliança
com Cristo – nota do tradutor.)
“A misericórdia triunfa sobre o juízo” - A palavra
é κατακαυχᾶται (glória, levantar a cabeça), como
um homem fará quando algo é feito com glória e
sucesso. Esta última parte do texto, tem sido
interpretada por alguns como sendo a misericórdia
5. 5
de Deus, outros a entendem como se referindo à
misericórdia do homem. Aqueles que se referem
a Deus, pretendem expô-lo desta forma: Eles
merecem um juízo severo, e se não for assim com
todos, é apenas porque a misericórdia de Deus
triunfou sobre a Sua justiça. Os que se referem à
misericórdia do homem o expõem deste modo: no
conflito e competição entre os atributos relativos
aos pecadores, a misericórdia adquire a vitória e a
superioridade, e assim se alegra, como quando os
homens repartem os despojos.
O apóstolo fala aqui da misericórdia que o homem
mostrou ao homem: porque no texto parece haver
uma tese e uma antítese, uma posição e uma
oposição. Na posição, o apóstolo afirmou que o
impiedoso não deve encontrar qualquer
misericórdia; na oposição, que a misericórdia
achou o juízo vencido; isto é, aquele que se
compadece não está em perigo de condenação,
pois Deus não vai condenar aqueles que imitam a
sua própria bondade, e, portanto, ele pode se
regozijar quanto a seus temores, como quem tem
escapado. Agora, o ortodoxo, que vai por este
caminho de aplicar isto à misericórdia do homem,
não faça dessa aplicação uma causa da nossa
aceitação por Deus, mas uma evidência; a
misericórdia mostrada aos homens, sendo um
seguro penhor daquela misericórdia que ele deve
obter com Deus. Confesso que tudo isso é
6. 6
racional; mas olhe para a frase do texto, e você vai
encontrar alguns inconvenientes no presente
parecer, pois será uma fala de um som e uma
construção mais ásperos afirmar que a nossa
misericórdia deve triunfar sobre o juízo de Deus;
porque, então, o homem parece ter algum tipo de
glória diante de Deus, que é o contrário do que
Davi afirmou, e que nega que qualquer obra nossa
possa ser justificável à Sua visão – Sl 143.2, “Não
entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista
não há justo nenhum vivente.”, ou ser capaz
de segurar a cabeça ou o pescoço contra o Seu
juízo, contrariando a Cristo, que proíbe esta
alegria contra o julgamento divino, embora
estejamos conscientes de nós mesmos quanto à
realização do nosso dever, Lucas 17.10, e
contrariamente a Paulo que diz não haver
qualquer glória nossa diante de Deus, Rom 4.2.
Todo o triunfo que temos contra a justiça de Deus
é a vitória da sua misericórdia, por isso eu creio
que esses dois sentidos podem ser bem ajustados
e modificados cada pelo outro, assim: É a
misericórdia de Deus que se regozija sobre a sua
justiça, e é a misericórdia no homem que nos
possibilita regozijarmo-nos na misericórdia de
Deus, e, portanto, a sabedoria do apóstolo Tiago
deve ser observada na elaboração do texto de
modo que pode ser indiferentemente compatível
com ambos os sentidos. Sim, sobre uma
consideração mais precisa e íntima das palavras,
7. 7
eu acho que a oposição no texto do apóstolo não
pode repousar tanto entre falta de misericórdia e
misericórdia, quanto entre o juízo sem
misericórdia e o juízo vencido por misericórdia.
O homem misericordioso se gloria como aquele
que se compadece recebeu, pela misericórdia de
Deus, regozijar-se com a justiça de Deus em seu
nome; ele pode se regozijar sobre Satanás, sobre
o pecado, a morte, o inferno, e sobre sua própria
consciência. No tribunal do céu a misericórdia de
Deus se alegra, no tribunal da consciência, a
misericórdia do homem.
A condição dos homens sob o pacto das obras
(diferente do pacto da graça em Jesus) é muito
miserável. Eles se encontram com a justiça, sem
qualquer misericórdia.
