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APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO
                         PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003
                           Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso
                               INTRODUCÃO AO DIREITO
                                    Sumários de aula 1

              Esta disciplina, de caráter enciclopédico, visa introduzir o aluno no
universo do conhecimento jurídico; em razão disso, situa-se principalmente entre
os campos da Filosofia e da Teoria do Direito. Em sua temática, busca
basicamente refletir questões em torno do «quê» seja o direito e dos seus
respectivos conceitos.
              Ao término desta disciplina, deverá o aluno ser capaz de:
a) situar o Direito no universo do conhecimento e estabelecer uma relação entre
ele e as ciências afins, refletindo criticamente esses conhecimentos;
b) ter percebido a grandeza e a importância dos estudos jurídicos, e consciente de
sua beleza, encará-los com diretrizes e com gosto;
c) ter noções da evolução da temática do direito e conhecer sua estrutura
organizacional básica;
d) numa perspectiva crítica, conhecer do caráter polêmico que é a definição da
origem, dos conceitos, objetivos e métodos do direito, situando-se na realidade
atual e suas exigências ético-jurídicas.

                             Capítulo I: A QUESTÃO DO DIREITO

1. O DIREITO E A CIÊNCIA

1.1) Vencida a fase mítica (aqui falamos de vencer num sentido institucional, já
que na realidade os mitos continuam a fazer parte de nossas vidas), o homem
necessitou de encontrar uma explicação coerente para as coisas. Essa busca de
fundamentos lógicos possibilitou também o avanço técnico, forçando o homem a
lançar mão da ciência para modificar a natureza e torná-la mais útil, mais justa,
mais bela etc. Aqui se põe a grande diferença entre natureza e cultura.

1.2) Invocar o verbo conhecer pressupõe alguém que conhece (o sujeito do
conhecimento); assim também, conhecer é conhecer algo (o objeto do
conhecimento). Qualquer conhecimento está vinculado a esses dois elementos.
De outra forma, fala-se ainda em tipos de conhecimento ou graus de
conhecimento. Ao falarmos de conhecimento vulgar (por alguns também dito
conhecimento empírico), consideramos aquele conhecimento mais comum em
nosso dia-a-dia, espelhado na simples observação dos fatos isoladamente
considerados e por isso mesmo carecedores de comprovação; ao falarmos de
conhecimento científico estamos ultrapassando os limites dos casos isolados para


1
  Estes sumários têm o fito exclusivo de dirigir as aulas de Introdução ao Estudo de Direito da Faculdade
RADIAL, ministradas pelo Profa. Tânia Mara Fonseca Mendes Afonso para turmas de Dependência em 2003,
bem como orientar os alunos quanto à escolha da bibliografia adequada ao desenvolvimento desta temática,
conforme Programa de Curso previamente distribuído; estão, portanto, sujeitos a emendas que serão feitas no
curso das aulas. Sugestões e dúvidas poderão ser feitas diretamente a autora pelo correio eletrônico
tanaifon@terra.com.br
APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO
                   PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003
                     Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso
deles extrairmos uma uniformidade, e para isso utiliza-se métodos específicos de
comprovação.

1.3) Para fins didáticos, costuma-se classificar as ciências de diversas formas.
Aristóteles, parece ter sido o primeiro a nos oferecer uma classificação
consistente: para ele há três grupos de ciências: teoréticas (destinadas à
contemplação), práticas (para orientar as ações, onde se incluiria o Direito) e
poiéticas (voltadas para a construção de coisas). Comte também classificou as
ciências hierarquicamente onde a sociologia ocupa o lugar de destaque, estando
ali incluído o Direito. Igualmente Kelsen se preocupou com a questão, dividindo-as
em explicativas (ciências do ser) e normativas (ciências do dever ser, onde incluiu
o Direito). Cossio tratou-as como ciências formais (relativas aos objetos ideais e
cujo conhecimento se dava por ação do intelecto), naturais (quanto aos objetos
naturais e que poderiam ser explicados) e culturais (pertencentes aos objetos da
cultura e acessíveis pela compreensão). Na última classificação se incluiria o
Direito. Franco Montoro, seguindo Aristóteles, oferece duas classificações:
ciências teoréticas, especulativas ou práticas e ciências práticas, normativas ou
aplicadas. Para esse jurista filósofo, o Direito estaria dentre as últimas.

1.4) Sabe-se também que o direito nem sempre foi pensado como uma ciência no
sentido moderno da palavra, e até hoje há quem lhe negue esse estatuto. Assim é
que entre os povos antigos era visto como uma manifestação da vontade dos
deuses (neste caso por exemplo ver a fantástica narrativa de Sófocles [496-405 a .
C] no episódio de Antígona quando esta, ignorando o édito de Creonte, exigiu
sepultura para seu irmão), como uma exigência da natureza (Heráclito - 535 a 470
a . C) ou como uma virtude de se viver bem na polis (Platão e Aristóteles, 497-347
a. C e 384-322 a . C, respectivmaente), e aqui se confundia com outras regras de
conduta (morais e espirituais).

1.5) Mas já na idade clássica se preocupou com o estudo do direito (sobretudo
com os juristas romanos nos séculos I a III d. C como Paulo, Gaio, Ulpiano e
Papiniano) . Não obstante, parece mesmo ter sido a recuperação dos textos
romanos pelo Imperador Justiniano o grande impulsionador desses estudos, pelo
que surgiu a afamada escola dos glosadores e depois a escola dos comentadores
no século XIII, estudos esses que passaram a se dar em torno da interpretação
dos do Corpus Iuris Civilis e do Corpus Iuris Canonicis e que foram uma marca do
ensino escolástico. Após período de crise desses estudos (crise essa que trouxe
inovações, é claro), veio o movimento cientificista do século XIX que buscou
elevar o Direito à condição de verdadeira ciência. Principalmente em Kelsen (início
do século XX) se reivindica o direito de ser uma ciência pura, ou seja, sem as
exigências ético-valorativas da Filosofia, bem como sem as recriminações da
Sociologia ou da Política, privilegiando a formalidade à matéria.
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1.6) Admitida então a qualidade de ciência para o direito, aponta-se o fenômeno
jurídico como o seu objeto específico de estudo 2, vale dizer, como em um
determinado tempo e lugar o direito se manifesta. Importa assim distinguir seu
campo de atuação com o da Sociologia (os fatos sociais de uma maneira geral),
da Filosofia (a busca de fundamento para as coisas, para o agir, para conhecer
etc), da Economia (as condições materiais reclamadas pela existência do homem),
da Política (da tecnologia do poder), da História (os fatos historicamente situados)
etc. Não se nega, no entanto, os pontos em comum entre essas disciplinas e que
são tratados nas respectivas disciplinas (Filosofia do Direito, Sociologia do Direito,
Psicologia Forense, Medicina Legal, História do Direito etc).

De uma maneira geral, tem sido estudado como ciência puramente teórica (busca
do saber) ou prática (busca de um fim, como por exemplo o agir com justiça, com
eficiência, com arte etc) e ainda como ciência natural (com o rigor matemático
dessas ciências) ou como ciência cultural (por lidar com os fenômenos do espírito
e que se manifestam diferentemente dos naturais ou físicos).

Hodiernamente tem-se estudado o direito como um conjunto de normas que visam
regular as relações entre as pessoas, em um determinado tempo e espaço,
embora haja divergência quanto ao «porquê», aos objetivos e aos meios de se
efetuar essa regulação. Encarado numa perspectiva positivista, o direito será
estudado em sua classificação em Direito Público (Constitucional, Administrativo,
Tributário, Penal, Processual, Internacional Público etc) e Privado (Civil,
Comercial, Trabalhista, Agrário, Minerário, Consumerista, Internacional Privado
etc). Cada um destes ramos se preocupa com uma matéria específica na
regulação da conduta e das relações entre os indivíduos, ou entre estes e o
Estado.

Não se pode olvidar, no entanto, que a idéia de uma racionalidade para o direito
vem sendo colocada em discussão pelas correntes críticas. Aqui, além de se
negar a cientificidade e a imparcialidade para o direito, prefere-se que ele seja,
acima de tudo, eficiente, não importando, inclusive, se tenha ou não um campo de
atuação diferenciado das outras ciências.


2. A BUSCA DA ORIGEM E DO SENTIDO DO DIREITO

Importa não ignorarmos, desde já, os esforços da Filosofia Jurídica no sentido de
encontrar um sentido para o direito, pensando a sua origem, conceito,
fundamentos e método do direito. Em nossa disciplina, acreditamos ser apenas
possível apenas noticiar as principais divergências doutrinárias acerca dessas
questões.

2                                                     ª
    1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 16.
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2.1) O primeiro ponto que se coloca é o de se ter claro que em um período da
humanidade em que tudo era explicado pelos mitos (é bom ter em conta que
muitos mitos permanecem encarnados na vida do povo e que outros foram criados
ou reinventados!). Assim é que segundo o poeta Homero, Témis, uma das
esposas de Zeus e deusa da justiça, é a personificação da ordem estabelecida;
sendo respeitada por todos do Olimpo, assiste todas as deliberações dos deuses
e dos homens, preservando sempre a equidade das decisões. Assim também é
que Hermes, filho de Zeus e embaixador do Olimpo, tinha a autoridade de revelar
aos humanos a vontade dos deuses.

2.2) Já no período germinativo da Filosofia, começaram as primeiras
especulações acerca da origem e do fundamento do direito. Nesse período abre-
se uma fase importante do jusnaturalismo 3.
        2.2.2. Enquanto os sofistas 4 defendiam a tese de uma moral temporal,
Sócrates (439-499 a . C) defendeu a existência de normas de conduta de valor
absoluto, e que se conhecidas, evitariam a prática de qualquer ação injusta
(intelectualismo socrático).
        2.2.3. Nesta perspectiva Platão, principalmente em três dos seus diálogos
(A República, O Político e Leis), insiste na defesa de uma verdade política válida
para todos os povos e em todos os tempos, capazes assim de construir uma
cidade feliz. Em A República explica que essa lei eterna e imutável é fruto da
vontade de Deus e reside no mundo das idéias, e representando um ideal a ser
alcançado, é a matriz das nossas falsas idéias de justiça.
        2.2.4. Já Aristóteles defendeu a origem de uma lei resultante da vontade
dos deuses, independente das convenções humanas e eternamente válidas (um
justo por natureza), não negando, porém, a existência de uma outra em sentido
contrário e inferir àquela, tudo no sentido de viabilizar a vida na polis.
        2.2.5. Diferente não foi com Cícero (106-43 a . C) a quem devemos grande
parte da transposição da filosofia grega para nossa cultura, o qual fundamentou o
direito em verdades supra legais e por isso indeléveis pelo senado de sua Roma;
também não foi diferente com o apóstolo Paulo, que em Rom 13, 1-6 defendeu o
direito como a vontade de Deus, gravada no coração dos homens e com vistas à
justiça; assim também foi com os juristas romanos da época clássica, cujos
pareceres fundamentavam em princípios de direito, dentre eles de direito natural
(ius naturale) e com Santo Agostinho, que retomando a idéia platônica, coloca-a
na mente divina ou lex aeterna, esta que manda «respeitar a ordem natural e
proíbe perturbá-la».

Cabe frisar aqui a importância que tem o pensamento cristão em nosso edifício
jurídico: Antes não se distinguia muito os interesses da pessoa com os do Estado,
3
    Doutrina jurídica que prega a existência de um direito supra legal e eterno.
4
  Professores que na época atuavam nas cidades gregas ensinando, dentre outras coisas, a arte
retórica para que seus alunos saíssem bem nas discussões da polis.
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e já por isso o direito era pensado quase sempre como uma força misteriosa que
buscava a harmonia desse Estado, e para isso os interesses individuais estavam
em segundo plano. A idéia de homem como imagem e semelhança de Deus o
elevou a outro patamar de dignidade ainda não conhecido, abrindo caminhos para
o Humanismo e futuramente para o Iluminismo jurídicos.

2.3) Assistida a queda da civilização romana, a ascensão da barbárie, a
desagregação do Estado e a posterior derrocada do Feudalismo, começa novo
período de florescimento da cultura e da política. Esse é um período em que tem
muita importância o pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225 a 1274), um
compilador do pensamento anterior e anunciador de uma nova era. No Direito,
coube ao doutor angélico cristianizar Aristóteles, fundindo sua doutrina com a da
igreja. Em síntese, sua doutrina jurídica está centrada na idéia de bem comum a
ser buscada pela lei, que antes de ser humana, é originária de Deus e revelada ao
homem pela inteligência. O direito aqui é um pedagogo que orienta o homem no
cumprimento seu papel na terra e o prepara para retornar ao criador.

2.4) Sendo Santo Tomás o principal expoente do jusnaturalismo no período
medieval, sua morte foi sucedida por uma mudança de postura dessa corrente.
Com Grócio (1583-1645), tenta-se outra forma de justificar o direito, haja vista a
explosão das guerras religiosas que testemunhara: o direito natural consiste
naquilo em que a reta razão demonstra ser conforme à natureza social do homem,
e “o direito natural existiria mesmo que Deus não existisse”. Mais radical ainda é a
mudança implementada por Hobbes (1588 – 1679): O direito que antes dele era
explicado por uma força misteriosa, agora passa a ter conteúdo estritamente
racional. Para o autor do Leviatã os homens, maus por natureza e em luta
constante uns com os outros, fizeram um pacto e renunciaram ao poder individual
em favor do Estado a fim de que esse mantivesse a paz. Essa doutrina absolutista
foi amenizada por autores como Locke (1632 – 1704) que afirmou não ter o
homem renunciado a todos os direitos e por Rousseau (1712 – 1778), este que
afirmando ser o homem bom em seu estado de natureza, viria a considerar como
digna de respeito apenas as leis que possibilitassem ao homem essa felicidade.
Essa fundamentação racional para o direito ganharia dimensão nunca vista com
Kant (1724 – 1804), para quem os princípios de direito natural fundavam-se na
autonomia da razão; face a isso, a liberdade era o único direito natural existente e
então capaz de permitir ao homem agir moralmente (por puro dever). Isso levaria
a uma conceituação de direito como “o conjunto das condições nas quais o arbítrio
de cada um pudesse conciliar-se com o arbítrio dos outros segundo uma lei
universal de liberdade”.

2.5) Esses autores do jusnaturalismo racionalista influenciaram a positivação do
direito, a qual começou a ser implementada após a Revolução Francesa sob a
promessa de uma maior segurança jurídica. As sucessivas críticas dirigidas contra
o Código de Napoleão e outras experiências codificadoras levaram ao
ressurgimento do Direito Natural, embora sob novas orientações. Uma dessas é a
idéia de “Direito Natural de conteúdo variável” de Stammler (1856 – 1938), vale
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dizer, a doutrina de um ideal de justiça que eternamente acompanha homem, mas
que pode ser implementada com conteúdo diverso nos diversos períodos da
história. De outra forma, a retomada da perspectiva jusnaturalista é retratada na
filosofia material dos valores de Scheler (1874 – 1928), no direito natural absoluto
de Del Vechio e em diversos documentos da Igreja Católica.

2.6) Posta assim a perspectiva jusnaturalista do direito, importa observar que não
há com sua principal opositora (a positivista) nenhuma delimitação histórica,
embora esta seja uma realidade palpável no período pós-iluminista.
        2.6.1. Já vimos como os sofistas apontavam a relativização da moral.
Também a mostramos a observação de Aristóteles quanto à existência de uma lei
positiva, e em outro momento a codificação jusitiniana. No seu Tratado da Lei
Santo Tomás também desenvolve a sua teoria acerca da que chamou lei humana
em oposição à lei divina e à lei natural. Este autor é considerado um daqueles que
começaram a pensar a autonomia da lei positiva.
        2.6.2. Os motivos políticos que levaram ao triunfo já do Parlamentarismo
Inglês, bem como das revoluções Francesa (a luta contra o absolutismo
monárquico) e Americana (contra os abusos da Corôa Inglesa): a limitação dos
poderes do Estado contra o homem. É nesse espírito que começam a ser
realizadas as codificações.
        2.6.3. Com efeito, o homem agora pensado sob o prisma da racionalidade
poderia com sua própria inteligência escolher e divulgar as leis adequadas a uma
sociedade melhor: a sociedade liberal. Nesse compasso, importantes é a ação de
autores como Montesquieu (O Espírito das Leis) e Beccaria (Dos Delitos e das
Penas), onde não somente se denota os princípios norteadores dos novos direitos
universais proclamados, mas a própria preocupação com o respeito de tais direitos
reclamava que os mesmos estivessem escritos.
        2.6.4. A primeira obra-prima de cunho universal com essa ideologia é o
Código de Napoleão (1804), o qual plantou a idéia de um código que servisse de
segurança para todos. A justiça estava na lei, e Bounet dá a nota do tempo: "Eu
não conheço o direito civil; ensino o Código de Napoleão". Não obstante, ali
mesmo surgiram as primeiras desconfianças acerca desse "absolutismo da lei"
com as sucessivas escolas da livre investigação do direito, do direito livre etc.
        2.6.5. Se aquela foi a opção da França, a Alemanha a retardaria por quase
um século graças à oposição sitemática da Escola Histórica, sobretudo com
Savigni (1779-1861) e Puchta (1798-1846). Para Savigni, a idéia defendida por
Thibaut (1814) de um código para o povo germânico era prejudicial ao direito, já
que qualquer codificação impediria sua livre evolução, eis que estava presente nos
costumes, formando a "consciência jurídica do povo", o "espírito nacional", não
podendo, portanto, restringir ao capricho do legislador. Não se esquece, porém, a
ação de Jhering (1818-1892) na codificação alemã, que embora superando o
positivismo tradicional quando se interessa pelo conteúdo do direito, também o vê
como uma criação do Estado.
        2.6.6. Numa perspectiva um pouco diferente está Marx (1818-1883), cuja
doutrina, não se ignora, funda-se na concepção materialista da história (doutrina
que vê a questão econômica como a determinante das demais, vale dizer, não são
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                        Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso
as idéias que definem a vida social, mas esta que define as idéias. Para esta
escola, o Direito, a Religião, a educação etc, constituem a super-estrutura do
sociedade, que se define de acordo com os interesses econômicos tramados).
Embora o direito para essa escola acaba por ser mesmo o direito positivo e sendo
os fatores econômicos os seus determinantes, estaria ele fadado ao
desaparecimento quando da plena realização econômica, já que o Estado
desapareceria no reino do comunismo.
        2.6.7. Parece ser pela empresa de Hans Kelsen (nascido no final do século
XIX e vivenciado as experiências jurídicas desastrosas do século XX) que o
positivismo jurídico alcança seu apogeu (fala-se aqui em normativismo jurídico no
que lhe deu o autor uma marca especial).

Já Austin (1790 - 1859) defendera e teve muito eco em seu pós-morte a idéia de
um direito positivo desvinculado de critérios morais e constituído de simples
mandato imperativo. A teoria pura do direito de Kelsen significou o retorno ao
formalismo de Austin, resumindo o direito ao simples conhecimento das normas.
Seu direito é uma pirâmide de normas cuja unidade se deve ao fato de todas elas,
numa escala hierárquica, se subordinarem uma norma superior (a Constituição!) e
auto-subsistente. Já as normas, têm caráter hipotético, i.é, vincula a determinados
atos determinadas consequências impostas pelo Estado. Desta forma, não há que
se falar em "direito justo", mas em "direito válido" de acordo com os critérios
valorativos que ele mesmo (o Direito) estabelece, valores esses, frisa-se, que não
têm necessariamente que serem os do justo.

2.7) Importa agora meditarmos acerca das correntes que se põem hoje no sentido
de superar (ou de recuperar) os dois grandes horizontes iniciais, ou seja, a visões
naturalista e positivista do direito, uma vez que como vimos no ponto "2.5", última
parte, os exageros positivistas levaram a uma situação de insustentabilidade da
doutrina e a um consequente retorno ao direito natural. Atualmente, três vozes
principais se escutam: há aqueles que se mantém fiéis ao culto da lei, nem que
para isso se ofereça em holocausto a própria justiça; os que pregam o retorno ao
direito natural; e aqueles que buscam uma alternativa ao dualismo
positivismo/jusnaturalismo, sem contar que dentre eles há os que consideram não
fazer mais sentido perguntar sobre "o que" seja o direito, mas apenas "para que"
serve o direito ou "como" se apreende esse direito.
         2.7.1. Em poucas palavras se diz que a visão normativista do direito
demanda hoje alto grau de "insulina" para se sustentar, já que as próprias
circunstâncias históricas lhes são muito desfavoráveis, malgrado seja igualmente
difícil encontrar uma alternativa para ela. A visão reducionista do direito ao direito
Estatal teve e terá consequências nefastas, já que qualquer direito que cumpra as
formalidades exigidas seria legítimo (o nazismo, o fascismo, o stalinismo, o
getulismo etc), além do que, desconfia-se, da possibilidade de o direito ser assim,
imparcial. Por outro lado, a dinâmica das relações sociais e jurídicas não é
acompanhada pelo legislador.
         2.7.2. Em meio a estes desafios erguem-se propostas no sentido de
superar a retórica normativa sem no entanto retornar às especulações metafísicas
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do jusnaturalismo. Uma importante corrente neste sentido é a do
jurisprudencialismo 5. Para esta escola, a norma tem sim o seu valor, não sendo,
porém, imutáveis como querem os jusnaturalistas nem racional-legalista como
querem os normativistas, estando, pois, sujeitas à revisão pelo homem histórico.
De outro modo, tem projeção internacional a escola culturalista de Miguel Reale,
cujas bases fundam-se na idéia de tridimensionalidade para o direito (teoria
tridimensional do direito), com herança na teoria vitalista do direito de Recaséns
Siches e teoria egológica do direito de Carlos Cossio. Para essa corrente, o direito
é um dado da cultura, construído pelo homem na história e carregado de sentidos.
Outro não menos importante agrupamento é o daqueles que se convencionou
chamar escola crítica do direito, para quem o direito não dispõe do caráter
científico apregoado pelo movimento liberal-iluminista, sendo mesmo um arsenal
ideológico de que se servem aqueles que estão no poder para fazer valer seus
interesses. Cabe ressaltar que aqui não se está tão preocupado com o conceito ou
com a origem do direito, mas sim com a sua finalidade.
         2.7.3. Entrincheirados assim pelos desafios que se nos impõe a atualidade,
cremos ser angustiante a batalha do jurista no sentido de realizar o direito. Será
difícil tomar partido sem uma reflexão amadurecida da historicidade do jurídico e
sem uma primeira opção por um sentido para o direito, vale dizer, se o queremos
apenas para "estabilizar" as relações sociais, para renovar no tempo as tramas do
poder ou se para colaborar na realização da dignidade de todos os humanos.



