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Escolher um advogado como um bom vinho
Tem havido uma degradação progressiva da qualidade da
informação em Portugal com consequências em toda a vida
pública.
Chegámos a uma situação em que agências de serviços mediáticos
substituíram-se às redações próprias dos órgãos de comunicação
social em grande parte da produção de notícias. Houve como que
uma externalização do trabalho redatorial.
Num ambiente de ausência de condicionantes deontológicas,
essas agências produzem elementos de matéria aparentemente
noticiosa ao sabor dos cadernos de encargos definidos por quem
paga avenças.
Os consultores de comunicação operam hoje abertamente,
infiltrando os meios jornalísticos e acabando por orientar as
escolhas de prioridades noticiosas, e mesmo os termos em que a
descrição dos acontecimentos é feita.
Em suma, constroem as narrativas que querem e distribuem-nas
pela multiplicidade de plataformas que hoje influenciam as
sociedades.
E actuam sobre tudo. Marketing de mercadorias consumíveis,
processos políticos, questões religiosas e, seguramente, a justiça.
Com a profusão das redes sociais as fontes informais de matéria
noticiável multiplicam-se e, nos últimos anos, obtiveram uma
conquista assinalável. Os media tradicionais, por desleixo ou
estratégia (provavelmente pelas duas coisas) ao repetir
acriticamente o que aparece na net vão validando perigosas
falsidades concebidas e orientadas para deturpar realidades. É
hoje muito frequente ler-se na imprensa escrita ou ouvir-se na
radio e TV que determinada personalidade está a ser “arrasada”
nas redes sociais ou que “há um coro nas redes sociais” sobre
determinado assunto, lançando-se a ideia de haver consensos
gerais que, na verdade, não existem. E assim, uma crítica ou
insinuação, na maior parte das vezes anónima, ou uma descrição
de um acontecimento muito repetida vai ganhando consistência
e aparência de veracidade em meios que ainda são tidos como
credenciados pelo seu histórico e estatuto na produção de
informação fiável.
É o fenómeno das “Fake-News”, e não parece que esteja a haver
resultado prático das tentativas de compliance por parte dos
órgãos de informação tradicionais.
As ferramentas que vão aparecendo em programas de fact-
checking têm tido resultados grotescos e insuficientes para
rebater ideias preconcebidas que se vão instalando, até se
tornarem na tal “verdade aparente”.
O poligrafo, como instrumento medidor de reacções do
metabolismo humano, é falível. O seu transporte para os media
dá resultados bizarros que apenas servem como complemento
folclórico ao Reality-Show em que a informação mediatizada se
tornou nos nossos dias.
As agências de comunicação têm enormes centros operacionais
que neutralizam as tentativas de fact-checking e que, penetrando
nas redes sociais, vão impondo as versões que uma qualquer
estratégia de momento determina.
Encomendam-se hoje Likes do mesmo modo que se contratam
cartazes, anúncios na TV ou panfletos comerciais. É tudo uma
questão de preço e de algoritmos.
O problema é saber onde está a propaganda e a verdade dos
factos.
Esta confusão em que as sociedades organizadas caíram levou ao
caos no processo eleitoral americano e à invasão do Congresso
em Washington por turbas sugestionadas pela propaganda
emitida em curtas linhas de Twitter, Whatsapp ou Facebook.
O efeito dessa propaganda ganha os seus contornos perversos
com a retransmissão por órgãos de informação convencionais,
numa ruidosa vozearia de aparências de verdade.
Com estas técnicas conseguem mobilizar-se milhares de pessoas
levando-as a praticar actos impensáveis como atacar o centro
legislativo de uma democracia secular, votar em gente totalmente
inadequada para governar ou condicionar decisões judiciais.
E não é só na América.
Soluções? Não me parece que haja nenhumas para já, num
ambiente tão toxico como aquele que se desenvolveu e que
propicia todo o género de excessos.
A educação talvez seja uma via para reencontrar equilíbrios e
reafirmar éticas, mas aí também há fragilidades que se têm vindo
a acentuar e são difíceis de ultrapassar. O facilitismo académico
mina a credibilidade científica desde as famigeradas passagens
administrativas pós-revolucionárias até às licenciaturas e
doutoramentos light que vão criando classes inteiras de gente
insuficiente preparada e sobretudo humanisticamente pouco
habilitada.
Quando se apanham futuros juízes e procuradores no copianço
nos exames do Centro de Estudos Judiciários e se reduziram os
curricula universitários a mínimos sintéticos elidindo toda a
reflexão, bateu-se no fundo de qualquer coisa que é preciso
interpelar com urgência.
Quando se abrem noticiários de TV e se vê a mesma notícia
tratada da mesma maneira por quatro redações diferentes vale a
pena repensar o ensino do jornalismo e o papel dos órgãos
reguladores.
Até lá talvez seja prudente algum confinamento informativo e
muito critério na escolha do que vemos, ouvimos e lemos.
E já agora, escolher um advogado como se fosse um bom vinho.
