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Cidney A. Surdi Junior
Doutorando em Educação pela Universidade de Bra-
sília, com pesquisas e publicações sobre a História
da Educação por competências. Possui Mestrado e
Graduação em Filosofia pela Universidade Federal do
Paraná. Atua como professor do ensino superior e bá-
sico há mais de 12 anos. É co-autor do livro infantil
Tomatinho no Jardim (2021), pela Editora Giostri. É
autor de livros da Coleção Aprender Filosofia por esta
Editora.
Direção
Robert Cunha
Edição
Bruno Borges
Revisão técnica
André Luiz Silva
Assessoria pedagógica
Anna Paula Pazetti Praxedes
Revisão de Texto
Regina Coelho
Coordenador de produção
Sérgio Viana C. Júnior
Editoração Eletrônica
Guilherme de M. Alencar
Guilherme Alencar
Capa / Projeto Gráfico
Guilherme de M. Alencar
Imagens e fotografia
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Surdi Junior, Cidney A.
Aprender filosofia : 8 / Cidney A. Surdi Junior. - 1. ed. - Brasília [DF] : Enovus,
2022.
114 p. ; 27 cm.
Apêndice
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-89188-15-5
1. Filosofia (Ensino fundamental) - Estudo e ensino. I. Título.
22-81210 			CDD: 107
			CDU: 373.3.016:1
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643
18/11/2022 23/11/2022
Procuramos, com empenho, identificar e indicar os créditos
de textos e de imagens utilizados nesta obra, com base no
que permite a Lei nº 9.610/98.
Caso haja eventuais irregularidades concernentes aos as-
pectos supracitados, colocamo-nos à disposição para ava-
liar situações e fazermos as devidas correções.
Imagens e textos publicitários e de propaganda presentes
nesta obra possuem apenas objetivos didáticos e não têm
como propósito incentivar o consumo.
Muitas pessoas sentem dificuldades ao ler livros ou textos sobre Filosofia. Isto pode
pode acontecer por vários motivos; seja por causa do vocabulário, dos conceitos abstra-
tos, pelo assunto, pela profundidade das explicações ou, até mesmo, por não conseguirem
acompanhar o raciocínio do filósofo. Não se deve deixar de considerar, porém, que muitas
das dificuldades aparecem porque a maioria dos leitores não fazem as perguntas corretas
ou adequadas ao contexto. Isto mesmo: pode-se fazer perguntas texto, ao livro e, quando
possível, ao filósofo!
Livros, geralmente, são registros do que pessoas pensaram, estudaram, elaboraram,
criaram ou experimentaram. É comum o autor não conseguir expressar, em palavras, tudo o
que deseja externar. Você sempre deve questionar: De onde o filósofo tirou isso? Que tipo
de experiência ele deve ter tido para escrever tais coisas?
No início, durante e ao final da leitura, pergunte a si mesmo: Qual é a questão que o
filósofo está buscando responder? Qual é o problema que está sendo tratado?
Não deixe de se indagar: Como o filósofo aborda essa questão? Qual é o seu estilo?
Quais são os seus principais argumentos? Quais são as palavras e ideias recorrentes?
Ao ler o texto, você sempre deve se perguntar: O que isso quer dizer na realidade? A
que isso corresponde na vida real?
Você conhece algum outro autor que já tratou da mesma questão? Ou este que você lê
é o primeiro a falar de tais assuntos? Quais são as semelhanças e as diferenças com aquilo
que você já sabe sobre o assunto? Houve acréscimo?
Seja bem-vindo à tarefa de construção de vários conhecimentos e, principalmente,
ao estudo de questões gerais e fundamentais à existência humana, que são atributos da
Filosofia.
Um abraço!
O autor.
Apresentação
Unidade I - Conhecimento humano						8
1
Capítulo
Opinião e conhecimento							11
		 Juízos de Fato e Juízos de Valor 12
		 As diferenças entre Opinião e Conhecimento 13
		
2
Capítulo
O Racionalismo de Descartes						16
		 O “novo caminho” de Descartes 17
		 A Dúvida Metódica e as Ideias Inatas 18
		
3
Capítulo
O Empirismo de John Locke							 21
		 O conhecimento para Locke 23
		 Nascemos como "uma folha em branco" 24
		
4
Capítulo
O conhecimento para Kant							26
		 A revolução de Kant 28
		 Razão, experiência e conhecimento 29
Unidade II - Filosofia e Política							34
5
Capítulo
Política e Poder									 37
		 Conceito de política 38
		 As formas de poder 38
6
Capítulo
O Estado para Hobbes e Locke						 42
		 Thomas Hobbes (1588 - 1670) 43
		 John Locke (1632 - 1704) 46
7
Capítulo
Rousseau e Adam Smith							48
		 Rousseau, "O Mito do Bom Selvagem" e o "O Contrato Social" 49
		 Adam Smith, Liberdade e Estado 51
8
Capítulo
Os Poderes para Montesquieu						 53
		 Montesquieu e a observação das sociedades 54
		 A liberdade e a Teoria dos Três Poderes 55
Unidade III - Pensamento autônomo						62
9
Capítulo
O valor das opiniões								65
		 Opiniões e Responsabilidade 66
		 Obstáculos para o pensamento próprio 67
10
Capítulo
Iluminismo										70
		 O Iluminismo 71
		 O projeto Enciclopédia 73
11
Capítulo
Pensadores iluministas								75
		 d’Alembert e Diderot: a razão como princípio 76
		 Voltaire: liberdade e tolerância 78
12
Capítulo
Sapere aude										80
		 Esclarecimento e maioridade 81
		 Coragem e uso público da razão 82
Unidade IV - Ética, Moral e Liberdade					88
13
Capítulo
Ética e Moral									91
		 Ações e decisões humanas 92
		 Definições de Ética e Moral 94
14
Capítulo
Virtude											98
		 "Uma andorinha sozinha não faz verão" 99
		 A noção de Virtude 99
15
Capítulo
Autocontrole e felicidade							103
		 Felicidade: meios e fins 104
		 O conceito de Autocontrole 106
16
Capítulo
Liberdade										108
		 Os obstáculos para a Liberdade 109
		 O livre-arbítrio 111
Referências bibliográficas							 117
Unidade
I
Conhecimento
humano
Capítulos
O conhecimento para Kant
O Empirismo de John Locke
O Racionalismo de Descartes
Opinião e conhecimento
Conhecimento humano 9
Se você olhar agora para a rua, é possí-
vel que enxergue algumas pessoas. Apesar
de nunca tê-las visto antes, você deve ad-
mitir que já tem muitas informações sobre
elas: sabe que usam as pernas para andar,
respiram e se alimentam como você, possi-
velmente, falam o mesmo idioma que você.
Sabe também que todas elas possuem suas
histórias de vida, têm preferências e gostos,
e muitos outros aspectos. Além disso, você
tem consciência de várias coisas que não
podem fazer: elas não podem voar batendo
as mãos, farejar igual a um cachorro, subir
as paredes igual a uma lagartixa, ficar muito
tempo sem respirar ou tomar água, etc.
Todos esses aspectos que você já sabe
são suficientes para dizer que conhece
aquelas pessoas? Parece que não. Qual é a
diferença do conhecimento que você tem
dessas pessoas e o que tem das pessoas da
sua família? Afinal, o que significa conhecer
algo ou alguém? Existem graus maiores ou
menores de conhecimento? Se existem, o
que determina a faculdade de se ter mais
ou menos conhecimento? O que diferencia
um conhecimento verdadeiro de um falso?
Qual é a diferença entre ter uma simples
opinião e ter um verdadeiro conhecimento
sobre algo? Será que só existe conhecimen-
to quando nós conseguimos explicar algu-
ma coisa? Enfim, o que os grandes filósofos
pensaram sobre isso?
Falar sobre conhecimento humano é
abordar um assunto amplo, que pode ser
tratado de diversas maneiras. Podemos
falar sobre o conhecimento humano por
meio das pesquisas sobre o funcionamento
do cérebro, com o uso das pesquisas antro-
pológicas, verificando como cada cultura
procura explicar o mundo em que vive. O
Shutterstock:
Kirasolly
10 Unidade I
conhecimento também é passível de explicações por meio da Biologia, da História, da Arte
e de várias áreas desenvolvidas pelo ser humano.
Porém, em se tratando de Filosofia, o que interessa é investigar as origens e os funda-
mentos daquilo a que chamamos conhecimento.
Na História da Filosofia, é possível encontrar um debate a respeito do conhecimen-
to humano que mereceu a atenção de importantes pensadores. Tal debate envolveu três
perspectivas: o Racionalismo, o Empirismo e o Criticismo. Cada uma dessas perspectivas
pode ser representada, respectivamente, por filósofos como René Descartes, John Locke
e Immanuel Kant. As investigações e reflexões desses pensadores oferecem explicações
sobre como nós conhecemos o mundo e quais são os limites das nossas capacidades cog-
nitivas. Estudar esse longo debate filosófico pode contribuir muito para aprofundarmos o
conhecimento sobre nós mesmos, o que podemos conhecer e o que, afinal, é conhecer
alguma coisa.
Isto é o que faremos nos próximos quatro capítulos desta unidade. No capítulo 1,
vamos estudar as diferenças entre opinião e conhecimento. No capítulo 2, estudaremos
a perspectiva racionalista do filósofo René Descartes sobre o conhecimento humano. No
capítulo 3, iremos estudar a perspectiva empirista do filósofo inglês John Locke, contrária à
de Descartes. Por fim, no capítulo 4, estudaremos a perspectiva do filósofo Immanuel Kant,
que busca uma conciliação entre as posições anteriores sobre o conhecimento humano.
Utilize o leitor de QR Code do seu celular para
assistir ao vídeo relacionado ao conteúdo, e responda
às questões a seguir.
1. Qual é a lição que o "Mito de Prometeu" pode nos dar sobre o conhecimento?
2. Qual é o significado e o benefício de se compreender o conhecimento humano?
Shutterstock:
SvetaZi
Opinião e conhecimento 11
Se o seu carro estragar, aonde você deve procurar ajuda? O mais indicado seria
numa mecânica, certo? Mas por que não procuramos ajuda no restaurante mais próxi-
mo? Por que não pedir o favor de algum garçom para dar uma olhada no motor? Bem,
seria muito estranho fazer isso. Por quê? Você saberia explicar, com clareza, por que é
mais indicado procurar um mecânico do que um garçom, nesse caso?
Se levarmos ao mecânico, não será absolutamente certo que ele irá consertar o
carro. Devemos admitir que existe possibilidade de não ser possível o conserto. Sendo
assim, preferimos levar o carro ao mecânico a procurar um garçom. Recorremos ao
mecânico porque, nesse caso, é a pessoa mais indicada para entender o problema do
carro. Sabemos que o mecânico não dará uma mera opinião sobre o motor, como tal-
Shutterstock: Studio Romantic
12 Capítulo 1
vez um garçom faria. Admitimos que o mecânico tenha mais conhecimento sobre o motor do
carro do que nós e o garçom.
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VGstockstudio
Esse exemplo basta para percebermos, facilmente, que existe uma grande diferença en-
tre opiniões e conhecimentos. Neste capítulo, vamos aprofundar essa diferenciação e com-
preender as devidas características do que venha a ser opinar e o que significa ter conheci-
mento aprofundado.
1 Juízos de Fato e Juízos de Valor
Aparentemente, a maioria das pessoas é capaz de per-
ceber a diferença entre alguém que diz “O bolo de fubá de-
veria fazer parte de todos os cafés da manhã” e alguém que
diz “O bolo de fubá foi introduzido no Brasil pelos portugue-
ses, na época da colonização, com a introdução do milho na
produção de alimentos”. Você conseguiria explicar a diferen-
ça entre essas duas sentenças? Não parece difícil perceber
que a primeira se trata de uma opinião pessoal e a segunda de uma descrição objetiva.
No entanto muitas conversas, debates e discussões geram dificuldades porque, comu-
mente as pessoas confundem essas duas coisas: opinião e conhecimento. Para começarmos
a esclarecer as diferenças entre opiniões e conhecimentos, vamos tratar de uma diferencia-
ção muito básica: a diferença entre Juízos de Fato e Juízos de Valor. O que vem a sua mente
ao ouvir a palavra juízo?
Juízo é a capacidade de avaliar, escolher, decidir e expressar verbalmente. Trata-se do
ato de julgar e avaliar alguma coisa, uma informação, um objeto ou uma situação. Por exem-
plo, quando alguém pergunta a um indivíduo “Qual é o seu juízo a respeito de tal situação?”,
está pedindo que o indivíduo avalie e julgue. Ou quando diz que “Fulano perdeu o juízo”,
está querendo dizer que fulano perdeu a capacidade de avaliar e decidir bem. Essa mesma
noção de juízo está presente na palavra juiz, aquele que avalia e emite um julgamento.
De modo básico, existem duas amplas classificações dos juízos. Vejamos.
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Opinião e conhecimento 13
Juízos de Fato: são afirmações que pretendem descrever, factualmente, os aspectos
da realidade. Estes juízos são afirmações objetivas, que não envolvem percepções ou valo-
res individuais.
Por exemplo, simples afirmações como “A chuva molha”, “O fogo queima”, “O tempo
passa”, são expressões que estão descrevendo a realidade de maneira objetiva, factual.
Juízos de Valor: são avaliações realizadas a partir de valores, percepções e gostos indi-
viduais. Esses juízos envolvem avaliações subjetivas.
Por exemplo, “O frio é péssimo”, “O calor é ótimo”, “A Filosofia Moderna foi um retro-
cesso”, “A Filosofia Moderna foi um avanço”, são afirmações que envolvem percepções e
valores individuais, pois há um valor atribuído ao objeto analisado.
2 As diferenças entre Opinião e Conhecimento
Para organizar e aprofundar a compreensão sobre as diferenças en-
tre opinião e conhecimento, podemos utilizar a classificação criada pelo
pensador americano Mortimer J. Adler (1902-2001).
Filósofo e educador americano, nascido em Nova York, Adler se des-
tacou como um pensador e escritor muito popular. Suas obras chamaram
atenção pela clareza da linguagem empregada. Durante muito tempo,
Adler se dedicou a divulgações dos grandes clássicos da civilização oci-
dental. Dentre suas muitas obras, se destacam Como Ler Livros (1940) e
Como pensar sobre as Grandes Ideias (2000).
De acordo com Mortimer Adler, há quatro critérios para estabelecermos a diferença en-
tre opinião e conhecimento. Mas atenção! Esses critérios não são regras matemáticas para
serem aplicadas estritamente. Relacionam-se a quatro dicas que podem tornar as diferenças
entre opinião e conhecimento mais claras, porém isso não exclui as dificuldades que possam
aparecer. Vejamos.
Validade Universal
O primeiro critério a considerar sobre uma informação recebida é verificar se ela é
válida ou não para todas as pessoas. Opiniões podem ou não serem aceitas por todos, pois
envolvem percepções e valores pessoais. Mas conhecimentos são informações que apelam
para uma validade universal: não são apenas percepções individuais. Analise as frases:
Cesta básica tem queda de 1,43%, revela pesquisa do Procon
A Filosofia não é ciência e está fadada a desaparecer, afirma pesquisador
A primeira frase é uma informação válida para todas as pessoas, pois apela para a
validade universal, não é apenas um ponto de vista ou percepção individual. Não se trata
de uma opinião, mas de uma informação que serve de conhecimento. Já a segunda frase
envolve a possibilidade de contestação ou discórdia, pois trata-se de uma perspectiva indi-
vidual, ainda que bem fundamentada.
Wikimedia
-
Centro
para
o
Estudo
das
Grandes
Ideias
/
CC
BY-SA
3.0
14 Capítulo 1
Grau de Certeza
O segundo critério a considerar é o grau de certeza sobre a informação. Normalmen-
te, se o grau for alto, trata-se de uma informação mais objetiva, portanto mais passível de
ser um conhecimento. Se o grau de certeza for baixo, trata-se de uma opinião.
Analise as manchetes:
Veja as profissões que podem acabar até 2030. Veja o que dizem especialistas em merca-
do de trabalho
Pesquisas comprovaram que atividade física frequente aumenta o fluxo sanguíneo cere-
bral, aumentando a atividade dos neurotransmissores
Qual é o grau de certeza que podemos ter dessas informações? A primeira frase trata
de uma previsão: não sabemos o que exatamente irá acontecer nos próximos anos com
relação ao mercado de trabalho, ainda que um especialista faça suas apostas. Nesse caso,
podemos dizer que o grau de certeza é baixo, o que configura mais uma opinião do que um
conhecimento. Já a segunda frase anuncia estudos que podem demonstrar os impactos da
atividade física no cérebro; não são apenas suposições ou previsões de cientistas, mas uma
informação com maior grau de certeza.
É razoável discordar?
O terceiro critério diz respeito ao direito de discor-
dar. Normalmente, entramos em conflito diante de opini-
ões: não diante de conhecimentos, pois estes estão cer-
tos ou errados. Podemos entrar em conflito ou disputa
por opiniões políticas, artísticas, esportivas, etc. Mas não
faz muito sentido entrar em conflito diante de Juízos de
Fato. Não falamos que conhecimentos são conflitantes da
mesma forma que as opiniões o são. Leia as frases:
- A penicilina age impedindo que as bactérias formem uma parede celular.
- Grave acidente em posto de gasolina poderia ter sido evitado.
Considere a primeira frase sobre a penicilina. Faz sentido entrarmos em conflito a res-
peito da afirmação? A não ser que você tenha diferentes informações sobre a penicilina,
demonstrando que a afirmação está errada, não faz sentido levantar uma opinião ou per-
cepção individual diferente. Já a segunda frase apresenta uma percepção individual: a pes-
soa que apresentou a afirmação considera a hipótese de que o acidente poderia ter sido
evitado. Trata-se de uma perspectiva, diante da qual podem ser levantadas outras opiniões,
o que pode gerar um conflito de posições pessoais.
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Opinião e conhecimento 15
Consenso (entrar em acordo)
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O quarto critério para diferenciarmos opinião de conhecimentos é o consenso. A per-
gunta a ser feita aqui é: "Podemos entrar em acordo ou desacordo sobre esta informação?"
Se for possível, provavelmente trata-se de uma opinião. Se não for possível, provavelmente
trata-se de um conhecimento. Só deve haver concordância ou discordância com relação a
opiniões; conhecimentos estão certos ou errados.
Veja as manchetes a seguir.
Pesquisa revela crescimento de 74% dos alunos de pós-graduação no país
Confira a lista dos melhores restaurantes de cozinha variada em Brasília
A primeira frase é uma manchete que anuncia uma pesquisa quantitativa. A menos
que você tenha informações contrárias e suficientes para contradizer a pesquisa, trata-se
uma informação que não se presta à discordância ou concordância. Ou está certa, ou está
errada. Já a segunda frase, sobre os restaurantes, demonstra um ponto de vista, pois quali-
fica os restaurantes como melhores. Você pode verificar esses restaurantes e concluir que a
lista faz sentido. Pode também discordar de todas ou de algumas indicações da lista. Nesse
caso, como se trata de uma afirmação na qual cabe acordo, trata-se de uma opinião.
1. Escreva a definição de Juízo.
2. Diferencie “Juízo de Fato” de “Juízo de Valor”.
3. Descreva os quatro critérios para diferenciar opinião de conhecimento, segundo
Mortimer Adler.
4. Aponte a principal característica do critério “Consenso” para diferenciar opinião de
conhecimento.
5. Utilizando o critério de “Validade universal”, descreva a diferença entre opinião e
conhecimento.
Em 1994, na Universidade Iowa, EUA, cientistas desenvolveram um experimento
para investigar como tomamos decisões diante de desafios. O experimento consistia
no seguinte:
Imagine que você seja convidado para um jogo de cartas. Na sua frente, estão
quatro maços de cartas: dois de cartas azuis, dois de cartas vermelhas. Você é infor-
mado que cada carta tirada poderá lhe render algum dinheiro. A sua tarefa é virar as
cartas, uma de cada vez, de qualquer maço que você desejar, e tentar aumentar os
seus ganhos o máximo que puder. Porém o que você não sabe é que os maços verme-
lhos contêm cartas com prêmios pequenos e prejuízos muito grandes em dinheiro; já
Wikimedia © Domínio Público
O Racionalismo de Descartes 17
os maços azuis, contêm cartas com prejuízos pequenos e prêmios altos em dinheiro. A grande
questão é: Quanto tempo você levaria para descobrir essa regra?
A experiência mostrou que, em geral, depois de
virar 50 cartas, a maioria das pessoas tinha um pres-
sentimento, ou seja, surgia uma breve desconfiança de
que era melhor virar as cartas dos maços azuis. Porém
elas não sabiam explicar exatamente o porquê dessa
desconfiança. Somente depois de virar em 80 cartas,
quase todas as pessoas anunciavam que haviam des-
coberto exatamente a regra do jogo e paravam de virar
essas cartas.
Ocorre que existia um elemento a mais nessa experiência: nas mãos dos participantes
haviam sido instalados eletrodos que mediam a atividade das glândulas sudoríparas na pele.
Uma máquina que media o suor das mãos enquanto as pessoas realizavam a tarefa (considere
que a atividade das glândulas sudoríparas está relacionada ao estresse).
Os cientistas descobriram que as pessoas começavam a apresentar suor nas mãos e a
mudar seu comportamento a partir da 10ª carta! Ou seja, muito antes de começarem a des-
confiar da regra do jogo (depois de 50 cartas), já começavam a decifrar a regra, quase que
inconscientemente! Isso significa que elas passavam a tomar decisões corretas muito antes de
terem consciência do que realmente estava acontecendo.
Essa experiência levanta algumas questões importantes: O que, de fato, pode ser con-
siderado conhecimento? Conhecimento é apenas aquilo que conseguimos explicar? Conhe-
cimento é apenas aquilo que é claro e evidente? Há alguma dimensão do conhecimento que
deve ser admitida como nebulosa? Podemos ter conhecimentos corretos mesmo de modo
inconsciente? O que é conhecer alguma coisa? O que é um conhecimento verdadeiro?
Procurar saber quais são as origens, os limites e os fundamentos daquilo a que chama-
mos "conhecimento verdadeiro" foi objeto de investigação de muitos filósofos, no início da
Modernidade, entre os séculos XVI e XVII. Um dos pensadores de maior destaque daquele
momento foi René Descartes (1596-1650). Vejamos como as contribuições de Descartes po-
dem nos ajudar a compreender um pouco mais sobre o conhecimento humano.
1 O “novo caminho” de Descartes
René Descartes (1596-1650) é considerado um dos mais destacados
filósofos da Modernidade. Teve contribuições nas áreas de Matemática,
Álgebra, Física e Filosofia. O seu lugar na História da Filosofia marca um
ponto de grandes mudanças e rupturas com a Idade Média.
Quando tinha oito de anos idade, seu pai o colocou no colégio jesuíta
Royal Henry-Le-Grand, em La Flèche, um dos colégios mais prestigiados da
França. Ali, Descartes permaneceu por 9 anos como estudante. Ainda que,
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Canas
Arango
18 Capítulo 2
posteriormente, tenha seguido seus estudos na Universidade de Poitiers, formando-se em Di-
reito, Descartes ainda se recordaria, anos depois, das suas impressões sobre o ensino recebido
no colégio em La Flèche. O modo como a Filosofia era ali ensinada causou no pensador im-
pressões negativas: para Descartes, as polêmicas e discussões filosóficas pareciam nunca sair
do lugar. Este teria sido um dos grandes motivos para o surgimento das reflexões filosóficas de
Descartes: buscar um caminho novo ou um novo método que tornasse possível alcançar um
conhecimento seguro e inabalável sobre a realidade, para que, desse modo, a Filosofia avan-
çasse.
Descartes observou que, enquanto a matemática e as demais ciências prosperavam e
se desenvolviam, a Filosofia permanecia envolvida com as mesmas questões, desde o seu
início. E isso incomodava Descartes. Como seria possível que não tivéssemos progredido em
Filosofia? Descartes considerava que era necessário buscar um grau de certeza e segurança na
Filosofia, como acontecia nas outras ciências e, principalmente, na Matemática.