                      Capítulo II: A MANIFESTAÇÃO DO DIREITO


1. A ORDEM JURÍDICA

1.1) A ação h  umana é, via de regra, orientada por normas. Quando temos um
objetivo a alcançar, seguimos certas prescrições para sermos bem sucedidos; é o
que ocorre, por exemplo, com as normas técnicas, como por exemplo as normas
da ABNT e que regem a elaboração de trabalhos científicos.

1.2) A convivência social também pressupõe uma certa ordem, que entre os
humanos pode ter muitas dimensões, como dimensão moral (do grego ethos =
costume, origina da consciência que regulamenta a conduta humana), social
(costumes sociais e etiquetas), religiosa (convição espiritual) ou jurídica. Nem
todos aceitam que haja uma base objetiva para a conduta humana, como se pode
ver dos céticos, dos relativistas, positivistas, utilitaristas, marxistas etc. As
frustrações políticas da atualidade, no entanto, reclamam a busca de uma ética

5
  Jurisprudencialismo aqui nada tem com a jurisprudência no sentido em que o termo é tratado pela
teoria do direito; é antes, sim, uma corrente doutrinária com o entendimento que lhe é próprio.
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mínima capaz de assegurar a própria existência do planeta, sendo reclamado
inclusive, por alguns autores, o retorno à literatura clássica 6

        1.1.1. As normas religiosas dizem respeito, principalmente, à relação do
homem para com Deus (ou outra designação que se possa dar a uma entidade
espiritualmente superior ao homem), como por exemplo o dever de amar a Deus
sobre todas as coisas; mas também pode se referir ao compromisso do homem
para com o seu semelhante (o dever de amar o próximo como a nós mesmos).
Além do mais, também diz respeito às relações entre os membros de uma
comunidade religiosa ou entre esses membros e a igreja.
        1.1.2. Quanto às normas sociais, prescrevem condutas consideradas
recomendadas para a boa convivência das pessoas, por alguns também
chamadas de regras de etiqueta.
        1.1.3. As normas morais, por outro lado, referem-se à conduta do agente,
não possuindo, no entanto o atributo da coercibilidade estatal, no que difere das
normas jurídicas.

Entre os gregos, berço da filosofia, não havia ainda uma distinção entre normas
jurídicas e normas morais. Os romanos, considerados os criadores do direito, já
intuíram essa diferença, como se pode ver da máxima do jurisconsulto Paulo non
omne quod licet honestum est. Até mesmo para os medievais, o direito ainda
estava subordinado à moral.
A partir de Thomasius (1705), tem-se tentado distinguir com clareza os campos da
moral e do direito. Para o filósofo alemão, o Direito visa uma ação externa (forum
externum), relação do homem para com o seu semelhante, enquanto a moral visa
a conduta do homem para consigo, com sua consciência (forum internum). Desta
forma, enquanto uma conduta humana só atinge a intimidade, não pode ser
cerceada pelo Estado. Além do mais o Direito, diferentemente da moral, seria
perfeito porque coercível. Igualmente Kant, sem superar as principais objeções a
essa teoria, acrescentou a ela alguns elementos. Para aquele filósofo, conduta
moral é aquela onde o indivíduo age pelo simples dever, por amor ao bem,
enquanto o Direito não se preocupa com os motivos da ação, mas apenas com
seus aspectos exterirores. Ademais, as normas de Direito são heterônomas
(valem independentemente da vontade do indivíduo), enquanto as normas morais
são autônomas.
Para Fichte, ao Direito é permitido coisas que para moral seriam absurdas, como
por exemplo o credor deixar o devedor em estado de miséria para receber seu
crédito.
Bentham e Jellineck formularam a teoria que se chamou de o mínimo ético, vale
dizer, o Direito é apenas uma parte da moral necessária à manutenção da
sociedade. Diferentemente, Du Pasquier formulou a teoria dos círculos secantes,


6
    Vê-se por exemplo Umberto Eco: “o moderno é ler Platão”.
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onde o Direito e a moral têm campo de atuação comum e diferentes,
simultaneamente.
Para Reale, a diferença básica entre as regras jurídicas e as morais está no fato
de que estas são dotadas de bilateralidade atributiva, i. é, a cada direito de um
sujeito há o dever do outro em cumpri-lo.

1.2) A ordem jurídica requer e exige regras específicas de conduta e sujeita os
atores a uma sanção 7 (imposta pelo Estado), embora nem sempre coativamente,
podendo tais regras serem escritas ou consuetudinárias. Além disso, reconhece-
se, por vezes, o caráter jurídico de normas não emanadas desse Estado, no que
se tem a problemática do chamado pluralismo jurídico 8.

       1.2.1. Na nomenclatura clássica, fala-se em ordenamento jurídico tendo em
conta uma série de normas legais ou consuetudinárias que possibilitem a
convivência das pessoas. É divergente, no entanto, a intenção dessa ordem:
honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (Ulpiano); impor limites
aos vícios do homem e educá-lo para o bem-comum (Santo Tomás de Aquino);
estabelecer a paz social (as doutrinas contratualistas); diante dos “conflitos”
sociais, encontrar a solução mais útil para a maior quantidade de pessoas
(Bentham); construir uma sociedade harmônica ao modo cósmico, como é comum
nos autores clássicos quando não havia uma separação entre as regras jurídicas,
morais e espirituais.
       1.2.2. Tem-se tentado identificar o ordenamento jurídico pelo critério da
formalidade (existência de um elemento estrutural de conteúdo positivo ou
negativo, categórico ou hipotético, abstrato ou concreto), da matéria (o conteúdo
da norma), pelo seu sujeito (a quem cabe impor a norma, neste caso o soberano,
ou a quem ela se destina, e neste caso ao juiz). Mas ao que parece, o que
distingue mesmo o ordenamento jurídico dos demais é a sua tentativa de
realização do direito, a coação potencial e a bilateralidade atributiva.
       1.2.3. Falar em a ordem jurídica pressupõe a existência de uma pluralidade
de normas, reconhecidas a hierarquia, a antinomia e as lacunas.
       1.2.4. À norma jurídica se impõem limites de atuação, com consequência
direta em seus efeitos: quanto ao tempo, de uma maneira geral regula os fatos
posteriores, salvo casos específicos e que trazem a lume o problema do conflito
das normas no tempo, além de que os fatos estão sujeitos a constantes
mudanças, podendo tornar obsoletas as regras impostas 9; quanto ao espaço,

7
   Uma pena ou um prêmio que se obtém em razão do cumprimento de uma determinação ao
jurídica. Não se confunde, assim, com aquela sanção prevista na tecnologia legislativa onde,
depois de aprovada pelo Legislativo, a lei vai ao Chefe do Executivo para ser sancionada e depois
publicada para que tenha vigência.
8
  Conforme mais adiante se verá, trata-se do reconhecimento da existência de normas, dentro de
uma ordem jurídica estatal, com igual validade jurídica, contrariando, assim ao monismo estatal
apregoado por algumas correntes jurídicas.
9
  Para tudo isso conferir o art 1º, §1 e art. 2º, §2 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
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restringe a validade de tais disposições em um território específico, não negada a
idêntica possibilidade de conflitos; quanto à matéria, restringe a aplicação apenas
aos fatos de natureza pré-determinada.
        1.2.5. Quanto às pessoas abrangidas pela norma, diz-se que têm
destinatários imediatos, sendo os sujeitos em geral (Art. 171 do CP) ou para
alguns em especial (Art. 240 do CP, Lei de Responsabilidade Fiscal, a pessoa
física ou jurídica, os órgãos do Estado etc). Têm ainda destinatários mediatos,
como os órgãos estatais chamados a garantir a lei.
        1.2.6. Caracterizadas pela generalidade (destinada a diversas pessoas) e
abstração (não se refere a um caso particular, mas descreve uma conduta típica,
como por exemplo, o crime de violação de sepultura descrito no art. 210 do CP),
as normas jurídicas compõem-se de preceito e de sanção. Preceito é o
mandamento, positivo ou negativo, como por exemplo ao locatário pagar
pontualmente o aluguer e os encargos da locação, na disposição do art. 23, I da
Lei 8.245/91, ou a obrigação do proprietário de imóvel rural pagar o ITR. Sanção é
a retribuição dada àqueles que descumprem ou cumprem o mandamento, como
por exemplo a pena de desfazimento da locação por iniciativa do locador (Art. 9º,
III da lei anterior) ou o desconto dado ao contribuinte que paga na data premiada
com a redução do tributo. Uma sanção pode ser repressiva (prisão pelo não
pagamento de pensão alimentícia), preventiva (o internamento de pessoa
inimputável), executiva (a penhora de bens para pagamento de débitos), restitutiva
(o dever de reparar um dano, como previsto no art. 159 do CC), rescisória (a ação
rescisória prevista no art. 485 do CPC) ou extintiva (perda do prazo para intentar
queixa-crime ou representação, prevista no art. 103 do CP).

Observa-se que além das atribuições gerais próprias do ordenamento jurídico,
atribui-se à norma funções específicas como distributiva (distribuição de direitos,
obrigações e funções), defesa social, repressiva, garantia ou tutela de direitos (o
direito ao habeas corpus, habeas data, mandado de segurança etc), organizadora
(a lei de organização judiciária), arrecadadora (criação de tributos), reparadora
(dever do agente poluidor em reparar dano ambiental).

Impende também notar, a propósito do que se viu antes acerca das visões
jusnaturalista e positivista do direito, o direito “moderno” orienta-se por um mínimo
de normas escritas, sob a controvertida alegação da “segurança jurídica” 10.

1.3) Mas não se pode pensar o ordenamento jurídico apenas como um amontoado
de normas. Há dois princípios básicos que orientam esse ordenamento: o do
entrelaçamento, que diz respeito à necessidade de os elementos que compõem
esse ordenamento estarem em coadunação uns com os outros (a Lei 9.394/96 –
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, deve contemplar os princípios da
educação contemplados pela CF/88, como a democratização do acesso, a

10                                                   o
  A este respeito, ver por exemplo o inciso II do art. 5 da CF/88, art. 37, caput da mesma carta
                                         o                         o
constitucional e o inciso XXXIX do art. 5 da Carta Magna c/c art. 1 , caput do CP.
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liberdade de ensino etc), e o da fundamentação (as normas componentes desse
ordenamento, numa escala hierárquica, devem fundamentar umas nas outras).
Ademais, além das que compõem esse ordenamento (toma-se lei em seu sentido
amplo), há outros elementos igualmente importantes, como os costumes, a
jurisprudência, os princípios de direito, a analogia, os tratados internacionais e a
doutrina.
1.4) Do ponto de vista das leis, numa escala hierárquica descendente, ficam
assim classificadas:

a) A Constituição Federal e suas emendas. Há normas ali contidas com mais
   força que as demais, como se vê das chamadas cláusulas pétreas, a teor do
   art. 60, §4o . Quando uma lei fere a CF, diz-se que a mesma é inconstitucional;
b) Leis complementares (definidas no próprio texto constitucional, como a LC n.
   95/1998, a propósito do art. 59 da CF/88);
c) Leis ordinárias (elaboradas pelo Legislativo em sua atividade regular, como por
   exemplo o Código Civil, Lei 9.099/95, Lei dos Crimes Hediondos etc.); leis
   delegadas (elaboradas pelo Presidente da República ou comissões do
   parlamento, por delegação do Congresso Nacional); medidas provisórias (um
   atributo do Presidente da República em caso de urgência e relevância, como
   descrito no art. 62 da CF/88); decretos legislativos (do Congresso Nacional em
   matérias de sua competência exclusiva, em face do art. 44 da CF/88);
   resoluções (dos órgãos do Poder Legislativo, em matéria exclusiva de sua
   competência);
d) Decretos regulamentares (para dar cumprimento ou eficácia a uma lei);
e) Despachos, estatutos, regimentos, portarias;
f) Sentenças, contratos, testamentos, convenção coletiva de trabalho etc (em
   exceção ao caráter geral e abstrato da lei, dirigem a um fato em particular).

    1.4.1. A lei em si pode ter lacuna (deixar de prever alguma coisa), mas o jurista
deve preenchê-la usando dos outros elementos, como por exemplo o que dispõe o
art. 4o da LICC acerca da obrigatoriedade do juiz de decidir o caso mesmo que
haja omissão da lei.
    1.4.2. Fala-se em lei material ou substantiva, quando a mesma dispõe sobre
direitos ou obrigações (Lei 8.112/90, o Código Civil, a CLT etc) e em lei formal ou
adjetiva, quando a mesma dispõe sobre a forma de se exigir tais direitos ou
obrigações (o CPC, o CPP, a Lei 9.099/95, a Lei 6.830/80).

1.5) Os costumes são as práticas reiteradas que acabam ganhando qualidade de
lei (o cheque pré-datado); a jurisprudência é a prática reiterada de decisões
adotadas pelos Tribunais e que passam a criar precedentes (as dos Tribunais de
2ª Instância chamam simplesmente “jurisprudência”, e dos Tribunais Superiores
chamam-se “Súmulas”. Lembre-se que entre os romanos tinha significado
diferente, ou seja, era a própria Ciência do Direito); os princípios gerais de
direito são orientações que acompanham o dia-a-dia do direito, como o princípio
do ïn dubio pro reo no Direito Penal, in dubio pro fisco no Direito Tributário, in
dubio pro misero no Direito Civil, os da Administração Pública descritas no art. 37
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da CF/88, o de que ninguém pode cobrar o cumprimento de obrigação quando
pendente a sua etc); a analogia consiste em tratar casos semelhantes como se
fossem iguais (atente-se para o fato de que no Direito Penal só é cabível se for
para beneficiar o réu); os tratados internacionais (entre Estados soberanos, ou
entre estes e organismos internacionais); doutrina é o ensinamento dos juristas
(Curso de Direito Constitucional Positivo, de SILVA, José Afonso da.).

1.6) No caso dos sistemas jurídicos federados, o ordenamento jurídico continua
uno. No entanto, como no caso brasileiro, divide atribuições entre a União (CF,
Código Penal, STJ, STF etc), os Estados-membros (CE, Lei de Organização
Judiciária, Tribunais de Justiça etc) os Municípios (LO, Estatuto dos Servidores
Públicos Municipais, Lei de IPTU etc), reservando à primeira a Soberania.

1.7) Quanto às normas jurídicas propriamente ditas, costuma-se classificá-las pelo
conteúdo, pelo grau de imperatividade, em função da forma e pela natureza da
sanção.

        a) Em função do conteúdo: em razão da extensão da validade, são de
direito comum (aplicada em todo território nacional) ou local; pela amplitude do
conteúdo, podem ser gerais, quando aplicadas a todas as pessoas e em todo
território nacional (Código Civil), especiais (Código Militar) e excepcionais (o art.
10 do AI nº 5 de 1968 que suspendeu o direito de habeas corpus nos casos de
crimes contra a Segurança Nacional); pela força do conteúdo, podem ser
constitucionais (CF/1988 e suas respectivas emendas), ordinárias (CC, ECA,
Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.213/91, Lei 8.009/90 etc) e
regulamentares (o Regulamento 3.048/99 da Previdência Social); quanto à
aplicabilidade do conteúdo, são auto-aplicáveis (os direitos e garantias
individuais descritos no art. 5o da CF/1988) e dependentes de regulamentação (o
inciso XI do art. 7o da CF/88); pelo interesse que tutelam, são de Direito Público
(Direito Processual Penal), Direito Privado (lei da propriedade industrial) ou de
Direito Misto 11 (Direito do Trabalho).
        b) Em função do grau de imperatividade: Em relação aos particulares:
taxativas (não podem ser derrogadas pelas partes), estas que podem ser
“preceptivas” (o art. 156 do CTN, quando obriga o reconhecimento do crédito
tributário) ou “proibitivas” (a equiparação salarial no inciso XXXIII do art. 7 da
CF/88); dispositivas quando as partes podem alterá-la (os riscos da evicção
previstos no art. 1.107 do CC). Em relação ao poder público, são rígidas (os
casamentos que são nulos, conforme disposição do art. 207 c.c 183, I a VIII do
CC) ou elásticas ( o §4o do art. 47 da Lei 8.069/90 que faculta ao juiz autorizar ou
não a emissão de certidão em casos de adoção).
        c) Em função da natureza da sanção: Perfeitas, quando decreta a nulidade
do ato praticado contrariamente ao determinado (art. 207 do CC); imperfeitas ou

11
  Nem todos autores aceitam esta classificação, reduzindo-se às duas primeiras, i. é, Direito
Público e Direito Privado.
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sem sanção (a proibição de casamento do art. 183, XIII do CC; menos que
perfeita (a possibilidade de anular o casamento em caso de erro de pessoa
prevista no art. 218 do CC); mais-que-perfeitas (o dever de restituir a coisa
esbulhada com os devidos acréscimos relativos à deterioração, em caso de
esbulho, conforme art. 1541 do CC).
       d) Em função da forma: Escritas (as leis, os regulamentos etc) e
consuetudinárias (os costumes).

1.8) Àqueles que comungam de uma mesma ordem jurídica, pelo menos do ponto
de vista da atual juridicidade (considerada civilizada), atribui-se iguais direitos e
obrigações, e a isso chamamos de igualdade jurídica 12, como se vê nos casos do
art. 5o , caput e 37, caput, ambos da CF/88. Mas não significa que estejamos
obrigados a defender tais direitos quando os mesmos são violados. Neste sentido,
fala-se em direito objetivo e direito subjetivo.

       1.8.1. Fala-se, pois, em Direito Objetivo (norma agendi) quando referimos
ao conjunto de regras que determinam como devemos nos portar juridicamente,
bem como estabelendo sanções às quais nos sujeitamos quando nos portamos
contrariamente. Ex.: CP, CC, os estatutos de um clube, o regimento interno de
uma empresa etc.
       1.8.2. Falar em Direito subjetivo (facultas agendi), é falar na faculdade que
alguém tem de exigir que outro cumpra o que está estabelecido na norma. Ex.:
Quando o art. 573 do CC proibe a abertura de janelas a menos de um metro e
meio do prédio vizinho, concede ao proprietário prejudicado o direito de buscar a
demolição da obra; mas essa é uma faculdade concedida a esse proprietário, que
poderá se omitir ou ajuizar ação de nunciação de obra nova (art. 934 do CPC)
para assegurar seu direito.

            1.8.2.1. Há discussões em torno desta questão de saber de onde vem
essa faculdade (faculdade ao invés de obrigação) da pessoa agir:
a) para Jhering, isto se dá pelo fato de que o direito protege os interesses (teoria
   do interesse). Os críticos desta teoria dizem que seu autor confundiu finalidade
   do direito subjetivo com a sua origem;
b) para Windscheid, a origem está no poder da vontade do homem que é
   defendido pela ordem jurídica (teoria da vontade). Uma objeção que se faz a
   essa teoria é o fato de que nem todo exercício de direito depende da vontade
   da pessoa, como o no caso dos incapazes (menores, pródigos etc);
c) para Jellinek, a questão está no poder da vontade humana de satisfazer
   determinado interesse, poder esse defendido pelo Estado (teoria da vontade e
   do interesse);

12
   Foge-se um pouco aos princípios revolucionários da Revolução Francesa, que apregoava todas
as igualdades. Do ponto de vista do direito, tem sido pouco mais que simples retórica, já que sem
outros tipos de igualdade, fica mesmo difícil Ter efetivamente iguais direitos.
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d) para Paulo Nader a origem deste direito está no dever de cada uma de
   respeitar o direito alheio, disso concluindo que há o direito daquele que foi
   violado de reclamar, pelas vias judiciais, o descumprimento (Kelsen já dissera
   antes que não há distinção entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo, mas que
   este nada é mais que um reflexo daquele. Ex.: Quando o art. 7§ da Lei
   8.069/90 – ECA diz que a criança e o adolescente têm o direito a uma efetiva
   proteção à vida e à saúde, impõe automaticamente o dever do poder público e
   da comunidade em criar condições reais que assegurem a dignidade dos
   infantes).
e) há autores que negam a existência deste direito, como Deguit, por exemplo,
   que vê a questão pelo lado da necessidade de se manter a ordem social, e
   não de proteger os interesses dos indivíduos (teoria da função social).