Pelo ano e faculdade.
Mário Crespo

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Artigo do Jornalista Mário Crespo

  • 1. Escolher um advogado como um bom vinho Tem havido uma degradação progressiva da qualidade da informação em Portugal com consequências em toda a vida pública. Chegámos a uma situação em que agências de serviços mediáticos substituíram-se às redações próprias dos órgãos de comunicação social em grande parte da produção de notícias. Houve como que uma externalização do trabalho redatorial. Num ambiente de ausência de condicionantes deontológicas, essas agências produzem elementos de matéria aparentemente noticiosa ao sabor dos cadernos de encargos definidos por quem paga avenças. Os consultores de comunicação operam hoje abertamente, infiltrando os meios jornalísticos e acabando por orientar as escolhas de prioridades noticiosas, e mesmo os termos em que a descrição dos acontecimentos é feita. Em suma, constroem as narrativas que querem e distribuem-nas pela multiplicidade de plataformas que hoje influenciam as sociedades. E actuam sobre tudo. Marketing de mercadorias consumíveis, processos políticos, questões religiosas e, seguramente, a justiça. Com a profusão das redes sociais as fontes informais de matéria noticiável multiplicam-se e, nos últimos anos, obtiveram uma conquista assinalável. Os media tradicionais, por desleixo ou
  • 2. estratégia (provavelmente pelas duas coisas) ao repetir acriticamente o que aparece na net vão validando perigosas falsidades concebidas e orientadas para deturpar realidades. É hoje muito frequente ler-se na imprensa escrita ou ouvir-se na radio e TV que determinada personalidade está a ser “arrasada” nas redes sociais ou que “há um coro nas redes sociais” sobre determinado assunto, lançando-se a ideia de haver consensos gerais que, na verdade, não existem. E assim, uma crítica ou insinuação, na maior parte das vezes anónima, ou uma descrição de um acontecimento muito repetida vai ganhando consistência e aparência de veracidade em meios que ainda são tidos como credenciados pelo seu histórico e estatuto na produção de informação fiável. É o fenómeno das “Fake-News”, e não parece que esteja a haver resultado prático das tentativas de compliance por parte dos órgãos de informação tradicionais. As ferramentas que vão aparecendo em programas de fact- checking têm tido resultados grotescos e insuficientes para rebater ideias preconcebidas que se vão instalando, até se tornarem na tal “verdade aparente”. O poligrafo, como instrumento medidor de reacções do metabolismo humano, é falível. O seu transporte para os media dá resultados bizarros que apenas servem como complemento folclórico ao Reality-Show em que a informação mediatizada se tornou nos nossos dias. As agências de comunicação têm enormes centros operacionais que neutralizam as tentativas de fact-checking e que, penetrando nas redes sociais, vão impondo as versões que uma qualquer estratégia de momento determina. Encomendam-se hoje Likes do mesmo modo que se contratam cartazes, anúncios na TV ou panfletos comerciais. É tudo uma questão de preço e de algoritmos. O problema é saber onde está a propaganda e a verdade dos factos. Esta confusão em que as sociedades organizadas caíram levou ao caos no processo eleitoral americano e à invasão do Congresso em Washington por turbas sugestionadas pela propaganda emitida em curtas linhas de Twitter, Whatsapp ou Facebook.
  • 3. O efeito dessa propaganda ganha os seus contornos perversos com a retransmissão por órgãos de informação convencionais, numa ruidosa vozearia de aparências de verdade. Com estas técnicas conseguem mobilizar-se milhares de pessoas levando-as a praticar actos impensáveis como atacar o centro legislativo de uma democracia secular, votar em gente totalmente inadequada para governar ou condicionar decisões judiciais. E não é só na América. Soluções? Não me parece que haja nenhumas para já, num ambiente tão toxico como aquele que se desenvolveu e que propicia todo o género de excessos. A educação talvez seja uma via para reencontrar equilíbrios e reafirmar éticas, mas aí também há fragilidades que se têm vindo a acentuar e são difíceis de ultrapassar. O facilitismo académico mina a credibilidade científica desde as famigeradas passagens administrativas pós-revolucionárias até às licenciaturas e doutoramentos light que vão criando classes inteiras de gente insuficiente preparada e sobretudo humanisticamente pouco habilitada. Quando se apanham futuros juízes e procuradores no copianço nos exames do Centro de Estudos Judiciários e se reduziram os curricula universitários a mínimos sintéticos elidindo toda a reflexão, bateu-se no fundo de qualquer coisa que é preciso interpelar com urgência. Quando se abrem noticiários de TV e se vê a mesma notícia tratada da mesma maneira por quatro redações diferentes vale a pena repensar o ensino do jornalismo e o papel dos órgãos reguladores. Até lá talvez seja prudente algum confinamento informativo e muito critério na escolha do que vemos, ouvimos e lemos. E já agora, escolher um advogado como se fosse um bom vinho. Pelo ano e faculdade. Mário Crespo