No início de sua obra O Discurso do Método (1637), Descartes afirmou:
“O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada: pois cada um
pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em
qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. Não é ver-
dade que todos se enganem nesse ponto: antes, isso mostra que a capacidade
de julgar bem, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se
chama de bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens; e,
assim, que a diversidade de nossas opiniões não se deve a uns serem mais ra-
cionais que outros, mas apenas que conduzimos nossos pensamentos por vias
diversas e não consideramos as mesmas coisas”.
Essa diversidade de opiniões, que tantas dúvidas e equívocos produzia, de acordo com
Descartes, deveria ser corrigida. E o caminho para isso era buscar uma correta e acertada
orientação para a razão. Tal ideia foi desenvolvida em obras como Regras para a Direção do
Espírito (1629) e Discurso do Método (1637), livros que se tornaram clássicos em Filosofia.
Vejamos, a seguir, como Descartes entendia as origens e o funcionamento do conhecimento
humano.
2 A Dúvida Metódica e as Ideias Inatas
O método criado por Descartes ficou conhecido
como Dúvida Metódica e tinha por objetivo estabelecer
um critério seguro para buscar conhecimentos verdadei-
ros e não enganosos.
O método consistia em duvidar de tudo o que ele
conhecia para, ao final, verificar se alguma coisa sobrava.
Primeiro, Descartes começou por considerar a possiblida-
de de que todos os seus conhecimentos e as informações
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pathdoc
O Racionalismo de Descartes 19
adquiridas teoricamente fossem falsos. Depois, começou a duvidar de todos os
conhecimentos e informações obtidas pelos sentidos, já que podemos nos enganar
ao olhar ou tocar em alguma coisa.
Levando o experimento ao extremo, Descartes colocou tudo em dúvida e se
perguntou: "Se eu duvidar de todas as coisas possíveis, qual é a única coisa de que
eu não posso duvidar?". A sua conclusão foi: "Eu posso duvidar de muitas coisas,
de quase tudo. Porém a única coisa que eu não posso colocar em dúvida é que sou
eu quem está duvidando, sou eu que, por meio do pensamento, exerço a dúvida.
Se eu estou duvidando de todas as coisas, eu não posso duvidar de que sou eu que
estou duvidando". Portanto, o fato de eu estar pensando é certo e seguro, não
pode ser duvidado. Descartes havia chegado a um limite, a uma certeza inegável,
do mesmo nível que 2 mais 2 são 4. A primeira grande certeza que Descartes des-
cobriu foi a da sua existência: "Penso, logo existo", diria Descartes.
A segunda grande consideração de Descartes é que a primeira conclusão não
foi obtida por intermédio dos sentidos, mas por meio da razão, do raciocínio. As-
sim, Descartes identificou que o caminho para se chegar a verdades seguras e ina-
baláveis, tanto nas ciências como na Filosofia, não pode se basear, exclusivamente,
nos cinco sentidos e nas experiências, pois estes podem nos enganar. A busca por
conhecimentos seguros e verdadeiros deve ter como base exclusivamente a ra-
zão. Devemos considerar como conhecimento apenas aquilo que for obtido pelo
caminho claro, irrefutável e explicável de modo racional. Eis o motivo pelo qual
Descartes é conhecido como um filósofo racionalista; defende que o caminho para
a verdade deve ser exclusivamente racional.
Utilize o leitor de QR Code do seu
celular para assistir ao vídeo Penso, logo
existo, relacionado ao conteúdo, e res-
ponda às questões a seguir.
1. O que levou Descartes a uma depressão profunda?
2. Quais são as quatro regras para chegarmos à Verdade?
A terceira grande característica do pensamento de Descartes diz respeito ao
modo como obtemos as nossas ideias. Descartes defendia a existência de três ti-
pos de ideias: as Ideias Inatas, que não são adquiridas pela experiência, mas já
nascem conosco, como capacidade lógica e racional; as Ideias Adventícias, que
são obtidas pela experiência prática, como resultado da nossa experiência com
o mundo e as Ideias Factícias, que são formadas pela imaginação, com base em
ideias anteriores.
20 Capítulo 2
Dos três tipos de ideias, Descartes considerava que o erro e o engano estariam muito
presentes nas Adventícias e nas Factícias, pois são ideias que surgem das experiências. As
únicas ideias que podem nos indicar o conhecimento verdadeiro são as baseadas na raciona-
lidade, as Ideias Inatas. O que Descartes estava querendo dizer era que, de fato, recebemos,
pelas experiências, muitas informações, como, por exemplo, quando vemos que o dia está
nublado. No entanto só podemos chamar de conhecimento verdadeiro a explicação racional
dessa experiência e não a experiência de olhar o dia nublado. Descartes defendia que o co-
nhecimento verdadeiro e seguro só pode estar na explicação racional, pois a experiência e os
sentidos podem nos enganar.
Descartes foi um filósofo que buscou compreender quais são as origens do conhecimen-
to verdadeiro. Suas reflexões o levaram a concluir que o caminho racional é o mais seguro,
portanto as ciências e a Filosofia deveriam sempre privilegiar raciocínios lógicos e evidentes
ao analisar a realidade. Nada do que fosse nebuloso, confuso ou inexplicável deveria ser ad-
mitido como verdade.
Você se lembra do experimento das cartas, relatado na introdução deste capítulo? Como
Descartes explicaria o experimento? Para Descartes, haveria conhecimento verdadeiro sem a
clareza racional e explicativa? Descartes aceitaria como conhecimento apenas a desconfiança
confusa surgida depois de 50 cartas? O que você pensa a respeito disso?
1. Com relação ao experimento das cartas, da Universidade de Iowa, responda:
a) Qual era a regra que os participantes deveriam descobrir?
b) Com quantas cartas os participantes começavam a desconfiar da regra?
c) Com quantas cartas os participantes demonstraram certeza da regra do jogo?
d) Qual era o elemento adicional da experiência e o que ele revelou?
2. A respeito das reflexões filosóficas de Descartes, cite o principal incômodo quando
ele comparava a Filosofia com outras áreas do conhecimento e o que deveria ser feito.
3. Descartes se dedicou a compreender como obtemos nossas variadas ideias. Diferen-
cie Ideias Inatas, Adventícias e Factícias.
4. Escreva o significado de Ideias Inatas.
5. Descartes buscou compreender as origens do conhecimento verdadeiro. Apresente a
conclusão a que ele chegou.
21
O Empirismo de John Locke
Em 1983, um negociante de arte procurou o Museu Paul Getty, na Califórnia,
EUA, para vender uma estátua grega de mármore, datada do século VI a.C.. A está-
tua seria de um kuoros, escultura que representa um jovem grego. O negociante a
teria achado em uma coleção particular de um médico suíço que, por sua vez, a teria
comprado de um comerciante de arte grego. Agora, o negociante pedia cerca de 10
milhões de dólares pela peça.
Os diretores do museu ficaram interessados. Sendo assim, resolveram abrir uma in-
vestigação para apurar a procedência da estátua, como normalmente faziam. Um geólo-
go, contratado para examinar a peça, realizou procedimentos químicos e concluiu que se
tratava, realmente, de uma peça muito antiga. Um ano e meio depois, o museu resolveu
comprar a estátua e, então, ela foi exibida ao público.
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22 Capítulo 3
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Ricardo
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Com o tempo, conhecedores de arte visitaram o museu e, ao verem a estátua, tiveram re-
ações estranhas. Evelyn Harrison, uma das maiores especialistas em escultura antiga, relata que
quando olhou a escultura, pela primeira vez, teve uma “sensação de que algo estava errado”.
Arthur Houghton, outro grande especialista americano em arte, também relata que quando
viu a escultura, imediatamente percebeu que “alguma coisa não estava certa”, algo não parecia
verdadeiro.
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Novas investigações começaram a ser realizadas. Descobriu-se que os documentos de ori-
gem da estátua eram falsos. Além disso, surgiram novas versões sobre os experimentos quími-
cos realizados, mostrando que era possível especialistas envelhecerem o mármore e dar apa-
rência de antigo. Muito provavelmente, a estátua era uma falsificação. O fato é que surgiram
tantas dúvidas em relação à autenticidade, que o Museu resolveu colocar a seguinte anotação
perto da estátua: “Cerca de 530 a.C. ou falsificação moderna”.
É possível que para muitas pessoas comuns que viram a estátua, aquele estranhamento
sentido pelos especialistas não tenha surgido. No entanto, para os especialistas, algo pareceu
estranho, ainda que eles não tenham sido capazes de explicar com exatidão. A questão aqui é:
com base em que aqueles especialistas chegaram ao estranhamento? No mundo das artes, os
chamados “conhecedores” são pessoas que possuem uma longa e vasta experiência com obras
de arte. De tanto conhecerem, visitarem e estudarem obras de arte, possuem credibilidade
quando realizam seus julgamentos. Em suma, são pessoas que têm muita experiência na área.
23
O Empirismo de John Locke
Até que ponto a experiência é fundamental e determinante do nosso conhecimento? Quan-
to das nossas ideias e pensamentos possuem origem nas nossas experiências sensíveis, por meio
dos cinco sentidos? Quanto das nossas ideias e pensamentos são apenas criações racionais? Mais
uma vez, quais são as origens das nossas ideias e conhecimentos?
Outro pensador que se dedicou a investigar essas questões foi o inglês John Locke. Este pen-
sador teve contribuições de diferentes áreas do conhecimento, especialmente na Política e na
Filosofia. Com relação ao conhecimento humano, suas conclusões se destacaram por serem opos-
tas ao pensamento de Descartes, pensador estudado no capítulo anterior. Vejamos quais foram
as contribuições de Locke para aprofundarmos a compreensão sobre o conhecimento humano.
1 O conhecimento para Locke
John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês que teve destaque
em investigações sobre política, sociedade e as origens do conhecimento
humano. Em uma de suas principais obras, Ensaio sobre o Entendimento
Humano (1689), o filósofo defendeu explicações que vão no sentido con-
trário ao posicionamento de Descartes. Locke pode ser classificado como
um pensador empirista, isto é, defendia que a fonte ou origem de todo o
conhecimento humano está na experiência por intermédio dos cinco sen-
tidos. Locke também ficou conhecido como "O pai do Liberalismo", teoria
que defende a liberdade do cidadão e o papel mínimo do Estado.
Locke nasceu em 1632, em Wrington, Inglaterra. Em 1652, ingressou no colégio da Uni-
versidade de Oxford. Aos 28 anos, tornou-se professor de grego e retórica naquela universi-
dade. Estudou a filosofia de Descartes durante alguns anos e teve contato com Isaac Newton.
Era contra o Absolutismo Monárquico que existia na Inglaterra de sua época, motivo que o
levou a ter de se exilar, em 1683, na Holanda. Depois de 1689, a Monarquia Constitucional foi
estabelecida na Inglaterra, e Locke ajudou a redigir a Declaração dos Direitos Naturais.
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lacionado ao conteúdo, e responda às questões a
seguir.
1. Qual foi a ideia de Descartes a qual John Locke se opôs fortemente?
2. Quais são as duas fontes de todas as ideias, segundo John Locke?
Enquanto Descartes defendia que a única fonte segura para a busca do conhecimento
verdadeiro era a razão, Locke entendia que era a experiência, por intermédio dos cinco sen-
tidos, a origem das nossas ideias e conhecimentos verdadeiros.
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24 Capítulo 3
Os racionalistas, como Descartes, entendiam que só podemos chamar de conhecimento
verdadeiro a explicação racional de alguma coisa que observamos. Se abrirmos nossa janela e
percebermos que há cerração, este é um fenômeno que observamos com nossos olhos. Des-
cartes não negaria que apenas através da visão é que podemos perceber que há cerração. No
entanto, para os racionalistas, a verdade não estaria na visão da cerração, e sim na explicação
racional que podemos obter do fenômeno. John Locke pensava o contrário: a verdade estaria
justamente na experiência de ver o fenômeno, não na justificação racional.
Se investigarmos de onde vieram todas as nossas ideias e conhecimentos, rastreando as
origens e os caminhos que trilhamos até chegarmos às nossas ideias, John Locke diria que, lá
no princípio, tudo começou com a experiência existente por meio dos cinco sentidos.
Imagine que, quando crianças, tivemos a oportunidade de experimentar um limão e uma
laranja; depois, um pouco de sorvete, uma carne salgada e uma manga. Todas essas sensações
foram sendo registradas em nossa mente. Com o tempo, aprendemos a dar certos nomes
àquelas sensações: azedo, doce, salgado, amargo e outros. Com o passar do tempo e desen-
volvendo mais as nossas capacidades, aprendemos que todas essas palavras poderiam ser
resumidas em apenas uma: sabor. John Locke diria que se rastreássemos a origem da palavra
sabor, por exemplo, chegaríamos às sensações recebidas pelos cinco sentidos.
Locke explicava que essas experiências, que vão sendo registradas e acumuladas em nos-
sa memória, dão origem às chamadas ideias simples. Por exemplo, azedo, doce, salgado e
amargo seriam ideias simples, pois sua origem direta é a experiência pelos sentidos. Com o
acúmulo dessas experiências, as ideias simples podem ser agrupadas em ideias mais elabo-
radas e abstratas, as quais Locke chama de ideias complexas. Neste caso, sabor seria consi-
derado uma ideia complexa, pois agrupa as ideias simples de azedo, amargo, doce, salgado
e outros. Este seria o processo básico de todo o nosso conhecimento: a experiência sensível
(por meio dos cinco sentidos) é a fonte das nossas ideias e conhecimentos. Portanto, é pre-
ciso confiar na experiência.
2 Nascemos como "uma folha em branco"
Diferentemente do pensador francês René Descartes, que
acreditava ser a explicação racional a fonte dos nossos conhe-
cimentos verdadeiros, segundo Locke a razão era a capacida-
de de organizar as informações vindas da experiência. Locke
defendia que era necessário considerarmos as experiências
como a fonte de nossas ideias e não acreditarmos que ape-
nas a razão nos mostrará o caminho da verdade. É necessá-
rio que o conhecimento tenha comprovações na experiência
real. Não terão valor as explicações racionais sobre o mundo
se não houver comprovações por meio da experiência direta.
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25
O Empirismo de John Locke
Nesse sentido, John Locke discordava das Ideias Inatas, defendidas por Descartes. Para
Locke, não há possibilidade de alguém nascer com certas ideias, mas tudo vem das nossas
experiências. De acordo com Locke, nascemos como se fôssemos, uma folha em branco,
sem nenhuma ideia ou noção. Somente com o tempo, acumulamos experiências que vão
sendo registradas nessa "folha". São as experiências que irão determinar as nossas ideias e
conhecimentos, e não ideias que já nascem conosco.
Por essa razão, podemos entender John Locke como um pensador representante do Em-
pirismo (palavra que vem do latim empiria, que significa experiência).
Você se lembra do caso da estátua do Museu Paul Getty, relatada na introdução deste
capítulo? Pois bem, como John Locke explicaria o estranhamento que os especialistas em
arte sentiram diante da estátua? Ainda que não soubessem explicar, com exatidão, de onde
os especialistas tiraram seus julgamentos, com base em que os especialistas puderam avaliar
como estranhas aquelas estátuas? O que, afinal, John Locke diria sobre isso?
Considere que o conhecimento, para Locke, é o resultado do acúmulo das experiências.
Podemos entender que o conhecimento dos especialistas é o resultado de muitas experiên-
cias, vivências, pesquisas e percepções sobre artes, em especial, estátuas. Por isso, ao colo-
carem os olhos na suposta estátua grega, algo causou estranhamento na hora de julgarem
a estátua. Provavelmente, John Locke diria que tal situação não surgiu de processos lógicos
ou racionais, mas tão somente da experiência com arte, acumulada ao longo dos anos. Você
conseguiria pensar de modo diferente de Locke? Seria capaz de propor outra explicação para
esse caso?
1. Descreva o motivo pelo qual os especialistas em arte desconfiaram de que a estátua
kuoros poderia ser falsa.
2. Descreva qual é a fonte dos conhecimentos humanos, de acordo com John Locke.
3. De acordo com Locke, nossas experiências vão sendo acumuladas e dão origem a
certas ideias. Escreva a definição de Ideias simples.
4. Escreva a definição de Ideias complexas.
5. Descreva o significado da frase “Nascemos como 'folhas em branco'”, de acordo com
Locke.
Em 2011, pesquisadores do hospital Schillerhoehe, em Gellingen, Alemanha,
realizaram um experimento para verificar a capacidade olfativa dos cachorros. Os
cientistas treinaram os cães para farejar células cancerígenas, expondo os ani-
mais ao cheiro de tumores. Depois, os pesquisadores pediram que pessoas com
câncer de pulmão em estágio inicial soprassem em tubos de ensaio, que eram
tapados em seguida. Os animais foram treinados para, assim que sentissem o
determinado cheiro, sentassem. Diante da experiência com os tubos de ensaio,
os cachorros acertaram em 70% dos casos. Ainda que os resultados sejam usados
para investigações sobre diagnósticos de câncer, o experimento mostrou a grande
capacidade olfativa dos cães.
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27
O conhecimento para Kant
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Você sabia que os cães possuem cerca de 120 a 300 milhões de células olfativas dentro
do nariz, enquanto nós possuímos apenas seis milhões? É uma grande diferença, certo? E o
que dizer dos ursos, que possuem cerca de três bilhões de células olfativas? Bem, isto significa
que humanos, cães e ursos possuem diferentes capacidades de perceber cheiros. Então, qual
é o verdadeiro cheiro das coisas? É o que nós percebemos? É o que os cães percebem ou os
ursos percebem?
Você já foi a um parquinho cheio de crianças brincando?
Se foi, provavelmente já ouviu aqueles gritos altos e estriden-
tes de rachar taças de cristal, não é isso mesmo? Ainda que
esses gritos possam fazer doer os nossos ouvidos, saiba que
os morcegos sequer os ouvem. A maior frequência possível
dos sons que nós produzimos (cerca de 1.100 Hertz) quase
não é captada pelos ouvidos dos morcegos. Assim como a
maioria dos sons que os morcegos emitem (sons de 10 mil
Hertz a 120 mil Hertz) não é captado pelos nossos ouvidos.
Isto significa que nós e outros animais possuímos capacida-
des diferentes de emitir e captar certas frequências de sons.
Então a pergunta que cabe é: Qual é o som verdadeiro das
coisas? É o que nós ouvimos? É o que os morcegos ou cachor-
ros ouvem? Até que ponto, afinal, podemos conhecer o real som das coisas? Será possível
determinar?
No fundo, todas essas questões apontam para uma grande pergunta: "O que podemos
conhecer da verdade existente?" Esta dúvida esteve presente nas investigações de muitos
filósofos que se dedicaram a entender como funciona o conhecimento humano. Nos capítu-
los anteriores, estudamos dois pensadores que se destacaram nesse debate: Descartes, com
sua defesa do conhecimento racional, e John Locke defendendo o conhecimento por meio da
experiência. Este debate entre razão e experiência como fontes do conhecimento humano
chegou ao século XVIII, até que um dos mais importantes pensadores da Filosofia Moderna
tratou do assunto, o filósofo Immanuel Kant. Vejamos o que podemos aprender com as refle-
xões de Kant sobre o conhecimento.
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Ser humano
Golfinho
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28 Capítulo 4
1 A revolução de Kant
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu, viveu e morreu na cidade de
Königsberg, antiga cidade do Império da Prússia (atualmente a cidade
virou Kaliningrado, que faz parte da Rússia). Conta-se que Kant levou
uma vida muito tranquila, sem viagens ou mudanças de sua cidade na-
tal. Quando jovem, ingressou no colégio Friedricianum, uma escola cristã.
Neste colégio, Kant se destacou nos estudos e foi encaminhado pelo di-
retor à Universidade de Königsberg. Na universidade, seguiu estudos em
Filosofia. Em 1747, depois da morte do pai, Kant se viu obrigado a deixar
a universidade e trabalhar como professor particular para ganhar a vida.
Durante esse período, continuou estudando e publicando suas obras, até
que a Universidade conferiu-lhe um diploma de conclusão, o que lhe per-
mitiu se tornar professor na universidade. Kant dedicou a sua vida aos
estudos e ao ensino universitário, até falecer em 1804. Em meio às suas várias obras, se destacam
a Crítica da Razão Pura (1781), onde tratou sobre as origens e limites do conhecimento humano, e
a Crítica da Razão Prática (1788), onde tratou da orientação racional dos nossos comportamentos
éticos e morais.
Kant é considerado um dos principais filósofos da Modernidade, tendo contribuições sobre
o conhecimento humano, ética e moral, estética, História e ciências, além de ter sido um dos pen-
sadores fundamentais do chamado Movimento Iluminista europeu.
***
Os racionalistas, representados pela figura de Descartes, defendiam que o conhecimento
verdadeiro só pode vir das explicações e deduções racionais, ou seja, apenas o raciocínio lógico
deve servir como última prova do conhecimento. Os empiristas, representados pela figura de John
Locke, defendiam que o conhecimento verdadeiro deve ter como fundamento a experiência por
meio dos sentidos, ou seja, a experiência deve ser a prova final da verdade. Foi Kant quem procu-
rou resolver precisamente esse debate.
Uma revolução em Filosofia
Antes de Kant, muitos filósofos entendiam que as coisas possuem uma essência, e que o
conhecimento verdadeiro era buscar essa essência, aquilo que faz que algo seja o que é. Quando,
por exemplo, Platão se perguntava o que faz um cavalo ser um cavalo, ele estava perguntando pela
essência que definia o que é um cavalo, e não sobre seus aspectos adicionais. O mesmo proce-
dimento acontecia em todas as esferas do conhecimento humano: saber o que é Política requer
buscarmos a essência dessa atividade; saber o que é o ser humano, requer investigar qual é a
essência deste ser; saber o que é a natureza exigia o mesmo procedimento. Isto tudo quer dizer
que, ao longo da História da Filosofia, quando se falava em conhecimento (um sujeito conhecendo
um objeto), sempre se considerou como o centro das atenções o objeto, isto é, aquilo que estava
sendo conhecido.
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29
O conhecimento para Kant
Kant propôs que esta lógica fosse invertida. Perguntou-se o filósofo: "As coisas não mudariam
se o centro das atenções fosse o sujeito?" Ao invés de perguntar o que podemos conhecer dos ob-
jetos (ou seja, a sua essência), deveríamos nos perguntar sobre o que a nossa capacidade permite
conhecer dos objetos. De acordo com Kant, nós talvez nunca saibamos o que o objeto é em si mes-
mo, mas podemos investigar o que nós, por meio da nossa capacidade mental, podemos conhecer
das coisas. Por exemplo: Qual seria a verdadeira cor das plantas, a que nós percebemos ou o que
as abelhas percebem? Kant diria que essa não é a pergunta correta. Devemos nos perguntar o que
nos é possível ver por meio da nossa estrutura de conhecimento, pois fora disso, simplesmente
não temos como conhecer verdadeiramente nada. Essa atitude de inverter as explicações fez que
Kant achasse uma solução para o debate entre Racionalismo e Empirismo.
2 Razão, experiência e conhecimento
Kant propôs que o conhecimento humano é o justo resultado dessas duas perspectivas: es-
trutura racional e experiência. Para tudo o que vamos conhecer, já podemos saber, antes da ex-
periência, que existem certas condições: todo conhecimento se dará no espaço, no tempo e será
organizado de modo racional. Estes seriam os pré-requisitos racionais para todo conhecimento
possível. Kant denominava isso de as formas a priori do conhecimento, (a priori significa o tipo de
conhecimento que ocorre apenas por intermédio da razão, sem o acréscimo da experiência).
Mas para que o conhecimento aconteça de fato, necessitamos de um material, uma subs-
tância na qual aquelas formas a priori sejam aplicadas, isto é, necessitamos da experiência como
preenchimento. Essa experiência se dará por intermédio dos nossos sentidos, como explicavam
os empiristas. As informações que nos chegam pela experiência são organizadas pelas formas a
priori. A organização realizada pela nossa estrutura mental é o que poderemos chamar de conhe-
cimento.