             1.8.2.2. Os direitos objetivos podem ser classificados seguindo alguns
critérios, como em relação à eficácia e quanto ao conteúdo:
a) Quanto à eficácia, podem ser: absolutos ou erga omnes, quando oponíveis
contra todos (nome, reais, autorais etc); relativos, exigíveis apenas de alguém que
participa de uma determinada relação jurídica (o contrato de trabalho, o direito de
crédito, a locação etc); transmissíveis, quando se lhes é permitido passar de um
titular para outro, inter vivos ou causa mortis (compra e venda e os direitos reais
de uma maneira geral); não transmissíveis, ao contrário do anterior, como o direito
à honra (art. 240, § 2 do CP); principais, os existentes autonomamente (o direito
do trabalhador ao salário, como disposto na CF/88 e na CLT); acessórios, ao
contrário do anterior, como o direito ao FGTS (Obs.: o acessório acompanha o
principal);renunciáveis ou disponíveis, os que dizem respeirto aos exclusivos do
indivíduo e que por isso pode deles se abster (numa ação de separação, o direito
do cônjuge dependente em receber pensão do outro); não renunciáveis, ao
contrário do anterior, que dado ao relevante valor social que possuem, não podem
ser dispensados (a pensão de menores numa separação judicial).
b) Quanto ao conteúdo, podem ser de caráter público (políticos, liberdade,
respeito à pessoa humana, ação, petição, igualdade, ação popular, econômicos
etc) ou privados (patrimoniais e não patrimoniais). Políticos, os que visam
assegurar a participação do povo no poder (criar e partidos e deles participar,
votar e ser votado); liberdade, garantem a liberdade pessoal (habeas corpus, sigilo
da correspondência, crença etc, e muitos outros descritos no art. 5o da CF/88);
respeito à pessoa humana, os que protegem a dignidade da pessoa humana
(proibição de penas perpétua e de morte, o dever de respeitar a integridade física
do preso); ação, o de buscar o socorro judicial quando o direito não é respeitado
voluntariamente; petição, peticionar e de representar junto aos poderes públicos
para defender direitos ou censurar abusos de autoridade); ação popular, anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade em que o Estado participe,
defender a moralidade pública, o meio ambiente, o patrimônio histórico, cultural e
artístico (art. 5o, XXIII da CF/88); econômicos, os que defender a ordem
econômica e do trabalho (segurança alimentar, não formação de cartéis, liberdade
sindical, Previdência Social). Os patrimoniais são do tipo reais, quando dizem
respeito a coisa móvel ou imóvel, seguem essa coisa e a vincula ao proprietário
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(hipoteca, penhor, propriedade, usufruto etc, como descritos a partir do art. 485 do
CC); obrigacionais, quando objetivam uma prestação pessoal (o contrato de
trabalho); sucessórios, os decorrentes da morte de alguém cujos bens transmitem
aos herdeiros; intelectuais, aqueles que protegem as invenções e as marcas
comerciais (os da Lei 9.279/96) ou privados (patrimoniais e não patrimoniais). Os
não patrimoniais são do tipo personalíssimos, quando são inerentes à pessoa
humana e que as acompanha durante toda a vida (o nome, a integridade física e
moral, a liberdade etc), e familiares, quando visam proteger a família e os seus
interesses (art. 226, §§ 3 e 4 da CF/88 e art. 180 e ss. do CC).
             1.8.2.3. Maynes veio afirmar o direito subjetivo do devedor de cumprir
a obrigação que lhe cabe, postura essa adotada por nosso ordenamento jurídico
no art. 890 do CPC: nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro
requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida
(ação de consignação em pagamento).

              1.8.2.4. A idéia de direito subjetivo é inseparável da idéia de dever
jurídico, que por sua vez se relaciona com a idéia de lícito/ilícito. Entende-se por
lícito tudo aquilo que o direito não obriga (art. 5o , II da CF/88: Ninguém é obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), que o direito
permite (art. 5o , XIII da CF/88) ou aquilo que ele não regulamenta. Por outro lado,
a idéia de dever jurídico não se separa da idéia de proteção ou prestação
jurisdicional, já que a lei civil afirma que “a todo direito corresponde uma ação que
o assegura” (art. 75 do CC).
              1.8.2.5. Como vimos anteriormente, à existência de um direito
contrapõe-se uma obrigação ou dever jurídico, ou seja, restringe-se a liberdade de
alguém. Mas de onde nasce esse dever jurídico? Kant não acreditava na idéia de
autêntico dever jurídico, já que para ele dever mesmo é aquele nos censura
internamente mandando fazer o bem sem esperar nada em troca (e este não é o
caso do Direito); dirá, porém, que o dever jurídico nasce da adequação do fato à
norma. Kelsen, porém, viu sua origem na norma (o dever de se fazer o que manda
a norma).
              1.2.8.6. O dever jurídico pode nascer de uma fato, a propósito do que
dispõe o art. 159 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência,
ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar
o dano”. Mas pode também nascer da imposição legal, como o dever dos parentes
em darem alimentos aos que dele necessitam, e do a do autor de homicídio, aos
credores da vítima (artigos 399 e 1.537, II, respectivamente). Por outro lado a
extinção desse dever poderá se dar pelo adimplemento da obrigação, pela
renúncia do titular, pela morte (em obrigações personalíssimas), pela novação (art.
999 do CC), pela prescrição e decadência de direitos e obrigações (artigos
177/178 do CC, artigos 26/27 da Lei 8.078/90, art. 103 do CP etc), e até por
determinação legal (art. 1.049 do CC).
              1.8.2.7. É cabível uma classificação para os deveres jurídicos:
contratuais, quando decorrentes de um acordo de vontades, acordo esse que a lei
tratará dos efeitos, como aquele em que o prometente comprador se compromete
de assinar a escritura do imóvel ao final do pagamento das prestações (art. 1.122
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e ss. do CC); extracontratual (todos aqueles que advém de determinação legal,
como ditos alhures); positivo, quando estabelece a obrigatoriedade de se fazer
algo, como o dever do médico de informar à autoridade pública doença cujo perigo
assim obriga (art. 269 do CP); negativa, de se abster de determinada conduta,
como o de não praticar o charlatanismo ou curandeirismo (artigos 283 e 284,
respectivamente); permanente, como aquele que se estende no tempo, como
aqueles que nos impõe o dever de abster de práticas delituosas (art. 121 e ss. do
CP); provisório ou instantâneo, como aqueles cujo adimplemento extingue de
imediato esse dever (do empregador pagar o 13o salário, primeira metade entre os
meses de fevereiro e novembro, e a segunda até 2 o de dezembro).
             1.8.2.8. Podemos então falar em elementos do direito subjetivo, quais
sejam, o sujeito, o objeto, a relação jurídica e a proteção jurisdicional. É o que
veremos a seguir.
             1.8.2.9. O objeto do direito, como temos visto, são os fatos
juridicamente relevantes. Dizemos “fatos juridicamente relevantes” porque nem
todo fato interessa ao direito, como por exemplo, a queda de um bloco do sobrado
de Machado de Assis; mas se a queda desse bloco cair, por exemplo, sobre a
cabeça de Quincas Borbas que passava pela calçada, pode gerar o direito deste
em ser indenizado por aquele (art. 159 do CC).

Fala-se em fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) quando um acontecimento
qualquer está previsto na norma, fazendo nascer, modificar, subsistir, transferir ou
extinguir um direito (a venda de um telefone que dá direito ao vendedor de receber
o preço; assim, os fatos jurídicos em sentido amplo são o somatório dos fatos
jurídicos em sentido estrito mais os fatos jurídicos humanos (voluntários).

Fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) ou fato jurídico natural, material ou
involuntário quando a vontade humana não concorre diretamente, não obstante tal
fato criar, modificar, manter ou extinguir uma relação jurídica (uma seca que
destrói a plantação de Severino). Fatos jurídicos humanos ou voluntários são
aqueles onde a vontade humana está presente (o contrato de compra e venda, de
troca, de aluguel). Neste último caso fala-se ainda em atos jurídicos (art. 81 13 do
CC), como aqueles capazes de adquirir, conservar, modificar, transferir ou
extinguir direitos. Esses atos jurídicos podem ser lícitos (aquilo que o Direito
permite, ou que não proíbe e o que não trata) ou ilícitos (o que é proibido pelo
Direito), que podem ser ilícitos civis (art. 159 do CC), ilícito penal (ação ou
omissão, tentada ou consumada, descrita como crime ou como contravenção
penal), ilícito tributário (ato contrário à ordem tributária, ilícito administrativo (ato
em desacordo com as regras da Administração Pública) etc.

Fala-se ainda em atos jurídicos em sentido estrito quando há intenção ou vontade
do agente em praticá-lo (realizar uma compra no supermercado); em ato
meramente lícito quando a ação humana não visava tal ato, como o agricultor que

13
     A designação “lícito” empregada pelo legislador diz respeito ao que está previsto em lei.
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encontra um tesouro enterrado em sua propriedade quando a escava para
plantação (art. 608 CC); em negócio jurídico, quando há intenção manifesta de se
praticar o ato (um contrato de aluguel).

Os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser classificados como naturais
ordinários quando são previsíveis e regulares (o nascimento de Lima Barreto) ou
naturais extraordinários os que surgem sem regularidade (a loucura de Policarpo
Quaresma). Fala-se, neste último caso, em fato do príncipe (factum principis),
caso fortuito ou força maior, que em nosso CC está a exonerar o devedor do
cumprimento da obrigação (artigos 865 e 879), e que no Direito Administrativo
exime o contratado de cumprir as clásulas afetadas por ato do Poder Público.

             1.8.2.10. Ao falarmos de sujeitos de direito, estamos a falar daqueles
que são os titulares do direito subjetivo, i. é, que têm a prerrogativa de exercê-lo
ou exigir a prestação jurídica que lhe é assegurada pela ordem jurídica 14 (sujeito
ativo), e daqueles que, em contrapartida, têm a obrigação de cumprir a obrigação
jurídica determinada (sujeito passivo). É imprescindível aqui haver a personalidade
jurídica, ou seja, a aptidão para exigir ou cumprir uma obrigação.

Esses sujeitos podem ser tanto uma pessoa individual (a pessoa natural, singular
ou física etc) como uma pessoa coletiva (a pessoa jurídica, fictícia, abstrata, civil
ou social etc). Pessoa natural é o ser humano, considerado individualmente, e
pessoa jurídica uma coletividade de pessoas (uma empresa) ou de bens (o
espólio, a massa f lida) 15. Pessoa coletiva pode ser de direito privado ou de
                      a
direito público (interno e externo). Em consonância com nossa lei civil que diz que
“todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, a CF/88 estende
esses direitos e obrigações inclusive aos estrangeiros residentes no país; não se
pode, por isso, falar em direito de animais ou plantas, não obstante existirem leis
que coloque a salvo esses seres. Fala-se em capacidade de direito quando nos
referimos à capacidade de se adquirir direitos ou cotrair obrigações, e de
capacidade de fato ou de exercício quando falamos de capacidade para exercer
esses direitos pessoalmente (absoluta e relativamente incapazes). A capacidade
civil plena se adquire aos 21 anos de idade, com 18 (ou por outros meios) se pode
comercializar, com 17 se adquire capacidade militar, com 16 se pode celebrar
contrato de trabalho (com assistência dos pais ou responsáveis) e com igual idade
se tem capacidade política ativa e a partir dos 18 a estende (para Vereador) para
passiva.


14
   Em nosso ordenamento, vale a regra de que ninguém pode, em nome próprio, pleitear direito
                 o    o
alheio (artigos 6 e 3 do CPC). Exceção a isto é quanto aos chamados “direitos difusos”
(dispersos entre o público sem se poder identificar um titular) onde alguém defende seu direito e de
                                        o                                        o
uma coletividade. Para isto, ver art. 5 , LXXIII da CF/88 (Ação Popular) e art. 1 da Lei 7.347/85
(Ação Civil Pública).
15
   O legislador não foi muito feliz na escolha dos termos, já que tanto a “pessoa física ou indivi dual”
como a “pessoa jurídica” são pessoas jurídicas.
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A personalidade jurídica começa, na pessoa individual, a partir do nascimento com
vida, como dispõe o art. 4o do CC (mas a lei coloca a salvo o direito do nascituro),
e na pessoa coletiva, a partir do registro de seus estatutos (art. 18 do CC).
Termina essa personalidade, na pessoa individual, com a morte, e na pessoa
coletiva com a sua dissolução. O reconhecimento dessa personalidade requer a
existência de um nome.

             1.8.2.11. Falamos em relação jurídica como outro elemento essencial
do direito subjetivo, ou seja, a relação existente entre duas ou mais pessoas capaz
de gerar consequências jurídicas. Envolve o sujeito ativo (no direito privado é o
titular do direito subjetivo, e no direito público é o Estado) e sujeito passivo (no
direito privado é o devedor e no direito público pode ser um particular ou o próprio
Estado através de algum de suas pessoas).

Usa-se classificar a relação jurídica em reais (poder exercido sobre a coisa. Ex.:
Ação de Reintegração de Posse), pessoais (por uma inter-elação de condutas.
Ex.: A requisição de um de um serviço por A e sua prestação por B), de direito
privado (as que se dão com fulcro na lei privada. Ex.: A relação de consumo), de
direito público (ao contrário da anterior, como por exemplo um contrato de
concessão após devida licitação pública), formais (exigem uma forma especial
para se realizar, como a obrigatoriedade de se realizar o casamento em ambiente
público, de portas abertas, como dispõe o art. 193 do CC), não formais (como a
realização de um contrato de arrendamento rural), de subordinação (onde está o
imperium do Estado e do outro o particular. Ex.: O Contrato Administrativo) e de
coordenação (onde há, pelo menos em princípio, uma relação de igualdade entre
os sujeitos. Neste último caso, dá-se ao modo do direito privado, inclusive quando
de um lado está o Estado sem seu imperium (quando presta ou adquire, nos
casos previstos em lei, um serviço no mercado de consumo. Ex.: A compra de um
livro pela Prefeitura de Conselheiro Lafaiete); dá-se no direito público quando o
Poder Público responde por suas obrigações para com o indivíduo (Ex. : Ação de
indenização por acidente de veículo provocado por motorista do INSS); no direito
internacional quando os Estados soberanos acordam entre si (Ex.: Tratado de livre
comércio).

Para a tutela do direito subjetivo presente na relação jurídica, as sociedades
modernas proíbem a justiça privada (art. 345 do CP), e chamam para si essa
responsabilidade (art. 75 CC). Esses direitos, no entanto, devem ser exercidos por
quem tenha legitimidade (art. 6 do CPC) e no prazo previsto (artigos 103 e
109/115 do CP, artigos 177 e 178 do CC, art. 7, XXIX da CF/88 etc), sob pena de
prescrição ou decadência (perda do direito de exercer esse direito quando não o
faz no tempo previsto). Não obstante, há direitos que não são atingidos pela
prescrição (art. 168 e 169 do CC e art. 5, XLII da CF/88) e outros que têm essa
prescrição interrompida (artigos 172 do CC e 116/117 do CP).

            1.8.2.12. Por fim, falemos da proteção jurisdicional como um dos
elementos do direito subjetivo. Como vimos do art. 75 do CC, para cada direito
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existe uma ação que lhe proteja. A CF, por sua vez, impôs que todo pretenso
direito (lesado ou ameaçado) está sujeito à apreciação do Poder Judiciário: é o
princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário previsto no art. 5, XXXV. Isto
ocorre porque não é permitida a justiça privada em nosso ordenamento jurídico!
Para efetivar essa prestação jurisdicional (seja no âmbito judicial como
administrativo), o Estado é equipado em órgãos com competência específicas.

Em termos administrativos, os órgãos e intâncias são os mais diversos, tudo a
depender da matéria a ser tratada: JARI e as instâncias superiores para os
recursos de infração de trânsito, as juntas recursais em matéria tributária, as
comissões de avaliações das funções administrativas etc). Essas decisões,
embora transitem em julgado 16 na esfera administrativa, ainda estão sujeitas à
apreciação pelo Judiciário.

Na esfera judicial, existe a justiça comum que tem uma estrutura destinada a
julgar diversos tipos de relações jurídicas: a Justiça Comum Federal que julga os
casos que a União tenha interesse (cível, criminal, tributário, agrário etc) e a
Justiça Comum Estadual que julga as causas onde não haja interesse direto da
União (cível, criminal). Por outro lado, existe a justiça especializada em
determinadas matérias: A Justiça do Trabalho, que é Federal, e as justiças Militar
e Eleitoral com organizações inclusive a nível estadual. É por causa desta divisão
de atribuições que podemos falar em competência e incompetência para julgar
determinadas matérias. Cada uma dessas estruturas se organizam em instâncias:
primeira instância, quando a matéria é julgada pela primeira vez pelos Juizes de
Direito, pelos Juizes Federais, pelos Juizes do Trabalho; segunda instância
quando o vencido, descontente, pede um novo julgamento da questão (TRF, TRE,
TRT, Juntas Recursais dos Juizados Especiais, TJ, e TA em alguns Estados).
Neste último caso, quando o vencido fica descontente com a decisão ainda lhe é
permitido em alguns casos recorrer da segunda decisão, e neste caso o recurso
poderá ir para o STJ, TSE e STF. No caso da Justiça Estadual, ainda há a figura
das entrâncias que servem para classificar a demanda de casos sob a apreciação
de uma determinada jurisdição.

Em qualquer desses casos, o titular do direito subjetivo que se sentir lesado ou
ameaçado de lesão precisará de provocar o Poder Judiciário com uma ação, e
começa com uma petição inicial. Instaura-se o processo (citação e constestação),
o juiz aprecia as provas e profere a decisão (sentença). O vencido descontente
recorre (apelação na área cível e recurso ordinário na Justiça do Trabalho), o
vencedor contesta o recurso (contra-razões) e o Tribunal reexamina a decisão e
profere outra, seja mantendo a decisão a quo ou modificando-a (acórdão).
Observa-se que aqui, via de regra, não se discute provas que não foram
discutidas em primeiro grau.


16
     Decisão contra a qual não caiba mais recurso.
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Por último, há que se observar que o aumento das demandas e a morosidade
do Poder Judiciário têm levado a sociedade a rediscutir a exclusividade do
órgão judiciário para decidir as questões (soluções extrajudiciais dos conflitos).
Fala-se aqui em juizes arbitrais, em Câmaras de Conciliação e em simples
acordos na presença dos advogados dos interessados. Há outros estudiosos do
Direito que têm canalizado esforços no sentido de atuar na prevenção dos
conflitos, atuando em assessorias àqueles que hodiernamente estão expostos a
esses conflitos.

1.9) Ao tratar do ordenamento jurídico e das regras de direito, não se pode olvidar,
também, que etamos trabalhando muitas vezes com conceitos indeterminados,
vale dizer, com conteúdo e a extensão largamente incertos dessas normas.
Embora difíceis, há alguns conceitos absolutamente determinados no direito, e aí
citaríamos os conceitos numéricos (15 dias, 50 Km etc). Mas os indeterminados
são predominantes, como por exemplo o de “ato jurídico perfeito”, “sossego
noturno”, “perigo”, “mulher honesta”. Esta realidade coloca o jurista,
obrigatoriamente, frente-a-frente com o caso concreto, com as circunstâncias e
com os valores assumidos pela sociedade para poder solucionar a questão que
lhe é imposta.

1.10) Outra questão de peso no estudo da ordem jurídica é a questão das fontes
do Direito. Falamos em fontes materiais quando nos referimos aos fatores
determinantes na elaboração e na aplicação da norma (a realidade social, política
e econômica da sociedade; os valores que orientam a convivência das pessoas:
ideologia, crenças, sentimentos Tc); falamos em fontes formais quando nos
referimos à materialização desse direito. Neste último caso, falamos ainda em
fontes imediatas (aquelas que incidem imediatamente sobre as pessoas
determinando uma conduta, como a lei e o costume) e em fontes mediatas (as que
ficam na dependência de uma regra anterior para se manifestarem, como é o
caso da doutrina, da jurisprudência e dos princípios gerais de direito). Como nos
pontos 1.4 e 1.5 falamos em alguns e mais adiante falaremos sobre a equidade,
contentaremos em acrescentar as seguintes: O direito comparado (art. 8 da CLT),
que é o confronto entre diversos ordenamentos jurídicos estatais de modo a
aprimorá-los; a convenção coletiva de trabalho, prevista no art. 611 da CLT e de
caráter normativo, consistente em acordo entre dois ou mais sindicatos
representativos das categorias patronal e obreira para regulamentar a atividade no
âmbito da empresa; as decisões normativas da Justiça do Trabalho, que no caso
particular dos dissídios coletivos, estabelecem regras jurídicas para valerem entre
as partes; os atos regras, normas negociais ou convenções privadas são os atos
emanados de acordo entre particulares ou entre estes e a Administração Pública,
e que nos casos concretos, disciplinam as relações jurídicas.