A palavra de Deus não fala de qualquer consolo
para eles. Ou dever exato, ou miséria extrema,
eram os termos desse pacto das obras. “Cumpra e
viverás” e “Não cumpra e morrerás”, é a única voz
que você deve ouvir enquanto você estiver
debaixo daquele mandamento dado a Adão e à sua
descendência. Deus perguntou a Adão: Que
fizeste? Não tens te arrependido? Adão havia
morrido espiritualmente em razão da
desobediência e necessitava do arrependimento
que é para a vida, para si mesmo, e isto se aplica,
8. 8
individualmente, a cada pessoa da sua
descendência. Por isso, se lê em Ezequiel 18, “A
alma que pecar essa morrerá”. A mínima violação
é fatal. Ao homem caído o dever daquela aliança
é impossível, a sua pena é intolerável. Pecados de
omissão não podem ser expiados por deveres
subsequentes. Pagamento de novos débitos não
quitarão os antigos. Você teria esperança na
misericórdia de Deus? Um atributo não é exercido
para prejudicar um outro. Naquele pacto Deus
tencionou glorificar a justiça, e você está
compromissado com uma lei justa, e tanto a lei e
a justiça devem ser satisfeitas. Como a palavra
não fala de qualquer conforto, assim não há
qualquer providência. Todas as dispensações de
Deus são judiciais: Ez 7.5 “Assim diz o SENHOR
Deus: Mal após mal, eis que vêm”. Suas cruzes
são completamente maldições. Não há nada que
lhes sucedeu que estejam sob o pacto da graça,
mas há algo bom nisto; algo para convidar a
esperança, ou para aliviar a tristeza: “Na ira Deus
se lembra da misericórdia” - Hab 3.2. A vara não
é transformada numa serpente, e, portanto,
consola, Sl 23.5. Considerando que, todos estas
consolações são salgadas com uma maldição, e
em seus desconfortos não há nada, senão um rosto
e uma aparência de ira. Mas o pior da aliança das
obras é daqui em diante. Quando ele tratou com
seu povo, tudo em misericórdia, ele lidará com
todos eles em julgamento: Apo 14.10, “também
9. 9
esse beberá do vinho da cólera de Deus,
preparado, sem mistura, do cálice da sua ira,”, ou
seja, somente o ingrediente da ira. No entanto, é
dito no Sl 75.8, “Porque na mão do SENHOR há
um cálice cujo vinho espuma, cheio de mistura;
dele dá a beber; sorvem-no, até às escórias, todos
os ímpios da terra.”, cheio, misturado com todos
os tipos de pragas, mas sem mistura, sem a menor
gota de misericórdia.
Oh! como suportarão aqueles tormentos que estão
sem misericórdia e sem fim? Apo 20.7, “Eles
serão lançados no lago que arde com fogo e
enxofre, onde serão atormentados para todo o
sempre”, nada há mais doloroso para o sentido do
fogo, e tudo isso para todo o sempre. Há uma
eternidade que é sem medida e sem fim, que é o
inferno do inferno, que depois que mil anos
tiverem passado, o verme não morre, e o fogo não
se apaga.
Bem, então, o inferno deve despertar aqueles que
estão sob o pacto de obras para virem sob a
bandeira da graça. Aqueles que estão condenados
naquela coorte têm liberdade de apelar (recorrer)
a outra (a do evangelho), e quando você estiver
morto e perdido debaixo da primeira lei, você
pode estar vivo para Deus, Gál 2.19. Deixe que o
inferno, o vingador do sangue – o Goel do Velho
Testamento - faça você fugir para a cidade de
10. 10
refúgio, que é Cristo. Mas você vai dizer, que
agora não está sob o pacto das obras? O pacto das
obras não foi feito apenas com Adão, mas com
toda a sua descendência. A condição daquela
aliança feita por Deus com Adão e com a sua
descendência era de obediência perfeita ou então
a morte. E cada homem natural, enquanto
naturais, enquanto apenas um filho de Adão, está
obrigado ao teor da mesma. A forma desta lei
corre universalmente, e por isso foi reafirmada no
pacto da Lei, através de Moisés, pois se diz:
“Todos quantos, pois, são das obras da lei estão
debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito
todo aquele que não permanece em todas as coisas
escritas no Livro da lei, para praticá-las.” (Gál
3.10). É maldito todo aquele que quebrar um
mandamento, sem exceção, senão aquele que
estiver debaixo da graça de Jesus. Se a lei das
obras tivesse sido revogada e colocada de lado
hoje, desde a queda de Adão, Cristo não ter-se-ia
feito maldição como nosso substituto e penhor,
pois ele carregaria a nossa dívida com ele, ao
submeter-se ao dever e à pena do nosso
compromisso, por isso se diz que ele nasceu sob a
lei, para remir os que estavam sob a lei, e assim
também em Gál 3.13 “Cristo se fez maldição por
nós”, isto é, no nosso lugar.
E, novamente, a lei do pacto de obras com Adão
e com a sua descendência não é revogada, porque
11. 11
é uma regra imutável, segundo a qual Deus
procede: “Nem um til da lei passará” - Mat 5.18,
até que tudo seja cumprido, tanto pela criatura, ou
sobre a criatura. É o pacto de obras que condena
todos os filhos de Adão. O rigor do que trouxe
Cristo do céu para cumpri-lo para os crentes. Ou
devemos ter Cristo para cumpri-lo por nós, ou
pela nossa violação do mesmo, devemos morrer
para sempre. E, portanto, o apóstolo Tiago diz que
no dia do juízo Deus procederá com todos os
homens de acordo com as duas alianças. Alguns
são julgados pela lei da liberdade, e alguns pelo
juízo sem misericórdia, os dois pactos têm dois
cabeças principais para os aliançados, para eles e
seus herdeiros - Adão e Cristo, portanto, enquanto
tu és herdeiro de Adão, tu tens o compromisso de
Adão sobre ti. O pacto das obras foi feito com
Adão e sua descendência, que eram todos homens
naturais. O pacto da graça com Cristo e sua
descendência, que são os crentes, (que são
julgados segundo a lei da liberdade que Ele
conquistou para os que nele creem. Liberdade da
condenação eterna, e de tudo o que se referia ao
pacto das obras, cuja lei permanece sobre todos os
descendentes de Adão que não estão em Cristo.
Nos capítulos 4 e 5 de Romanos, o apóstolo Paulo
faz referência a ambos os pactos e este
compromisso com Adão e Cristo, quer para a
morte no primeiro, quer para a vida, no segundo –
nota do tradutor).