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Imagine alguém fazendo biscoitos de Natal. As fôrmas de metal seriam as formas a priori
(tempo, espaço e as estruturas racionais). Para toda massa que aparecer, haverá aquela estrutura
de organização. Mas apenas as fôrmas não fazem biscoitos; é preciso a massa. A massa seria a
nossa experiência por meio dos sentidos: caótica, sem forma ou organização. Apenas quando apli-
camos as fôrmas de metal à massa é que obtemos os biscoitos. Ou seja, apenas quando submete-
mos os dados da nossa experiência à estrutura e organização da nossa razão é que podemos dizer
30 Capítulo 4
que houve o conhecimento. Foi nesse sentido que Kant operou uma ligação entre o Racionalismo
e o Empirismo: pela experiência obtemos a substância na qual nossa razão dará a organização e a
forma. Isso quer dizer que nada fora da nossa experiência poderá ser conhecido verdadeiramente,
assim como nada fora da nossa razão poderá ser compreendido verdadeiramente.
1. Descreva qual é o principal questionamento que surge diante das diferenças de per-
cepções de cores e imagens entre os animais.
2. Escreva como os filósofos, antes de Kant, explicavam o conhecimento humano.
3. Apresente a proposta de Kant ao inverter a lógica das explicações sobre o conhecimen-
to humano.
4. Escreva a definição de conhecimento a priori.
5. Kant percebeu certas condições para que o conhecimento humano aconteça. Apresen-
te essas condições.
A Revolução Copernicana em Filosofia
“Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos. Po-
rém todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse
o nosso conhecimento, malogravam-se com este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez,
experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os
objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor
com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses ob-
jetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados. Trata-se aqui de uma
semelhança com a primeira idéia de Copérnico. Este, não podendo prosseguir na expli-
cação dos movimentos celestes enquanto admitia que toda a multidão de estrelas se
movia em torno do espectador, tentou se não daria melhor resultado fazer antes girar o
espectador e deixar os astros imóveis”.
Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 46
Faça o que se pede.
1. Apresente a proposta inovadora formulada por Kant.
2. Explique a analogia que Kant faz com a ideia de Copérnico.
Atividades Complementares
Fechando a unidade 31
1. Estabeleça a diferença entre conheci-
mento e opinião, sob a perspectiva da Vali-
dade Universal.
2.Estabeleçaadiferençaentreconhecimentoe
opinião, sob a perspectiva do Grau de Certeza.
3. Analise a seguinte frase: “Todas as opiniões
têmvalor”.Vocêconcordacomessaafirmação
ou discorda dela? Justifique utilizando as qua-
tro diferenças entre opinião e conhecimento.
4. Cite algum exemplo de situação em que as
pessoas confundiram conhecimento e opinião.
5. Considerando as quatro diferenças entre
conhecimento e opinião, faça uma reflexão
considerando qual é o risco de confundirmos
conhecimento e opinião.
6. Descreva quais são as três principais expli-
cações sobre o conhecimento humano, den-
tro da História da Filosofia Moderna.
7. Resuma os argumentos básicos da expli-
cação racionalista sobre o conhecimento.
8. Descreva o motivo que levou Descartes a
buscar um novo método de pensamento.
9. Descreva o que Descartes entendia por
Dúvida Metódica.
10. Descreva o significado de Ideias Inatas,
de acordo com Descartes.
11. Demonstre por que a frase de Locke
“Nascemos como uma 'folha em branco' é
representativa da explicação empirista sobre
o conhecimento humano.
12. Compare as noções de conhecimento
para Descartes e John Locke.
13. Estabeleça um quadro comparativo en-
tre os princípios básicos do Racionalismo e
do Empirismo.
14. Avalie as explicações sobre o conheci-
mento humano de Descartes e John Locke.
Qual delas parece a mais razoável? Justifique.
15. Considerando o relato do caso da estátua
nomuseuPaulGettyeasituaçãopelaqualpas-
saram os especialistas de arte, avalie o proble-
ma de presenciarmos algo, mas não conseguir-
mos explicá-lo. Quando isso pode acontecer?
16. Considerando as contribuições filosófi-
cas de Descartes, Locke e Kant, avalie qual é a
lição que podemos tirar do experimento das
cartas de Iowa, descrito no Ca­
pítulo 4.
17. Crie uma suposta explicação de Descar-
tes para o experimento das cartas de Iowa,
considerando quando haveria conhecimento
verdadeiro para esse filósofo.
18. Avalie a lição aprendida com a filosofia de
Kanteresponda:oqueissopodemudarnasua
compreensão sobre o conhecimento humano?
19. (ENEM) Leia o texto:
“Até hoje admitia-se que nosso conhecimen-
to se devia regular pelos objetos. Porém, to-
das as tentativas para descobrir, mediante
conceitos, algo que ampliasse nosso conheci-
mento malogravam-se com esse pressupos-
to. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se
não se resolverão melhor as tarefas da meta-
física, admitindo que os objetos se deveriam
regular pelo nosso conhecimento”.
(KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Gul-
benkian, 1994 (adaptado)).
32 Unidade I
O trecho em questão é uma referência ao
que ficou conhecido como Revolução Co-
pernicana da Filosofia. Nele, confrontam-se
duas posições filosóficas que
a) assumem pontos de vista opostos acer-
ca da natureza do conhecimento.
b) defendem que o conhecimento é impos-
sível, restando-nos somente o ceticismo.
c) revelam a relação de interdependência
entre os dados da experiência e a refle-
xão filosófica.
d) apostam, no que diz respeito às tarefas
da Filosofia, na primazia das ideias em
relação aos objetos.
e) refutam-se mutuamente quanto à natu-
reza do nosso conhecimento e são am-
bas recusadas por Kant.
20. Com relação às quatro diferenças entre
Opinião e Conhecimento, relacione as alter-
nativas que correspondem com as descrições.
a) A - Validade Universal
b) B - Grau de Certeza
c) C - Direito a ter...
d) D - Consenso
( ) Quando falamos que só deve haver con-
cordância ou discordância entre opiniões.
( ) Não tem sentido dizer que temos direito
a ter o nosso próprio conhecimento.
( ) Conhecimentos devem ser informações
aceitas, não questões de gosto.
( ) Se o grau for alto, provavelmente é um
conhecimento.
21. Julgue as informações e manchetes a se-
guir em opinião ou conhecimento.
a) “O que aprendemos em 2020, o pior ano
da história”
( ) Opinião ( ) Conhecimento
b) “Como a polícia desvendou contrabando
de R$ 40 milhões em marfim e chifres de
rinocerontes no Quênia.”
( ) Opinião ( ) Conhecimento
c) “Filme Tom & Jerry ultrapassa Mulher Ma-
ravilha 1984 e lidera bilheteria nacional.”
( ) Opinião ( ) Conhecimento
d) “Romance, terror e ficção: confira cinco
séries para maratonar.”
( ) Opinião ( ) Conhecimento
22. Relembre os quatro critérios para dife-
renciar opinião de conhecimento e julgue os
itens seguintes.
(1) Podemos dizer que temos direito de
possuir a nossa própria opinião, porém
quanto a conhecimentos, isso não se
aplica, pois o conhecimento ou é certo
ou errado.
(2) Falar em Validade Universal significa que
estamos nos referindo à possibilidade de
entrar em acordo sobre uma informação.
(3) Só podemos entrar em acordo com rela-
ção a conhecimentos e opiniões que têm
valor universal.
23. Considerando o Racionalismo, julgue os
itens seguintes.
(1) O grande lema do Racionalismo é a fa-
mosa frase “Nascemos como se fôsse-
mos 'uma folha em branco'”.
(2) Racionalismo pode ser entendido como
a corrente de pensamento que privilegia
a capacidade racional dos indivíduos.
(3) Podemos afirmar que o Racionalismo se
caracteriza por defender que o conheci-
mento humano, sem a utilização da Ma-
temática, é impossível.
Fechando a unidade 33
Hora de Filosofar!
O que é?
Criar um diálogo filosófico sobre o conhecimento humano, contendo três princi-
pais personagens: Descartes, John Locke e Kant.
Como fazer?
Considere que você viajou para um tempo em que foi possível encontrar os três
pensadores: Descartes, John Locke e Kant. Imagine que você os encontra em um pub
ou restaurante, conversando. Você é a testemunha dessa conversa. Imagine que os
assuntos tratados pelos filósofos sejam o experimento das cartas de Iowa (exposto no
capítulo 2) e o caso das estátuas gregas kuoros (expostas no Capítulo 3, da Unidade 1).
Qual seria a posição de cada pensador? O que diria cada filósofo sobre esses casos? O
que defenderia? O que acusaria? Como explicaria?
Combine com seu professor(a) a melhor maneira de confecção e entrega do tra-
balho, assim como os prazos para a realização.
Unidade
II
Filosofia e
Política
Capítulos
Os Poderes para Montesquieu
Rousseau e Adam Smith
O Estado para Hobbes e Locke
Política e Poder
Filosofia e Política 35
Imagine que você completou 18 anos
de idade. De acordo com as leis brasileiras,
você atingiu a maioridade. A partir de ago-
ra, muitas coisas lhe serão permitidas por
lei, como obter licença para dirigir, adquirir
bens em seu nome, trabalhar com carteira
assinada e ter direitos como trabalhador.
Porém algumas coisas que antes não eram
obrigatórias passarão a ser.
No Brasil, há cada dois anos, temos
eleições. Ora eleições municipais (prefeitos
e vereadores), ora estaduais e federais (de-
putados, senadores, governadores e presi-
dente). Digamos que, três meses depois de
você completar 18 anos, acontece uma elei-
ção. Vamos supor que você não é lá muito
ligadoempolítica,nãoacompanhouascam-
panhas e conversou pouco sobre o assunto.
Justamente no fim de semana das eleições,
você viajou com alguns amigos e amigas.
Deveria ter votado, mas não votou.
Tempos depois, sua família e você re-
solvem realizar uma viagem ao exterior. Re-
únem as economias, compram passagens e
reservam um hotel com antecedência. Só
falta tirar o seu passaporte. Você se dirige ao
órgão responsável, com a documentação, e
então recebe a notícia de que... há pendên-
cias. Lembra-se da eleição em que você não
votou? Somente se regularizar a sua situa-
ção com a Justiça Eleitoral, será possível tirar
o passaporte.
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Semen
36 Unidade II
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Long
Desde 1946, no Brasil, o voto é obrigatório para pessoas alfabetizadas, maiores de 18 e me-
nores de 70 anos. Caso a pessoa não vote no dia da eleição, deverá justificar a não votação em
um cartório eleitoral. Terá 60 dias para fazer isso. Se passar esse prazo e não justificar, pagará uma
multa. Se não pagar a multa, o cidadão não poderá se inscrever em concursos públicos, obter pas-
saporte ou carteira de identidade.
O valor da multa é irrisório; por enquanto, menos de cinco reais. Ora, o cidadão, de modo
geral, pode pensar que é muito baixo e que isso não faz tanta diferença. Basta pagar! Sim. Mas
se você pensar um pouco, perceberá que a questão não é o valor. Estamos falando de algo que
é obrigatório. Simplesmente não se pode deixar de fazer, e nada acontecerá. Certamente, ha-
verá uma punição – seja pequena ou grande. Aqui entramos em um debate muito interessante
e muito importante a todos: direitos, deveres, obrigações; enfim, tudo aquilo que pode estar
relacionado ao que chamamos de Política.
Até aonde deve ir a influência e o poder do Estado na vida das pessoas? Até que ponto
o cidadão aceitaria a interferência do Estado em sua vida? Qual deve ser o papel do Estado?
O que deve ser obrigatório para todos os cidadãos? O que não deve ser obrigatório? O que
você acha que o Estado deve permitir e o que deve proibir? Estas são questões que estiveram
e estão presentes na sociedade desde os tempos da Grécia Antiga, no mínimo. E, claro, foram
temas de muitas reflexões filosóficas ao longo da História.
No início da Modernidade, entre os séculos XVI e XVIII, estas questões sobre o alcance e
o papel do Estado levantaram debates entre filósofos, assim como deram origem a posições
bem divergentes. É o caso de Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, Adam Smith e Montes-
quieu. Se trouxéssemos o tema Política e Estado para as nossas rodas de conversa e convidás-
semos esses filósofos para falar, o que eles teriam a nos ensinar? O que diriam sobre essas
questões? É o que vamos tratar nesta unidade.
Utilize o leitor de QR Code do seu celular para
assistir ao vídeo relacionado ao conteúdo, e res-
ponda às questões a seguir.
1. Por que não é prudente entender sobre “política” apenas como o estudo de ideias
abstratas?
2. Até onde você considera que o Estado pode interferir na vida das pessoas?
Política e Poder 37
Se numa discussão sobre futebol, entre pessoas que gostam desse esporte e
entendem sobre ele, você interromper e perguntar: "Afinal, o que é futebol?". Cer-
tamente obterá definições precisas. Não será difícil para alguém que entende de fu-
tebol e gosta do esporte explicar que se trata de um tipo de jogo com bola e com tais
regras. Agora, considere uma discussão sobre política, entre pessoas que discordam
entre si sobre princípios, ideologias, políticos, etc. Se você interromper a discussão e
perguntar : "Afinal, o que é política?" acha que obterá uma definição rápida e com a
mesma precisão com que as pessoas definem futebol?
Não é curioso que, muitas vezes, as pessoas discutem e conversam sobre as-
suntos que elas não conseguiriam definir com precisão? Pois essa é a uma lição ele-
mentar em Filosofia: para os filósofos ou estudiosos da Filosofia, antes de qualquer
conversa mais profunda, precisamos saber de que estamos falando, quais são os
termos que devemos usar, o tema a que nos referimos e o campo em que pensamos.
Todas as questões que foram levantadas na Introdução da Unidade tratam daquilo a
que podemos chamar de política. Afinal, o que é política?
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38 Capítulo 5
1 Conceito de política
A origem da palavra política pode ser encontrada no latim politicus e no grego politikós.
Essa palavra era usada para fazer referência a tudo aquilo que diz respeito ao governo da
cidade e aos cidadãos, ou seja, a tudo aquilo que é público. As diversas relações entre os ci-
dadãos, as decisões importantes que afetam a coletividade, as regras que valerão para todos
e tudo o que envolve interesses e características que ultrapassam o âmbito privado e dizem
respeito ao que é de todos, ao que é público, designa o que é política.
Debates sobre leis e regras a respeito do trânsito da cidade, vacinação da população, pa-
gamento de impostos, sobre o que é ou não obrigatório para todos: seriam ou não discussões
políticas? Sim, seriam, pois são questões que dizem respeito não apenas a uma família determi-
nada, mas a muitas pessoas, muitos cidadãos em sociedade, logo, ao que é público.
Porém, numa discussão familiar sobre onde os filhos irão estudar no próximo ano, a res-
peito da organização financeira da família, o regulamento das mesadas e dos pagamentos das
contas da casa, tudo isso são questões públicas? Evidente que não. São questões familiares,
que dizem respeito aos assuntos privados. Logo, não são questões políticas.
Certamente, política não é apenas algo público; envolve muito mais fatores. No entanto
essa é a definição básica e inicial. Daqui para frente, portanto, quando tratarmos de questões
políticas, lembre-se de que estamos abordando questões que envolvem interesses, direitos e
deveres dos cidadãos na esfera pública, e não apenas de algumas pessoas , de forma privativa.
2 As formas de poder
Se observarmos atentamente as ações humanas, veremos que, em sociedade, há várias
formas de relações entre as pessoas. Existem relações amigáveis, familiares, conjugais, profis-
sionais, jurídicas e várias outras. Entre essas relações, existe uma que diz respeito à situação
de uma pessoa ser capaz de agir e causar influência, impactos ou mudanças, seja em situa-
ções ou em pessoas: chamamos a isso de poder.
A palavra poder vem do latim potere, que significa ser capaz de. Neste sentido, poder
é a capacidade ou a possibilidade de realizar algo, de produzir efeitos. Podemos realizar e
produzir efeitos sobre a natureza ou sobre pessoas. Como estamos falando de política e esta
trata de pessoas, vamos considerar poder como capacidade ou possibilidade de ação.
Não é difícil perceber que existem diversas formas de
poder, diferentes maneiras de ação e de fazer que alguém
faça o que o outro quer. Por exemplo, quando a mãe pede à
filha que arrume o quarto, ela se recusa, e a mãe, então, lan-
ça um olhar fulminante que, de repente, faz que a filha per-
ceba que é melhor arrumar o quarto... Esta foi uma maneira
de se exercer o poder, certo? Mas sabemos que não é única
nem é política.
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Política e Poder 39
Digamos que você tenha uma amiga a qual admira e respeita. Um dia ela lhe
pede emprestado o celular para fazer uma ligação; emprestar é uma coisa que nor-
malmente você não faz. Mas como são muito amigos, e ela insistiu de modo convin-
cente, você empresta. A sua amiga conseguiu o que ela queria, certo?
Agora imagine que você e um amigo não param de conversar durante uma aula
que consideram muito chata. No meio de uma explicação, o professor interrompe a
aula e pede que se retirem de sala. De cara fechada, vocês se levantam e saem. Por
mais que não gostem do professor, ele fez que vocês aceitassem o pedido e saíssem
da sala, certo?
Todas essas ações são formas de poder. Mas você deve ter percebido que a
fonte do poder foi diferente em cada situação. Uma surgiu da amizade, outra da au-
toridade, outra do respeito, etc. Se pudéssemos classificar, quais são as formas mais
comuns e possíveis que existem de se exercer o poder? Vejamos abaixo.
Força (física, econômica, habilidade)
A primeira forma que podemos considerar é exercer o poder por meio da for-
ça. Esta força pode ser física (quando alguém é mais forte, ou tem alguma arma, ou
está acompanhado de mais pessoas, etc.), pode ser econômica (possui mais dinhei-
ro e mais meios de mobilizar coisas para mandar nos outros) ou pode ser uma habi-
lidade (alguém que saiba fazer coisas melhor do que os outros como, por exemplo,
corre melhor, joga melhor, é mais resistente).
Considere o lutador brasileiro, Anderson Silva. Ele é campeão peso-médio do
UFC e um dos maiores lutadores de MMA da História. Anderson é lembrado pela
força e habilidade que tinha durante as lutas. Muitas vezes, imobilizava seu oponen-
te até o ponto em que esse pedia para interromper a luta, com medo de quebrar
um braço ou uma perna. Podemos dizer que Anderson exercia seu poder, dentro do
ringue, com o uso da força.
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40 Capítulo 5
Outro exemplo interessante, em nossa História, é a figura de Irineu Evan-
gelista da Sousa (1813-1889), mais conhecido como Barão de Mauá. Mauá
foi um dos grandes industriais e comerciantes à época do Brasil Império.
Pioneiro em várias áreas de infraestrutura, foi responsável pela primeira
fundição de ferro do Brasil, pela construção da primeira ferrovia brasilei-
ra, dentre outros grandes empreendimentos. Muitas construções foram
realizadas e o desenvolvimento de vários lugares foi mudando por causa
de suas iniciativas, produções geradas pela sua vocação para o empreen-
dedorismo e, claro, por ter muito dinheiro. Podemos dizer que seu poder
vinha da força do dinheiro e da habilidade para os negócios.
Autoridade
Outra forma de se exercer o poder é por meio da au-
toridade. Neste caso, autoridade é o poder que vem de um
cargo ou posto que uma pessoa ocupa. O indivíduo ocupa
uma posição que lhe confere meios de ação e capacidade
de mandar ou fazer que outras pessoas façam o que ele or-
dena.
Um árbitro de futebol que marca uma penalidade du-
rante o jogo ou que expulsa um jogador por ter agido de modo violento; um juiz em seu tribu-
nal dando veredicto sobre um caso; um general do Exército comandando uma tropa no meio
da selva, são alguns exemplos de situações que envolvem poder por autoridade. Gostando ou
não da pessoa ou das decisões tomadas, o fato é que todas essas pessoas ocupam uma posi-
ção que lhes confere poder, isto é, meios para agir e causar influências, mudanças e efeitos.
Respeito
A terceira maneira de se exercer o poder é por intermédio do respeito. Corresponde a
situações em que uma pessoa alcançou a admiração de outras e, por causa disso, possui
influências com suas decisões. Esse respeito pode vir de diversas maneiras: por algum feito
grandioso que a pessoa tenha realizado, se mostrar um líder, se mostrar honrada, se sacrifi-
car por outras pessoas, etc.
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Política e Poder 41
Um exemplo interessante é William Wallace (1270-1305), um pequeno nobre cavaleiro
escocês que se tornou um dos grandes líderes na guerra de Independência da Escócia. Em
1297, Wallace teve destaque como líder na batalha da Ponte Stirling, onde cinco mil soldados
escoceses derrotaram doze mil ingleses. A partir daí, Wallace se tornou um grande líder res-
peitado pelos escoceses, que o seguiam por admirá-lo.
Conhecimento
A quarta forma de se exercer o poder é o conhecimento. Trata-se do tipo de influência
que pode ultrapassar o tempo, mesmo depois da morte do indivíduo. Os conhecimentos
adquiridos por determinado indivíduo podem se tornar pontos de referência numa deter-
minada área do saber. Toda pessoa que for estudar essa área, querendo ou não, deverá ter
contato com tal área e compreender os ensinamentos e conhecimentos daquele indivíduo,
de tal modo que, mesmo não existindo mais força ou autoridade, e ainda que não goste da
biografia do indivíduo, a influência do seu conhecimento permanece.
Talvez a figura mais representativa para nós, nesse caso, seja Sócra-
tes (469-399 a.C.). Todas as pessoas que venham a estudar Filosofia, de
alguma forma, passarão pelos ensinamentos de Sócrates, estudarão seu
método de pensamento, seus diálogos, suas frases marcantes e, principal-
mente, o famoso lema "Conhece-te a ti mesmo". As pessoas que estudam
Filosofia têm presente a influência de Sócrates ainda nos dias de hoje, mais
de dois milênios depois de sua morte! Esse é um exemplo de poder pelo
conhecimento.
1. Descreva o conceito básico de política.
2. Descreva o conceito básico de poder.
3. Considerando as quatro formas básicas de poder, explique:
a) o que é a forma de poder por meio da força.
b) o que é a forma de poder por meio da autoridade.
c) o que é a forma de poder por meio do respeito.
d) o que é a forma de poder por meio do conhecimento.
4. Cite as três modalidades nas quais o poder por meio da força pode ser exercido.
5. Apresente três exemplos para cada uma das quatro formas de Poder.
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2.5
Imagine que a sua família está construindo uma casa e, durante as escavações
e perfurações do solo, descobre-se que ali existe... petróleo! Você pode pensar: é a
oportunidade para enriquecermos! Bem, se você mora no Brasil, o petróleo não é
seu: é do Estado. Desde 1953, sob a lei nº 2004, reformulada em 1997, está estabele-
cido o monopólio estatal do petróleo no Brasil. Isso significa que se você achar petró-
leo no seu quintal, não poderá ser o dono, porque os recursos minerais descobertos
são do governo. Mas se acontecesse de você achar petróleo no quintal da sua casa, e
morasse nos EUA, poderia ganhar um bom dinheiro. Naquele país, a descoberta dos
recursos minerais não pertence ao Estado, mas às pessoas que os acharem em suas
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O Estado para Hobbes e Locke 43
propriedades. O indivíduo pode alugar o seu terreno para empresas especializadas em extra-
ção de petróleo e ganhar um bom dinheiro com isso.
Pode parecer uma discussão pontual sobre petróleo, mas trata-se de um assunto im-
portante: o papel do Estado na vida das pessoas. O Estado pode interferir em quê? O que o
Estado deve fazer, atuar, permitir, proibir ou não na vida das pessoas?
Em alguns países, como no Canadá, EUA e Bélgica, alistar-se no Exército é algo voluntá-
rio. Em outros países, como Brasil, Finlândia, Rússia e Chile, é obrigatório para os homens; já
em Israel, homens e mulheres devem se alistar. Do mesmo modo, em alguns países, o voto é
obrigatório, enquanto em outros é voluntário.
Todos esses são exemplos da influência grande ou pequena do Estado na vida das pes-
soas. Estado é o nome que damos para o conjunto das instituições que regulam a sociedade
em que vivemos. Em algumas sociedades, o Estado está mais presente na vida das pessoas do
que em outras; em alguns lugares há mais obrigações, proibições do que em outros.