1.11) Não poderíamos fechar este estudo da ordem jurídica sem nos atermos à
questão da técnica jurídica. Estamos falando dos recursos técnicos que o jurista
utiliza para conhecer, difundir e realizar o direito. Podemos dividi-la em técnicas de
elaboração, de sistematização e de aplicação do direito.
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             1.11.1. Para elaborar uma lei, é necessário dominar as regras de
redação legislativa e de tramitação do processo legislativo. Uma lei contém
preâmbulo, corpo, disposições complementares, disposição sobre a vigência e de
revogação, fecho, assinatura e referenda. Por outro lado, o processo legislativo se
compõe de iniciativa de lei, exame prévio por comissões específicas, discussão
plenária, aprovação, sanção, promulgação, publicação e vigência.
             1.11.2. Na sistematização entra o trabalho doutrinário para dar
unidade e coerência à lei, visando torná-la mais compreensível e passível de
aplicação.
             1.11.3. A aplicação ou interpretação da lei é o momento em que o
mesma vai revelar o seu sentido aos destinatários, e esse momento constitui
objeto de uma disciplina específica chamada Hermenêutica Jurídica. Veremos
esta questão quando formos estudar o problema do método jurídico.
             1.11.4. Para ser alcançar seu objetivo, a técnica jurídica lança mão
de alguns recursos, sejam eles formais (a linguagem, as formalidades e o
sistema de publicidade) ou substanciais (definições, conceitos, categorias,
pressupões e facções).

a) A linguagem jurídica é de muita importância para o direito, já que é ela quem
   comunica o fato ao direito, daí que seu uso correto pode ser decisivo para a
   solução de um caso. São elementos da linguagem jurídica as fórmulas, o
   vocabulário jurídico, o estilo jurídico e os aforismos. Por fórmulas entendemos
   os signos rigidamente exigidos para a prática de determinado ato jurídico,
   como a declaração do oficial de registro de que, em nome da lei, declara
   homem e mulher os nubentes diante de si (art. 194, segunda parte, do CC),
   assim como a advertência feita pelo presidente do tribunal do júri aos jurados
   para que julguem com retidão o caso que lhes será apresentado (art. 464 do
   CPP). Por vocabulário jurídico entendemos: as palavras do vocabulário comum
   que no direito são empregadas no sentido geral, como de prostituição (art. 229
   do CP) ou ouro e prata (art. 432, 1 do CC); palavras do vocabulário comum
   que no direito assumem um sentido específico, como mulher honesta (art. 216
   do CP) ou tradição (art. 520, II do CC); palavras oriundas de outras ciências,
   como moléstia transmissível (art. 219, III do CC); vocabulários específicos do
   direito (evicção, arras Tc). Importa ressaltar que bom uso do vocabulário
   jurídico não significa, necessariamente, o exagero da linguagem, que muitas
   vezes contribui apenas para distanciar o povo do direito. O estilo jurídico é a
   qualidade que ganha a expressão verbal quando utilizada no meio jurídico. Na
   oratória forense tem redundância a lógica, o entusiasmo, a graça, a adequação
   ao tribunal julgador Tc); nas sentenças é a distribuição ordenada da questão
   (relatório, fundamentação e dispositivo), a apreciação exaustiva, clara e
   honesta das provas, a citação correta das fontes em que baseia a decisão Tc;
   na legislação é a clareza e a concisão; nos contratos a honestidade, a clareza
   e a objetividade, bem como prever tudo e não omitir nada; na doutrina é a
   honestidade, a organização e a clareza do discurso, bem como a máxima
   exploração da matéria sem no entanto cansar o leitor, fazendo uso das notas
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     de rodapé para os excessos e para as citações das fontes; nos arrazoados dos
     advogados e promotores é a lógica da argumentação, o uso adequado de
     títulos e subtítulos para organizar e distribuir o discurso, a objetividade, a
     clareza e as oportunas citações das fontes em que fundamenta o direito que
     defende; nos acórdãos é a concisão, a qual ainda é resumida em uma
     apresentação chamada “ementa”. Por sua vez, os aforismos, brocardos ou
     adágios são máximas gerais e concisas usadas para resumir uma regra de
     direito. Ex.: In dubio pro reo, onus probandi incumbiti auctori, nas coisas
     móveis a posse vale o título, meu direito vai até onde termina o do outro etc.
b)    As formalidades jurídicas constituem nas exigências impostas pela lei para
     que determinados atos jurídicos sejam considerados válidos. São também
     chamados atos solenes para cercar de mais segurança o ato praticado (a
     exigência de transcrição da escritura pública no Registro de Imóveis para ter
     validade perante terceiros). Nosso ordenamento civil estabelece penas para os
     atos praticados sem as exigências que lhes são feitas (art. 130 CC).
c)   Por sistema de publicidade designamos os recursos utilizados no direito a fim
     de que os atos jurídicos que interessam à coletividade sejam conhecidos por
     todos. Na elaboração das leis, é assegurado pela publicidade dos debates dos
     projetos de lei, da sessão de votação e da publicação das leis. Na aplicação da
     lei, está presente em todos os casos onde não haja necessidade de se
     proteger a intimidade ou o interesse social (art. 5, LX da CF/88). Na
     Administração Pública essa publicidade está assegurada constitucionalmente
     como um dos princípios da Administração (ar. 37, caput, da CF/88).
d)   As definições jurídicas são as explicações que se dá para determinados
     elementos ou circunstâncias do direito onde a lei não deu essa definição (a
     definição de rixa prevista como crime no art. 137 do CP como “uma luta, uma
     batalha entre muitas pessoas, rompendo subitamente, por efeito de um
     movimento impetuoso de cólera, sem intenção claramente de matar ou ferir,
     mas rematando em pancadas, ferimentos mais ou menos graves, mesmo na
     morte de um ou muitos dos combatentes” 17. Embora o problema das
     definições seja da alçada da doutrina, algumas vezes o legislador usurpa
     dessa função (art. 47 do CC, artigos 24 e 25 do CP).
e)   No sentido inverso das definições (que decompõem uma idéia), os conceitos
     jurídicos são a abstração ou a síntese que fazemos de determinadas
     realidades. Ex.: Quando falamos em justa causa, imediatamente nos vêm à
     memória os fatos descritos nos artigos 482 e 483 da CLT que dão direito, ao
     empregador ou ao empregado, rescindir o contrato de trabalho.
f)   As categorias jurídicas compreendem-se na distribuição da matéria jurídica
     em quadros definidos, levando em conta a natureza, os elementos comuns e
     específicos, finalidades etc. Desta forma se pode falar em pessoas, coisas,
     responsabilidade ou em atos jurídicos como categorias do Direito Civil;
     igualmente, podemos falar em ações ou em defesas como categorias do
     Direito Processual, assim como em delitos ou em penas no Direito Penal.

17                                                    a
  NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 10   ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p.
779.
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g) Nas pressunções temos como base, segundo Paulo Dourado de Gusmão, a
   verossimilhança , ocasião em que generalizamos o que ocorre geralmente em
   certos casos, estendendo as consequências de casos conhecidos a outro
   desconhecido, i. é, consideramos verdadeiro aquilo que é provável 18 . As
   presunções são do tipo simples ou comuns quando partem do senso comum
   das pessoas, e no direito são muito utilizadas em questões de fato (a
   presunção de que a testemunha que se mostra insegura esteja faltando com a
   verdade); podem também ser legais (estabelecidas pela lei), e neste caso
   dividem-se em: absolutas ou iuris et de iuri, as que não admitem prova em
   contrário, como a presunção de que todos conhecem a lei depois que a mesma
   é publicada (art. 3o da LICC) ou que o trânsito em julgado da decisão encerra a
   verdade; existem também presunções relativas ou iuris tantum, ou seja, as que
   admitem prova em contrário, como a presunção de que os filhos concebidos na
   constância do casamento sejam filho desse casal (art. 338 e ss. do CC), ou a
   de que duas pessoas que tenham morrido na mesma ocasião, sem se poder
   dizer ao certo qual delas morreu primeiro, que terão falecido simultaneamente
   (art. 11 do CC) ou ainda a de que a relação sexual com menores de 14
   (quatorze) anos seja feita contra sua vontade (art. 224, a, do CP).
h) Por ficções jurídicas designamos a suposição de existência a algo que não
   existe na realidade, uma mera criação artificial que é muito necessária ao
   direito, ou, no dizer de Jhering, mentira técnica consagrada pela necessidade.
   São exemplos de ficção legal a de que empresas e Estados sejam pessoas
   (Pessoa Jurídica), de que as dependências de embarcações e aeronaves
   brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer
   que estejam, para efeitos penais sejam considerados território brasileiro (art. 5,
   1 e 2 do CP), assim como a idéia de que os acessórios de um imóvel (móveis
   por natureza), sejam juridicamente imóveis (artigos 43, I e II, e 46 do CC).

2. O DIREITO E A JUSTIÇA

2.1) Importa darmos especial atenção para a questão que diz respeito à relação
existente entre o direito e a justiça, eis que os dois dividem o mesmo palco do
jurídico. A importância da justiça foi bem demonstrada por Platão, para quem
«sem justiça não sobrevive nem mesmo uma sociedade de ladrões». Igualmente
prescreveu o jurista italiano Del Vecchio: A noção de justo é a pedra angular de
todo o edifício jurídico. Não obstante, há quem negue hoje a justiça como
essencial ao direito, o que teremos oportunidade de demonstrar mais adiante.

       2.1.1. De fato, em toda a história do «jurídico» houve sempre uma polêmica
entre o que dispõe o Direito 19 e aquilo que o homem aspira enquanto membro de

18                                                               a
  GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 25      ed. Forense: Rio de Janeiro,
1999, p. 8.
19
  Usamos o termo «Direito» aqui no sentido atual da palavra para exprimir um conjunto de regras
consensualmente tidas como necessárias à vida em comunidade.
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                   20
uma coletividade . Mas é necessário acompanhar a evolução do termo para não
fazermos confusão: Os gregos usavam da palavra «dikáion» para designar aquilo
que era justo, o que era devido a cada um, e da palavra «nómos» para se referir à
lei. Por outro lado, os romanos usavam do vocábulo «ius» no primeiro sentido e
«lex» no segundo. Santo Tomás no século XIII em seu Tratado da Justiça insiste
nessa diferenciação entre o direito (ius) e a lei (lex).
       2.1.2. No que tange ao conceito de justiça, a história também nos legou
diversos sentidos, alguns dos quais parecem essenciais:

a) Platão cuidou de definir o justo, e assim o coloca como uma aceitação e o
   empenho de cada cidadão no exercício da função que lhe é atribuída dentro do
   Estado, tendo em vista a construção de uma cidade feliz. Essa função seria
   definida de acordo com a virtude de cada cidadão, ou seja, aos da coragem a
   guarda da cidade, aos da temperança o comércio, as artes e a agricultura,
   assim como aos da sabedoria o governo do Estado.
b) Essa idéia de justiça como virtude persiste em Aristóteles, especialmente a
   virtude política, pois «os legisladores formam os cidadãos na virtude,
   habituando-se a ela». Em Aristóteles há que se diferenciar justiça universal
   (sentido amplo) de justiça particular (sentido estrito). No primeiro caso temos a
   conduta humana de acordo com a lei e no segundo um hábito que realiza a
   igualdade, e neste último pode-se inclusive retificar a lei pela «equidade», e
   pode ser do tipo comutativa ou distributiva. Ainda para o estagirita, são os
   seguintes os elementos da justiça: o outro (a justiça é a mais nobre das
   virtudes por que diz respeito a um ato em relação a outra pessoa, e aqui se
   fala em alteridade), a vontade (o ato só é justo à medida que o agente o quer
   praticar, e aí alguém que involuntariamente causa um mal a alguém pode até
   cometer uma injustiça, mas apenas acidentalmente), a conformidade com a lei
   (o ato tem que ser conforme a lei, não só a lei positiva, mas a lei natural
   também se a primeira com esta divergir. Para corrigir eventuais divergências, a
   equidade deve ajustar a norma legal à natural), busca do bem comum (deve
   buscar a felicidade geral da polis) e a igualdade. Esta última é essencial para
   caracterização da justiça, mas igualdade aqui surge também em sentido
   relativo, pois se os sujeitos relacionados «não são iguais, não receberão
   coisas iguais» sob pena de não se reparar as desigualdades. Na justiça
   distributiva a relação se dá na forma geométrica ou de proporção, enquanto na
   comutativa numa relação aritmética. A primeira se dá nas relações do Estado
   para com os cidadãos e se destina à distribuição das honras e das penas com
   base no mérito de cada cidadão; a segunda ocorre nas relações interpessoais
   e possibilita o restabelecimento da igualdade eventualmente violada por uma
   das partes. Santo Agostinho, embora reconhecendo a igualdade como um
   princípio que rege a criação (Deus nos fez a todos como sua imagem e
   semelhança) se apegaria à idéia de «igualdade relativa» ao modo aristotélico,

20
     É o que já se viu em outro lugar do episódio de Antígona.
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   eis que na distribuição dos bens se privilegiaria aqueles que maior mérito
   tivessem, i.é, que observam a lei de Deus. Para compensar essa
   desigualdade, o homem serve-se da Graça, uma espécie de socorro que Deus
   concede aos «desviados» para lhes conduzir à salvação.
c) Ainda da era clássica, refere-se ainda à justiça conforme as palavras de
   Ulpiano, ou seja, ser honesto, não fazer mal a ninguém e dar a cada um o que
   lhe é devido: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. Mais
   tarde Leibniz iria adotar outro critério de classificação da justiça seguindo estes
   indicativos: Justiça universal (honeste vivere), justiça comutativa (alterum non
   laedere), justiça distributiva (suum cuique tribuere).
d) Santo Tomás (século XIII), utilizando-se da doutrina anterior, manteria a
   concepção aristotélica de justiça (o «que é em si justo»), reconhecendo sua
   diferença para com outras virtudes. No entanto, sua concepção de justiça, no
   entanto, vincula à sua idéia hierárquica onde a lei divina ocupa lugar
   privilegiado, seguida pela lei natural que por sua vez subordina a lei humana.
   Desta forma, não há que se falar em justiça que contrarie essas exigências.
e) Hobbes anos mais tarde viria inaugurar outro período para a justiça: a justiça
   como idéia de um contrato, e aí somente aquele que tem palavra de mando
   poderá proclamar o que é justo ou injusto, eis que recebeu esse poder do
   homem quando este saiu do estado de natureza. Poderíamos assim dizer que
   injustiça é violar um pacto anteriormente estabelecido (pacta sunt servanda):
   nesta lei de natureza reside a fonte e a origem da justiça. Porque sem um
   pacto anterior, não há transferência de direito, e todo homem tem direito a
   todas as coisas, consequentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas
   depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição de injustiça
   não é outra senão o não cumprimento de um pacto. Chamamos a atenção
   para o aspecto coercitivo aqui acentuado.
f) A consequência da “justiça totalitária” de Hobbes seria sua amenização pelos
   demais contratualistas, liberais e iluministas, que se estenderiam de Locke a
   Kant, neste último onde exatamente a liberdade seria aquela a dar o comando
   da justiça: agir livremente de forma que minha liberdade coexista com a
   liberdade dos demais. Como essa liberdade do indivíduo precisava conviver
   com a coerção do Estado, haveria que se distinguir entre liberdade e arbítrio:
   Liberdade é diferente de arbítrio porque ela não nos permite fazer o que
   queremos, mas apenas aquilo que é conforme a razão.

    2.1.3. O período que se conheceu como do idealismo alemão (Kant, Fichte,
Hegel etc) conduziu a uma concepção formalista da justiça onde a forma
prevaleceria sobre seu conteúdo, e assim as ilusões codificadoras chegaram ao
extremo de Kelsen, já em nosso século, manifestar seu desprezo para essas
exigências de justiça na validação do Direito: Já que muitos falaram sobre justiça
mas ninguém consegue dizer o que ela seja (ou comprovar), contentaremos em
buscar um direito formalmente válido. Consequências graves foram extraídas
dessa “dispensa” da justiça, já que qualquer lei, uma vez tendo cumprido as
formalidades exigidas (publicadas por um órgão competente e obedecendo a uma
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hierarquia pré estabelecida), seria considerada válida independentemente do
conteúdo.
Impende ressaltar que hoje muitos que negam o formalismo de Kelsen e procuram
superá-lo, não restabelece essas exigências de justiça para o Direito, mas partem
puro e simplesmente das exigências de utilidade (a Law and Economics, por
exemplo).

2.2) Desta forma, seria legítima uma dupla visão da problemática da justiça: num
primeiro momento, falaríamos em justiça em sentido subjetivo ao modo de Ulpiano
como uma “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu” (Justitia
est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi), e aí teremos a
justiça como virtude (sentido subjetivo); em segundo momento teremos justiça
como ordem social que assegura esse direito de cada um (sentido objetivo). É
ainda possível falar, no que tange à concepção subjetiva, em sentido latíssimo,
lato e próprio ou estrito. No primeiro caso diz respeito à virtude em geral, em
sentido quase que de beatitude, como se vê do Digesto onde ö direito é a arte do
bem e do equitativo”; no segundo, dá-se sem as outras três das quatro virtudes
cardiais que podem ser exercidas individualmente (prudência, temperança e
coragem), mas somente se refere àquelas que tratam da relação do homem para
com os demais, regulando suas relações; no terceiro caso, é a virtude em sentido
próprio com objeto especial, vale dizer, como diria Santo Tomás: “a essência da
justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma igualdade” 21.

2.3) Retomando à questão posta por Aristóteles no que diz respeito à
classificação da justiça em justiça geral ou justiça social (que tem por objeto o
bem comum) e justiça particular (esta que se divide em comutativa e distributiva e
cujo objeto é o bem do particular), temos como fundamentais as notas seguintes.
       2.3.1. A justiça social 20 é aquela que Aristóteles considerou a mais bela
de todas: ”Nem a estrela da manhã, nem a estrela vespertina são tão belas quanto
a justiça geral”. Como em qualquer outra virtude, esta também diz respeito a dar a
cada um o seu; esse devido a cada pessoa é o bem comum (ou a nossa
contribuição para que o mesmo se efetive), onde os devedores são os particulares
(os membros da comunidade) e a sociedade é a credora. Neste aspecto, quando o
indivíduo paga o seu imposto, quando serve à justiça eleitoral ou quando atua
como jurado no Tribunal do Júri, está dando a sua contribuição para a promoção
do bem comum: promovendo o investimento público no primeiro caso,
contribuindo para a democracia no segundo e com a segurança pública no
terceiro. Para que a realização da justiça não fique ao arbítrio de cada um o
Estado, que tem a função de dirigir os particulares para o bem comum, obedecerá
a um critério de legalidade, e aí alguns chamam esta também de “justiça legal”
(debitum legale).


21
  Ratio justitiae in hoc consistit quod alteri reddatur quod ei debetur secundum aequalitatem
20
  Como vimos a designação não é a originariamente dada por Aristóteles que a chamou de justiça
geral no capítulo 1 do livro V da Ética a Nicômaco.
APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO
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Embora não se possa dizer que o bem comum de que falaram Aristóteles e Santo
Tomás seja o mesmo que buscamos hoje 22, ainda parece atual a distinção, no
conteúdo do bem comum, das três espécies de bens que este formulou: um
primeiro, que é a essência do bem comum e consistente na “vida dignamente
humana da população” (bonam vitam multitudinis); um segundo, que é instrumento
desse bem comum e que consiste num conjunto de “bens materiais” necessários
ao exercício das virtudes, ou em outras palavras, para a realização de uma vida
digna pelo ser humano (corporalium honorum sufficientia quorum usus est
necessarius ad actum virtutis); um terceiro, que é condição para a realização
desse bem comum, i.é, a paz necessária para se ter o mínimo de unidade,
segurança e tranquilidade para a sobrevivência da sociedade.
Um problema já posto por Aristóteles diz respeito à igualdade como um dos
elementos da justiça. Como vimos, na justiça social trata-se de uma igualdade
proporcional em relação à função de cada um na vida social, e neste caso a
autoridade (autoridade hoje é autoridade de órgão governamental, já que a
coletividade a cada dia é chamada a participar mais das decisões do Estado) tem
função de arquiteto da justiça.
A igualdade proporcional diz respeito à necessidade de se tratar de forma desigual
os desiguais a fim de a igualdade seja estabelecida, como se pode exigir, por
exemplo, na distribuição dos serviços públicos para aqueles que mais necessitam,
na indenização de um grupo de produtores proporcionalmente aos prejuízos
sofridos por uma seca etc.
        2.3.2. Quanto à justiça distributiva, dissemos em outro lugar que diz
respeito àquela em que o Estado distribui direitos e obrigações para os cidadãos,
numa igualdade que também é proporcional, visando a participação de seus
membros no bem comum. Desta forma, orienta o Estado na arrecadação de
receitas, no investimento social, na fixação de responsabilidades com a coisa
pública etc.
Por membros entende-se tanto os indivíduos como as instituições (empresa,
associação, municípios e estados-membros, neste último caso quando participam
da distribuição de bens da União Federal).
        2.3.3. No que tange à justiça comutativa (do latim commutare: trocar), que
por alguns também é chamada sinalagmática para atrelá-la a um contrato,
dizemos ser aquela que se dá numa relação entre particulares onde se segue com
precisão a igualdade; por particular aqui se entende também o Estado quando em
uma relação contratual dessa natureza.
O dever nessa justiça comutativa diz respeito a dar algo que já faz parte dos bens
dos contratantes, como a saúde em um contrato de serviço médico, a propriedade
num contrato de compra e venda etc, o que a difere totalmente da justiça
distributiva onde se dá aos indivíduos aquilo que é comum.


22
   Para os autores antigos, de uma forma quase que unânime, o interesse individual não tem muita
relevância, e o mesmo só tem sentido quando pensado a nível de coletividade. O indivíduo passou
a ocupar lugar de destaque foi realmente após o Humanismo, e sobretudo, após a revolução
francesa.
APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO
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                       Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso
Como já se adiantou, a igualdade aqui é absoluta, vez que busca dar a cada um
exatamente aquilo que lhe cabe, e por isto também alguns chamam esta justiça de
corretiva pelo fato de que não obedecido esse princípio, o Judiciário é chamado a
restabelecer essa igualdade 23.
Por fim, não se deve resumir esta justiça à justiça dos contratos como querem
alguns. Já Aristóteles fazia a distinção quando primeiro disse se tratar de relação
entre particulares, depois ao afirmar que poderia ser voluntária (contratual) ou
involuntária (não contratual), e aí tanto se daria num contrato de compra e venda
onde houve vontade do comprador quando se comprometeu pagar, como também
pode se dar numa indenização por ato ilícito que não depende da vontade do
causador do dano. Essa idéia de levar às últimas conseqüências um contrato
poderia parecer que todo contrato seria justo, e bem sabemos que isto não é
verdade. Essa teoria de justiça contratual ou voluntária, fundada na "autonomia da
vontade", advém do contratualismo, sobretudo em Rousseau e Kant que levaram
às últimas conseqüências, vale dizer o homem é livre para estabelecer um
contrato, e à medida que o fez não podemos considerá-lo injusto. Isto exige que
sejam convocadas exigências objetivas de justiça a fim de que prevaleçam acima
da vontade das partes, fazendo com que numa compra e venda, por exemplo, o
preço justo não se confunda com preço combinado, tendo em vista que nessa
combinação poderá ter prevalecido a vontade de alguém que na realidade seja
mais forte.

2.4) Questão importante em relação à temátiva da justiça diz respeito à equidade.
Com efeito, assim preleciona Aristóteles: "A justiça e a equidade são portanto a
mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o
equitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça
legal. A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma
afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares (...)
Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser
indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em
Lesbos: a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta
aos fatos de maneira idêntica" 24.
        2.4.1. A equidade (epieíkeia) é portanto, a justiça que vai além da lei
escrita, já que existe uma lei maior (a Natural, como insiste Santo Tomás na Q. 58
de sua Summa) que supera a capacidade legislativa do homem, seja porque o
legislador deixou passar despercebida alguma questão (e aí teríamos as lacunas),
seja por sua própria vontade quando não podem prescrever tudo, prima pela
generalidade e a abstração, traçando apenas os princípios gerais que a norma
visa atingir 25.
        2.4.2. Desta forma o aplicador da lei (o Juiz) no caso concreto há que
atentar para a equidade a fim de que possa estabelecer a igualdade ditada pela
23
   Observa-se a simbologia da mulher de olhos vendados segurando uma balança com a mão e
tendo na outra uma espada.
24
     Ética a Nicômaco, 137b.
25
     Retórica, I, 1375b.
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Introdução ao Direito: sua natureza e objetivos