Qual deve ser o papel do Estado? Como a sociedade deveria se organizar, e quem deveria
ter poderes para organizar e realizar mudanças em sociedade? O que deve e o que não deve
ser obrigação do Estado? Se estes fossem os assuntos em uma roda de conversa, seria possí-
vel trazer para o debate alguns filósofos que têm opiniões bem marcadas a esse respeito. É o
caso de Thomas Hobbes e John Locke, pensadores que se tornaram referências na Filosofia
Política. Vejamos quais seriam as posições desses pensadores sobre o papel do Estado e o que
podemos aprender com essas perspectivas.
1 Thomas Hobbes (1588 - 1670)
Thomas Hobbes nasceu em Malmesbury, Inglaterra. Desde cedo, foi
apaixonado pelo estudo de línguas. Aprendeu grego e latim antes dos 15
anos. Em 1608, concluiu seus estudos superiores em Oxford e tornou-se
preceptor (professor particular) de nobres como Carlos Stuart, futuro rei
Carlos II da Inglaterra. Este rei, quando assumiu o poder, conferiu a Hobbes
uma pensão que permitiu ao filósofo seguir seus estudos com tranquilida-
de. Hobbes faleceu aos 90 anos, em 1679.
Apesar do conhecimento de grego e latim, Hobbes leu pouco os filóso-
fos antigos – não gostava de Aristóteles e da Filosofia Medieval. Apreciava
muito o pensamento do filósofo francês René Descartes (1596-1650) e de Galileu Galilei
(1564-1642), matemático que conheceu pessoalmente em uma de suas viagens pela Itália.
A natureza humana
Para compreendermos a ideia de Estado por Hobbes, vale a pena resgatar a concepção
política que havia antes dele. Até o século XVI, a concepção normalmente aceita sobre polí-
tica e o surgimento do Estado era a de Aristóteles (385-323 a.C.). O filósofo grego entendia
que o ser humano é um animal político, ou seja, que a capacidade de se reunir e conviver em
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44 Capítulo 6
sociedade faria parte da nossa natureza. Logo, o Estado teria surgido de modo natural, por
uma necessidade do ser humano. Hobbes discordava totalmente disso.
Para Thomas Hobbes, o ser humano não é um ani-
mal político. Hobbes entendia que, diferentemente dos
animais que vivem naturalmente em comunidade, os ho-
mens se reúnem em sociedade por interesses e egoísmos.
Cada indivíduo procura se apropriar do que for preciso
para a sua sobrevivência e conservação. O estado natural
do ser humano é de guerra de uns contra os outros, isto
é, sem leis ou regras, todo mundo entraria em guerra com
todo mundo. Foi nesse contexto que Hobbes afirmou “O
homem é o lobo do homem”, frase de um antigo dramaturgo romano, Plauto (205-184 a.C.).
Assim, Hobbes entendia que o Estado não surgiu de maneira natural, como afirmava Aristóte-
les, mas de modo artificial.
Hobbes entendia que, apesar de a natureza humana ser egoísta e mesquinha, somos
dotados de instinto e razão. Os instintos nos permitem evitar a guerra e o conflito, pois para
sobrevivermos, percebemos que a paz é necessária. Já a razão nos permite entrar em acordo
com as demais pessoas e pensarmos em leis e regras sociais, que visem a preservar a vida de
todos.
O papel do Estado
No entanto Hobbes percebia que leis e regras não eram suficientes para manter a ordem
em uma sociedade cheia de conflitos. Era necessária uma força que impusesse essas leis e
regras. Ou seja, era necessário que alguém tivesse o poder de obrigar os homens a respeitar
as leis. Por isso, Hobbes defendia ser preciso que todos os homens delegassem a um único
homem ou a uma assembleia o poder de representá-los. Podemos entender isso como um
grande acordo, um contrato social.
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O Estado para Hobbes e Locke 45
Contudo o representante ou a assembleia escolhida pode também criar con-
flitos entre si, ou mesmo tomar decisões erradas, optar por leis injustas ou desne-
cessárias, que fujam ao acordo original. Por essa razão, Hobbes defendia a exis-
tência do soberano absoluto, o governante que estaria acima do acordo geral,
pois seu dever seria o de manter os acordos originais. A esse soberano, seriam
dados todos os direitos e poderes, ou seja, todos os cidadãos transfeririam seus
direitos para o soberano, a fim de fazer o que fosse necessário para defender a
nação – interferir em opiniões, aprovar, desaprovar leis, prender, proibir ideias
e ações, independentemente de quem ou sobre o quê. Todo o poder do Estado
deveria estar nas mãos do soberano, para fazer o que fosse necessário à nação.
Essa perspectiva ficou conhecida como a justificação da Monarquia Absolutista e
foi exposta na obra Leviatã, de 1651. Mais tarde, Hobbes seria lembrado como
um teórico do poder absoluto nas mãos do Estado. O monstro Leviatã.
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Por que Leviatã?
Leviatã é o título da principal obra de Thomas Hobbes, publicada em 1651.
O nome Leviatã foi adotado por Hobbes para designar o Estado, assim como o
próprio título da sua principal obra. No Livro de Jó (cap. 40-41) da Bíblia, Levia-
tã é descrito como um monstro invencível, forte, inquebrantável, cheio de força
incomparável. “(...) Os músculos de sua carne são compactos, são sólidos e não
se movem; seu coração é duro como uma rocha, sólido como pedra de amolar.
A espada que o atinge não resiste, nem a lança, nem o dardo, nem o arpão. O
ferro para ele é como palha; o bronze, como madeira carcomida. A flecha não o
afugenta, as pedras da funda são felpas para ele”.
46 Capítulo 6
2 John Locke (1632 - 1704)
Como já discutimos, John Locke teve contribuições marcantes na
Filosofia em áreas como a Teoria do Conhecimento – sendo reconhe-
cido como um dos grandes defensores do Empirismo e da ideia de Tá-
bula Rasa (a mente humana nasce como se fosse uma 'Folha em bran-
co', e o conhecimento surge de nossas experiências). Ética e Política,
assim como religião e educação foram campos em que Locke também
contribuiu. Ele já foi considerado "O Pai do Liberalismo", uma filosofia
política e moral que tem como fundamento a liberdade do indivíduo e
a igualdade perante a lei.
Direitos, Poder e Estado
Na sua obra Dois Tratados do Governo Civil (1689), Locke desen-
volveu a ideia de natureza humana, poder, liberdade e Estado dife-
rentemente da concepção de Thomas Hobbes. Enquanto Hobbes de-
fendia ser a vontade humana movida pelo egoísmo e pelo instinto
selvagem, John Locke acreditava que os homens são levados a agir e
determinar as suas ações de acordo com o bem-estar e a busca pela
felicidade, de modo racional.
Para Locke, a sociedade e o Estado teriam surgido do direito na-
tural, isto é, da capacidade humana racional de reconhecer que “nin-
guém deve prejudicar os outros na vida, na saúde, na liberdade e nas
posses” (por esse motivo, Locke era fortemente contra a escravidão).
Ou seja, ao ser humano deve ser garantido o direito à vida, à liberda-
de, à propriedade e o direito de defesa. Esses seriam direitos naturais,
irrevogáveis, que não se podem anular.
Desse modo, Locke defendia que o Estado deveria ter por fun-
damento os direitos dos cidadãos: o papel do Estado deveria ser o
de zelar, cuidar e proteger esses direitos. Assim, a verdadeira sobera-
nia do poder não está no Estado, mas na população; o poder político
legítimo viria dos cidadãos. Um governante só teria poder para agir
diante daquilo que foi acordado e determinado pelos representantes
da população.
Dessa maneira, se os governantes escolhidos não defendessem,
garantissem ou protegessem os direitos dos próprios cidadãos, estes
teriam o pleno direito de derrubar os governantes. Alguns séculos de-
pois, as ideias de Locke seriam lembradas como as origens do Pensa-
mento Liberal Moderno.
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O Estado para Hobbes e Locke 47
Locke e o rei
John Locke não era contra a Monarquia. Como bom inglês, apreciava a organização po-
lítica do país com um rei no comando. No entanto desprezava a ideia de um rei absolutista,
com poderes concentrados e absolutos. Locke percebia que muitos abusos surgiam dessa
configuração política. Defendeu fortemente uma Monarquia Parlamentarista, baseada numa
organização em que os cidadãos escolheriam seus representantes para promulgar e votar leis,
enquanto os governantes e o rei deveriam executá-las. Locke também desenvolveu ideias a
respeito da separação dos Poderes, no mesmo caminho que Montesquieu trilhou.
Analisando a frase
Na obra Dois Tratados sobre o Governo (1689), Locke afirma: "O consentimento expresso
dos governados é a única fonte de poder político". Consentimento significa permissão, dar
licença a alguém, estar de acordo. Os governados seriam os cidadãos. Portanto, quando os
cidadãos concordam, escolhem e concedem uma posição de comando e autoridade a deter-
minados indivíduos, trata-se de um poder político legítimo. Se, por algum acaso, um indivíduo
ocupar o cargo de governante sem passar por esse meio de “permissão dos cidadãos” ou da
lei, esse poder não será considerado legítimo, logo pode ser contestado.
1. Considerando as reflexões filosóficas de Thomas Hobbes, explique como esse filósofo
definia a natureza humana.
2. Descreva qual deveria ser o papel do Estado, de acordo com Hobbes.
3. John Locke entendia que havia um motivo básico das nossas ações como seres huma-
nos. Apresente o motivo pelo qual os homens são levados a agir, de acordo com Locke.
4. De acordo com Locke, resuma como surgiram a sociedade e o Estado.
5. Aponte qual deveria ser o papel do Estado, segundo John Locke.
Imagine uma conversa entre dois pensadores que defendem pontos de vista
totalmente diferentes. Um desses pensadores defende que o interesse próprio e
o egoísmo constituem a origem dos males na sociedade, pois é isso que geraria a
ganância, a trapaça e a busca por vantagens. O outro pensador defende que, na
verdade, a busca pelos interesses próprios gera benefícios para muitas pessoas
em sociedade, direta ou indiretamente. Você consegue pensar em algum ponto
comum para essa discussão? Você consegue imaginar alguma concordância entre
as perspectivas? Qual seria a origem dos males em sociedade? Até que ponto a
busca pelos interesses próprios pode virar egoísmo e ganância? Até que ponto
pode ser benéfica ou não para a sociedade?
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Rousseau e Adam Smith 49
Essas questões foram tratadas por pensadores como Jean-Jacques Rousseau e Adam
Smith, dentro de suas reflexões políticas sobre Estado e organização da sociedade. Vejamos
como esses pensadores podem contribuir para o nosso grande tema, Política.
1 Rousseau, "O Mito do Bom Selvagem" e o "O Contrato Social"
Jean-Jacques Rousseau nasceu em 1712 na cidade de Genebra,
Suíça. Após perder a mãe quando ele era bebê, foi educado por um
pastor e um tio. Por volta de 1740, mudou-se para Paris e lá trabalhou
como músico e professor particular. Seus primeiros ensaios filosóficos
surgiram por causa de alguns concursos de redação promovidos por ins-
tituições de cultura. Por volta de 1755, uniu-se a uma mulher inculta e
grosseira, com quem teve cinco filhos. No entanto, por causa de seus
compromissos como escritor, colocou todos os filhos, um após outro,
no orfanato Enfants Trouvés. Rousseau admitiu que, por problemas fi-
nanceiros e por causa de sua vida intelectual, não conseguiria criar os
filhos de maneira digna. Além disso, o filósofo acreditava que a educação deveria ser papel
do Estado, não da família. A partir de 1758, publicou diferentes obras, com destaque para O
Contrato Social (1761) e Emílio (1763). Faleceu aos 66 anos, em 1778, no castelo de Erme-
nonville, norte da França.
Rousseau foi um pensador que teve grande influência no Movimento Iluminista do sé-
culo XVIII e, principalmente, no Movimento Revolucionário Francês de 1789. Suas contribui-
ções estão presentes em diversas áreas, sendo estudado e admirado por uns, criticado por
outros. De acordo com o historiador da filosofia, Giovanne Reale, Rousseau foi individualista
e coletivista, iluminista e romântico, antecipador do filósofo Kant e precursor do comunis-
mo de Marx. Ou seja, um filósofo que pode ser estudado de diferentes perspectivas.
A Natureza Humana
Rousseau ficou conhecido por levantar a hipótese do “bom selvagem”:
originalmente, o ser humano seria um bom, íntegro, biologicamente sau-
dável e moralmente correto. O homem era bom, no entanto tornou-se
mau e injusto. Essa maldade seria causada pela ordem social, pela socie-
dade vigente.
Como assim? Na origem o ser humano era bom? Qual origem? Quan-
do foi isso? Como determinar o momento em que o ser humano passou a
ser mal? Se é a sociedade que o estraga, a sociedade é composta por quem,
afinal? É preciso entender que Rousseau levanta essa ideia como uma hipótese de trabalho,
ou seja, se admitíssemos que o ser humano fosse bom por natureza, então seria possível
identificar os aspectos ruins da sociedade; logo, apontar aquilo que deveria mudar. Portan-
to, não seria conveniente perguntar quando foi o tempo do ser humano original, ou quando
foi que ele deixou de ser bom; trata-se de uma hipótese de trabalho.
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50 Capítulo 7
A partir dessa hipótese de que o ser humano seria bom por natureza, Rousseau identi-
fica que certa orientação cultural como, por exemplo, a Cultura Racionalista (que não con-
sideraria os sentimentos, os instintos e as paixões como elementos do conhecimento e da
personalidade humana), os costumes civilizatórios e científicos, seriam prejudiciais à nossa
natureza, ou seja, nos tornariam arrogantes, individualistas, contaminando a vida em co-
munidade. Para Rousseau, a maldade teria nascido dessa sociedade viciada e só poderia
ser extinta ou expulsa mudando-se a sociedade.
O Contrato Social
Ao acreditar que o ser humano era bom e justo, mas a sociedade
e a cultura o tornaram maldoso, perverso e injusto, Rousseau passou a
considerar as origens da sociedade e o que deveria ser modificado. Na
sua obra O Contrato Social (1761), Rousseau propõe um novo arranjo
da sociedade, um novo pacto de associação entre as pessoas, um con-
trato social, diferente de Hobbes e John Locke.
Rousseau entende que o novo pacto social não deveria ser base-
ado na submissão a um soberano (como propôs Hobbes), nem em um
acordo dos direitos privados (como em John Locke), e sim numa consci-
ência geral das pessoas, pensando totalmente em comunidade, e não
de modo privado.
Para Rousseau, a sociedade deveria ser organizada de acordo com a vontade geral,
quando o bem comum se sobrepõe totalmente aos interesses privados. O vínculo social
entre as pessoas não deveria ser baseado nos interesses individuais, e sim nos interesses
comuns. A vontade geral, por natureza, seria uma vontade que visa o bem, pois sempre
considera o que agrega as pessoas. A vontade individual seria sempre conflituosa, pois co-
locaria os interesses privados acima dos demais. Logo, a ordem social deveria se basear na
vontade geral.
Mas o que seria essa vontade geral e de onde ela surgiria? Para Rousseau, a vontade
geral não seria a soma das vontades de todos, e sim uma renúncia de cada pessoa aos seus
interesses privados em favor da coletividade. Ou seja, o que Rousseau propõe é um Estado
baseado na total coletivização das pessoas, sua total socialização, para impedir que os
interesses privados sejam afirmados. O novo pacto social, portanto, deveria visar à elimi-
nação das diferenças entre interesses privados e comunitários – os indivíduos deveriam ser
reduzidos a membros da sociedade, impedidos de que seus interesses criassem a desarmo-
nia. Um século mais tarde, essa ideia inspiraria os princípios do comunismo professado por
Marx e Engels.
“O homem nasce livre, e por toda a parte vive acorrentado. O que se crê senhor dos
demais não deixa de ser mais escravo do que eles. (...) A ordem social é um direito sagrado
que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza:
funda-se, portanto, em convenções”. (O Contrato Social - Rousseau)
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Rousseau e Adam Smith 51
2 Adam Smith, Liberdade e Estado
Adam Smith nasceu em 1723, na cidade de Kirkcaldy, na Escócia. O
pai faleceu quando Adam tinha apenas dois meses de nascido. Foi cria-
do pela mãe. Aos 14 anos, Adam ingressou na Universidade de Glasgow,
onde estudou Filosofia Moral. Posteriormente, estudou em Oxford. Aos
17 anos, passou a dar aulas de Retórica e Literatura na capital, Edimbur-
go. Em 1751, assumiu o posto de professor de Lógica e Filosofia Moral
na Universidade de Glasgow. Em 1759, publicou a obra Teoria dos Sen-
timentos Morais. Depois dessa obra, Adam Smith começou a dar mais
atenção às áreas de Economia e Direito. Em 1776, publicou sua principal
obra, A Riqueza das Nações. Faleceu em Edimburgo, em 1790. Adam
teve grandes contribuições que são lembradas hoje em Filosofia Política, Moral e Economia.
Muito dos estudos sobre livre-mercado são baseados nas ideias de Adam Smith.
A natureza humana
O seriado Vida de Madeireiro (Big Timber), exibido em 2020 pelo Canadian History
Channel, mostra o dia-a-dia de Kevin Wenstob, dono de uma serraria no Canadá e especia-
lista em corte e retirada de grandes troncos de árvores das florestas. Seu principal trabalho
é cortar e transportar esses troncos para as serrarias, o que lhe rende um bom dinheiro.
Logo nos primeiros episódios, assistimos a uma negociação que Kevin trata com outro dono
de serraria, Perry. Este serrador precisa semanalmente de muita madeira de qualidade para
vender a uma construção, pois assim conseguirá ganhar um bom dinheiro. Kevin fecha ne-
gócio com Perry e se compromete a trazer 100 caminhões de toras de madeira, retiradas das
florestas do norte do Canadá. A partir daí, o seriado acompanha a aventura da retirada e do
transporte dos troncos de árvores.
Tanto Kevin quanto Perry são especialistas em seus negócios; ambos têm seus próprios
interesses. Para eles, não há trabalho por caridade, e sim profissional. Para que Kevin se
saia bem, é necessário que Perry tenha sucesso ao vender a madeira. Se ambos obtiverem
sucesso em suas atividades, todos saem ganhando. Adam Smith acreditava precisamente
nisso.
Podemos entender Adam Smith como um pensador oposto à perspectiva de Rousseau,
para quem o Estado deveria ser fundamentado no interesse coletivo, na vontade geral. Adam
Smith considerava que os interesses próprio e privado eram o grande motor para o desenvol-
vimento da sociedade, do bem-estar e da felicidade. Logo, o Estado deveria zelar por isso.
Para o pensador escocês, era fundamental compreender a busca pela vantagem pes-
soal que cada indivíduo procura. Smith entendia que o interesse privado das pessoas em
buscar sua própria prosperidade tem consequências indiretas para o bem-estar de todos.
Alguém que deseja prosperar com seu negócio ou empresa, por exemplo, acabará por dar
empregos a outras pessoas, gerando rendimentos, comprando e vendendo produtos, ge-
rando trabalho para muitas pessoas direta e indiretamente. Se pensarmos em uma socieda-
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52 Capítulo 7
de inteira, nestes termos, diria Smith, veremos uma sociedade prosperando e aumentado
a qualidade de vida de todas as pessoas. Muito diferente de Rousseau, para Adam Smith
o vínculo social entre as pessoas naturalmente é baseado nos interesses individuais, sem
excluir a benevolência e a caridade.
O papel do Estado
Para Adam Smith, se os indivíduos tiverem a máxima liberdade para buscar os seus
interesses próprios, desenvolver os seus próprios negócios, procurar suas vantagens e seu
bem-estar, automaticamente haverá uma espécie de “harmonia natural” entre os negó-
cios, pois uns dependerão dos outros para alcançar seus próprios interesses. Adam Smith
afirmava que entre a total liberdade para os indivíduos buscarem seus interesses, há uma
espécie de mão invisível que organiza as relações entre as pessoas.
Nesse sentido, Adam Smith defendia que o Estado deveria dar o máximo de liberdade
para os indivíduos alcançarem os seus próprios interesses, seu bem-estar pessoal. Adam
entendia que o papel do Estado deveria ser o de cuidar da segurança pública, manter a ordem
e a paz, garantir a propriedade privada. Até mesmo os contratos entre negociantes, patrões e
empregados deveriam ter a liberdade de negociação, sem a interferência do Estado.
Essa total liberdade dos interesses privados se apresenta como uma perspectiva opos-
ta ao que defendia Rousseau. Adam Smith é um pensador associado às ideias da Livre Eco-
nomia e ao Liberalismo.
A Riqueza das Nações
“(...) Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos
o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não
à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das
vantagens que eles podem obter”. (A Riqueza das Nações, trad. Luiz João Baraúna, ed. Nova
Cultural, SP, 1996, p. 74)
1. Descreva a hipótese do bom selvagem, de acordo com o pensamento de Rousseau.
2. Assim como os demais contratualistas, Rousseau se propôs a compreender a natu-
reza humana. Descreva como esse filósofo definia a natureza humana.
3. Resuma a proposta de um novo Contrato Social, de acordo com Rousseau.
4. Ao considerar as ações humanas em sociedade, Adam Smith se diferenciou do pen-
samento de Rousseau. Descreva como Adam Smith entendia a busca pelos interesses
próprios.
5. De acordo com Adam Smith, descreva qual deveria ser o papel do Estado.
Os Poderes para Montesquieu 53
Imagine que três pessoas sejam deixadas em uma floresta, com o objetivo
de encontrarem um meio de sair dela. Eles não sabem onde estão, não possuem
bússola ou mapa. Cada um tem um tipo de conhecimento, um temperamento e
uma personalidade diferente. Pensam, de modo diferente, quanto ao caminho a
seguir e em como sobreviver. Quais são as alternativas para que todos saiam com
vida da floresta?
Eles podem entender que o caminho é difícil, que não há consenso e que,
portanto, deve ser cada um por si. Possivelmente, as chances de sobrevivência
diminuem nessa situação, pois a ajuda de um ao outro pode ser melhor do que
andar ou agir sozinho.
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54 Capítulo 8
Eles podem discutir e chegar à conclusão de que
é melhor seguirem juntos. Mas, então, por qual cami-
nho? E quem vai escolher? O mais forte comanda? O
mais inteligente? E se um deles impusesse sua von-
tade, a força ou agisse por chantagem? Ou uma vo-
tação seria o melhor? Mas essa votação respeitaria a
vontade de todos? Até que ponto um deles terá de se
submeter totalmente? E se um não concordar com a
decisão dos outros dois, será melhor aceitar sozinho
ou seguir ideias com as quais não concorda?
Isso tudo pode parecer um desafio de reality show. No entanto é o grande problema
dos poderes em sociedade: "Como organizar a sociedade e o poder para que as decisões
sejam justas e boas?" Esta foi uma questão estudada por um pensador que viajou muito,
estudou muito, observou muito e chegou a certas conclusões que possuem influência até
nos dias atuais, em quase todas as democracias do mundo. Vejamos o que este pensador,
Montesquieu, tem a contribuir para as nossas reflexões sobre política, poder e liberdade.
1 Montesquieu e a observação das sociedades
Charles Louis de Secondat, Barão de Montesquieu (1689 – 1755),
foi um pensador, político e escritor francês, nascido no castelo de La
Brède, na região de Bordeaux. Filho de família nobre, teve formação
jurídica e humanista. Formou-se em Direito no ano de 1708. Em 1721,
então com 22 anos, Montesquieu publicou um livro intitulado Cartas
Persas, uma sátira sobre a sociedade e a Filosofia francesa da época,
mostrando, desde aquele momento, um grande talento literário e de
observador da sociedade. Com essa obra, ganhou notoriedade entre
o círculo intelectual europeu. Atuou como político do Parlamento de
Bordeaux entre 1714 e 1728, e teve contato com os iluministas de Pa-
ris, como Diderot e d’Alembert. Depois desse período, viajou por diversos países como Itá-
lia, Suíça, Alemanha, Holanda e Inglaterra, onde morou por quase um ano. Nesse período,
estudou a política dos diferentes países e regimes. Retornou a sua residência em 1731,
onde trabalhou em suas obras. Montesquieu estudou e escreveu sobre diversos assuntos,
como literatura, ciência e Política. Nesta área, ganha destaque sua principal obra, O Espírito
das Leis (1748). Faleceu em 1755.
O método de Montesquieu.
Montesquieu se destacou nas áreas de História e Filosofia, por
inaugurar um método diferente para analisar as sociedades, os costu-
mes e as políticas. É importante entendermos esse método para com-
preendermos de onde Montesquieu tirou a ideia da separação dos po-
deres.
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Aprender Filosofia 8 ano - Editora Enovus

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  • 2. Cidney A. Surdi Junior Doutorando em Educação pela Universidade de Bra- sília, com pesquisas e publicações sobre a História da Educação por competências. Possui Mestrado e Graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. Atua como professor do ensino superior e bá- sico há mais de 12 anos. É co-autor do livro infantil Tomatinho no Jardim (2021), pela Editora Giostri. É autor de livros da Coleção Aprender Filosofia por esta Editora. Direção Robert Cunha Edição Bruno Borges Revisão técnica André Luiz Silva Assessoria pedagógica Anna Paula Pazetti Praxedes Revisão de Texto Regina Coelho Coordenador de produção Sérgio Viana C. Júnior Editoração Eletrônica Guilherme de M. Alencar Guilherme Alencar Capa / Projeto Gráfico Guilherme de M. Alencar Imagens e fotografia Banco de imagens Shutterstock Ltda. Banco de imagens Editora Enovus Impressão e acabamento Athalaia Gráfica e Editora. EDITORA ENOVUS Endereço – QS 03 Rua 420 lt.02 Águas Claras – DF Tel.: (61) 3563-1421 (61) 99214-0890 Site: www.editoraenovus.com.br E-mail: contato@editoraenovus.com.br ©Todos os direitos reservados à Editora Enovus. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S958a Surdi Junior, Cidney A. Aprender filosofia : 8 / Cidney A. Surdi Junior. - 1. ed. - Brasília [DF] : Enovus, 2022. 114 p. ; 27 cm. Apêndice Inclui bibliografia e índice ISBN 978-65-89188-15-5 1. Filosofia (Ensino fundamental) - Estudo e ensino. I. Título. 22-81210 CDD: 107 CDU: 373.3.016:1 Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643 18/11/2022 23/11/2022 Procuramos, com empenho, identificar e indicar os créditos de textos e de imagens utilizados nesta obra, com base no que permite a Lei nº 9.610/98. Caso haja eventuais irregularidades concernentes aos as- pectos supracitados, colocamo-nos à disposição para ava- liar situações e fazermos as devidas correções. Imagens e textos publicitários e de propaganda presentes nesta obra possuem apenas objetivos didáticos e não têm como propósito incentivar o consumo.
  • 3. Muitas pessoas sentem dificuldades ao ler livros ou textos sobre Filosofia. Isto pode pode acontecer por vários motivos; seja por causa do vocabulário, dos conceitos abstra- tos, pelo assunto, pela profundidade das explicações ou, até mesmo, por não conseguirem acompanhar o raciocínio do filósofo. Não se deve deixar de considerar, porém, que muitas das dificuldades aparecem porque a maioria dos leitores não fazem as perguntas corretas ou adequadas ao contexto. Isto mesmo: pode-se fazer perguntas texto, ao livro e, quando possível, ao filósofo! Livros, geralmente, são registros do que pessoas pensaram, estudaram, elaboraram, criaram ou experimentaram. É comum o autor não conseguir expressar, em palavras, tudo o que deseja externar. Você sempre deve questionar: De onde o filósofo tirou isso? Que tipo de experiência ele deve ter tido para escrever tais coisas? No início, durante e ao final da leitura, pergunte a si mesmo: Qual é a questão que o filósofo está buscando responder? Qual é o problema que está sendo tratado? Não deixe de se indagar: Como o filósofo aborda essa questão? Qual é o seu estilo? Quais são os seus principais argumentos? Quais são as palavras e ideias recorrentes? Ao ler o texto, você sempre deve se perguntar: O que isso quer dizer na realidade? A que isso corresponde na vida real? Você conhece algum outro autor que já tratou da mesma questão? Ou este que você lê é o primeiro a falar de tais assuntos? Quais são as semelhanças e as diferenças com aquilo que você já sabe sobre o assunto? Houve acréscimo? Seja bem-vindo à tarefa de construção de vários conhecimentos e, principalmente, ao estudo de questões gerais e fundamentais à existência humana, que são atributos da Filosofia. Um abraço! O autor. Apresentação
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  • 5. Unidade I - Conhecimento humano 8 1 Capítulo Opinião e conhecimento 11 Juízos de Fato e Juízos de Valor 12 As diferenças entre Opinião e Conhecimento 13 2 Capítulo O Racionalismo de Descartes 16 O “novo caminho” de Descartes 17 A Dúvida Metódica e as Ideias Inatas 18 3 Capítulo O Empirismo de John Locke 21 O conhecimento para Locke 23 Nascemos como "uma folha em branco" 24 4 Capítulo O conhecimento para Kant 26 A revolução de Kant 28 Razão, experiência e conhecimento 29 Unidade II - Filosofia e Política 34 5 Capítulo Política e Poder 37 Conceito de política 38 As formas de poder 38 6 Capítulo O Estado para Hobbes e Locke 42 Thomas Hobbes (1588 - 1670) 43 John Locke (1632 - 1704) 46 7 Capítulo Rousseau e Adam Smith 48 Rousseau, "O Mito do Bom Selvagem" e o "O Contrato Social" 49 Adam Smith, Liberdade e Estado 51
  • 6. 8 Capítulo Os Poderes para Montesquieu 53 Montesquieu e a observação das sociedades 54 A liberdade e a Teoria dos Três Poderes 55 Unidade III - Pensamento autônomo 62 9 Capítulo O valor das opiniões 65 Opiniões e Responsabilidade 66 Obstáculos para o pensamento próprio 67 10 Capítulo Iluminismo 70 O Iluminismo 71 O projeto Enciclopédia 73 11 Capítulo Pensadores iluministas 75 d’Alembert e Diderot: a razão como princípio 76 Voltaire: liberdade e tolerância 78 12 Capítulo Sapere aude 80 Esclarecimento e maioridade 81 Coragem e uso público da razão 82 Unidade IV - Ética, Moral e Liberdade 88 13 Capítulo Ética e Moral 91 Ações e decisões humanas 92 Definições de Ética e Moral 94 14 Capítulo Virtude 98 "Uma andorinha sozinha não faz verão" 99 A noção de Virtude 99
  • 7. 15 Capítulo Autocontrole e felicidade 103 Felicidade: meios e fins 104 O conceito de Autocontrole 106 16 Capítulo Liberdade 108 Os obstáculos para a Liberdade 109 O livre-arbítrio 111 Referências bibliográficas 117
  • 8. Unidade I Conhecimento humano Capítulos O conhecimento para Kant O Empirismo de John Locke O Racionalismo de Descartes Opinião e conhecimento
  • 9. Conhecimento humano 9 Se você olhar agora para a rua, é possí- vel que enxergue algumas pessoas. Apesar de nunca tê-las visto antes, você deve ad- mitir que já tem muitas informações sobre elas: sabe que usam as pernas para andar, respiram e se alimentam como você, possi- velmente, falam o mesmo idioma que você. Sabe também que todas elas possuem suas histórias de vida, têm preferências e gostos, e muitos outros aspectos. Além disso, você tem consciência de várias coisas que não podem fazer: elas não podem voar batendo as mãos, farejar igual a um cachorro, subir as paredes igual a uma lagartixa, ficar muito tempo sem respirar ou tomar água, etc. Todos esses aspectos que você já sabe são suficientes para dizer que conhece aquelas pessoas? Parece que não. Qual é a diferença do conhecimento que você tem dessas pessoas e o que tem das pessoas da sua família? Afinal, o que significa conhecer algo ou alguém? Existem graus maiores ou menores de conhecimento? Se existem, o que determina a faculdade de se ter mais ou menos conhecimento? O que diferencia um conhecimento verdadeiro de um falso? Qual é a diferença entre ter uma simples opinião e ter um verdadeiro conhecimento sobre algo? Será que só existe conhecimen- to quando nós conseguimos explicar algu- ma coisa? Enfim, o que os grandes filósofos pensaram sobre isso? Falar sobre conhecimento humano é abordar um assunto amplo, que pode ser tratado de diversas maneiras. Podemos falar sobre o conhecimento humano por meio das pesquisas sobre o funcionamento do cérebro, com o uso das pesquisas antro- pológicas, verificando como cada cultura procura explicar o mundo em que vive. O Shutterstock: Kirasolly
  • 10. 10 Unidade I conhecimento também é passível de explicações por meio da Biologia, da História, da Arte e de várias áreas desenvolvidas pelo ser humano. Porém, em se tratando de Filosofia, o que interessa é investigar as origens e os funda- mentos daquilo a que chamamos conhecimento. Na História da Filosofia, é possível encontrar um debate a respeito do conhecimen- to humano que mereceu a atenção de importantes pensadores. Tal debate envolveu três perspectivas: o Racionalismo, o Empirismo e o Criticismo. Cada uma dessas perspectivas pode ser representada, respectivamente, por filósofos como René Descartes, John Locke e Immanuel Kant. As investigações e reflexões desses pensadores oferecem explicações sobre como nós conhecemos o mundo e quais são os limites das nossas capacidades cog- nitivas. Estudar esse longo debate filosófico pode contribuir muito para aprofundarmos o conhecimento sobre nós mesmos, o que podemos conhecer e o que, afinal, é conhecer alguma coisa. Isto é o que faremos nos próximos quatro capítulos desta unidade. No capítulo 1, vamos estudar as diferenças entre opinião e conhecimento. No capítulo 2, estudaremos a perspectiva racionalista do filósofo René Descartes sobre o conhecimento humano. No capítulo 3, iremos estudar a perspectiva empirista do filósofo inglês John Locke, contrária à de Descartes. Por fim, no capítulo 4, estudaremos a perspectiva do filósofo Immanuel Kant, que busca uma conciliação entre as posições anteriores sobre o conhecimento humano. Utilize o leitor de QR Code do seu celular para assistir ao vídeo relacionado ao conteúdo, e responda às questões a seguir. 1. Qual é a lição que o "Mito de Prometeu" pode nos dar sobre o conhecimento? 2. Qual é o significado e o benefício de se compreender o conhecimento humano? Shutterstock: SvetaZi
  • 11. Opinião e conhecimento 11 Se o seu carro estragar, aonde você deve procurar ajuda? O mais indicado seria numa mecânica, certo? Mas por que não procuramos ajuda no restaurante mais próxi- mo? Por que não pedir o favor de algum garçom para dar uma olhada no motor? Bem, seria muito estranho fazer isso. Por quê? Você saberia explicar, com clareza, por que é mais indicado procurar um mecânico do que um garçom, nesse caso? Se levarmos ao mecânico, não será absolutamente certo que ele irá consertar o carro. Devemos admitir que existe possibilidade de não ser possível o conserto. Sendo assim, preferimos levar o carro ao mecânico a procurar um garçom. Recorremos ao mecânico porque, nesse caso, é a pessoa mais indicada para entender o problema do carro. Sabemos que o mecânico não dará uma mera opinião sobre o motor, como tal- Shutterstock: Studio Romantic
  • 12. 12 Capítulo 1 vez um garçom faria. Admitimos que o mecânico tenha mais conhecimento sobre o motor do carro do que nós e o garçom. Shutterstock: VGstockstudio Esse exemplo basta para percebermos, facilmente, que existe uma grande diferença en- tre opiniões e conhecimentos. Neste capítulo, vamos aprofundar essa diferenciação e com- preender as devidas características do que venha a ser opinar e o que significa ter conheci- mento aprofundado. 1 Juízos de Fato e Juízos de Valor Aparentemente, a maioria das pessoas é capaz de per- ceber a diferença entre alguém que diz “O bolo de fubá de- veria fazer parte de todos os cafés da manhã” e alguém que diz “O bolo de fubá foi introduzido no Brasil pelos portugue- ses, na época da colonização, com a introdução do milho na produção de alimentos”. Você conseguiria explicar a diferen- ça entre essas duas sentenças? Não parece difícil perceber que a primeira se trata de uma opinião pessoal e a segunda de uma descrição objetiva. No entanto muitas conversas, debates e discussões geram dificuldades porque, comu- mente as pessoas confundem essas duas coisas: opinião e conhecimento. Para começarmos a esclarecer as diferenças entre opiniões e conhecimentos, vamos tratar de uma diferencia- ção muito básica: a diferença entre Juízos de Fato e Juízos de Valor. O que vem a sua mente ao ouvir a palavra juízo? Juízo é a capacidade de avaliar, escolher, decidir e expressar verbalmente. Trata-se do ato de julgar e avaliar alguma coisa, uma informação, um objeto ou uma situação. Por exem- plo, quando alguém pergunta a um indivíduo “Qual é o seu juízo a respeito de tal situação?”, está pedindo que o indivíduo avalie e julgue. Ou quando diz que “Fulano perdeu o juízo”, está querendo dizer que fulano perdeu a capacidade de avaliar e decidir bem. Essa mesma noção de juízo está presente na palavra juiz, aquele que avalia e emite um julgamento. De modo básico, existem duas amplas classificações dos juízos. Vejamos. Shutterstock: Viktoria Kurpas
  • 13. Opinião e conhecimento 13 Juízos de Fato: são afirmações que pretendem descrever, factualmente, os aspectos da realidade. Estes juízos são afirmações objetivas, que não envolvem percepções ou valo- res individuais. Por exemplo, simples afirmações como “A chuva molha”, “O fogo queima”, “O tempo passa”, são expressões que estão descrevendo a realidade de maneira objetiva, factual. Juízos de Valor: são avaliações realizadas a partir de valores, percepções e gostos indi- viduais. Esses juízos envolvem avaliações subjetivas. Por exemplo, “O frio é péssimo”, “O calor é ótimo”, “A Filosofia Moderna foi um retro- cesso”, “A Filosofia Moderna foi um avanço”, são afirmações que envolvem percepções e valores individuais, pois há um valor atribuído ao objeto analisado. 2 As diferenças entre Opinião e Conhecimento Para organizar e aprofundar a compreensão sobre as diferenças en- tre opinião e conhecimento, podemos utilizar a classificação criada pelo pensador americano Mortimer J. Adler (1902-2001). Filósofo e educador americano, nascido em Nova York, Adler se des- tacou como um pensador e escritor muito popular. Suas obras chamaram atenção pela clareza da linguagem empregada. Durante muito tempo, Adler se dedicou a divulgações dos grandes clássicos da civilização oci- dental. Dentre suas muitas obras, se destacam Como Ler Livros (1940) e Como pensar sobre as Grandes Ideias (2000). De acordo com Mortimer Adler, há quatro critérios para estabelecermos a diferença en- tre opinião e conhecimento. Mas atenção! Esses critérios não são regras matemáticas para serem aplicadas estritamente. Relacionam-se a quatro dicas que podem tornar as diferenças entre opinião e conhecimento mais claras, porém isso não exclui as dificuldades que possam aparecer. Vejamos. Validade Universal O primeiro critério a considerar sobre uma informação recebida é verificar se ela é válida ou não para todas as pessoas. Opiniões podem ou não serem aceitas por todos, pois envolvem percepções e valores pessoais. Mas conhecimentos são informações que apelam para uma validade universal: não são apenas percepções individuais. Analise as frases: Cesta básica tem queda de 1,43%, revela pesquisa do Procon A Filosofia não é ciência e está fadada a desaparecer, afirma pesquisador A primeira frase é uma informação válida para todas as pessoas, pois apela para a validade universal, não é apenas um ponto de vista ou percepção individual. Não se trata de uma opinião, mas de uma informação que serve de conhecimento. Já a segunda frase envolve a possibilidade de contestação ou discórdia, pois trata-se de uma perspectiva indi- vidual, ainda que bem fundamentada. Wikimedia - Centro para o Estudo das Grandes Ideias / CC BY-SA 3.0
  • 14. 14 Capítulo 1 Grau de Certeza O segundo critério a considerar é o grau de certeza sobre a informação. Normalmen- te, se o grau for alto, trata-se de uma informação mais objetiva, portanto mais passível de ser um conhecimento. Se o grau de certeza for baixo, trata-se de uma opinião. Analise as manchetes: Veja as profissões que podem acabar até 2030. Veja o que dizem especialistas em merca- do de trabalho Pesquisas comprovaram que atividade física frequente aumenta o fluxo sanguíneo cere- bral, aumentando a atividade dos neurotransmissores Qual é o grau de certeza que podemos ter dessas informações? A primeira frase trata de uma previsão: não sabemos o que exatamente irá acontecer nos próximos anos com relação ao mercado de trabalho, ainda que um especialista faça suas apostas. Nesse caso, podemos dizer que o grau de certeza é baixo, o que configura mais uma opinião do que um conhecimento. Já a segunda frase anuncia estudos que podem demonstrar os impactos da atividade física no cérebro; não são apenas suposições ou previsões de cientistas, mas uma informação com maior grau de certeza. É razoável discordar? O terceiro critério diz respeito ao direito de discor- dar. Normalmente, entramos em conflito diante de opini- ões: não diante de conhecimentos, pois estes estão cer- tos ou errados. Podemos entrar em conflito ou disputa por opiniões políticas, artísticas, esportivas, etc. Mas não faz muito sentido entrar em conflito diante de Juízos de Fato. Não falamos que conhecimentos são conflitantes da mesma forma que as opiniões o são. Leia as frases: - A penicilina age impedindo que as bactérias formem uma parede celular. - Grave acidente em posto de gasolina poderia ter sido evitado. Considere a primeira frase sobre a penicilina. Faz sentido entrarmos em conflito a res- peito da afirmação? A não ser que você tenha diferentes informações sobre a penicilina, demonstrando que a afirmação está errada, não faz sentido levantar uma opinião ou per- cepção individual diferente. Já a segunda frase apresenta uma percepção individual: a pes- soa que apresentou a afirmação considera a hipótese de que o acidente poderia ter sido evitado. Trata-se de uma perspectiva, diante da qual podem ser levantadas outras opiniões, o que pode gerar um conflito de posições pessoais. Shutterstock: KieferPix
  • 15. Opinião e conhecimento 15 Consenso (entrar em acordo) Shutterstock: fizkes O quarto critério para diferenciarmos opinião de conhecimentos é o consenso. A per- gunta a ser feita aqui é: "Podemos entrar em acordo ou desacordo sobre esta informação?" Se for possível, provavelmente trata-se de uma opinião. Se não for possível, provavelmente trata-se de um conhecimento. Só deve haver concordância ou discordância com relação a opiniões; conhecimentos estão certos ou errados. Veja as manchetes a seguir. Pesquisa revela crescimento de 74% dos alunos de pós-graduação no país Confira a lista dos melhores restaurantes de cozinha variada em Brasília A primeira frase é uma manchete que anuncia uma pesquisa quantitativa. A menos que você tenha informações contrárias e suficientes para contradizer a pesquisa, trata-se uma informação que não se presta à discordância ou concordância. Ou está certa, ou está errada. Já a segunda frase, sobre os restaurantes, demonstra um ponto de vista, pois quali- fica os restaurantes como melhores. Você pode verificar esses restaurantes e concluir que a lista faz sentido. Pode também discordar de todas ou de algumas indicações da lista. Nesse caso, como se trata de uma afirmação na qual cabe acordo, trata-se de uma opinião. 1. Escreva a definição de Juízo. 2. Diferencie “Juízo de Fato” de “Juízo de Valor”. 3. Descreva os quatro critérios para diferenciar opinião de conhecimento, segundo Mortimer Adler. 4. Aponte a principal característica do critério “Consenso” para diferenciar opinião de conhecimento. 5. Utilizando o critério de “Validade universal”, descreva a diferença entre opinião e conhecimento.
  • 16. Em 1994, na Universidade Iowa, EUA, cientistas desenvolveram um experimento para investigar como tomamos decisões diante de desafios. O experimento consistia no seguinte: Imagine que você seja convidado para um jogo de cartas. Na sua frente, estão quatro maços de cartas: dois de cartas azuis, dois de cartas vermelhas. Você é infor- mado que cada carta tirada poderá lhe render algum dinheiro. A sua tarefa é virar as cartas, uma de cada vez, de qualquer maço que você desejar, e tentar aumentar os seus ganhos o máximo que puder. Porém o que você não sabe é que os maços verme- lhos contêm cartas com prêmios pequenos e prejuízos muito grandes em dinheiro; já Wikimedia © Domínio Público
  • 17. O Racionalismo de Descartes 17 os maços azuis, contêm cartas com prejuízos pequenos e prêmios altos em dinheiro. A grande questão é: Quanto tempo você levaria para descobrir essa regra? A experiência mostrou que, em geral, depois de virar 50 cartas, a maioria das pessoas tinha um pres- sentimento, ou seja, surgia uma breve desconfiança de que era melhor virar as cartas dos maços azuis. Porém elas não sabiam explicar exatamente o porquê dessa desconfiança. Somente depois de virar em 80 cartas, quase todas as pessoas anunciavam que haviam des- coberto exatamente a regra do jogo e paravam de virar essas cartas. Ocorre que existia um elemento a mais nessa experiência: nas mãos dos participantes haviam sido instalados eletrodos que mediam a atividade das glândulas sudoríparas na pele. Uma máquina que media o suor das mãos enquanto as pessoas realizavam a tarefa (considere que a atividade das glândulas sudoríparas está relacionada ao estresse). Os cientistas descobriram que as pessoas começavam a apresentar suor nas mãos e a mudar seu comportamento a partir da 10ª carta! Ou seja, muito antes de começarem a des- confiar da regra do jogo (depois de 50 cartas), já começavam a decifrar a regra, quase que inconscientemente! Isso significa que elas passavam a tomar decisões corretas muito antes de terem consciência do que realmente estava acontecendo. Essa experiência levanta algumas questões importantes: O que, de fato, pode ser con- siderado conhecimento? Conhecimento é apenas aquilo que conseguimos explicar? Conhe- cimento é apenas aquilo que é claro e evidente? Há alguma dimensão do conhecimento que deve ser admitida como nebulosa? Podemos ter conhecimentos corretos mesmo de modo inconsciente? O que é conhecer alguma coisa? O que é um conhecimento verdadeiro? Procurar saber quais são as origens, os limites e os fundamentos daquilo a que chama- mos "conhecimento verdadeiro" foi objeto de investigação de muitos filósofos, no início da Modernidade, entre os séculos XVI e XVII. Um dos pensadores de maior destaque daquele momento foi René Descartes (1596-1650). Vejamos como as contribuições de Descartes po- dem nos ajudar a compreender um pouco mais sobre o conhecimento humano. 1 O “novo caminho” de Descartes René Descartes (1596-1650) é considerado um dos mais destacados filósofos da Modernidade. Teve contribuições nas áreas de Matemática, Álgebra, Física e Filosofia. O seu lugar na História da Filosofia marca um ponto de grandes mudanças e rupturas com a Idade Média. Quando tinha oito de anos idade, seu pai o colocou no colégio jesuíta Royal Henry-Le-Grand, em La Flèche, um dos colégios mais prestigiados da França. Ali, Descartes permaneceu por 9 anos como estudante. Ainda que, Shutterstock: Morphart Creation Shutterstock: Alexander Canas Arango
  • 18. 18 Capítulo 2 posteriormente, tenha seguido seus estudos na Universidade de Poitiers, formando-se em Di- reito, Descartes ainda se recordaria, anos depois, das suas impressões sobre o ensino recebido no colégio em La Flèche. O modo como a Filosofia era ali ensinada causou no pensador im- pressões negativas: para Descartes, as polêmicas e discussões filosóficas pareciam nunca sair do lugar. Este teria sido um dos grandes motivos para o surgimento das reflexões filosóficas de Descartes: buscar um caminho novo ou um novo método que tornasse possível alcançar um conhecimento seguro e inabalável sobre a realidade, para que, desse modo, a Filosofia avan- çasse. Descartes observou que, enquanto a matemática e as demais ciências prosperavam e se desenvolviam, a Filosofia permanecia envolvida com as mesmas questões, desde o seu início. E isso incomodava Descartes. Como seria possível que não tivéssemos progredido em Filosofia? Descartes considerava que era necessário buscar um grau de certeza e segurança na Filosofia, como acontecia nas outras ciências e, principalmente, na Matemática. No início de sua obra O Discurso do Método (1637), Descartes afirmou: “O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. Não é ver- dade que todos se enganem nesse ponto: antes, isso mostra que a capacidade de julgar bem, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama de bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, assim, que a diversidade de nossas opiniões não se deve a uns serem mais ra- cionais que outros, mas apenas que conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e não consideramos as mesmas coisas”. Essa diversidade de opiniões, que tantas dúvidas e equívocos produzia, de acordo com Descartes, deveria ser corrigida. E o caminho para isso era buscar uma correta e acertada orientação para a razão. Tal ideia foi desenvolvida em obras como Regras para a Direção do Espírito (1629) e Discurso do Método (1637), livros que se tornaram clássicos em Filosofia. Vejamos, a seguir, como Descartes entendia as origens e o funcionamento do conhecimento humano. 2 A Dúvida Metódica e as Ideias Inatas O método criado por Descartes ficou conhecido como Dúvida Metódica e tinha por objetivo estabelecer um critério seguro para buscar conhecimentos verdadei- ros e não enganosos. O método consistia em duvidar de tudo o que ele conhecia para, ao final, verificar se alguma coisa sobrava. Primeiro, Descartes começou por considerar a possiblida- de de que todos os seus conhecimentos e as informações Wikimedia © Domínio Público Shutterstock: pathdoc
  • 19. O Racionalismo de Descartes 19 adquiridas teoricamente fossem falsos. Depois, começou a duvidar de todos os conhecimentos e informações obtidas pelos sentidos, já que podemos nos enganar ao olhar ou tocar em alguma coisa. Levando o experimento ao extremo, Descartes colocou tudo em dúvida e se perguntou: "Se eu duvidar de todas as coisas possíveis, qual é a única coisa de que eu não posso duvidar?". A sua conclusão foi: "Eu posso duvidar de muitas coisas, de quase tudo. Porém a única coisa que eu não posso colocar em dúvida é que sou eu quem está duvidando, sou eu que, por meio do pensamento, exerço a dúvida. Se eu estou duvidando de todas as coisas, eu não posso duvidar de que sou eu que estou duvidando". Portanto, o fato de eu estar pensando é certo e seguro, não pode ser duvidado. Descartes havia chegado a um limite, a uma certeza inegável, do mesmo nível que 2 mais 2 são 4. A primeira grande certeza que Descartes des- cobriu foi a da sua existência: "Penso, logo existo", diria Descartes. A segunda grande consideração de Descartes é que a primeira conclusão não foi obtida por intermédio dos sentidos, mas por meio da razão, do raciocínio. As- sim, Descartes identificou que o caminho para se chegar a verdades seguras e ina- baláveis, tanto nas ciências como na Filosofia, não pode se basear, exclusivamente, nos cinco sentidos e nas experiências, pois estes podem nos enganar. A busca por conhecimentos seguros e verdadeiros deve ter como base exclusivamente a ra- zão. Devemos considerar como conhecimento apenas aquilo que for obtido pelo caminho claro, irrefutável e explicável de modo racional. Eis o motivo pelo qual Descartes é conhecido como um filósofo racionalista; defende que o caminho para a verdade deve ser exclusivamente racional. Utilize o leitor de QR Code do seu celular para assistir ao vídeo Penso, logo existo, relacionado ao conteúdo, e res- ponda às questões a seguir. 1. O que levou Descartes a uma depressão profunda? 2. Quais são as quatro regras para chegarmos à Verdade? A terceira grande característica do pensamento de Descartes diz respeito ao modo como obtemos as nossas ideias. Descartes defendia a existência de três ti- pos de ideias: as Ideias Inatas, que não são adquiridas pela experiência, mas já nascem conosco, como capacidade lógica e racional; as Ideias Adventícias, que são obtidas pela experiência prática, como resultado da nossa experiência com o mundo e as Ideias Factícias, que são formadas pela imaginação, com base em ideias anteriores.