  • 1. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso INTRODUCÃO AO DIREITO Sumários de aula 1 Esta disciplina, de caráter enciclopédico, visa introduzir o aluno no universo do conhecimento jurídico; em razão disso, situa-se principalmente entre os campos da Filosofia e da Teoria do Direito. Em sua temática, busca basicamente refletir questões em torno do «quê» seja o direito e dos seus respectivos conceitos. Ao término desta disciplina, deverá o aluno ser capaz de: a) situar o Direito no universo do conhecimento e estabelecer uma relação entre ele e as ciências afins, refletindo criticamente esses conhecimentos; b) ter percebido a grandeza e a importância dos estudos jurídicos, e consciente de sua beleza, encará-los com diretrizes e com gosto; c) ter noções da evolução da temática do direito e conhecer sua estrutura organizacional básica; d) numa perspectiva crítica, conhecer do caráter polêmico que é a definição da origem, dos conceitos, objetivos e métodos do direito, situando-se na realidade atual e suas exigências ético-jurídicas. Capítulo I: A QUESTÃO DO DIREITO 1. O DIREITO E A CIÊNCIA 1.1) Vencida a fase mítica (aqui falamos de vencer num sentido institucional, já que na realidade os mitos continuam a fazer parte de nossas vidas), o homem necessitou de encontrar uma explicação coerente para as coisas. Essa busca de fundamentos lógicos possibilitou também o avanço técnico, forçando o homem a lançar mão da ciência para modificar a natureza e torná-la mais útil, mais justa, mais bela etc. Aqui se põe a grande diferença entre natureza e cultura. 1.2) Invocar o verbo conhecer pressupõe alguém que conhece (o sujeito do conhecimento); assim também, conhecer é conhecer algo (o objeto do conhecimento). Qualquer conhecimento está vinculado a esses dois elementos. De outra forma, fala-se ainda em tipos de conhecimento ou graus de conhecimento. Ao falarmos de conhecimento vulgar (por alguns também dito conhecimento empírico), consideramos aquele conhecimento mais comum em nosso dia-a-dia, espelhado na simples observação dos fatos isoladamente considerados e por isso mesmo carecedores de comprovação; ao falarmos de conhecimento científico estamos ultrapassando os limites dos casos isolados para 1 Estes sumários têm o fito exclusivo de dirigir as aulas de Introdução ao Estudo de Direito da Faculdade RADIAL, ministradas pelo Profa. Tânia Mara Fonseca Mendes Afonso para turmas de Dependência em 2003, bem como orientar os alunos quanto à escolha da bibliografia adequada ao desenvolvimento desta temática, conforme Programa de Curso previamente distribuído; estão, portanto, sujeitos a emendas que serão feitas no curso das aulas. Sugestões e dúvidas poderão ser feitas diretamente a autora pelo correio eletrônico tanaifon@terra.com.br
  • 2. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso deles extrairmos uma uniformidade, e para isso utiliza-se métodos específicos de comprovação. 1.3) Para fins didáticos, costuma-se classificar as ciências de diversas formas. Aristóteles, parece ter sido o primeiro a nos oferecer uma classificação consistente: para ele há três grupos de ciências: teoréticas (destinadas à contemplação), práticas (para orientar as ações, onde se incluiria o Direito) e poiéticas (voltadas para a construção de coisas). Comte também classificou as ciências hierarquicamente onde a sociologia ocupa o lugar de destaque, estando ali incluído o Direito. Igualmente Kelsen se preocupou com a questão, dividindo-as em explicativas (ciências do ser) e normativas (ciências do dever ser, onde incluiu o Direito). Cossio tratou-as como ciências formais (relativas aos objetos ideais e cujo conhecimento se dava por ação do intelecto), naturais (quanto aos objetos naturais e que poderiam ser explicados) e culturais (pertencentes aos objetos da cultura e acessíveis pela compreensão). Na última classificação se incluiria o Direito. Franco Montoro, seguindo Aristóteles, oferece duas classificações: ciências teoréticas, especulativas ou práticas e ciências práticas, normativas ou aplicadas. Para esse jurista filósofo, o Direito estaria dentre as últimas. 1.4) Sabe-se também que o direito nem sempre foi pensado como uma ciência no sentido moderno da palavra, e até hoje há quem lhe negue esse estatuto. Assim é que entre os povos antigos era visto como uma manifestação da vontade dos deuses (neste caso por exemplo ver a fantástica narrativa de Sófocles [496-405 a . C] no episódio de Antígona quando esta, ignorando o édito de Creonte, exigiu sepultura para seu irmão), como uma exigência da natureza (Heráclito - 535 a 470 a . C) ou como uma virtude de se viver bem na polis (Platão e Aristóteles, 497-347 a. C e 384-322 a . C, respectivmaente), e aqui se confundia com outras regras de conduta (morais e espirituais). 1.5) Mas já na idade clássica se preocupou com o estudo do direito (sobretudo com os juristas romanos nos séculos I a III d. C como Paulo, Gaio, Ulpiano e Papiniano) . Não obstante, parece mesmo ter sido a recuperação dos textos romanos pelo Imperador Justiniano o grande impulsionador desses estudos, pelo que surgiu a afamada escola dos glosadores e depois a escola dos comentadores no século XIII, estudos esses que passaram a se dar em torno da interpretação dos do Corpus Iuris Civilis e do Corpus Iuris Canonicis e que foram uma marca do ensino escolástico. Após período de crise desses estudos (crise essa que trouxe inovações, é claro), veio o movimento cientificista do século XIX que buscou elevar o Direito à condição de verdadeira ciência. Principalmente em Kelsen (início do século XX) se reivindica o direito de ser uma ciência pura, ou seja, sem as exigências ético-valorativas da Filosofia, bem como sem as recriminações da Sociologia ou da Política, privilegiando a formalidade à matéria.
  • 3. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso 1.6) Admitida então a qualidade de ciência para o direito, aponta-se o fenômeno jurídico como o seu objeto específico de estudo 2, vale dizer, como em um determinado tempo e lugar o direito se manifesta. Importa assim distinguir seu campo de atuação com o da Sociologia (os fatos sociais de uma maneira geral), da Filosofia (a busca de fundamento para as coisas, para o agir, para conhecer etc), da Economia (as condições materiais reclamadas pela existência do homem), da Política (da tecnologia do poder), da História (os fatos historicamente situados) etc. Não se nega, no entanto, os pontos em comum entre essas disciplinas e que são tratados nas respectivas disciplinas (Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, Psicologia Forense, Medicina Legal, História do Direito etc). De uma maneira geral, tem sido estudado como ciência puramente teórica (busca do saber) ou prática (busca de um fim, como por exemplo o agir com justiça, com eficiência, com arte etc) e ainda como ciência natural (com o rigor matemático dessas ciências) ou como ciência cultural (por lidar com os fenômenos do espírito e que se manifestam diferentemente dos naturais ou físicos). Hodiernamente tem-se estudado o direito como um conjunto de normas que visam regular as relações entre as pessoas, em um determinado tempo e espaço, embora haja divergência quanto ao «porquê», aos objetivos e aos meios de se efetuar essa regulação. Encarado numa perspectiva positivista, o direito será estudado em sua classificação em Direito Público (Constitucional, Administrativo, Tributário, Penal, Processual, Internacional Público etc) e Privado (Civil, Comercial, Trabalhista, Agrário, Minerário, Consumerista, Internacional Privado etc). Cada um destes ramos se preocupa com uma matéria específica na regulação da conduta e das relações entre os indivíduos, ou entre estes e o Estado. Não se pode olvidar, no entanto, que a idéia de uma racionalidade para o direito vem sendo colocada em discussão pelas correntes críticas. Aqui, além de se negar a cientificidade e a imparcialidade para o direito, prefere-se que ele seja, acima de tudo, eficiente, não importando, inclusive, se tenha ou não um campo de atuação diferenciado das outras ciências. 2. A BUSCA DA ORIGEM E DO SENTIDO DO DIREITO Importa não ignorarmos, desde já, os esforços da Filosofia Jurídica no sentido de encontrar um sentido para o direito, pensando a sua origem, conceito, fundamentos e método do direito. Em nossa disciplina, acreditamos ser apenas possível apenas noticiar as principais divergências doutrinárias acerca dessas questões. 2 ª 1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 16.
  • 4. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso 2.1) O primeiro ponto que se coloca é o de se ter claro que em um período da humanidade em que tudo era explicado pelos mitos (é bom ter em conta que muitos mitos permanecem encarnados na vida do povo e que outros foram criados ou reinventados!). Assim é que segundo o poeta Homero, Témis, uma das esposas de Zeus e deusa da justiça, é a personificação da ordem estabelecida; sendo respeitada por todos do Olimpo, assiste todas as deliberações dos deuses e dos homens, preservando sempre a equidade das decisões. Assim também é que Hermes, filho de Zeus e embaixador do Olimpo, tinha a autoridade de revelar aos humanos a vontade dos deuses. 2.2) Já no período germinativo da Filosofia, começaram as primeiras especulações acerca da origem e do fundamento do direito. Nesse período abre- se uma fase importante do jusnaturalismo 3. 2.2.2. Enquanto os sofistas 4 defendiam a tese de uma moral temporal, Sócrates (439-499 a . C) defendeu a existência de normas de conduta de valor absoluto, e que se conhecidas, evitariam a prática de qualquer ação injusta (intelectualismo socrático). 2.2.3. Nesta perspectiva Platão, principalmente em três dos seus diálogos (A República, O Político e Leis), insiste na defesa de uma verdade política válida para todos os povos e em todos os tempos, capazes assim de construir uma cidade feliz. Em A República explica que essa lei eterna e imutável é fruto da vontade de Deus e reside no mundo das idéias, e representando um ideal a ser alcançado, é a matriz das nossas falsas idéias de justiça. 2.2.4. Já Aristóteles defendeu a origem de uma lei resultante da vontade dos deuses, independente das convenções humanas e eternamente válidas (um justo por natureza), não negando, porém, a existência de uma outra em sentido contrário e inferir àquela, tudo no sentido de viabilizar a vida na polis. 2.2.5. Diferente não foi com Cícero (106-43 a . C) a quem devemos grande parte da transposição da filosofia grega para nossa cultura, o qual fundamentou o direito em verdades supra legais e por isso indeléveis pelo senado de sua Roma; também não foi diferente com o apóstolo Paulo, que em Rom 13, 1-6 defendeu o direito como a vontade de Deus, gravada no coração dos homens e com vistas à justiça; assim também foi com os juristas romanos da época clássica, cujos pareceres fundamentavam em princípios de direito, dentre eles de direito natural (ius naturale) e com Santo Agostinho, que retomando a idéia platônica, coloca-a na mente divina ou lex aeterna, esta que manda «respeitar a ordem natural e proíbe perturbá-la». Cabe frisar aqui a importância que tem o pensamento cristão em nosso edifício jurídico: Antes não se distinguia muito os interesses da pessoa com os do Estado, 3 Doutrina jurídica que prega a existência de um direito supra legal e eterno. 4 Professores que na época atuavam nas cidades gregas ensinando, dentre outras coisas, a arte retórica para que seus alunos saíssem bem nas discussões da polis.
  • 5. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso e já por isso o direito era pensado quase sempre como uma força misteriosa que buscava a harmonia desse Estado, e para isso os interesses individuais estavam em segundo plano. A idéia de homem como imagem e semelhança de Deus o elevou a outro patamar de dignidade ainda não conhecido, abrindo caminhos para o Humanismo e futuramente para o Iluminismo jurídicos. 2.3) Assistida a queda da civilização romana, a ascensão da barbárie, a desagregação do Estado e a posterior derrocada do Feudalismo, começa novo período de florescimento da cultura e da política. Esse é um período em que tem muita importância o pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225 a 1274), um compilador do pensamento anterior e anunciador de uma nova era. No Direito, coube ao doutor angélico cristianizar Aristóteles, fundindo sua doutrina com a da igreja. Em síntese, sua doutrina jurídica está centrada na idéia de bem comum a ser buscada pela lei, que antes de ser humana, é originária de Deus e revelada ao homem pela inteligência. O direito aqui é um pedagogo que orienta o homem no cumprimento seu papel na terra e o prepara para retornar ao criador. 2.4) Sendo Santo Tomás o principal expoente do jusnaturalismo no período medieval, sua morte foi sucedida por uma mudança de postura dessa corrente. Com Grócio (1583-1645), tenta-se outra forma de justificar o direito, haja vista a explosão das guerras religiosas que testemunhara: o direito natural consiste naquilo em que a reta razão demonstra ser conforme à natureza social do homem, e “o direito natural existiria mesmo que Deus não existisse”. Mais radical ainda é a mudança implementada por Hobbes (1588 – 1679): O direito que antes dele era explicado por uma força misteriosa, agora passa a ter conteúdo estritamente racional. Para o autor do Leviatã os homens, maus por natureza e em luta constante uns com os outros, fizeram um pacto e renunciaram ao poder individual em favor do Estado a fim de que esse mantivesse a paz. Essa doutrina absolutista foi amenizada por autores como Locke (1632 – 1704) que afirmou não ter o homem renunciado a todos os direitos e por Rousseau (1712 – 1778), este que afirmando ser o homem bom em seu estado de natureza, viria a considerar como digna de respeito apenas as leis que possibilitassem ao homem essa felicidade. Essa fundamentação racional para o direito ganharia dimensão nunca vista com Kant (1724 – 1804), para quem os princípios de direito natural fundavam-se na autonomia da razão; face a isso, a liberdade era o único direito natural existente e então capaz de permitir ao homem agir moralmente (por puro dever). Isso levaria a uma conceituação de direito como “o conjunto das condições nas quais o arbítrio de cada um pudesse conciliar-se com o arbítrio dos outros segundo uma lei universal de liberdade”. 2.5) Esses autores do jusnaturalismo racionalista influenciaram a positivação do direito, a qual começou a ser implementada após a Revolução Francesa sob a promessa de uma maior segurança jurídica. As sucessivas críticas dirigidas contra o Código de Napoleão e outras experiências codificadoras levaram ao ressurgimento do Direito Natural, embora sob novas orientações. Uma dessas é a idéia de “Direito Natural de conteúdo variável” de Stammler (1856 – 1938), vale
  • 6. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso dizer, a doutrina de um ideal de justiça que eternamente acompanha homem, mas que pode ser implementada com conteúdo diverso nos diversos períodos da história. De outra forma, a retomada da perspectiva jusnaturalista é retratada na filosofia material dos valores de Scheler (1874 – 1928), no direito natural absoluto de Del Vechio e em diversos documentos da Igreja Católica. 2.6) Posta assim a perspectiva jusnaturalista do direito, importa observar que não há com sua principal opositora (a positivista) nenhuma delimitação histórica, embora esta seja uma realidade palpável no período pós-iluminista. 2.6.1. Já vimos como os sofistas apontavam a relativização da moral. Também a mostramos a observação de Aristóteles quanto à existência de uma lei positiva, e em outro momento a codificação jusitiniana. No seu Tratado da Lei Santo Tomás também desenvolve a sua teoria acerca da que chamou lei humana em oposição à lei divina e à lei natural. Este autor é considerado um daqueles que começaram a pensar a autonomia da lei positiva. 2.6.2. Os motivos políticos que levaram ao triunfo já do Parlamentarismo Inglês, bem como das revoluções Francesa (a luta contra o absolutismo monárquico) e Americana (contra os abusos da Corôa Inglesa): a limitação dos poderes do Estado contra o homem. É nesse espírito que começam a ser realizadas as codificações. 2.6.3. Com efeito, o homem agora pensado sob o prisma da racionalidade poderia com sua própria inteligência escolher e divulgar as leis adequadas a uma sociedade melhor: a sociedade liberal. Nesse compasso, importantes é a ação de autores como Montesquieu (O Espírito das Leis) e Beccaria (Dos Delitos e das Penas), onde não somente se denota os princípios norteadores dos novos direitos universais proclamados, mas a própria preocupação com o respeito de tais direitos reclamava que os mesmos estivessem escritos. 2.6.4. A primeira obra-prima de cunho universal com essa ideologia é o Código de Napoleão (1804), o qual plantou a idéia de um código que servisse de segurança para todos. A justiça estava na lei, e Bounet dá a nota do tempo: "Eu não conheço o direito civil; ensino o Código de Napoleão". Não obstante, ali mesmo surgiram as primeiras desconfianças acerca desse "absolutismo da lei" com as sucessivas escolas da livre investigação do direito, do direito livre etc. 2.6.5. Se aquela foi a opção da França, a Alemanha a retardaria por quase um século graças à oposição sitemática da Escola Histórica, sobretudo com Savigni (1779-1861) e Puchta (1798-1846). Para Savigni, a idéia defendida por Thibaut (1814) de um código para o povo germânico era prejudicial ao direito, já que qualquer codificação impediria sua livre evolução, eis que estava presente nos costumes, formando a "consciência jurídica do povo", o "espírito nacional", não podendo, portanto, restringir ao capricho do legislador. Não se esquece, porém, a ação de Jhering (1818-1892) na codificação alemã, que embora superando o positivismo tradicional quando se interessa pelo conteúdo do direito, também o vê como uma criação do Estado. 2.6.6. Numa perspectiva um pouco diferente está Marx (1818-1883), cuja doutrina, não se ignora, funda-se na concepção materialista da história (doutrina que vê a questão econômica como a determinante das demais, vale dizer, não são
  • 7. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso as idéias que definem a vida social, mas esta que define as idéias. Para esta escola, o Direito, a Religião, a educação etc, constituem a super-estrutura do sociedade, que se define de acordo com os interesses econômicos tramados). Embora o direito para essa escola acaba por ser mesmo o direito positivo e sendo os fatores econômicos os seus determinantes, estaria ele fadado ao desaparecimento quando da plena realização econômica, já que o Estado desapareceria no reino do comunismo. 2.6.7. Parece ser pela empresa de Hans Kelsen (nascido no final do século XIX e vivenciado as experiências jurídicas desastrosas do século XX) que o positivismo jurídico alcança seu apogeu (fala-se aqui em normativismo jurídico no que lhe deu o autor uma marca especial). Já Austin (1790 - 1859) defendera e teve muito eco em seu pós-morte a idéia de um direito positivo desvinculado de critérios morais e constituído de simples mandato imperativo. A teoria pura do direito de Kelsen significou o retorno ao formalismo de Austin, resumindo o direito ao simples conhecimento das normas. Seu direito é uma pirâmide de normas cuja unidade se deve ao fato de todas elas, numa escala hierárquica, se subordinarem uma norma superior (a Constituição!) e auto-subsistente. Já as normas, têm caráter hipotético, i.é, vincula a determinados atos determinadas consequências impostas pelo Estado. Desta forma, não há que se falar em "direito justo", mas em "direito válido" de acordo com os critérios valorativos que ele mesmo (o Direito) estabelece, valores esses, frisa-se, que não têm necessariamente que serem os do justo. 2.7) Importa agora meditarmos acerca das correntes que se põem hoje no sentido de superar (ou de recuperar) os dois grandes horizontes iniciais, ou seja, a visões naturalista e positivista do direito, uma vez que como vimos no ponto "2.5", última parte, os exageros positivistas levaram a uma situação de insustentabilidade da doutrina e a um consequente retorno ao direito natural. Atualmente, três vozes principais se escutam: há aqueles que se mantém fiéis ao culto da lei, nem que para isso se ofereça em holocausto a própria justiça; os que pregam o retorno ao direito natural; e aqueles que buscam uma alternativa ao dualismo positivismo/jusnaturalismo, sem contar que dentre eles há os que consideram não fazer mais sentido perguntar sobre "o que" seja o direito, mas apenas "para que" serve o direito ou "como" se apreende esse direito. 2.7.1. Em poucas palavras se diz que a visão normativista do direito demanda hoje alto grau de "insulina" para se sustentar, já que as próprias circunstâncias históricas lhes são muito desfavoráveis, malgrado seja igualmente difícil encontrar uma alternativa para ela. A visão reducionista do direito ao direito Estatal teve e terá consequências nefastas, já que qualquer direito que cumpra as formalidades exigidas seria legítimo (o nazismo, o fascismo, o stalinismo, o getulismo etc), além do que, desconfia-se, da possibilidade de o direito ser assim, imparcial. Por outro lado, a dinâmica das relações sociais e jurídicas não é acompanhada pelo legislador. 2.7.2. Em meio a estes desafios erguem-se propostas no sentido de superar a retórica normativa sem no entanto retornar às especulações metafísicas
  • 8. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso do jusnaturalismo. Uma importante corrente neste sentido é a do jurisprudencialismo 5. Para esta escola, a norma tem sim o seu valor, não sendo, porém, imutáveis como querem os jusnaturalistas nem racional-legalista como querem os normativistas, estando, pois, sujeitas à revisão pelo homem histórico. De outro modo, tem projeção internacional a escola culturalista de Miguel Reale, cujas bases fundam-se na idéia de tridimensionalidade para o direito (teoria tridimensional do direito), com herança na teoria vitalista do direito de Recaséns Siches e teoria egológica do direito de Carlos Cossio. Para essa corrente, o direito é um dado da cultura, construído pelo homem na história e carregado de sentidos. Outro não menos importante agrupamento é o daqueles que se convencionou chamar escola crítica do direito, para quem o direito não dispõe do caráter científico apregoado pelo movimento liberal-iluminista, sendo mesmo um arsenal ideológico de que se servem aqueles que estão no poder para fazer valer seus interesses. Cabe ressaltar que aqui não se está tão preocupado com o conceito ou com a origem do direito, mas sim com a sua finalidade. 2.7.3. Entrincheirados assim pelos desafios que se nos impõe a atualidade, cremos ser angustiante a batalha do jurista no sentido de realizar o direito. Será difícil tomar partido sem uma reflexão amadurecida da historicidade do jurídico e sem uma primeira opção por um sentido para o direito, vale dizer, se o queremos apenas para "estabilizar" as relações sociais, para renovar no tempo as tramas do poder ou se para colaborar na realização da dignidade de todos os humanos. Capítulo II: A MANIFESTAÇÃO DO DIREITO 1. A ORDEM JURÍDICA 1.1) A ação h umana é, via de regra, orientada por normas. Quando temos um objetivo a alcançar, seguimos certas prescrições para sermos bem sucedidos; é o que ocorre, por exemplo, com as normas técnicas, como por exemplo as normas da ABNT e que regem a elaboração de trabalhos científicos. 1.2) A convivência social também pressupõe uma certa ordem, que entre os humanos pode ter muitas dimensões, como dimensão moral (do grego ethos = costume, origina da consciência que regulamenta a conduta humana), social (costumes sociais e etiquetas), religiosa (convição espiritual) ou jurídica. Nem todos aceitam que haja uma base objetiva para a conduta humana, como se pode ver dos céticos, dos relativistas, positivistas, utilitaristas, marxistas etc. As frustrações políticas da atualidade, no entanto, reclamam a busca de uma ética 5 Jurisprudencialismo aqui nada tem com a jurisprudência no sentido em que o termo é tratado pela teoria do direito; é antes, sim, uma corrente doutrinária com o entendimento que lhe é próprio.
  • 9. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso mínima capaz de assegurar a própria existência do planeta, sendo reclamado inclusive, por alguns autores, o retorno à literatura clássica 6 1.1.1. As normas religiosas dizem respeito, principalmente, à relação do homem para com Deus (ou outra designação que se possa dar a uma entidade espiritualmente superior ao homem), como por exemplo o dever de amar a Deus sobre todas as coisas; mas também pode se referir ao compromisso do homem para com o seu semelhante (o dever de amar o próximo como a nós mesmos). Além do mais, também diz respeito às relações entre os membros de uma comunidade religiosa ou entre esses membros e a igreja. 1.1.2. Quanto às normas sociais, prescrevem condutas consideradas recomendadas para a boa convivência das pessoas, por alguns também chamadas de regras de etiqueta. 1.1.3. As normas morais, por outro lado, referem-se à conduta do agente, não possuindo, no entanto o atributo da coercibilidade estatal, no que difere das normas jurídicas. Entre os gregos, berço da filosofia, não havia ainda uma distinção entre normas jurídicas e normas morais. Os romanos, considerados os criadores do direito, já intuíram essa diferença, como se pode ver da máxima do jurisconsulto Paulo non omne quod licet honestum est. Até mesmo para os medievais, o direito ainda estava subordinado à moral. A partir de Thomasius (1705), tem-se tentado distinguir com clareza os campos da moral e do direito. Para o filósofo alemão, o Direito visa uma ação externa (forum externum), relação do homem para com o seu semelhante, enquanto a moral visa a conduta do homem para consigo, com sua consciência (forum internum). Desta forma, enquanto uma conduta humana só atinge a intimidade, não pode ser cerceada pelo Estado. Além do mais o Direito, diferentemente da moral, seria perfeito porque coercível. Igualmente Kant, sem superar as principais objeções a essa teoria, acrescentou a ela alguns elementos. Para aquele filósofo, conduta moral é aquela onde o indivíduo age pelo simples dever, por amor ao bem, enquanto o Direito não se preocupa com os motivos da ação, mas apenas com seus aspectos exterirores. Ademais, as normas de Direito são heterônomas (valem independentemente da vontade do indivíduo), enquanto as normas morais são autônomas. Para Fichte, ao Direito é permitido coisas que para moral seriam absurdas, como por exemplo o credor deixar o devedor em estado de miséria para receber seu crédito. Bentham e Jellineck formularam a teoria que se chamou de o mínimo ético, vale dizer, o Direito é apenas uma parte da moral necessária à manutenção da sociedade. Diferentemente, Du Pasquier formulou a teoria dos círculos secantes, 6 Vê-se por exemplo Umberto Eco: “o moderno é ler Platão”.
  • 10. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso onde o Direito e a moral têm campo de atuação comum e diferentes, simultaneamente. Para Reale, a diferença básica entre as regras jurídicas e as morais está no fato de que estas são dotadas de bilateralidade atributiva, i. é, a cada direito de um sujeito há o dever do outro em cumpri-lo. 1.2) A ordem jurídica requer e exige regras específicas de conduta e sujeita os atores a uma sanção 7 (imposta pelo Estado), embora nem sempre coativamente, podendo tais regras serem escritas ou consuetudinárias. Além disso, reconhece- se, por vezes, o caráter jurídico de normas não emanadas desse Estado, no que se tem a problemática do chamado pluralismo jurídico 8. 1.2.1. Na nomenclatura clássica, fala-se em ordenamento jurídico tendo em conta uma série de normas legais ou consuetudinárias que possibilitem a convivência das pessoas. É divergente, no entanto, a intenção dessa ordem: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (Ulpiano); impor limites aos vícios do homem e educá-lo para o bem-comum (Santo Tomás de Aquino); estabelecer a paz social (as doutrinas contratualistas); diante dos “conflitos” sociais, encontrar a solução mais útil para a maior quantidade de pessoas (Bentham); construir uma sociedade harmônica ao modo cósmico, como é comum nos autores clássicos quando não havia uma separação entre as regras jurídicas, morais e espirituais. 1.2.2. Tem-se tentado identificar o ordenamento jurídico pelo critério da formalidade (existência de um elemento estrutural de conteúdo positivo ou negativo, categórico ou hipotético, abstrato ou concreto), da matéria (o conteúdo da norma), pelo seu sujeito (a quem cabe impor a norma, neste caso o soberano, ou a quem ela se destina, e neste caso ao juiz). Mas ao que parece, o que distingue mesmo o ordenamento jurídico dos demais é a sua tentativa de realização do direito, a coação potencial e a bilateralidade atributiva. 1.2.3. Falar em a ordem jurídica pressupõe a existência de uma pluralidade de normas, reconhecidas a hierarquia, a antinomia e as lacunas. 1.2.4. À norma jurídica se impõem limites de atuação, com consequência direta em seus efeitos: quanto ao tempo, de uma maneira geral regula os fatos posteriores, salvo casos específicos e que trazem a lume o problema do conflito das normas no tempo, além de que os fatos estão sujeitos a constantes mudanças, podendo tornar obsoletas as regras impostas 9; quanto ao espaço, 7 Uma pena ou um prêmio que se obtém em razão do cumprimento de uma determinação ao jurídica. Não se confunde, assim, com aquela sanção prevista na tecnologia legislativa onde, depois de aprovada pelo Legislativo, a lei vai ao Chefe do Executivo para ser sancionada e depois publicada para que tenha vigência. 8 Conforme mais adiante se verá, trata-se do reconhecimento da existência de normas, dentro de uma ordem jurídica estatal, com igual validade jurídica, contrariando, assim ao monismo estatal apregoado por algumas correntes jurídicas. 9 Para tudo isso conferir o art 1º, §1 e art. 2º, §2 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