  • 20. 20 Capítulo 2 Dos três tipos de ideias, Descartes considerava que o erro e o engano estariam muito presentes nas Adventícias e nas Factícias, pois são ideias que surgem das experiências. As únicas ideias que podem nos indicar o conhecimento verdadeiro são as baseadas na raciona- lidade, as Ideias Inatas. O que Descartes estava querendo dizer era que, de fato, recebemos, pelas experiências, muitas informações, como, por exemplo, quando vemos que o dia está nublado. No entanto só podemos chamar de conhecimento verdadeiro a explicação racional dessa experiência e não a experiência de olhar o dia nublado. Descartes defendia que o co- nhecimento verdadeiro e seguro só pode estar na explicação racional, pois a experiência e os sentidos podem nos enganar. Descartes foi um filósofo que buscou compreender quais são as origens do conhecimen- to verdadeiro. Suas reflexões o levaram a concluir que o caminho racional é o mais seguro, portanto as ciências e a Filosofia deveriam sempre privilegiar raciocínios lógicos e evidentes ao analisar a realidade. Nada do que fosse nebuloso, confuso ou inexplicável deveria ser ad- mitido como verdade. Você se lembra do experimento das cartas, relatado na introdução deste capítulo? Como Descartes explicaria o experimento? Para Descartes, haveria conhecimento verdadeiro sem a clareza racional e explicativa? Descartes aceitaria como conhecimento apenas a desconfiança confusa surgida depois de 50 cartas? O que você pensa a respeito disso? 1. Com relação ao experimento das cartas, da Universidade de Iowa, responda: a) Qual era a regra que os participantes deveriam descobrir? b) Com quantas cartas os participantes começavam a desconfiar da regra? c) Com quantas cartas os participantes demonstraram certeza da regra do jogo? d) Qual era o elemento adicional da experiência e o que ele revelou? 2. A respeito das reflexões filosóficas de Descartes, cite o principal incômodo quando ele comparava a Filosofia com outras áreas do conhecimento e o que deveria ser feito. 3. Descartes se dedicou a compreender como obtemos nossas variadas ideias. Diferen- cie Ideias Inatas, Adventícias e Factícias. 4. Escreva o significado de Ideias Inatas. 5. Descartes buscou compreender as origens do conhecimento verdadeiro. Apresente a conclusão a que ele chegou.
  • 21. 21 O Empirismo de John Locke Em 1983, um negociante de arte procurou o Museu Paul Getty, na Califórnia, EUA, para vender uma estátua grega de mármore, datada do século VI a.C.. A está- tua seria de um kuoros, escultura que representa um jovem grego. O negociante a teria achado em uma coleção particular de um médico suíço que, por sua vez, a teria comprado de um comerciante de arte grego. Agora, o negociante pedia cerca de 10 milhões de dólares pela peça. Os diretores do museu ficaram interessados. Sendo assim, resolveram abrir uma in- vestigação para apurar a procedência da estátua, como normalmente faziam. Um geólo- go, contratado para examinar a peça, realizou procedimentos químicos e concluiu que se tratava, realmente, de uma peça muito antiga. Um ano e meio depois, o museu resolveu comprar a estátua e, então, ela foi exibida ao público. Wikimedia © Domínio Público
  • 22. 22 Capítulo 3 Wikimedia - Ricardo André Frantz / CC BY-SA 3.0 Com o tempo, conhecedores de arte visitaram o museu e, ao verem a estátua, tiveram re- ações estranhas. Evelyn Harrison, uma das maiores especialistas em escultura antiga, relata que quando olhou a escultura, pela primeira vez, teve uma “sensação de que algo estava errado”. Arthur Houghton, outro grande especialista americano em arte, também relata que quando viu a escultura, imediatamente percebeu que “alguma coisa não estava certa”, algo não parecia verdadeiro. Shutterstock: Roka Novas investigações começaram a ser realizadas. Descobriu-se que os documentos de ori- gem da estátua eram falsos. Além disso, surgiram novas versões sobre os experimentos quími- cos realizados, mostrando que era possível especialistas envelhecerem o mármore e dar apa- rência de antigo. Muito provavelmente, a estátua era uma falsificação. O fato é que surgiram tantas dúvidas em relação à autenticidade, que o Museu resolveu colocar a seguinte anotação perto da estátua: “Cerca de 530 a.C. ou falsificação moderna”. É possível que para muitas pessoas comuns que viram a estátua, aquele estranhamento sentido pelos especialistas não tenha surgido. No entanto, para os especialistas, algo pareceu estranho, ainda que eles não tenham sido capazes de explicar com exatidão. A questão aqui é: com base em que aqueles especialistas chegaram ao estranhamento? No mundo das artes, os chamados “conhecedores” são pessoas que possuem uma longa e vasta experiência com obras de arte. De tanto conhecerem, visitarem e estudarem obras de arte, possuem credibilidade quando realizam seus julgamentos. Em suma, são pessoas que têm muita experiência na área.
  • 23. 23 O Empirismo de John Locke Até que ponto a experiência é fundamental e determinante do nosso conhecimento? Quan- to das nossas ideias e pensamentos possuem origem nas nossas experiências sensíveis, por meio dos cinco sentidos? Quanto das nossas ideias e pensamentos são apenas criações racionais? Mais uma vez, quais são as origens das nossas ideias e conhecimentos? Outro pensador que se dedicou a investigar essas questões foi o inglês John Locke. Este pen- sador teve contribuições de diferentes áreas do conhecimento, especialmente na Política e na Filosofia. Com relação ao conhecimento humano, suas conclusões se destacaram por serem opos- tas ao pensamento de Descartes, pensador estudado no capítulo anterior. Vejamos quais foram as contribuições de Locke para aprofundarmos a compreensão sobre o conhecimento humano. 1 O conhecimento para Locke John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês que teve destaque em investigações sobre política, sociedade e as origens do conhecimento humano. Em uma de suas principais obras, Ensaio sobre o Entendimento Humano (1689), o filósofo defendeu explicações que vão no sentido con- trário ao posicionamento de Descartes. Locke pode ser classificado como um pensador empirista, isto é, defendia que a fonte ou origem de todo o conhecimento humano está na experiência por intermédio dos cinco sen- tidos. Locke também ficou conhecido como "O pai do Liberalismo", teoria que defende a liberdade do cidadão e o papel mínimo do Estado. Locke nasceu em 1632, em Wrington, Inglaterra. Em 1652, ingressou no colégio da Uni- versidade de Oxford. Aos 28 anos, tornou-se professor de grego e retórica naquela universi- dade. Estudou a filosofia de Descartes durante alguns anos e teve contato com Isaac Newton. Era contra o Absolutismo Monárquico que existia na Inglaterra de sua época, motivo que o levou a ter de se exilar, em 1683, na Holanda. Depois de 1689, a Monarquia Constitucional foi estabelecida na Inglaterra, e Locke ajudou a redigir a Declaração dos Direitos Naturais. Utilize o leitor de QR Code do seu celular para assistir ao vídeo Sensação, Reflexão e Emoções, re- lacionado ao conteúdo, e responda às questões a seguir. 1. Qual foi a ideia de Descartes a qual John Locke se opôs fortemente? 2. Quais são as duas fontes de todas as ideias, segundo John Locke? Enquanto Descartes defendia que a única fonte segura para a busca do conhecimento verdadeiro era a razão, Locke entendia que era a experiência, por intermédio dos cinco sen- tidos, a origem das nossas ideias e conhecimentos verdadeiros. Wikimedia © Domínio Público
  • 24. 24 Capítulo 3 Os racionalistas, como Descartes, entendiam que só podemos chamar de conhecimento verdadeiro a explicação racional de alguma coisa que observamos. Se abrirmos nossa janela e percebermos que há cerração, este é um fenômeno que observamos com nossos olhos. Des- cartes não negaria que apenas através da visão é que podemos perceber que há cerração. No entanto, para os racionalistas, a verdade não estaria na visão da cerração, e sim na explicação racional que podemos obter do fenômeno. John Locke pensava o contrário: a verdade estaria justamente na experiência de ver o fenômeno, não na justificação racional. Se investigarmos de onde vieram todas as nossas ideias e conhecimentos, rastreando as origens e os caminhos que trilhamos até chegarmos às nossas ideias, John Locke diria que, lá no princípio, tudo começou com a experiência existente por meio dos cinco sentidos. Imagine que, quando crianças, tivemos a oportunidade de experimentar um limão e uma laranja; depois, um pouco de sorvete, uma carne salgada e uma manga. Todas essas sensações foram sendo registradas em nossa mente. Com o tempo, aprendemos a dar certos nomes àquelas sensações: azedo, doce, salgado, amargo e outros. Com o passar do tempo e desen- volvendo mais as nossas capacidades, aprendemos que todas essas palavras poderiam ser resumidas em apenas uma: sabor. John Locke diria que se rastreássemos a origem da palavra sabor, por exemplo, chegaríamos às sensações recebidas pelos cinco sentidos. Locke explicava que essas experiências, que vão sendo registradas e acumuladas em nos- sa memória, dão origem às chamadas ideias simples. Por exemplo, azedo, doce, salgado e amargo seriam ideias simples, pois sua origem direta é a experiência pelos sentidos. Com o acúmulo dessas experiências, as ideias simples podem ser agrupadas em ideias mais elabo- radas e abstratas, as quais Locke chama de ideias complexas. Neste caso, sabor seria consi- derado uma ideia complexa, pois agrupa as ideias simples de azedo, amargo, doce, salgado e outros. Este seria o processo básico de todo o nosso conhecimento: a experiência sensível (por meio dos cinco sentidos) é a fonte das nossas ideias e conhecimentos. Portanto, é pre- ciso confiar na experiência. 2 Nascemos como "uma folha em branco" Diferentemente do pensador francês René Descartes, que acreditava ser a explicação racional a fonte dos nossos conhe- cimentos verdadeiros, segundo Locke a razão era a capacida- de de organizar as informações vindas da experiência. Locke defendia que era necessário considerarmos as experiências como a fonte de nossas ideias e não acreditarmos que ape- nas a razão nos mostrará o caminho da verdade. É necessá- rio que o conhecimento tenha comprovações na experiência real. Não terão valor as explicações racionais sobre o mundo se não houver comprovações por meio da experiência direta. Shutterstock: Studio Romantic
  • 25. 25 O Empirismo de John Locke Nesse sentido, John Locke discordava das Ideias Inatas, defendidas por Descartes. Para Locke, não há possibilidade de alguém nascer com certas ideias, mas tudo vem das nossas experiências. De acordo com Locke, nascemos como se fôssemos, uma folha em branco, sem nenhuma ideia ou noção. Somente com o tempo, acumulamos experiências que vão sendo registradas nessa "folha". São as experiências que irão determinar as nossas ideias e conhecimentos, e não ideias que já nascem conosco. Por essa razão, podemos entender John Locke como um pensador representante do Em- pirismo (palavra que vem do latim empiria, que significa experiência). Você se lembra do caso da estátua do Museu Paul Getty, relatada na introdução deste capítulo? Pois bem, como John Locke explicaria o estranhamento que os especialistas em arte sentiram diante da estátua? Ainda que não soubessem explicar, com exatidão, de onde os especialistas tiraram seus julgamentos, com base em que os especialistas puderam avaliar como estranhas aquelas estátuas? O que, afinal, John Locke diria sobre isso? Considere que o conhecimento, para Locke, é o resultado do acúmulo das experiências. Podemos entender que o conhecimento dos especialistas é o resultado de muitas experiên- cias, vivências, pesquisas e percepções sobre artes, em especial, estátuas. Por isso, ao colo- carem os olhos na suposta estátua grega, algo causou estranhamento na hora de julgarem a estátua. Provavelmente, John Locke diria que tal situação não surgiu de processos lógicos ou racionais, mas tão somente da experiência com arte, acumulada ao longo dos anos. Você conseguiria pensar de modo diferente de Locke? Seria capaz de propor outra explicação para esse caso? 1. Descreva o motivo pelo qual os especialistas em arte desconfiaram de que a estátua kuoros poderia ser falsa. 2. Descreva qual é a fonte dos conhecimentos humanos, de acordo com John Locke. 3. De acordo com Locke, nossas experiências vão sendo acumuladas e dão origem a certas ideias. Escreva a definição de Ideias simples. 4. Escreva a definição de Ideias complexas. 5. Descreva o significado da frase “Nascemos como 'folhas em branco'”, de acordo com Locke.
  • 26. Em 2011, pesquisadores do hospital Schillerhoehe, em Gellingen, Alemanha, realizaram um experimento para verificar a capacidade olfativa dos cachorros. Os cientistas treinaram os cães para farejar células cancerígenas, expondo os ani- mais ao cheiro de tumores. Depois, os pesquisadores pediram que pessoas com câncer de pulmão em estágio inicial soprassem em tubos de ensaio, que eram tapados em seguida. Os animais foram treinados para, assim que sentissem o determinado cheiro, sentassem. Diante da experiência com os tubos de ensaio, os cachorros acertaram em 70% dos casos. Ainda que os resultados sejam usados para investigações sobre diagnósticos de câncer, o experimento mostrou a grande capacidade olfativa dos cães. Shutterstock: Dmitriy Domino
  • 27. 27 O conhecimento para Kant Shutterstock: Shrikar S Você sabia que os cães possuem cerca de 120 a 300 milhões de células olfativas dentro do nariz, enquanto nós possuímos apenas seis milhões? É uma grande diferença, certo? E o que dizer dos ursos, que possuem cerca de três bilhões de células olfativas? Bem, isto significa que humanos, cães e ursos possuem diferentes capacidades de perceber cheiros. Então, qual é o verdadeiro cheiro das coisas? É o que nós percebemos? É o que os cães percebem ou os ursos percebem? Você já foi a um parquinho cheio de crianças brincando? Se foi, provavelmente já ouviu aqueles gritos altos e estriden- tes de rachar taças de cristal, não é isso mesmo? Ainda que esses gritos possam fazer doer os nossos ouvidos, saiba que os morcegos sequer os ouvem. A maior frequência possível dos sons que nós produzimos (cerca de 1.100 Hertz) quase não é captada pelos ouvidos dos morcegos. Assim como a maioria dos sons que os morcegos emitem (sons de 10 mil Hertz a 120 mil Hertz) não é captado pelos nossos ouvidos. Isto significa que nós e outros animais possuímos capacida- des diferentes de emitir e captar certas frequências de sons. Então a pergunta que cabe é: Qual é o som verdadeiro das coisas? É o que nós ouvimos? É o que os morcegos ou cachor- ros ouvem? Até que ponto, afinal, podemos conhecer o real som das coisas? Será possível determinar? No fundo, todas essas questões apontam para uma grande pergunta: "O que podemos conhecer da verdade existente?" Esta dúvida esteve presente nas investigações de muitos filósofos que se dedicaram a entender como funciona o conhecimento humano. Nos capítu- los anteriores, estudamos dois pensadores que se destacaram nesse debate: Descartes, com sua defesa do conhecimento racional, e John Locke defendendo o conhecimento por meio da experiência. Este debate entre razão e experiência como fontes do conhecimento humano chegou ao século XVIII, até que um dos mais importantes pensadores da Filosofia Moderna tratou do assunto, o filósofo Immanuel Kant. Vejamos o que podemos aprender com as refle- xões de Kant sobre o conhecimento. © Enovus Editora Ser humano Golfinho Cão Gato Morcego 0 100 1000 1000 - 120000 10000 - 120000 60-65000 760 - 1520 15 - 50000 452 - 1080 150 - 150000 85 - 1100 20 - 20000 7000 - 20000 10000 100000 Hz
  • 28. 28 Capítulo 4 1 A revolução de Kant Immanuel Kant (1724-1804) nasceu, viveu e morreu na cidade de Königsberg, antiga cidade do Império da Prússia (atualmente a cidade virou Kaliningrado, que faz parte da Rússia). Conta-se que Kant levou uma vida muito tranquila, sem viagens ou mudanças de sua cidade na- tal. Quando jovem, ingressou no colégio Friedricianum, uma escola cristã. Neste colégio, Kant se destacou nos estudos e foi encaminhado pelo di- retor à Universidade de Königsberg. Na universidade, seguiu estudos em Filosofia. Em 1747, depois da morte do pai, Kant se viu obrigado a deixar a universidade e trabalhar como professor particular para ganhar a vida. Durante esse período, continuou estudando e publicando suas obras, até que a Universidade conferiu-lhe um diploma de conclusão, o que lhe per- mitiu se tornar professor na universidade. Kant dedicou a sua vida aos estudos e ao ensino universitário, até falecer em 1804. Em meio às suas várias obras, se destacam a Crítica da Razão Pura (1781), onde tratou sobre as origens e limites do conhecimento humano, e a Crítica da Razão Prática (1788), onde tratou da orientação racional dos nossos comportamentos éticos e morais. Kant é considerado um dos principais filósofos da Modernidade, tendo contribuições sobre o conhecimento humano, ética e moral, estética, História e ciências, além de ter sido um dos pen- sadores fundamentais do chamado Movimento Iluminista europeu. *** Os racionalistas, representados pela figura de Descartes, defendiam que o conhecimento verdadeiro só pode vir das explicações e deduções racionais, ou seja, apenas o raciocínio lógico deve servir como última prova do conhecimento. Os empiristas, representados pela figura de John Locke, defendiam que o conhecimento verdadeiro deve ter como fundamento a experiência por meio dos sentidos, ou seja, a experiência deve ser a prova final da verdade. Foi Kant quem procu- rou resolver precisamente esse debate. Uma revolução em Filosofia Antes de Kant, muitos filósofos entendiam que as coisas possuem uma essência, e que o conhecimento verdadeiro era buscar essa essência, aquilo que faz que algo seja o que é. Quando, por exemplo, Platão se perguntava o que faz um cavalo ser um cavalo, ele estava perguntando pela essência que definia o que é um cavalo, e não sobre seus aspectos adicionais. O mesmo proce- dimento acontecia em todas as esferas do conhecimento humano: saber o que é Política requer buscarmos a essência dessa atividade; saber o que é o ser humano, requer investigar qual é a essência deste ser; saber o que é a natureza exigia o mesmo procedimento. Isto tudo quer dizer que, ao longo da História da Filosofia, quando se falava em conhecimento (um sujeito conhecendo um objeto), sempre se considerou como o centro das atenções o objeto, isto é, aquilo que estava sendo conhecido. Wikimedia © Domínio Público
  • 29. 29 O conhecimento para Kant Kant propôs que esta lógica fosse invertida. Perguntou-se o filósofo: "As coisas não mudariam se o centro das atenções fosse o sujeito?" Ao invés de perguntar o que podemos conhecer dos ob- jetos (ou seja, a sua essência), deveríamos nos perguntar sobre o que a nossa capacidade permite conhecer dos objetos. De acordo com Kant, nós talvez nunca saibamos o que o objeto é em si mes- mo, mas podemos investigar o que nós, por meio da nossa capacidade mental, podemos conhecer das coisas. Por exemplo: Qual seria a verdadeira cor das plantas, a que nós percebemos ou o que as abelhas percebem? Kant diria que essa não é a pergunta correta. Devemos nos perguntar o que nos é possível ver por meio da nossa estrutura de conhecimento, pois fora disso, simplesmente não temos como conhecer verdadeiramente nada. Essa atitude de inverter as explicações fez que Kant achasse uma solução para o debate entre Racionalismo e Empirismo. 2 Razão, experiência e conhecimento Kant propôs que o conhecimento humano é o justo resultado dessas duas perspectivas: es- trutura racional e experiência. Para tudo o que vamos conhecer, já podemos saber, antes da ex- periência, que existem certas condições: todo conhecimento se dará no espaço, no tempo e será organizado de modo racional. Estes seriam os pré-requisitos racionais para todo conhecimento possível. Kant denominava isso de as formas a priori do conhecimento, (a priori significa o tipo de conhecimento que ocorre apenas por intermédio da razão, sem o acréscimo da experiência). Mas para que o conhecimento aconteça de fato, necessitamos de um material, uma subs- tância na qual aquelas formas a priori sejam aplicadas, isto é, necessitamos da experiência como preenchimento. Essa experiência se dará por intermédio dos nossos sentidos, como explicavam os empiristas. As informações que nos chegam pela experiência são organizadas pelas formas a priori. A organização realizada pela nossa estrutura mental é o que poderemos chamar de conhe- cimento. Shutterstock: Shrikar S Imagine alguém fazendo biscoitos de Natal. As fôrmas de metal seriam as formas a priori (tempo, espaço e as estruturas racionais). Para toda massa que aparecer, haverá aquela estrutura de organização. Mas apenas as fôrmas não fazem biscoitos; é preciso a massa. A massa seria a nossa experiência por meio dos sentidos: caótica, sem forma ou organização. Apenas quando apli- camos as fôrmas de metal à massa é que obtemos os biscoitos. Ou seja, apenas quando submete- mos os dados da nossa experiência à estrutura e organização da nossa razão é que podemos dizer
  • 30. 30 Capítulo 4 que houve o conhecimento. Foi nesse sentido que Kant operou uma ligação entre o Racionalismo e o Empirismo: pela experiência obtemos a substância na qual nossa razão dará a organização e a forma. Isso quer dizer que nada fora da nossa experiência poderá ser conhecido verdadeiramente, assim como nada fora da nossa razão poderá ser compreendido verdadeiramente. 1. Descreva qual é o principal questionamento que surge diante das diferenças de per- cepções de cores e imagens entre os animais. 2. Escreva como os filósofos, antes de Kant, explicavam o conhecimento humano. 3. Apresente a proposta de Kant ao inverter a lógica das explicações sobre o conhecimen- to humano. 4. Escreva a definição de conhecimento a priori. 5. Kant percebeu certas condições para que o conhecimento humano aconteça. Apresen- te essas condições. A Revolução Copernicana em Filosofia “Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos. Po- rém todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-se com este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses ob- jetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados. Trata-se aqui de uma semelhança com a primeira idéia de Copérnico. Este, não podendo prosseguir na expli- cação dos movimentos celestes enquanto admitia que toda a multidão de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se não daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astros imóveis”. Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 46 Faça o que se pede. 1. Apresente a proposta inovadora formulada por Kant. 2. Explique a analogia que Kant faz com a ideia de Copérnico. Atividades Complementares
  • 31. Fechando a unidade 31 1. Estabeleça a diferença entre conheci- mento e opinião, sob a perspectiva da Vali- dade Universal. 2.Estabeleçaadiferençaentreconhecimentoe opinião, sob a perspectiva do Grau de Certeza. 3. Analise a seguinte frase: “Todas as opiniões têmvalor”.Vocêconcordacomessaafirmação ou discorda dela? Justifique utilizando as qua- tro diferenças entre opinião e conhecimento. 4. Cite algum exemplo de situação em que as pessoas confundiram conhecimento e opinião. 5. Considerando as quatro diferenças entre conhecimento e opinião, faça uma reflexão considerando qual é o risco de confundirmos conhecimento e opinião. 6. Descreva quais são as três principais expli- cações sobre o conhecimento humano, den- tro da História da Filosofia Moderna. 7. Resuma os argumentos básicos da expli- cação racionalista sobre o conhecimento. 8. Descreva o motivo que levou Descartes a buscar um novo método de pensamento. 9. Descreva o que Descartes entendia por Dúvida Metódica. 10. Descreva o significado de Ideias Inatas, de acordo com Descartes. 11. Demonstre por que a frase de Locke “Nascemos como uma 'folha em branco' é representativa da explicação empirista sobre o conhecimento humano. 12. Compare as noções de conhecimento para Descartes e John Locke. 13. Estabeleça um quadro comparativo en- tre os princípios básicos do Racionalismo e do Empirismo. 14. Avalie as explicações sobre o conheci- mento humano de Descartes e John Locke. Qual delas parece a mais razoável? Justifique. 15. Considerando o relato do caso da estátua nomuseuPaulGettyeasituaçãopelaqualpas- saram os especialistas de arte, avalie o proble- ma de presenciarmos algo, mas não conseguir- mos explicá-lo. Quando isso pode acontecer? 16. Considerando as contribuições filosófi- cas de Descartes, Locke e Kant, avalie qual é a lição que podemos tirar do experimento das cartas de Iowa, descrito no Ca­ pítulo 4. 17. Crie uma suposta explicação de Descar- tes para o experimento das cartas de Iowa, considerando quando haveria conhecimento verdadeiro para esse filósofo. 18. Avalie a lição aprendida com a filosofia de Kanteresponda:oqueissopodemudarnasua compreensão sobre o conhecimento humano? 19. (ENEM) Leia o texto: “Até hoje admitia-se que nosso conhecimen- to se devia regular pelos objetos. Porém, to- das as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que ampliasse nosso conheci- mento malogravam-se com esse pressupos- to. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da meta- física, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento”. (KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Gul- benkian, 1994 (adaptado)).