  • 11. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso restringe a validade de tais disposições em um território específico, não negada a idêntica possibilidade de conflitos; quanto à matéria, restringe a aplicação apenas aos fatos de natureza pré-determinada. 1.2.5. Quanto às pessoas abrangidas pela norma, diz-se que têm destinatários imediatos, sendo os sujeitos em geral (Art. 171 do CP) ou para alguns em especial (Art. 240 do CP, Lei de Responsabilidade Fiscal, a pessoa física ou jurídica, os órgãos do Estado etc). Têm ainda destinatários mediatos, como os órgãos estatais chamados a garantir a lei. 1.2.6. Caracterizadas pela generalidade (destinada a diversas pessoas) e abstração (não se refere a um caso particular, mas descreve uma conduta típica, como por exemplo, o crime de violação de sepultura descrito no art. 210 do CP), as normas jurídicas compõem-se de preceito e de sanção. Preceito é o mandamento, positivo ou negativo, como por exemplo ao locatário pagar pontualmente o aluguer e os encargos da locação, na disposição do art. 23, I da Lei 8.245/91, ou a obrigação do proprietário de imóvel rural pagar o ITR. Sanção é a retribuição dada àqueles que descumprem ou cumprem o mandamento, como por exemplo a pena de desfazimento da locação por iniciativa do locador (Art. 9º, III da lei anterior) ou o desconto dado ao contribuinte que paga na data premiada com a redução do tributo. Uma sanção pode ser repressiva (prisão pelo não pagamento de pensão alimentícia), preventiva (o internamento de pessoa inimputável), executiva (a penhora de bens para pagamento de débitos), restitutiva (o dever de reparar um dano, como previsto no art. 159 do CC), rescisória (a ação rescisória prevista no art. 485 do CPC) ou extintiva (perda do prazo para intentar queixa-crime ou representação, prevista no art. 103 do CP). Observa-se que além das atribuições gerais próprias do ordenamento jurídico, atribui-se à norma funções específicas como distributiva (distribuição de direitos, obrigações e funções), defesa social, repressiva, garantia ou tutela de direitos (o direito ao habeas corpus, habeas data, mandado de segurança etc), organizadora (a lei de organização judiciária), arrecadadora (criação de tributos), reparadora (dever do agente poluidor em reparar dano ambiental). Impende também notar, a propósito do que se viu antes acerca das visões jusnaturalista e positivista do direito, o direito “moderno” orienta-se por um mínimo de normas escritas, sob a controvertida alegação da “segurança jurídica” 10. 1.3) Mas não se pode pensar o ordenamento jurídico apenas como um amontoado de normas. Há dois princípios básicos que orientam esse ordenamento: o do entrelaçamento, que diz respeito à necessidade de os elementos que compõem esse ordenamento estarem em coadunação uns com os outros (a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, deve contemplar os princípios da educação contemplados pela CF/88, como a democratização do acesso, a 10 o A este respeito, ver por exemplo o inciso II do art. 5 da CF/88, art. 37, caput da mesma carta o o constitucional e o inciso XXXIX do art. 5 da Carta Magna c/c art. 1 , caput do CP.
  • 12. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso liberdade de ensino etc), e o da fundamentação (as normas componentes desse ordenamento, numa escala hierárquica, devem fundamentar umas nas outras). Ademais, além das que compõem esse ordenamento (toma-se lei em seu sentido amplo), há outros elementos igualmente importantes, como os costumes, a jurisprudência, os princípios de direito, a analogia, os tratados internacionais e a doutrina. 1.4) Do ponto de vista das leis, numa escala hierárquica descendente, ficam assim classificadas: a) A Constituição Federal e suas emendas. Há normas ali contidas com mais força que as demais, como se vê das chamadas cláusulas pétreas, a teor do art. 60, §4o . Quando uma lei fere a CF, diz-se que a mesma é inconstitucional; b) Leis complementares (definidas no próprio texto constitucional, como a LC n. 95/1998, a propósito do art. 59 da CF/88); c) Leis ordinárias (elaboradas pelo Legislativo em sua atividade regular, como por exemplo o Código Civil, Lei 9.099/95, Lei dos Crimes Hediondos etc.); leis delegadas (elaboradas pelo Presidente da República ou comissões do parlamento, por delegação do Congresso Nacional); medidas provisórias (um atributo do Presidente da República em caso de urgência e relevância, como descrito no art. 62 da CF/88); decretos legislativos (do Congresso Nacional em matérias de sua competência exclusiva, em face do art. 44 da CF/88); resoluções (dos órgãos do Poder Legislativo, em matéria exclusiva de sua competência); d) Decretos regulamentares (para dar cumprimento ou eficácia a uma lei); e) Despachos, estatutos, regimentos, portarias; f) Sentenças, contratos, testamentos, convenção coletiva de trabalho etc (em exceção ao caráter geral e abstrato da lei, dirigem a um fato em particular). 1.4.1. A lei em si pode ter lacuna (deixar de prever alguma coisa), mas o jurista deve preenchê-la usando dos outros elementos, como por exemplo o que dispõe o art. 4o da LICC acerca da obrigatoriedade do juiz de decidir o caso mesmo que haja omissão da lei. 1.4.2. Fala-se em lei material ou substantiva, quando a mesma dispõe sobre direitos ou obrigações (Lei 8.112/90, o Código Civil, a CLT etc) e em lei formal ou adjetiva, quando a mesma dispõe sobre a forma de se exigir tais direitos ou obrigações (o CPC, o CPP, a Lei 9.099/95, a Lei 6.830/80). 1.5) Os costumes são as práticas reiteradas que acabam ganhando qualidade de lei (o cheque pré-datado); a jurisprudência é a prática reiterada de decisões adotadas pelos Tribunais e que passam a criar precedentes (as dos Tribunais de 2ª Instância chamam simplesmente “jurisprudência”, e dos Tribunais Superiores chamam-se “Súmulas”. Lembre-se que entre os romanos tinha significado diferente, ou seja, era a própria Ciência do Direito); os princípios gerais de direito são orientações que acompanham o dia-a-dia do direito, como o princípio do ïn dubio pro reo no Direito Penal, in dubio pro fisco no Direito Tributário, in dubio pro misero no Direito Civil, os da Administração Pública descritas no art. 37
  • 13. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso da CF/88, o de que ninguém pode cobrar o cumprimento de obrigação quando pendente a sua etc); a analogia consiste em tratar casos semelhantes como se fossem iguais (atente-se para o fato de que no Direito Penal só é cabível se for para beneficiar o réu); os tratados internacionais (entre Estados soberanos, ou entre estes e organismos internacionais); doutrina é o ensinamento dos juristas (Curso de Direito Constitucional Positivo, de SILVA, José Afonso da.). 1.6) No caso dos sistemas jurídicos federados, o ordenamento jurídico continua uno. No entanto, como no caso brasileiro, divide atribuições entre a União (CF, Código Penal, STJ, STF etc), os Estados-membros (CE, Lei de Organização Judiciária, Tribunais de Justiça etc) os Municípios (LO, Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, Lei de IPTU etc), reservando à primeira a Soberania. 1.7) Quanto às normas jurídicas propriamente ditas, costuma-se classificá-las pelo conteúdo, pelo grau de imperatividade, em função da forma e pela natureza da sanção. a) Em função do conteúdo: em razão da extensão da validade, são de direito comum (aplicada em todo território nacional) ou local; pela amplitude do conteúdo, podem ser gerais, quando aplicadas a todas as pessoas e em todo território nacional (Código Civil), especiais (Código Militar) e excepcionais (o art. 10 do AI nº 5 de 1968 que suspendeu o direito de habeas corpus nos casos de crimes contra a Segurança Nacional); pela força do conteúdo, podem ser constitucionais (CF/1988 e suas respectivas emendas), ordinárias (CC, ECA, Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.213/91, Lei 8.009/90 etc) e regulamentares (o Regulamento 3.048/99 da Previdência Social); quanto à aplicabilidade do conteúdo, são auto-aplicáveis (os direitos e garantias individuais descritos no art. 5o da CF/1988) e dependentes de regulamentação (o inciso XI do art. 7o da CF/88); pelo interesse que tutelam, são de Direito Público (Direito Processual Penal), Direito Privado (lei da propriedade industrial) ou de Direito Misto 11 (Direito do Trabalho). b) Em função do grau de imperatividade: Em relação aos particulares: taxativas (não podem ser derrogadas pelas partes), estas que podem ser “preceptivas” (o art. 156 do CTN, quando obriga o reconhecimento do crédito tributário) ou “proibitivas” (a equiparação salarial no inciso XXXIII do art. 7 da CF/88); dispositivas quando as partes podem alterá-la (os riscos da evicção previstos no art. 1.107 do CC). Em relação ao poder público, são rígidas (os casamentos que são nulos, conforme disposição do art. 207 c.c 183, I a VIII do CC) ou elásticas ( o §4o do art. 47 da Lei 8.069/90 que faculta ao juiz autorizar ou não a emissão de certidão em casos de adoção). c) Em função da natureza da sanção: Perfeitas, quando decreta a nulidade do ato praticado contrariamente ao determinado (art. 207 do CC); imperfeitas ou 11 Nem todos autores aceitam esta classificação, reduzindo-se às duas primeiras, i. é, Direito Público e Direito Privado.
  • 14. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso sem sanção (a proibição de casamento do art. 183, XIII do CC; menos que perfeita (a possibilidade de anular o casamento em caso de erro de pessoa prevista no art. 218 do CC); mais-que-perfeitas (o dever de restituir a coisa esbulhada com os devidos acréscimos relativos à deterioração, em caso de esbulho, conforme art. 1541 do CC). d) Em função da forma: Escritas (as leis, os regulamentos etc) e consuetudinárias (os costumes). 1.8) Àqueles que comungam de uma mesma ordem jurídica, pelo menos do ponto de vista da atual juridicidade (considerada civilizada), atribui-se iguais direitos e obrigações, e a isso chamamos de igualdade jurídica 12, como se vê nos casos do art. 5o , caput e 37, caput, ambos da CF/88. Mas não significa que estejamos obrigados a defender tais direitos quando os mesmos são violados. Neste sentido, fala-se em direito objetivo e direito subjetivo. 1.8.1. Fala-se, pois, em Direito Objetivo (norma agendi) quando referimos ao conjunto de regras que determinam como devemos nos portar juridicamente, bem como estabelendo sanções às quais nos sujeitamos quando nos portamos contrariamente. Ex.: CP, CC, os estatutos de um clube, o regimento interno de uma empresa etc. 1.8.2. Falar em Direito subjetivo (facultas agendi), é falar na faculdade que alguém tem de exigir que outro cumpra o que está estabelecido na norma. Ex.: Quando o art. 573 do CC proibe a abertura de janelas a menos de um metro e meio do prédio vizinho, concede ao proprietário prejudicado o direito de buscar a demolição da obra; mas essa é uma faculdade concedida a esse proprietário, que poderá se omitir ou ajuizar ação de nunciação de obra nova (art. 934 do CPC) para assegurar seu direito. 1.8.2.1. Há discussões em torno desta questão de saber de onde vem essa faculdade (faculdade ao invés de obrigação) da pessoa agir: a) para Jhering, isto se dá pelo fato de que o direito protege os interesses (teoria do interesse). Os críticos desta teoria dizem que seu autor confundiu finalidade do direito subjetivo com a sua origem; b) para Windscheid, a origem está no poder da vontade do homem que é defendido pela ordem jurídica (teoria da vontade). Uma objeção que se faz a essa teoria é o fato de que nem todo exercício de direito depende da vontade da pessoa, como o no caso dos incapazes (menores, pródigos etc); c) para Jellinek, a questão está no poder da vontade humana de satisfazer determinado interesse, poder esse defendido pelo Estado (teoria da vontade e do interesse); 12 Foge-se um pouco aos princípios revolucionários da Revolução Francesa, que apregoava todas as igualdades. Do ponto de vista do direito, tem sido pouco mais que simples retórica, já que sem outros tipos de igualdade, fica mesmo difícil Ter efetivamente iguais direitos.
  • 15. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso d) para Paulo Nader a origem deste direito está no dever de cada uma de respeitar o direito alheio, disso concluindo que há o direito daquele que foi violado de reclamar, pelas vias judiciais, o descumprimento (Kelsen já dissera antes que não há distinção entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo, mas que este nada é mais que um reflexo daquele. Ex.: Quando o art. 7§ da Lei 8.069/90 – ECA diz que a criança e o adolescente têm o direito a uma efetiva proteção à vida e à saúde, impõe automaticamente o dever do poder público e da comunidade em criar condições reais que assegurem a dignidade dos infantes). e) há autores que negam a existência deste direito, como Deguit, por exemplo, que vê a questão pelo lado da necessidade de se manter a ordem social, e não de proteger os interesses dos indivíduos (teoria da função social). 1.8.2.2. Os direitos objetivos podem ser classificados seguindo alguns critérios, como em relação à eficácia e quanto ao conteúdo: a) Quanto à eficácia, podem ser: absolutos ou erga omnes, quando oponíveis contra todos (nome, reais, autorais etc); relativos, exigíveis apenas de alguém que participa de uma determinada relação jurídica (o contrato de trabalho, o direito de crédito, a locação etc); transmissíveis, quando se lhes é permitido passar de um titular para outro, inter vivos ou causa mortis (compra e venda e os direitos reais de uma maneira geral); não transmissíveis, ao contrário do anterior, como o direito à honra (art. 240, § 2 do CP); principais, os existentes autonomamente (o direito do trabalhador ao salário, como disposto na CF/88 e na CLT); acessórios, ao contrário do anterior, como o direito ao FGTS (Obs.: o acessório acompanha o principal);renunciáveis ou disponíveis, os que dizem respeirto aos exclusivos do indivíduo e que por isso pode deles se abster (numa ação de separação, o direito do cônjuge dependente em receber pensão do outro); não renunciáveis, ao contrário do anterior, que dado ao relevante valor social que possuem, não podem ser dispensados (a pensão de menores numa separação judicial). b) Quanto ao conteúdo, podem ser de caráter público (políticos, liberdade, respeito à pessoa humana, ação, petição, igualdade, ação popular, econômicos etc) ou privados (patrimoniais e não patrimoniais). Políticos, os que visam assegurar a participação do povo no poder (criar e partidos e deles participar, votar e ser votado); liberdade, garantem a liberdade pessoal (habeas corpus, sigilo da correspondência, crença etc, e muitos outros descritos no art. 5o da CF/88); respeito à pessoa humana, os que protegem a dignidade da pessoa humana (proibição de penas perpétua e de morte, o dever de respeitar a integridade física do preso); ação, o de buscar o socorro judicial quando o direito não é respeitado voluntariamente; petição, peticionar e de representar junto aos poderes públicos para defender direitos ou censurar abusos de autoridade); ação popular, anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade em que o Estado participe, defender a moralidade pública, o meio ambiente, o patrimônio histórico, cultural e artístico (art. 5o, XXIII da CF/88); econômicos, os que defender a ordem econômica e do trabalho (segurança alimentar, não formação de cartéis, liberdade sindical, Previdência Social). Os patrimoniais são do tipo reais, quando dizem respeito a coisa móvel ou imóvel, seguem essa coisa e a vincula ao proprietário
  • 16. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso (hipoteca, penhor, propriedade, usufruto etc, como descritos a partir do art. 485 do CC); obrigacionais, quando objetivam uma prestação pessoal (o contrato de trabalho); sucessórios, os decorrentes da morte de alguém cujos bens transmitem aos herdeiros; intelectuais, aqueles que protegem as invenções e as marcas comerciais (os da Lei 9.279/96) ou privados (patrimoniais e não patrimoniais). Os não patrimoniais são do tipo personalíssimos, quando são inerentes à pessoa humana e que as acompanha durante toda a vida (o nome, a integridade física e moral, a liberdade etc), e familiares, quando visam proteger a família e os seus interesses (art. 226, §§ 3 e 4 da CF/88 e art. 180 e ss. do CC). 1.8.2.3. Maynes veio afirmar o direito subjetivo do devedor de cumprir a obrigação que lhe cabe, postura essa adotada por nosso ordenamento jurídico no art. 890 do CPC: nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida (ação de consignação em pagamento). 1.8.2.4. A idéia de direito subjetivo é inseparável da idéia de dever jurídico, que por sua vez se relaciona com a idéia de lícito/ilícito. Entende-se por lícito tudo aquilo que o direito não obriga (art. 5o , II da CF/88: Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), que o direito permite (art. 5o , XIII da CF/88) ou aquilo que ele não regulamenta. Por outro lado, a idéia de dever jurídico não se separa da idéia de proteção ou prestação jurisdicional, já que a lei civil afirma que “a todo direito corresponde uma ação que o assegura” (art. 75 do CC). 1.8.2.5. Como vimos anteriormente, à existência de um direito contrapõe-se uma obrigação ou dever jurídico, ou seja, restringe-se a liberdade de alguém. Mas de onde nasce esse dever jurídico? Kant não acreditava na idéia de autêntico dever jurídico, já que para ele dever mesmo é aquele nos censura internamente mandando fazer o bem sem esperar nada em troca (e este não é o caso do Direito); dirá, porém, que o dever jurídico nasce da adequação do fato à norma. Kelsen, porém, viu sua origem na norma (o dever de se fazer o que manda a norma). 1.2.8.6. O dever jurídico pode nascer de uma fato, a propósito do que dispõe o art. 159 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Mas pode também nascer da imposição legal, como o dever dos parentes em darem alimentos aos que dele necessitam, e do a do autor de homicídio, aos credores da vítima (artigos 399 e 1.537, II, respectivamente). Por outro lado a extinção desse dever poderá se dar pelo adimplemento da obrigação, pela renúncia do titular, pela morte (em obrigações personalíssimas), pela novação (art. 999 do CC), pela prescrição e decadência de direitos e obrigações (artigos 177/178 do CC, artigos 26/27 da Lei 8.078/90, art. 103 do CP etc), e até por determinação legal (art. 1.049 do CC). 1.8.2.7. É cabível uma classificação para os deveres jurídicos: contratuais, quando decorrentes de um acordo de vontades, acordo esse que a lei tratará dos efeitos, como aquele em que o prometente comprador se compromete de assinar a escritura do imóvel ao final do pagamento das prestações (art. 1.122
  • 17. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso e ss. do CC); extracontratual (todos aqueles que advém de determinação legal, como ditos alhures); positivo, quando estabelece a obrigatoriedade de se fazer algo, como o dever do médico de informar à autoridade pública doença cujo perigo assim obriga (art. 269 do CP); negativa, de se abster de determinada conduta, como o de não praticar o charlatanismo ou curandeirismo (artigos 283 e 284, respectivamente); permanente, como aquele que se estende no tempo, como aqueles que nos impõe o dever de abster de práticas delituosas (art. 121 e ss. do CP); provisório ou instantâneo, como aqueles cujo adimplemento extingue de imediato esse dever (do empregador pagar o 13o salário, primeira metade entre os meses de fevereiro e novembro, e a segunda até 2 o de dezembro). 1.8.2.8. Podemos então falar em elementos do direito subjetivo, quais sejam, o sujeito, o objeto, a relação jurídica e a proteção jurisdicional. É o que veremos a seguir. 1.8.2.9. O objeto do direito, como temos visto, são os fatos juridicamente relevantes. Dizemos “fatos juridicamente relevantes” porque nem todo fato interessa ao direito, como por exemplo, a queda de um bloco do sobrado de Machado de Assis; mas se a queda desse bloco cair, por exemplo, sobre a cabeça de Quincas Borbas que passava pela calçada, pode gerar o direito deste em ser indenizado por aquele (art. 159 do CC). Fala-se em fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) quando um acontecimento qualquer está previsto na norma, fazendo nascer, modificar, subsistir, transferir ou extinguir um direito (a venda de um telefone que dá direito ao vendedor de receber o preço; assim, os fatos jurídicos em sentido amplo são o somatório dos fatos jurídicos em sentido estrito mais os fatos jurídicos humanos (voluntários). Fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) ou fato jurídico natural, material ou involuntário quando a vontade humana não concorre diretamente, não obstante tal fato criar, modificar, manter ou extinguir uma relação jurídica (uma seca que destrói a plantação de Severino). Fatos jurídicos humanos ou voluntários são aqueles onde a vontade humana está presente (o contrato de compra e venda, de troca, de aluguel). Neste último caso fala-se ainda em atos jurídicos (art. 81 13 do CC), como aqueles capazes de adquirir, conservar, modificar, transferir ou extinguir direitos. Esses atos jurídicos podem ser lícitos (aquilo que o Direito permite, ou que não proíbe e o que não trata) ou ilícitos (o que é proibido pelo Direito), que podem ser ilícitos civis (art. 159 do CC), ilícito penal (ação ou omissão, tentada ou consumada, descrita como crime ou como contravenção penal), ilícito tributário (ato contrário à ordem tributária, ilícito administrativo (ato em desacordo com as regras da Administração Pública) etc. Fala-se ainda em atos jurídicos em sentido estrito quando há intenção ou vontade do agente em praticá-lo (realizar uma compra no supermercado); em ato meramente lícito quando a ação humana não visava tal ato, como o agricultor que 13 A designação “lícito” empregada pelo legislador diz respeito ao que está previsto em lei.
  • 18. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso encontra um tesouro enterrado em sua propriedade quando a escava para plantação (art. 608 CC); em negócio jurídico, quando há intenção manifesta de se praticar o ato (um contrato de aluguel). Os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser classificados como naturais ordinários quando são previsíveis e regulares (o nascimento de Lima Barreto) ou naturais extraordinários os que surgem sem regularidade (a loucura de Policarpo Quaresma). Fala-se, neste último caso, em fato do príncipe (factum principis), caso fortuito ou força maior, que em nosso CC está a exonerar o devedor do cumprimento da obrigação (artigos 865 e 879), e que no Direito Administrativo exime o contratado de cumprir as clásulas afetadas por ato do Poder Público. 1.8.2.10. Ao falarmos de sujeitos de direito, estamos a falar daqueles que são os titulares do direito subjetivo, i. é, que têm a prerrogativa de exercê-lo ou exigir a prestação jurídica que lhe é assegurada pela ordem jurídica 14 (sujeito ativo), e daqueles que, em contrapartida, têm a obrigação de cumprir a obrigação jurídica determinada (sujeito passivo). É imprescindível aqui haver a personalidade jurídica, ou seja, a aptidão para exigir ou cumprir uma obrigação. Esses sujeitos podem ser tanto uma pessoa individual (a pessoa natural, singular ou física etc) como uma pessoa coletiva (a pessoa jurídica, fictícia, abstrata, civil ou social etc). Pessoa natural é o ser humano, considerado individualmente, e pessoa jurídica uma coletividade de pessoas (uma empresa) ou de bens (o espólio, a massa f lida) 15. Pessoa coletiva pode ser de direito privado ou de a direito público (interno e externo). Em consonância com nossa lei civil que diz que “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, a CF/88 estende esses direitos e obrigações inclusive aos estrangeiros residentes no país; não se pode, por isso, falar em direito de animais ou plantas, não obstante existirem leis que coloque a salvo esses seres. Fala-se em capacidade de direito quando nos referimos à capacidade de se adquirir direitos ou cotrair obrigações, e de capacidade de fato ou de exercício quando falamos de capacidade para exercer esses direitos pessoalmente (absoluta e relativamente incapazes). A capacidade civil plena se adquire aos 21 anos de idade, com 18 (ou por outros meios) se pode comercializar, com 17 se adquire capacidade militar, com 16 se pode celebrar contrato de trabalho (com assistência dos pais ou responsáveis) e com igual idade se tem capacidade política ativa e a partir dos 18 a estende (para Vereador) para passiva. 14 Em nosso ordenamento, vale a regra de que ninguém pode, em nome próprio, pleitear direito o o alheio (artigos 6 e 3 do CPC). Exceção a isto é quanto aos chamados “direitos difusos” (dispersos entre o público sem se poder identificar um titular) onde alguém defende seu direito e de o o uma coletividade. Para isto, ver art. 5 , LXXIII da CF/88 (Ação Popular) e art. 1 da Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública). 15 O legislador não foi muito feliz na escolha dos termos, já que tanto a “pessoa física ou indivi dual” como a “pessoa jurídica” são pessoas jurídicas.
  • 19. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso A personalidade jurídica começa, na pessoa individual, a partir do nascimento com vida, como dispõe o art. 4o do CC (mas a lei coloca a salvo o direito do nascituro), e na pessoa coletiva, a partir do registro de seus estatutos (art. 18 do CC). Termina essa personalidade, na pessoa individual, com a morte, e na pessoa coletiva com a sua dissolução. O reconhecimento dessa personalidade requer a existência de um nome. 1.8.2.11. Falamos em relação jurídica como outro elemento essencial do direito subjetivo, ou seja, a relação existente entre duas ou mais pessoas capaz de gerar consequências jurídicas. Envolve o sujeito ativo (no direito privado é o titular do direito subjetivo, e no direito público é o Estado) e sujeito passivo (no direito privado é o devedor e no direito público pode ser um particular ou o próprio Estado através de algum de suas pessoas). Usa-se classificar a relação jurídica em reais (poder exercido sobre a coisa. Ex.: Ação de Reintegração de Posse), pessoais (por uma inter-elação de condutas. Ex.: A requisição de um de um serviço por A e sua prestação por B), de direito privado (as que se dão com fulcro na lei privada. Ex.: A relação de consumo), de direito público (ao contrário da anterior, como por exemplo um contrato de concessão após devida licitação pública), formais (exigem uma forma especial para se realizar, como a obrigatoriedade de se realizar o casamento em ambiente público, de portas abertas, como dispõe o art. 193 do CC), não formais (como a realização de um contrato de arrendamento rural), de subordinação (onde está o imperium do Estado e do outro o particular. Ex.: O Contrato Administrativo) e de coordenação (onde há, pelo menos em princípio, uma relação de igualdade entre os sujeitos. Neste último caso, dá-se ao modo do direito privado, inclusive quando de um lado está o Estado sem seu imperium (quando presta ou adquire, nos casos previstos em lei, um serviço no mercado de consumo. Ex.: A compra de um livro pela Prefeitura de Conselheiro Lafaiete); dá-se no direito público quando o Poder Público responde por suas obrigações para com o indivíduo (Ex. : Ação de indenização por acidente de veículo provocado por motorista do INSS); no direito internacional quando os Estados soberanos acordam entre si (Ex.: Tratado de livre comércio). Para a tutela do direito subjetivo presente na relação jurídica, as sociedades modernas proíbem a justiça privada (art. 345 do CP), e chamam para si essa responsabilidade (art. 75 CC). Esses direitos, no entanto, devem ser exercidos por quem tenha legitimidade (art. 6 do CPC) e no prazo previsto (artigos 103 e 109/115 do CP, artigos 177 e 178 do CC, art. 7, XXIX da CF/88 etc), sob pena de prescrição ou decadência (perda do direito de exercer esse direito quando não o faz no tempo previsto). Não obstante, há direitos que não são atingidos pela prescrição (art. 168 e 169 do CC e art. 5, XLII da CF/88) e outros que têm essa prescrição interrompida (artigos 172 do CC e 116/117 do CP). 1.8.2.12. Por fim, falemos da proteção jurisdicional como um dos elementos do direito subjetivo. Como vimos do art. 75 do CC, para cada direito