  • 32. 32 Unidade I O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido como Revolução Co- pernicana da Filosofia. Nele, confrontam-se duas posições filosóficas que a) assumem pontos de vista opostos acer- ca da natureza do conhecimento. b) defendem que o conhecimento é impos- sível, restando-nos somente o ceticismo. c) revelam a relação de interdependência entre os dados da experiência e a refle- xão filosófica. d) apostam, no que diz respeito às tarefas da Filosofia, na primazia das ideias em relação aos objetos. e) refutam-se mutuamente quanto à natu- reza do nosso conhecimento e são am- bas recusadas por Kant. 20. Com relação às quatro diferenças entre Opinião e Conhecimento, relacione as alter- nativas que correspondem com as descrições. a) A - Validade Universal b) B - Grau de Certeza c) C - Direito a ter... d) D - Consenso ( ) Quando falamos que só deve haver con- cordância ou discordância entre opiniões. ( ) Não tem sentido dizer que temos direito a ter o nosso próprio conhecimento. ( ) Conhecimentos devem ser informações aceitas, não questões de gosto. ( ) Se o grau for alto, provavelmente é um conhecimento. 21. Julgue as informações e manchetes a se- guir em opinião ou conhecimento. a) “O que aprendemos em 2020, o pior ano da história” ( ) Opinião ( ) Conhecimento b) “Como a polícia desvendou contrabando de R$ 40 milhões em marfim e chifres de rinocerontes no Quênia.” ( ) Opinião ( ) Conhecimento c) “Filme Tom & Jerry ultrapassa Mulher Ma- ravilha 1984 e lidera bilheteria nacional.” ( ) Opinião ( ) Conhecimento d) “Romance, terror e ficção: confira cinco séries para maratonar.” ( ) Opinião ( ) Conhecimento 22. Relembre os quatro critérios para dife- renciar opinião de conhecimento e julgue os itens seguintes. (1) Podemos dizer que temos direito de possuir a nossa própria opinião, porém quanto a conhecimentos, isso não se aplica, pois o conhecimento ou é certo ou errado. (2) Falar em Validade Universal significa que estamos nos referindo à possibilidade de entrar em acordo sobre uma informação. (3) Só podemos entrar em acordo com rela- ção a conhecimentos e opiniões que têm valor universal. 23. Considerando o Racionalismo, julgue os itens seguintes. (1) O grande lema do Racionalismo é a fa- mosa frase “Nascemos como se fôsse- mos 'uma folha em branco'”. (2) Racionalismo pode ser entendido como a corrente de pensamento que privilegia a capacidade racional dos indivíduos. (3) Podemos afirmar que o Racionalismo se caracteriza por defender que o conheci- mento humano, sem a utilização da Ma- temática, é impossível.
  • 33. Fechando a unidade 33 Hora de Filosofar! O que é? Criar um diálogo filosófico sobre o conhecimento humano, contendo três princi- pais personagens: Descartes, John Locke e Kant. Como fazer? Considere que você viajou para um tempo em que foi possível encontrar os três pensadores: Descartes, John Locke e Kant. Imagine que você os encontra em um pub ou restaurante, conversando. Você é a testemunha dessa conversa. Imagine que os assuntos tratados pelos filósofos sejam o experimento das cartas de Iowa (exposto no capítulo 2) e o caso das estátuas gregas kuoros (expostas no Capítulo 3, da Unidade 1). Qual seria a posição de cada pensador? O que diria cada filósofo sobre esses casos? O que defenderia? O que acusaria? Como explicaria? Combine com seu professor(a) a melhor maneira de confecção e entrega do tra- balho, assim como os prazos para a realização.
  • 34. Unidade II Filosofia e Política Capítulos Os Poderes para Montesquieu Rousseau e Adam Smith O Estado para Hobbes e Locke Política e Poder
  • 35. Filosofia e Política 35 Imagine que você completou 18 anos de idade. De acordo com as leis brasileiras, você atingiu a maioridade. A partir de ago- ra, muitas coisas lhe serão permitidas por lei, como obter licença para dirigir, adquirir bens em seu nome, trabalhar com carteira assinada e ter direitos como trabalhador. Porém algumas coisas que antes não eram obrigatórias passarão a ser. No Brasil, há cada dois anos, temos eleições. Ora eleições municipais (prefeitos e vereadores), ora estaduais e federais (de- putados, senadores, governadores e presi- dente). Digamos que, três meses depois de você completar 18 anos, acontece uma elei- ção. Vamos supor que você não é lá muito ligadoempolítica,nãoacompanhouascam- panhas e conversou pouco sobre o assunto. Justamente no fim de semana das eleições, você viajou com alguns amigos e amigas. Deveria ter votado, mas não votou. Tempos depois, sua família e você re- solvem realizar uma viagem ao exterior. Re- únem as economias, compram passagens e reservam um hotel com antecedência. Só falta tirar o seu passaporte. Você se dirige ao órgão responsável, com a documentação, e então recebe a notícia de que... há pendên- cias. Lembra-se da eleição em que você não votou? Somente se regularizar a sua situa- ção com a Justiça Eleitoral, será possível tirar o passaporte. Shutterstock: Salivanchuk Semen
  • 36. 36 Unidade II Shutterstock: Mary Long Desde 1946, no Brasil, o voto é obrigatório para pessoas alfabetizadas, maiores de 18 e me- nores de 70 anos. Caso a pessoa não vote no dia da eleição, deverá justificar a não votação em um cartório eleitoral. Terá 60 dias para fazer isso. Se passar esse prazo e não justificar, pagará uma multa. Se não pagar a multa, o cidadão não poderá se inscrever em concursos públicos, obter pas- saporte ou carteira de identidade. O valor da multa é irrisório; por enquanto, menos de cinco reais. Ora, o cidadão, de modo geral, pode pensar que é muito baixo e que isso não faz tanta diferença. Basta pagar! Sim. Mas se você pensar um pouco, perceberá que a questão não é o valor. Estamos falando de algo que é obrigatório. Simplesmente não se pode deixar de fazer, e nada acontecerá. Certamente, ha- verá uma punição – seja pequena ou grande. Aqui entramos em um debate muito interessante e muito importante a todos: direitos, deveres, obrigações; enfim, tudo aquilo que pode estar relacionado ao que chamamos de Política. Até aonde deve ir a influência e o poder do Estado na vida das pessoas? Até que ponto o cidadão aceitaria a interferência do Estado em sua vida? Qual deve ser o papel do Estado? O que deve ser obrigatório para todos os cidadãos? O que não deve ser obrigatório? O que você acha que o Estado deve permitir e o que deve proibir? Estas são questões que estiveram e estão presentes na sociedade desde os tempos da Grécia Antiga, no mínimo. E, claro, foram temas de muitas reflexões filosóficas ao longo da História. No início da Modernidade, entre os séculos XVI e XVIII, estas questões sobre o alcance e o papel do Estado levantaram debates entre filósofos, assim como deram origem a posições bem divergentes. É o caso de Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, Adam Smith e Montes- quieu. Se trouxéssemos o tema Política e Estado para as nossas rodas de conversa e convidás- semos esses filósofos para falar, o que eles teriam a nos ensinar? O que diriam sobre essas questões? É o que vamos tratar nesta unidade. Utilize o leitor de QR Code do seu celular para assistir ao vídeo relacionado ao conteúdo, e res- ponda às questões a seguir. 1. Por que não é prudente entender sobre “política” apenas como o estudo de ideias abstratas? 2. Até onde você considera que o Estado pode interferir na vida das pessoas?
  • 37. Política e Poder 37 Se numa discussão sobre futebol, entre pessoas que gostam desse esporte e entendem sobre ele, você interromper e perguntar: "Afinal, o que é futebol?". Cer- tamente obterá definições precisas. Não será difícil para alguém que entende de fu- tebol e gosta do esporte explicar que se trata de um tipo de jogo com bola e com tais regras. Agora, considere uma discussão sobre política, entre pessoas que discordam entre si sobre princípios, ideologias, políticos, etc. Se você interromper a discussão e perguntar : "Afinal, o que é política?" acha que obterá uma definição rápida e com a mesma precisão com que as pessoas definem futebol? Não é curioso que, muitas vezes, as pessoas discutem e conversam sobre as- suntos que elas não conseguiriam definir com precisão? Pois essa é a uma lição ele- mentar em Filosofia: para os filósofos ou estudiosos da Filosofia, antes de qualquer conversa mais profunda, precisamos saber de que estamos falando, quais são os termos que devemos usar, o tema a que nos referimos e o campo em que pensamos. Todas as questões que foram levantadas na Introdução da Unidade tratam daquilo a que podemos chamar de política. Afinal, o que é política? Shutterstock: Alba_alioth
  • 38. 38 Capítulo 5 1 Conceito de política A origem da palavra política pode ser encontrada no latim politicus e no grego politikós. Essa palavra era usada para fazer referência a tudo aquilo que diz respeito ao governo da cidade e aos cidadãos, ou seja, a tudo aquilo que é público. As diversas relações entre os ci- dadãos, as decisões importantes que afetam a coletividade, as regras que valerão para todos e tudo o que envolve interesses e características que ultrapassam o âmbito privado e dizem respeito ao que é de todos, ao que é público, designa o que é política. Debates sobre leis e regras a respeito do trânsito da cidade, vacinação da população, pa- gamento de impostos, sobre o que é ou não obrigatório para todos: seriam ou não discussões políticas? Sim, seriam, pois são questões que dizem respeito não apenas a uma família determi- nada, mas a muitas pessoas, muitos cidadãos em sociedade, logo, ao que é público. Porém, numa discussão familiar sobre onde os filhos irão estudar no próximo ano, a res- peito da organização financeira da família, o regulamento das mesadas e dos pagamentos das contas da casa, tudo isso são questões públicas? Evidente que não. São questões familiares, que dizem respeito aos assuntos privados. Logo, não são questões políticas. Certamente, política não é apenas algo público; envolve muito mais fatores. No entanto essa é a definição básica e inicial. Daqui para frente, portanto, quando tratarmos de questões políticas, lembre-se de que estamos abordando questões que envolvem interesses, direitos e deveres dos cidadãos na esfera pública, e não apenas de algumas pessoas , de forma privativa. 2 As formas de poder Se observarmos atentamente as ações humanas, veremos que, em sociedade, há várias formas de relações entre as pessoas. Existem relações amigáveis, familiares, conjugais, profis- sionais, jurídicas e várias outras. Entre essas relações, existe uma que diz respeito à situação de uma pessoa ser capaz de agir e causar influência, impactos ou mudanças, seja em situa- ções ou em pessoas: chamamos a isso de poder. A palavra poder vem do latim potere, que significa ser capaz de. Neste sentido, poder é a capacidade ou a possibilidade de realizar algo, de produzir efeitos. Podemos realizar e produzir efeitos sobre a natureza ou sobre pessoas. Como estamos falando de política e esta trata de pessoas, vamos considerar poder como capacidade ou possibilidade de ação. Não é difícil perceber que existem diversas formas de poder, diferentes maneiras de ação e de fazer que alguém faça o que o outro quer. Por exemplo, quando a mãe pede à filha que arrume o quarto, ela se recusa, e a mãe, então, lan- ça um olhar fulminante que, de repente, faz que a filha per- ceba que é melhor arrumar o quarto... Esta foi uma maneira de se exercer o poder, certo? Mas sabemos que não é única nem é política. Shutterstock: Kair
  • 39. Política e Poder 39 Digamos que você tenha uma amiga a qual admira e respeita. Um dia ela lhe pede emprestado o celular para fazer uma ligação; emprestar é uma coisa que nor- malmente você não faz. Mas como são muito amigos, e ela insistiu de modo convin- cente, você empresta. A sua amiga conseguiu o que ela queria, certo? Agora imagine que você e um amigo não param de conversar durante uma aula que consideram muito chata. No meio de uma explicação, o professor interrompe a aula e pede que se retirem de sala. De cara fechada, vocês se levantam e saem. Por mais que não gostem do professor, ele fez que vocês aceitassem o pedido e saíssem da sala, certo? Todas essas ações são formas de poder. Mas você deve ter percebido que a fonte do poder foi diferente em cada situação. Uma surgiu da amizade, outra da au- toridade, outra do respeito, etc. Se pudéssemos classificar, quais são as formas mais comuns e possíveis que existem de se exercer o poder? Vejamos abaixo. Força (física, econômica, habilidade) A primeira forma que podemos considerar é exercer o poder por meio da for- ça. Esta força pode ser física (quando alguém é mais forte, ou tem alguma arma, ou está acompanhado de mais pessoas, etc.), pode ser econômica (possui mais dinhei- ro e mais meios de mobilizar coisas para mandar nos outros) ou pode ser uma habi- lidade (alguém que saiba fazer coisas melhor do que os outros como, por exemplo, corre melhor, joga melhor, é mais resistente). Considere o lutador brasileiro, Anderson Silva. Ele é campeão peso-médio do UFC e um dos maiores lutadores de MMA da História. Anderson é lembrado pela força e habilidade que tinha durante as lutas. Muitas vezes, imobilizava seu oponen- te até o ponto em que esse pedia para interromper a luta, com medo de quebrar um braço ou uma perna. Podemos dizer que Anderson exercia seu poder, dentro do ringue, com o uso da força. Shutterstock: Andre Luiz Moreira
  • 40. 40 Capítulo 5 Outro exemplo interessante, em nossa História, é a figura de Irineu Evan- gelista da Sousa (1813-1889), mais conhecido como Barão de Mauá. Mauá foi um dos grandes industriais e comerciantes à época do Brasil Império. Pioneiro em várias áreas de infraestrutura, foi responsável pela primeira fundição de ferro do Brasil, pela construção da primeira ferrovia brasilei- ra, dentre outros grandes empreendimentos. Muitas construções foram realizadas e o desenvolvimento de vários lugares foi mudando por causa de suas iniciativas, produções geradas pela sua vocação para o empreen- dedorismo e, claro, por ter muito dinheiro. Podemos dizer que seu poder vinha da força do dinheiro e da habilidade para os negócios. Autoridade Outra forma de se exercer o poder é por meio da au- toridade. Neste caso, autoridade é o poder que vem de um cargo ou posto que uma pessoa ocupa. O indivíduo ocupa uma posição que lhe confere meios de ação e capacidade de mandar ou fazer que outras pessoas façam o que ele or- dena. Um árbitro de futebol que marca uma penalidade du- rante o jogo ou que expulsa um jogador por ter agido de modo violento; um juiz em seu tribu- nal dando veredicto sobre um caso; um general do Exército comandando uma tropa no meio da selva, são alguns exemplos de situações que envolvem poder por autoridade. Gostando ou não da pessoa ou das decisões tomadas, o fato é que todas essas pessoas ocupam uma posi- ção que lhes confere poder, isto é, meios para agir e causar influências, mudanças e efeitos. Respeito A terceira maneira de se exercer o poder é por intermédio do respeito. Corresponde a situações em que uma pessoa alcançou a admiração de outras e, por causa disso, possui influências com suas decisões. Esse respeito pode vir de diversas maneiras: por algum feito grandioso que a pessoa tenha realizado, se mostrar um líder, se mostrar honrada, se sacrifi- car por outras pessoas, etc. Wikimedia © Domínio Público Shutterstock: Zolnierek Wikimedia © Domínio Público
  • 41. Política e Poder 41 Um exemplo interessante é William Wallace (1270-1305), um pequeno nobre cavaleiro escocês que se tornou um dos grandes líderes na guerra de Independência da Escócia. Em 1297, Wallace teve destaque como líder na batalha da Ponte Stirling, onde cinco mil soldados escoceses derrotaram doze mil ingleses. A partir daí, Wallace se tornou um grande líder res- peitado pelos escoceses, que o seguiam por admirá-lo. Conhecimento A quarta forma de se exercer o poder é o conhecimento. Trata-se do tipo de influência que pode ultrapassar o tempo, mesmo depois da morte do indivíduo. Os conhecimentos adquiridos por determinado indivíduo podem se tornar pontos de referência numa deter- minada área do saber. Toda pessoa que for estudar essa área, querendo ou não, deverá ter contato com tal área e compreender os ensinamentos e conhecimentos daquele indivíduo, de tal modo que, mesmo não existindo mais força ou autoridade, e ainda que não goste da biografia do indivíduo, a influência do seu conhecimento permanece. Talvez a figura mais representativa para nós, nesse caso, seja Sócra- tes (469-399 a.C.). Todas as pessoas que venham a estudar Filosofia, de alguma forma, passarão pelos ensinamentos de Sócrates, estudarão seu método de pensamento, seus diálogos, suas frases marcantes e, principal- mente, o famoso lema "Conhece-te a ti mesmo". As pessoas que estudam Filosofia têm presente a influência de Sócrates ainda nos dias de hoje, mais de dois milênios depois de sua morte! Esse é um exemplo de poder pelo conhecimento. 1. Descreva o conceito básico de política. 2. Descreva o conceito básico de poder. 3. Considerando as quatro formas básicas de poder, explique: a) o que é a forma de poder por meio da força. b) o que é a forma de poder por meio da autoridade. c) o que é a forma de poder por meio do respeito. d) o que é a forma de poder por meio do conhecimento. 4. Cite as três modalidades nas quais o poder por meio da força pode ser exercido. 5. Apresente três exemplos para cada uma das quatro formas de Poder. Wikimedia - Eric Gaba / CC BY-SA 2.5
  • 42. Imagine que a sua família está construindo uma casa e, durante as escavações e perfurações do solo, descobre-se que ali existe... petróleo! Você pode pensar: é a oportunidade para enriquecermos! Bem, se você mora no Brasil, o petróleo não é seu: é do Estado. Desde 1953, sob a lei nº 2004, reformulada em 1997, está estabele- cido o monopólio estatal do petróleo no Brasil. Isso significa que se você achar petró- leo no seu quintal, não poderá ser o dono, porque os recursos minerais descobertos são do governo. Mas se acontecesse de você achar petróleo no quintal da sua casa, e morasse nos EUA, poderia ganhar um bom dinheiro. Naquele país, a descoberta dos recursos minerais não pertence ao Estado, mas às pessoas que os acharem em suas Shutterstock: Zolnierek
  • 43. O Estado para Hobbes e Locke 43 propriedades. O indivíduo pode alugar o seu terreno para empresas especializadas em extra- ção de petróleo e ganhar um bom dinheiro com isso. Pode parecer uma discussão pontual sobre petróleo, mas trata-se de um assunto im- portante: o papel do Estado na vida das pessoas. O Estado pode interferir em quê? O que o Estado deve fazer, atuar, permitir, proibir ou não na vida das pessoas? Em alguns países, como no Canadá, EUA e Bélgica, alistar-se no Exército é algo voluntá- rio. Em outros países, como Brasil, Finlândia, Rússia e Chile, é obrigatório para os homens; já em Israel, homens e mulheres devem se alistar. Do mesmo modo, em alguns países, o voto é obrigatório, enquanto em outros é voluntário. Todos esses são exemplos da influência grande ou pequena do Estado na vida das pes- soas. Estado é o nome que damos para o conjunto das instituições que regulam a sociedade em que vivemos. Em algumas sociedades, o Estado está mais presente na vida das pessoas do que em outras; em alguns lugares há mais obrigações, proibições do que em outros. Qual deve ser o papel do Estado? Como a sociedade deveria se organizar, e quem deveria ter poderes para organizar e realizar mudanças em sociedade? O que deve e o que não deve ser obrigação do Estado? Se estes fossem os assuntos em uma roda de conversa, seria possí- vel trazer para o debate alguns filósofos que têm opiniões bem marcadas a esse respeito. É o caso de Thomas Hobbes e John Locke, pensadores que se tornaram referências na Filosofia Política. Vejamos quais seriam as posições desses pensadores sobre o papel do Estado e o que podemos aprender com essas perspectivas. 1 Thomas Hobbes (1588 - 1670) Thomas Hobbes nasceu em Malmesbury, Inglaterra. Desde cedo, foi apaixonado pelo estudo de línguas. Aprendeu grego e latim antes dos 15 anos. Em 1608, concluiu seus estudos superiores em Oxford e tornou-se preceptor (professor particular) de nobres como Carlos Stuart, futuro rei Carlos II da Inglaterra. Este rei, quando assumiu o poder, conferiu a Hobbes uma pensão que permitiu ao filósofo seguir seus estudos com tranquilida- de. Hobbes faleceu aos 90 anos, em 1679. Apesar do conhecimento de grego e latim, Hobbes leu pouco os filóso- fos antigos – não gostava de Aristóteles e da Filosofia Medieval. Apreciava muito o pensamento do filósofo francês René Descartes (1596-1650) e de Galileu Galilei (1564-1642), matemático que conheceu pessoalmente em uma de suas viagens pela Itália. A natureza humana Para compreendermos a ideia de Estado por Hobbes, vale a pena resgatar a concepção política que havia antes dele. Até o século XVI, a concepção normalmente aceita sobre polí- tica e o surgimento do Estado era a de Aristóteles (385-323 a.C.). O filósofo grego entendia que o ser humano é um animal político, ou seja, que a capacidade de se reunir e conviver em Wikimedia © Domínio Público
  • 44. 44 Capítulo 6 sociedade faria parte da nossa natureza. Logo, o Estado teria surgido de modo natural, por uma necessidade do ser humano. Hobbes discordava totalmente disso. Para Thomas Hobbes, o ser humano não é um ani- mal político. Hobbes entendia que, diferentemente dos animais que vivem naturalmente em comunidade, os ho- mens se reúnem em sociedade por interesses e egoísmos. Cada indivíduo procura se apropriar do que for preciso para a sua sobrevivência e conservação. O estado natural do ser humano é de guerra de uns contra os outros, isto é, sem leis ou regras, todo mundo entraria em guerra com todo mundo. Foi nesse contexto que Hobbes afirmou “O homem é o lobo do homem”, frase de um antigo dramaturgo romano, Plauto (205-184 a.C.). Assim, Hobbes entendia que o Estado não surgiu de maneira natural, como afirmava Aristóte- les, mas de modo artificial. Hobbes entendia que, apesar de a natureza humana ser egoísta e mesquinha, somos dotados de instinto e razão. Os instintos nos permitem evitar a guerra e o conflito, pois para sobrevivermos, percebemos que a paz é necessária. Já a razão nos permite entrar em acordo com as demais pessoas e pensarmos em leis e regras sociais, que visem a preservar a vida de todos. O papel do Estado No entanto Hobbes percebia que leis e regras não eram suficientes para manter a ordem em uma sociedade cheia de conflitos. Era necessária uma força que impusesse essas leis e regras. Ou seja, era necessário que alguém tivesse o poder de obrigar os homens a respeitar as leis. Por isso, Hobbes defendia ser preciso que todos os homens delegassem a um único homem ou a uma assembleia o poder de representá-los. Podemos entender isso como um grande acordo, um contrato social. Wikimedia © Domínio Público Shutterstock: Andrey Ushakov
  • 45. O Estado para Hobbes e Locke 45 Contudo o representante ou a assembleia escolhida pode também criar con- flitos entre si, ou mesmo tomar decisões erradas, optar por leis injustas ou desne- cessárias, que fujam ao acordo original. Por essa razão, Hobbes defendia a exis- tência do soberano absoluto, o governante que estaria acima do acordo geral, pois seu dever seria o de manter os acordos originais. A esse soberano, seriam dados todos os direitos e poderes, ou seja, todos os cidadãos transfeririam seus direitos para o soberano, a fim de fazer o que fosse necessário para defender a nação – interferir em opiniões, aprovar, desaprovar leis, prender, proibir ideias e ações, independentemente de quem ou sobre o quê. Todo o poder do Estado deveria estar nas mãos do soberano, para fazer o que fosse necessário à nação. Essa perspectiva ficou conhecida como a justificação da Monarquia Absolutista e foi exposta na obra Leviatã, de 1651. Mais tarde, Hobbes seria lembrado como um teórico do poder absoluto nas mãos do Estado. O monstro Leviatã. Shutterstock: kostiukart Por que Leviatã? Leviatã é o título da principal obra de Thomas Hobbes, publicada em 1651. O nome Leviatã foi adotado por Hobbes para designar o Estado, assim como o próprio título da sua principal obra. No Livro de Jó (cap. 40-41) da Bíblia, Levia- tã é descrito como um monstro invencível, forte, inquebrantável, cheio de força incomparável. “(...) Os músculos de sua carne são compactos, são sólidos e não se movem; seu coração é duro como uma rocha, sólido como pedra de amolar. A espada que o atinge não resiste, nem a lança, nem o dardo, nem o arpão. O ferro para ele é como palha; o bronze, como madeira carcomida. A flecha não o afugenta, as pedras da funda são felpas para ele”.
  • 46. 46 Capítulo 6 2 John Locke (1632 - 1704) Como já discutimos, John Locke teve contribuições marcantes na Filosofia em áreas como a Teoria do Conhecimento – sendo reconhe- cido como um dos grandes defensores do Empirismo e da ideia de Tá- bula Rasa (a mente humana nasce como se fosse uma 'Folha em bran- co', e o conhecimento surge de nossas experiências). Ética e Política, assim como religião e educação foram campos em que Locke também contribuiu. Ele já foi considerado "O Pai do Liberalismo", uma filosofia política e moral que tem como fundamento a liberdade do indivíduo e a igualdade perante a lei. Direitos, Poder e Estado Na sua obra Dois Tratados do Governo Civil (1689), Locke desen- volveu a ideia de natureza humana, poder, liberdade e Estado dife- rentemente da concepção de Thomas Hobbes. Enquanto Hobbes de- fendia ser a vontade humana movida pelo egoísmo e pelo instinto selvagem, John Locke acreditava que os homens são levados a agir e determinar as suas ações de acordo com o bem-estar e a busca pela felicidade, de modo racional. Para Locke, a sociedade e o Estado teriam surgido do direito na- tural, isto é, da capacidade humana racional de reconhecer que “nin- guém deve prejudicar os outros na vida, na saúde, na liberdade e nas posses” (por esse motivo, Locke era fortemente contra a escravidão). Ou seja, ao ser humano deve ser garantido o direito à vida, à liberda- de, à propriedade e o direito de defesa. Esses seriam direitos naturais, irrevogáveis, que não se podem anular. Desse modo, Locke defendia que o Estado deveria ter por fun- damento os direitos dos cidadãos: o papel do Estado deveria ser o de zelar, cuidar e proteger esses direitos. Assim, a verdadeira sobera- nia do poder não está no Estado, mas na população; o poder político legítimo viria dos cidadãos. Um governante só teria poder para agir diante daquilo que foi acordado e determinado pelos representantes da população. Dessa maneira, se os governantes escolhidos não defendessem, garantissem ou protegessem os direitos dos próprios cidadãos, estes teriam o pleno direito de derrubar os governantes. Alguns séculos de- pois, as ideias de Locke seriam lembradas como as origens do Pensa- mento Liberal Moderno. Wikimedia © Domínio Público Wikimedia © Domínio Público
  • 47. O Estado para Hobbes e Locke 47 Locke e o rei John Locke não era contra a Monarquia. Como bom inglês, apreciava a organização po- lítica do país com um rei no comando. No entanto desprezava a ideia de um rei absolutista, com poderes concentrados e absolutos. Locke percebia que muitos abusos surgiam dessa configuração política. Defendeu fortemente uma Monarquia Parlamentarista, baseada numa organização em que os cidadãos escolheriam seus representantes para promulgar e votar leis, enquanto os governantes e o rei deveriam executá-las. Locke também desenvolveu ideias a respeito da separação dos Poderes, no mesmo caminho que Montesquieu trilhou. Analisando a frase Na obra Dois Tratados sobre o Governo (1689), Locke afirma: "O consentimento expresso dos governados é a única fonte de poder político". Consentimento significa permissão, dar licença a alguém, estar de acordo. Os governados seriam os cidadãos. Portanto, quando os cidadãos concordam, escolhem e concedem uma posição de comando e autoridade a deter- minados indivíduos, trata-se de um poder político legítimo. Se, por algum acaso, um indivíduo ocupar o cargo de governante sem passar por esse meio de “permissão dos cidadãos” ou da lei, esse poder não será considerado legítimo, logo pode ser contestado. 1. Considerando as reflexões filosóficas de Thomas Hobbes, explique como esse filósofo definia a natureza humana. 2. Descreva qual deveria ser o papel do Estado, de acordo com Hobbes. 3. John Locke entendia que havia um motivo básico das nossas ações como seres huma- nos. Apresente o motivo pelo qual os homens são levados a agir, de acordo com Locke. 4. De acordo com Locke, resuma como surgiram a sociedade e o Estado. 5. Aponte qual deveria ser o papel do Estado, segundo John Locke.
  • 48. Imagine uma conversa entre dois pensadores que defendem pontos de vista totalmente diferentes. Um desses pensadores defende que o interesse próprio e o egoísmo constituem a origem dos males na sociedade, pois é isso que geraria a ganância, a trapaça e a busca por vantagens. O outro pensador defende que, na verdade, a busca pelos interesses próprios gera benefícios para muitas pessoas em sociedade, direta ou indiretamente. Você consegue pensar em algum ponto comum para essa discussão? Você consegue imaginar alguma concordância entre as perspectivas? Qual seria a origem dos males em sociedade? Até que ponto a busca pelos interesses próprios pode virar egoísmo e ganância? Até que ponto pode ser benéfica ou não para a sociedade? Shutterstock: Smokedsalmon
  • 49. Rousseau e Adam Smith 49 Essas questões foram tratadas por pensadores como Jean-Jacques Rousseau e Adam Smith, dentro de suas reflexões políticas sobre Estado e organização da sociedade. Vejamos como esses pensadores podem contribuir para o nosso grande tema, Política. 1 Rousseau, "O Mito do Bom Selvagem" e o "O Contrato Social" Jean-Jacques Rousseau nasceu em 1712 na cidade de Genebra, Suíça. Após perder a mãe quando ele era bebê, foi educado por um pastor e um tio. Por volta de 1740, mudou-se para Paris e lá trabalhou como músico e professor particular. Seus primeiros ensaios filosóficos surgiram por causa de alguns concursos de redação promovidos por ins- tituições de cultura. Por volta de 1755, uniu-se a uma mulher inculta e grosseira, com quem teve cinco filhos. No entanto, por causa de seus compromissos como escritor, colocou todos os filhos, um após outro, no orfanato Enfants Trouvés. Rousseau admitiu que, por problemas fi- nanceiros e por causa de sua vida intelectual, não conseguiria criar os filhos de maneira digna. Além disso, o filósofo acreditava que a educação deveria ser papel do Estado, não da família. A partir de 1758, publicou diferentes obras, com destaque para O Contrato Social (1761) e Emílio (1763). Faleceu aos 66 anos, em 1778, no castelo de Erme- nonville, norte da França. Rousseau foi um pensador que teve grande influência no Movimento Iluminista do sé- culo XVIII e, principalmente, no Movimento Revolucionário Francês de 1789. Suas contribui- ções estão presentes em diversas áreas, sendo estudado e admirado por uns, criticado por outros. De acordo com o historiador da filosofia, Giovanne Reale, Rousseau foi individualista e coletivista, iluminista e romântico, antecipador do filósofo Kant e precursor do comunis- mo de Marx. Ou seja, um filósofo que pode ser estudado de diferentes perspectivas. A Natureza Humana Rousseau ficou conhecido por levantar a hipótese do “bom selvagem”: originalmente, o ser humano seria um bom, íntegro, biologicamente sau- dável e moralmente correto. O homem era bom, no entanto tornou-se mau e injusto. Essa maldade seria causada pela ordem social, pela socie- dade vigente. Como assim? Na origem o ser humano era bom? Qual origem? Quan- do foi isso? Como determinar o momento em que o ser humano passou a ser mal? Se é a sociedade que o estraga, a sociedade é composta por quem, afinal? É preciso entender que Rousseau levanta essa ideia como uma hipótese de trabalho, ou seja, se admitíssemos que o ser humano fosse bom por natureza, então seria possível identificar os aspectos ruins da sociedade; logo, apontar aquilo que deveria mudar. Portan- to, não seria conveniente perguntar quando foi o tempo do ser humano original, ou quando foi que ele deixou de ser bom; trata-se de uma hipótese de trabalho. Wikimedia © Domínio Público Wikimedia © Domínio Público
  • 50. 50 Capítulo 7 A partir dessa hipótese de que o ser humano seria bom por natureza, Rousseau identi- fica que certa orientação cultural como, por exemplo, a Cultura Racionalista (que não con- sideraria os sentimentos, os instintos e as paixões como elementos do conhecimento e da personalidade humana), os costumes civilizatórios e científicos, seriam prejudiciais à nossa natureza, ou seja, nos tornariam arrogantes, individualistas, contaminando a vida em co- munidade. Para Rousseau, a maldade teria nascido dessa sociedade viciada e só poderia ser extinta ou expulsa mudando-se a sociedade. O Contrato Social Ao acreditar que o ser humano era bom e justo, mas a sociedade e a cultura o tornaram maldoso, perverso e injusto, Rousseau passou a considerar as origens da sociedade e o que deveria ser modificado. Na sua obra O Contrato Social (1761), Rousseau propõe um novo arranjo da sociedade, um novo pacto de associação entre as pessoas, um con- trato social, diferente de Hobbes e John Locke. Rousseau entende que o novo pacto social não deveria ser base- ado na submissão a um soberano (como propôs Hobbes), nem em um acordo dos direitos privados (como em John Locke), e sim numa consci- ência geral das pessoas, pensando totalmente em comunidade, e não de modo privado. Para Rousseau, a sociedade deveria ser organizada de acordo com a vontade geral, quando o bem comum se sobrepõe totalmente aos interesses privados. O vínculo social entre as pessoas não deveria ser baseado nos interesses individuais, e sim nos interesses comuns. A vontade geral, por natureza, seria uma vontade que visa o bem, pois sempre considera o que agrega as pessoas. A vontade individual seria sempre conflituosa, pois co- locaria os interesses privados acima dos demais. Logo, a ordem social deveria se basear na vontade geral. Mas o que seria essa vontade geral e de onde ela surgiria? Para Rousseau, a vontade geral não seria a soma das vontades de todos, e sim uma renúncia de cada pessoa aos seus interesses privados em favor da coletividade. Ou seja, o que Rousseau propõe é um Estado baseado na total coletivização das pessoas, sua total socialização, para impedir que os interesses privados sejam afirmados. O novo pacto social, portanto, deveria visar à elimi- nação das diferenças entre interesses privados e comunitários – os indivíduos deveriam ser reduzidos a membros da sociedade, impedidos de que seus interesses criassem a desarmo- nia. Um século mais tarde, essa ideia inspiraria os princípios do comunismo professado por Marx e Engels. “O homem nasce livre, e por toda a parte vive acorrentado. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles. (...) A ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções”. (O Contrato Social - Rousseau) Wikimedia © Domínio Público
  • 51. Rousseau e Adam Smith 51 2 Adam Smith, Liberdade e Estado Adam Smith nasceu em 1723, na cidade de Kirkcaldy, na Escócia. O pai faleceu quando Adam tinha apenas dois meses de nascido. Foi cria- do pela mãe. Aos 14 anos, Adam ingressou na Universidade de Glasgow, onde estudou Filosofia Moral. Posteriormente, estudou em Oxford. Aos 17 anos, passou a dar aulas de Retórica e Literatura na capital, Edimbur- go. Em 1751, assumiu o posto de professor de Lógica e Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. Em 1759, publicou a obra Teoria dos Sen- timentos Morais. Depois dessa obra, Adam Smith começou a dar mais atenção às áreas de Economia e Direito. Em 1776, publicou sua principal obra, A Riqueza das Nações. Faleceu em Edimburgo, em 1790. Adam teve grandes contribuições que são lembradas hoje em Filosofia Política, Moral e Economia. Muito dos estudos sobre livre-mercado são baseados nas ideias de Adam Smith. A natureza humana O seriado Vida de Madeireiro (Big Timber), exibido em 2020 pelo Canadian History Channel, mostra o dia-a-dia de Kevin Wenstob, dono de uma serraria no Canadá e especia- lista em corte e retirada de grandes troncos de árvores das florestas. Seu principal trabalho é cortar e transportar esses troncos para as serrarias, o que lhe rende um bom dinheiro. Logo nos primeiros episódios, assistimos a uma negociação que Kevin trata com outro dono de serraria, Perry. Este serrador precisa semanalmente de muita madeira de qualidade para vender a uma construção, pois assim conseguirá ganhar um bom dinheiro. Kevin fecha ne- gócio com Perry e se compromete a trazer 100 caminhões de toras de madeira, retiradas das florestas do norte do Canadá. A partir daí, o seriado acompanha a aventura da retirada e do transporte dos troncos de árvores. Tanto Kevin quanto Perry são especialistas em seus negócios; ambos têm seus próprios interesses. Para eles, não há trabalho por caridade, e sim profissional. Para que Kevin se saia bem, é necessário que Perry tenha sucesso ao vender a madeira. Se ambos obtiverem sucesso em suas atividades, todos saem ganhando. Adam Smith acreditava precisamente nisso. Podemos entender Adam Smith como um pensador oposto à perspectiva de Rousseau, para quem o Estado deveria ser fundamentado no interesse coletivo, na vontade geral. Adam Smith considerava que os interesses próprio e privado eram o grande motor para o desenvol- vimento da sociedade, do bem-estar e da felicidade. Logo, o Estado deveria zelar por isso. Para o pensador escocês, era fundamental compreender a busca pela vantagem pes- soal que cada indivíduo procura. Smith entendia que o interesse privado das pessoas em buscar sua própria prosperidade tem consequências indiretas para o bem-estar de todos. Alguém que deseja prosperar com seu negócio ou empresa, por exemplo, acabará por dar empregos a outras pessoas, gerando rendimentos, comprando e vendendo produtos, ge- rando trabalho para muitas pessoas direta e indiretamente. Se pensarmos em uma socieda- Wikimedia © Domínio Público
  • 52. 52 Capítulo 7 de inteira, nestes termos, diria Smith, veremos uma sociedade prosperando e aumentado a qualidade de vida de todas as pessoas. Muito diferente de Rousseau, para Adam Smith o vínculo social entre as pessoas naturalmente é baseado nos interesses individuais, sem excluir a benevolência e a caridade. O papel do Estado Para Adam Smith, se os indivíduos tiverem a máxima liberdade para buscar os seus interesses próprios, desenvolver os seus próprios negócios, procurar suas vantagens e seu bem-estar, automaticamente haverá uma espécie de “harmonia natural” entre os negó- cios, pois uns dependerão dos outros para alcançar seus próprios interesses. Adam Smith afirmava que entre a total liberdade para os indivíduos buscarem seus interesses, há uma espécie de mão invisível que organiza as relações entre as pessoas. Nesse sentido, Adam Smith defendia que o Estado deveria dar o máximo de liberdade para os indivíduos alcançarem os seus próprios interesses, seu bem-estar pessoal. Adam entendia que o papel do Estado deveria ser o de cuidar da segurança pública, manter a ordem e a paz, garantir a propriedade privada. Até mesmo os contratos entre negociantes, patrões e empregados deveriam ter a liberdade de negociação, sem a interferência do Estado. Essa total liberdade dos interesses privados se apresenta como uma perspectiva opos- ta ao que defendia Rousseau. Adam Smith é um pensador associado às ideias da Livre Eco- nomia e ao Liberalismo. A Riqueza das Nações “(...) Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter”. (A Riqueza das Nações, trad. Luiz João Baraúna, ed. Nova Cultural, SP, 1996, p. 74) 1. Descreva a hipótese do bom selvagem, de acordo com o pensamento de Rousseau. 2. Assim como os demais contratualistas, Rousseau se propôs a compreender a natu- reza humana. Descreva como esse filósofo definia a natureza humana. 3. Resuma a proposta de um novo Contrato Social, de acordo com Rousseau. 4. Ao considerar as ações humanas em sociedade, Adam Smith se diferenciou do pen- samento de Rousseau. Descreva como Adam Smith entendia a busca pelos interesses próprios. 5. De acordo com Adam Smith, descreva qual deveria ser o papel do Estado.
  • 53. Os Poderes para Montesquieu 53 Imagine que três pessoas sejam deixadas em uma floresta, com o objetivo de encontrarem um meio de sair dela. Eles não sabem onde estão, não possuem bússola ou mapa. Cada um tem um tipo de conhecimento, um temperamento e uma personalidade diferente. Pensam, de modo diferente, quanto ao caminho a seguir e em como sobreviver. Quais são as alternativas para que todos saiam com vida da floresta? Eles podem entender que o caminho é difícil, que não há consenso e que, portanto, deve ser cada um por si. Possivelmente, as chances de sobrevivência diminuem nessa situação, pois a ajuda de um ao outro pode ser melhor do que andar ou agir sozinho. Shutterstock: r.classen
  • 54. 54 Capítulo 8 Eles podem discutir e chegar à conclusão de que é melhor seguirem juntos. Mas, então, por qual cami- nho? E quem vai escolher? O mais forte comanda? O mais inteligente? E se um deles impusesse sua von- tade, a força ou agisse por chantagem? Ou uma vo- tação seria o melhor? Mas essa votação respeitaria a vontade de todos? Até que ponto um deles terá de se submeter totalmente? E se um não concordar com a decisão dos outros dois, será melhor aceitar sozinho ou seguir ideias com as quais não concorda? Isso tudo pode parecer um desafio de reality show. No entanto é o grande problema dos poderes em sociedade: "Como organizar a sociedade e o poder para que as decisões sejam justas e boas?" Esta foi uma questão estudada por um pensador que viajou muito, estudou muito, observou muito e chegou a certas conclusões que possuem influência até nos dias atuais, em quase todas as democracias do mundo. Vejamos o que este pensador, Montesquieu, tem a contribuir para as nossas reflexões sobre política, poder e liberdade. 1 Montesquieu e a observação das sociedades Charles Louis de Secondat, Barão de Montesquieu (1689 – 1755), foi um pensador, político e escritor francês, nascido no castelo de La Brède, na região de Bordeaux. Filho de família nobre, teve formação jurídica e humanista. Formou-se em Direito no ano de 1708. Em 1721, então com 22 anos, Montesquieu publicou um livro intitulado Cartas Persas, uma sátira sobre a sociedade e a Filosofia francesa da época, mostrando, desde aquele momento, um grande talento literário e de observador da sociedade. Com essa obra, ganhou notoriedade entre o círculo intelectual europeu. Atuou como político do Parlamento de Bordeaux entre 1714 e 1728, e teve contato com os iluministas de Pa- ris, como Diderot e d’Alembert. Depois desse período, viajou por diversos países como Itá- lia, Suíça, Alemanha, Holanda e Inglaterra, onde morou por quase um ano. Nesse período, estudou a política dos diferentes países e regimes. Retornou a sua residência em 1731, onde trabalhou em suas obras. Montesquieu estudou e escreveu sobre diversos assuntos, como literatura, ciência e Política. Nesta área, ganha destaque sua principal obra, O Espírito das Leis (1748). Faleceu em 1755. O método de Montesquieu. Montesquieu se destacou nas áreas de História e Filosofia, por inaugurar um método diferente para analisar as sociedades, os costu- mes e as políticas. É importante entendermos esse método para com- preendermos de onde Montesquieu tirou a ideia da separação dos po- deres. Wikimedia © Domínio Público Shutterstock: Kiselev Andrey Valerevich Wikimedia © Domínio Público