  • 20. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso existe uma ação que lhe proteja. A CF, por sua vez, impôs que todo pretenso direito (lesado ou ameaçado) está sujeito à apreciação do Poder Judiciário: é o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário previsto no art. 5, XXXV. Isto ocorre porque não é permitida a justiça privada em nosso ordenamento jurídico! Para efetivar essa prestação jurisdicional (seja no âmbito judicial como administrativo), o Estado é equipado em órgãos com competência específicas. Em termos administrativos, os órgãos e intâncias são os mais diversos, tudo a depender da matéria a ser tratada: JARI e as instâncias superiores para os recursos de infração de trânsito, as juntas recursais em matéria tributária, as comissões de avaliações das funções administrativas etc). Essas decisões, embora transitem em julgado 16 na esfera administrativa, ainda estão sujeitas à apreciação pelo Judiciário. Na esfera judicial, existe a justiça comum que tem uma estrutura destinada a julgar diversos tipos de relações jurídicas: a Justiça Comum Federal que julga os casos que a União tenha interesse (cível, criminal, tributário, agrário etc) e a Justiça Comum Estadual que julga as causas onde não haja interesse direto da União (cível, criminal). Por outro lado, existe a justiça especializada em determinadas matérias: A Justiça do Trabalho, que é Federal, e as justiças Militar e Eleitoral com organizações inclusive a nível estadual. É por causa desta divisão de atribuições que podemos falar em competência e incompetência para julgar determinadas matérias. Cada uma dessas estruturas se organizam em instâncias: primeira instância, quando a matéria é julgada pela primeira vez pelos Juizes de Direito, pelos Juizes Federais, pelos Juizes do Trabalho; segunda instância quando o vencido, descontente, pede um novo julgamento da questão (TRF, TRE, TRT, Juntas Recursais dos Juizados Especiais, TJ, e TA em alguns Estados). Neste último caso, quando o vencido fica descontente com a decisão ainda lhe é permitido em alguns casos recorrer da segunda decisão, e neste caso o recurso poderá ir para o STJ, TSE e STF. No caso da Justiça Estadual, ainda há a figura das entrâncias que servem para classificar a demanda de casos sob a apreciação de uma determinada jurisdição. Em qualquer desses casos, o titular do direito subjetivo que se sentir lesado ou ameaçado de lesão precisará de provocar o Poder Judiciário com uma ação, e começa com uma petição inicial. Instaura-se o processo (citação e constestação), o juiz aprecia as provas e profere a decisão (sentença). O vencido descontente recorre (apelação na área cível e recurso ordinário na Justiça do Trabalho), o vencedor contesta o recurso (contra-razões) e o Tribunal reexamina a decisão e profere outra, seja mantendo a decisão a quo ou modificando-a (acórdão). Observa-se que aqui, via de regra, não se discute provas que não foram discutidas em primeiro grau. 16 Decisão contra a qual não caiba mais recurso.
  • 21. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso Por último, há que se observar que o aumento das demandas e a morosidade do Poder Judiciário têm levado a sociedade a rediscutir a exclusividade do órgão judiciário para decidir as questões (soluções extrajudiciais dos conflitos). Fala-se aqui em juizes arbitrais, em Câmaras de Conciliação e em simples acordos na presença dos advogados dos interessados. Há outros estudiosos do Direito que têm canalizado esforços no sentido de atuar na prevenção dos conflitos, atuando em assessorias àqueles que hodiernamente estão expostos a esses conflitos. 1.9) Ao tratar do ordenamento jurídico e das regras de direito, não se pode olvidar, também, que etamos trabalhando muitas vezes com conceitos indeterminados, vale dizer, com conteúdo e a extensão largamente incertos dessas normas. Embora difíceis, há alguns conceitos absolutamente determinados no direito, e aí citaríamos os conceitos numéricos (15 dias, 50 Km etc). Mas os indeterminados são predominantes, como por exemplo o de “ato jurídico perfeito”, “sossego noturno”, “perigo”, “mulher honesta”. Esta realidade coloca o jurista, obrigatoriamente, frente-a-frente com o caso concreto, com as circunstâncias e com os valores assumidos pela sociedade para poder solucionar a questão que lhe é imposta. 1.10) Outra questão de peso no estudo da ordem jurídica é a questão das fontes do Direito. Falamos em fontes materiais quando nos referimos aos fatores determinantes na elaboração e na aplicação da norma (a realidade social, política e econômica da sociedade; os valores que orientam a convivência das pessoas: ideologia, crenças, sentimentos Tc); falamos em fontes formais quando nos referimos à materialização desse direito. Neste último caso, falamos ainda em fontes imediatas (aquelas que incidem imediatamente sobre as pessoas determinando uma conduta, como a lei e o costume) e em fontes mediatas (as que ficam na dependência de uma regra anterior para se manifestarem, como é o caso da doutrina, da jurisprudência e dos princípios gerais de direito). Como nos pontos 1.4 e 1.5 falamos em alguns e mais adiante falaremos sobre a equidade, contentaremos em acrescentar as seguintes: O direito comparado (art. 8 da CLT), que é o confronto entre diversos ordenamentos jurídicos estatais de modo a aprimorá-los; a convenção coletiva de trabalho, prevista no art. 611 da CLT e de caráter normativo, consistente em acordo entre dois ou mais sindicatos representativos das categorias patronal e obreira para regulamentar a atividade no âmbito da empresa; as decisões normativas da Justiça do Trabalho, que no caso particular dos dissídios coletivos, estabelecem regras jurídicas para valerem entre as partes; os atos regras, normas negociais ou convenções privadas são os atos emanados de acordo entre particulares ou entre estes e a Administração Pública, e que nos casos concretos, disciplinam as relações jurídicas. 1.11) Não poderíamos fechar este estudo da ordem jurídica sem nos atermos à questão da técnica jurídica. Estamos falando dos recursos técnicos que o jurista utiliza para conhecer, difundir e realizar o direito. Podemos dividi-la em técnicas de elaboração, de sistematização e de aplicação do direito.
  • 22. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso 1.11.1. Para elaborar uma lei, é necessário dominar as regras de redação legislativa e de tramitação do processo legislativo. Uma lei contém preâmbulo, corpo, disposições complementares, disposição sobre a vigência e de revogação, fecho, assinatura e referenda. Por outro lado, o processo legislativo se compõe de iniciativa de lei, exame prévio por comissões específicas, discussão plenária, aprovação, sanção, promulgação, publicação e vigência. 1.11.2. Na sistematização entra o trabalho doutrinário para dar unidade e coerência à lei, visando torná-la mais compreensível e passível de aplicação. 1.11.3. A aplicação ou interpretação da lei é o momento em que o mesma vai revelar o seu sentido aos destinatários, e esse momento constitui objeto de uma disciplina específica chamada Hermenêutica Jurídica. Veremos esta questão quando formos estudar o problema do método jurídico. 1.11.4. Para ser alcançar seu objetivo, a técnica jurídica lança mão de alguns recursos, sejam eles formais (a linguagem, as formalidades e o sistema de publicidade) ou substanciais (definições, conceitos, categorias, pressupões e facções). a) A linguagem jurídica é de muita importância para o direito, já que é ela quem comunica o fato ao direito, daí que seu uso correto pode ser decisivo para a solução de um caso. São elementos da linguagem jurídica as fórmulas, o vocabulário jurídico, o estilo jurídico e os aforismos. Por fórmulas entendemos os signos rigidamente exigidos para a prática de determinado ato jurídico, como a declaração do oficial de registro de que, em nome da lei, declara homem e mulher os nubentes diante de si (art. 194, segunda parte, do CC), assim como a advertência feita pelo presidente do tribunal do júri aos jurados para que julguem com retidão o caso que lhes será apresentado (art. 464 do CPP). Por vocabulário jurídico entendemos: as palavras do vocabulário comum que no direito são empregadas no sentido geral, como de prostituição (art. 229 do CP) ou ouro e prata (art. 432, 1 do CC); palavras do vocabulário comum que no direito assumem um sentido específico, como mulher honesta (art. 216 do CP) ou tradição (art. 520, II do CC); palavras oriundas de outras ciências, como moléstia transmissível (art. 219, III do CC); vocabulários específicos do direito (evicção, arras Tc). Importa ressaltar que bom uso do vocabulário jurídico não significa, necessariamente, o exagero da linguagem, que muitas vezes contribui apenas para distanciar o povo do direito. O estilo jurídico é a qualidade que ganha a expressão verbal quando utilizada no meio jurídico. Na oratória forense tem redundância a lógica, o entusiasmo, a graça, a adequação ao tribunal julgador Tc); nas sentenças é a distribuição ordenada da questão (relatório, fundamentação e dispositivo), a apreciação exaustiva, clara e honesta das provas, a citação correta das fontes em que baseia a decisão Tc; na legislação é a clareza e a concisão; nos contratos a honestidade, a clareza e a objetividade, bem como prever tudo e não omitir nada; na doutrina é a honestidade, a organização e a clareza do discurso, bem como a máxima exploração da matéria sem no entanto cansar o leitor, fazendo uso das notas
  • 23. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso de rodapé para os excessos e para as citações das fontes; nos arrazoados dos advogados e promotores é a lógica da argumentação, o uso adequado de títulos e subtítulos para organizar e distribuir o discurso, a objetividade, a clareza e as oportunas citações das fontes em que fundamenta o direito que defende; nos acórdãos é a concisão, a qual ainda é resumida em uma apresentação chamada “ementa”. Por sua vez, os aforismos, brocardos ou adágios são máximas gerais e concisas usadas para resumir uma regra de direito. Ex.: In dubio pro reo, onus probandi incumbiti auctori, nas coisas móveis a posse vale o título, meu direito vai até onde termina o do outro etc. b) As formalidades jurídicas constituem nas exigências impostas pela lei para que determinados atos jurídicos sejam considerados válidos. São também chamados atos solenes para cercar de mais segurança o ato praticado (a exigência de transcrição da escritura pública no Registro de Imóveis para ter validade perante terceiros). Nosso ordenamento civil estabelece penas para os atos praticados sem as exigências que lhes são feitas (art. 130 CC). c) Por sistema de publicidade designamos os recursos utilizados no direito a fim de que os atos jurídicos que interessam à coletividade sejam conhecidos por todos. Na elaboração das leis, é assegurado pela publicidade dos debates dos projetos de lei, da sessão de votação e da publicação das leis. Na aplicação da lei, está presente em todos os casos onde não haja necessidade de se proteger a intimidade ou o interesse social (art. 5, LX da CF/88). Na Administração Pública essa publicidade está assegurada constitucionalmente como um dos princípios da Administração (ar. 37, caput, da CF/88). d) As definições jurídicas são as explicações que se dá para determinados elementos ou circunstâncias do direito onde a lei não deu essa definição (a definição de rixa prevista como crime no art. 137 do CP como “uma luta, uma batalha entre muitas pessoas, rompendo subitamente, por efeito de um movimento impetuoso de cólera, sem intenção claramente de matar ou ferir, mas rematando em pancadas, ferimentos mais ou menos graves, mesmo na morte de um ou muitos dos combatentes” 17. Embora o problema das definições seja da alçada da doutrina, algumas vezes o legislador usurpa dessa função (art. 47 do CC, artigos 24 e 25 do CP). e) No sentido inverso das definições (que decompõem uma idéia), os conceitos jurídicos são a abstração ou a síntese que fazemos de determinadas realidades. Ex.: Quando falamos em justa causa, imediatamente nos vêm à memória os fatos descritos nos artigos 482 e 483 da CLT que dão direito, ao empregador ou ao empregado, rescindir o contrato de trabalho. f) As categorias jurídicas compreendem-se na distribuição da matéria jurídica em quadros definidos, levando em conta a natureza, os elementos comuns e específicos, finalidades etc. Desta forma se pode falar em pessoas, coisas, responsabilidade ou em atos jurídicos como categorias do Direito Civil; igualmente, podemos falar em ações ou em defesas como categorias do Direito Processual, assim como em delitos ou em penas no Direito Penal. 17 a NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 10 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 779.
  • 24. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso g) Nas pressunções temos como base, segundo Paulo Dourado de Gusmão, a verossimilhança , ocasião em que generalizamos o que ocorre geralmente em certos casos, estendendo as consequências de casos conhecidos a outro desconhecido, i. é, consideramos verdadeiro aquilo que é provável 18 . As presunções são do tipo simples ou comuns quando partem do senso comum das pessoas, e no direito são muito utilizadas em questões de fato (a presunção de que a testemunha que se mostra insegura esteja faltando com a verdade); podem também ser legais (estabelecidas pela lei), e neste caso dividem-se em: absolutas ou iuris et de iuri, as que não admitem prova em contrário, como a presunção de que todos conhecem a lei depois que a mesma é publicada (art. 3o da LICC) ou que o trânsito em julgado da decisão encerra a verdade; existem também presunções relativas ou iuris tantum, ou seja, as que admitem prova em contrário, como a presunção de que os filhos concebidos na constância do casamento sejam filho desse casal (art. 338 e ss. do CC), ou a de que duas pessoas que tenham morrido na mesma ocasião, sem se poder dizer ao certo qual delas morreu primeiro, que terão falecido simultaneamente (art. 11 do CC) ou ainda a de que a relação sexual com menores de 14 (quatorze) anos seja feita contra sua vontade (art. 224, a, do CP). h) Por ficções jurídicas designamos a suposição de existência a algo que não existe na realidade, uma mera criação artificial que é muito necessária ao direito, ou, no dizer de Jhering, mentira técnica consagrada pela necessidade. São exemplos de ficção legal a de que empresas e Estados sejam pessoas (Pessoa Jurídica), de que as dependências de embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que estejam, para efeitos penais sejam considerados território brasileiro (art. 5, 1 e 2 do CP), assim como a idéia de que os acessórios de um imóvel (móveis por natureza), sejam juridicamente imóveis (artigos 43, I e II, e 46 do CC). 2. O DIREITO E A JUSTIÇA 2.1) Importa darmos especial atenção para a questão que diz respeito à relação existente entre o direito e a justiça, eis que os dois dividem o mesmo palco do jurídico. A importância da justiça foi bem demonstrada por Platão, para quem «sem justiça não sobrevive nem mesmo uma sociedade de ladrões». Igualmente prescreveu o jurista italiano Del Vecchio: A noção de justo é a pedra angular de todo o edifício jurídico. Não obstante, há quem negue hoje a justiça como essencial ao direito, o que teremos oportunidade de demonstrar mais adiante. 2.1.1. De fato, em toda a história do «jurídico» houve sempre uma polêmica entre o que dispõe o Direito 19 e aquilo que o homem aspira enquanto membro de 18 a GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 25 ed. Forense: Rio de Janeiro, 1999, p. 8. 19 Usamos o termo «Direito» aqui no sentido atual da palavra para exprimir um conjunto de regras consensualmente tidas como necessárias à vida em comunidade.
  • 25. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso 20 uma coletividade . Mas é necessário acompanhar a evolução do termo para não fazermos confusão: Os gregos usavam da palavra «dikáion» para designar aquilo que era justo, o que era devido a cada um, e da palavra «nómos» para se referir à lei. Por outro lado, os romanos usavam do vocábulo «ius» no primeiro sentido e «lex» no segundo. Santo Tomás no século XIII em seu Tratado da Justiça insiste nessa diferenciação entre o direito (ius) e a lei (lex). 2.1.2. No que tange ao conceito de justiça, a história também nos legou diversos sentidos, alguns dos quais parecem essenciais: a) Platão cuidou de definir o justo, e assim o coloca como uma aceitação e o empenho de cada cidadão no exercício da função que lhe é atribuída dentro do Estado, tendo em vista a construção de uma cidade feliz. Essa função seria definida de acordo com a virtude de cada cidadão, ou seja, aos da coragem a guarda da cidade, aos da temperança o comércio, as artes e a agricultura, assim como aos da sabedoria o governo do Estado. b) Essa idéia de justiça como virtude persiste em Aristóteles, especialmente a virtude política, pois «os legisladores formam os cidadãos na virtude, habituando-se a ela». Em Aristóteles há que se diferenciar justiça universal (sentido amplo) de justiça particular (sentido estrito). No primeiro caso temos a conduta humana de acordo com a lei e no segundo um hábito que realiza a igualdade, e neste último pode-se inclusive retificar a lei pela «equidade», e pode ser do tipo comutativa ou distributiva. Ainda para o estagirita, são os seguintes os elementos da justiça: o outro (a justiça é a mais nobre das virtudes por que diz respeito a um ato em relação a outra pessoa, e aqui se fala em alteridade), a vontade (o ato só é justo à medida que o agente o quer praticar, e aí alguém que involuntariamente causa um mal a alguém pode até cometer uma injustiça, mas apenas acidentalmente), a conformidade com a lei (o ato tem que ser conforme a lei, não só a lei positiva, mas a lei natural também se a primeira com esta divergir. Para corrigir eventuais divergências, a equidade deve ajustar a norma legal à natural), busca do bem comum (deve buscar a felicidade geral da polis) e a igualdade. Esta última é essencial para caracterização da justiça, mas igualdade aqui surge também em sentido relativo, pois se os sujeitos relacionados «não são iguais, não receberão coisas iguais» sob pena de não se reparar as desigualdades. Na justiça distributiva a relação se dá na forma geométrica ou de proporção, enquanto na comutativa numa relação aritmética. A primeira se dá nas relações do Estado para com os cidadãos e se destina à distribuição das honras e das penas com base no mérito de cada cidadão; a segunda ocorre nas relações interpessoais e possibilita o restabelecimento da igualdade eventualmente violada por uma das partes. Santo Agostinho, embora reconhecendo a igualdade como um princípio que rege a criação (Deus nos fez a todos como sua imagem e semelhança) se apegaria à idéia de «igualdade relativa» ao modo aristotélico, 20 É o que já se viu em outro lugar do episódio de Antígona.
  • 26. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso eis que na distribuição dos bens se privilegiaria aqueles que maior mérito tivessem, i.é, que observam a lei de Deus. Para compensar essa desigualdade, o homem serve-se da Graça, uma espécie de socorro que Deus concede aos «desviados» para lhes conduzir à salvação. c) Ainda da era clássica, refere-se ainda à justiça conforme as palavras de Ulpiano, ou seja, ser honesto, não fazer mal a ninguém e dar a cada um o que lhe é devido: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. Mais tarde Leibniz iria adotar outro critério de classificação da justiça seguindo estes indicativos: Justiça universal (honeste vivere), justiça comutativa (alterum non laedere), justiça distributiva (suum cuique tribuere). d) Santo Tomás (século XIII), utilizando-se da doutrina anterior, manteria a concepção aristotélica de justiça (o «que é em si justo»), reconhecendo sua diferença para com outras virtudes. No entanto, sua concepção de justiça, no entanto, vincula à sua idéia hierárquica onde a lei divina ocupa lugar privilegiado, seguida pela lei natural que por sua vez subordina a lei humana. Desta forma, não há que se falar em justiça que contrarie essas exigências. e) Hobbes anos mais tarde viria inaugurar outro período para a justiça: a justiça como idéia de um contrato, e aí somente aquele que tem palavra de mando poderá proclamar o que é justo ou injusto, eis que recebeu esse poder do homem quando este saiu do estado de natureza. Poderíamos assim dizer que injustiça é violar um pacto anteriormente estabelecido (pacta sunt servanda): nesta lei de natureza reside a fonte e a origem da justiça. Porque sem um pacto anterior, não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, consequentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição de injustiça não é outra senão o não cumprimento de um pacto. Chamamos a atenção para o aspecto coercitivo aqui acentuado. f) A consequência da “justiça totalitária” de Hobbes seria sua amenização pelos demais contratualistas, liberais e iluministas, que se estenderiam de Locke a Kant, neste último onde exatamente a liberdade seria aquela a dar o comando da justiça: agir livremente de forma que minha liberdade coexista com a liberdade dos demais. Como essa liberdade do indivíduo precisava conviver com a coerção do Estado, haveria que se distinguir entre liberdade e arbítrio: Liberdade é diferente de arbítrio porque ela não nos permite fazer o que queremos, mas apenas aquilo que é conforme a razão. 2.1.3. O período que se conheceu como do idealismo alemão (Kant, Fichte, Hegel etc) conduziu a uma concepção formalista da justiça onde a forma prevaleceria sobre seu conteúdo, e assim as ilusões codificadoras chegaram ao extremo de Kelsen, já em nosso século, manifestar seu desprezo para essas exigências de justiça na validação do Direito: Já que muitos falaram sobre justiça mas ninguém consegue dizer o que ela seja (ou comprovar), contentaremos em buscar um direito formalmente válido. Consequências graves foram extraídas dessa “dispensa” da justiça, já que qualquer lei, uma vez tendo cumprido as formalidades exigidas (publicadas por um órgão competente e obedecendo a uma
  • 27. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso hierarquia pré estabelecida), seria considerada válida independentemente do conteúdo. Impende ressaltar que hoje muitos que negam o formalismo de Kelsen e procuram superá-lo, não restabelece essas exigências de justiça para o Direito, mas partem puro e simplesmente das exigências de utilidade (a Law and Economics, por exemplo). 2.2) Desta forma, seria legítima uma dupla visão da problemática da justiça: num primeiro momento, falaríamos em justiça em sentido subjetivo ao modo de Ulpiano como uma “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu” (Justitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi), e aí teremos a justiça como virtude (sentido subjetivo); em segundo momento teremos justiça como ordem social que assegura esse direito de cada um (sentido objetivo). É ainda possível falar, no que tange à concepção subjetiva, em sentido latíssimo, lato e próprio ou estrito. No primeiro caso diz respeito à virtude em geral, em sentido quase que de beatitude, como se vê do Digesto onde ö direito é a arte do bem e do equitativo”; no segundo, dá-se sem as outras três das quatro virtudes cardiais que podem ser exercidas individualmente (prudência, temperança e coragem), mas somente se refere àquelas que tratam da relação do homem para com os demais, regulando suas relações; no terceiro caso, é a virtude em sentido próprio com objeto especial, vale dizer, como diria Santo Tomás: “a essência da justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma igualdade” 21. 2.3) Retomando à questão posta por Aristóteles no que diz respeito à classificação da justiça em justiça geral ou justiça social (que tem por objeto o bem comum) e justiça particular (esta que se divide em comutativa e distributiva e cujo objeto é o bem do particular), temos como fundamentais as notas seguintes. 2.3.1. A justiça social 20 é aquela que Aristóteles considerou a mais bela de todas: ”Nem a estrela da manhã, nem a estrela vespertina são tão belas quanto a justiça geral”. Como em qualquer outra virtude, esta também diz respeito a dar a cada um o seu; esse devido a cada pessoa é o bem comum (ou a nossa contribuição para que o mesmo se efetive), onde os devedores são os particulares (os membros da comunidade) e a sociedade é a credora. Neste aspecto, quando o indivíduo paga o seu imposto, quando serve à justiça eleitoral ou quando atua como jurado no Tribunal do Júri, está dando a sua contribuição para a promoção do bem comum: promovendo o investimento público no primeiro caso, contribuindo para a democracia no segundo e com a segurança pública no terceiro. Para que a realização da justiça não fique ao arbítrio de cada um o Estado, que tem a função de dirigir os particulares para o bem comum, obedecerá a um critério de legalidade, e aí alguns chamam esta também de “justiça legal” (debitum legale). 21 Ratio justitiae in hoc consistit quod alteri reddatur quod ei debetur secundum aequalitatem 20 Como vimos a designação não é a originariamente dada por Aristóteles que a chamou de justiça geral no capítulo 1 do livro V da Ética a Nicômaco.
  • 28. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso Embora não se possa dizer que o bem comum de que falaram Aristóteles e Santo Tomás seja o mesmo que buscamos hoje 22, ainda parece atual a distinção, no conteúdo do bem comum, das três espécies de bens que este formulou: um primeiro, que é a essência do bem comum e consistente na “vida dignamente humana da população” (bonam vitam multitudinis); um segundo, que é instrumento desse bem comum e que consiste num conjunto de “bens materiais” necessários ao exercício das virtudes, ou em outras palavras, para a realização de uma vida digna pelo ser humano (corporalium honorum sufficientia quorum usus est necessarius ad actum virtutis); um terceiro, que é condição para a realização desse bem comum, i.é, a paz necessária para se ter o mínimo de unidade, segurança e tranquilidade para a sobrevivência da sociedade. Um problema já posto por Aristóteles diz respeito à igualdade como um dos elementos da justiça. Como vimos, na justiça social trata-se de uma igualdade proporcional em relação à função de cada um na vida social, e neste caso a autoridade (autoridade hoje é autoridade de órgão governamental, já que a coletividade a cada dia é chamada a participar mais das decisões do Estado) tem função de arquiteto da justiça. A igualdade proporcional diz respeito à necessidade de se tratar de forma desigual os desiguais a fim de a igualdade seja estabelecida, como se pode exigir, por exemplo, na distribuição dos serviços públicos para aqueles que mais necessitam, na indenização de um grupo de produtores proporcionalmente aos prejuízos sofridos por uma seca etc. 2.3.2. Quanto à justiça distributiva, dissemos em outro lugar que diz respeito àquela em que o Estado distribui direitos e obrigações para os cidadãos, numa igualdade que também é proporcional, visando a participação de seus membros no bem comum. Desta forma, orienta o Estado na arrecadação de receitas, no investimento social, na fixação de responsabilidades com a coisa pública etc. Por membros entende-se tanto os indivíduos como as instituições (empresa, associação, municípios e estados-membros, neste último caso quando participam da distribuição de bens da União Federal). 2.3.3. No que tange à justiça comutativa (do latim commutare: trocar), que por alguns também é chamada sinalagmática para atrelá-la a um contrato, dizemos ser aquela que se dá numa relação entre particulares onde se segue com precisão a igualdade; por particular aqui se entende também o Estado quando em uma relação contratual dessa natureza. O dever nessa justiça comutativa diz respeito a dar algo que já faz parte dos bens dos contratantes, como a saúde em um contrato de serviço médico, a propriedade num contrato de compra e venda etc, o que a difere totalmente da justiça distributiva onde se dá aos indivíduos aquilo que é comum. 22 Para os autores antigos, de uma forma quase que unânime, o interesse individual não tem muita relevância, e o mesmo só tem sentido quando pensado a nível de coletividade. O indivíduo passou a ocupar lugar de destaque foi realmente após o Humanismo, e sobretudo, após a revolução francesa.
  • 29. APOSTILA DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE DIREITO PARA TURMAS DE DEPENDÊNCIA – 2003 Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso Como já se adiantou, a igualdade aqui é absoluta, vez que busca dar a cada um exatamente aquilo que lhe cabe, e por isto também alguns chamam esta justiça de corretiva pelo fato de que não obedecido esse princípio, o Judiciário é chamado a restabelecer essa igualdade 23. Por fim, não se deve resumir esta justiça à justiça dos contratos como querem alguns. Já Aristóteles fazia a distinção quando primeiro disse se tratar de relação entre particulares, depois ao afirmar que poderia ser voluntária (contratual) ou involuntária (não contratual), e aí tanto se daria num contrato de compra e venda onde houve vontade do comprador quando se comprometeu pagar, como também pode se dar numa indenização por ato ilícito que não depende da vontade do causador do dano. Essa idéia de levar às últimas conseqüências um contrato poderia parecer que todo contrato seria justo, e bem sabemos que isto não é verdade. Essa teoria de justiça contratual ou voluntária, fundada na "autonomia da vontade", advém do contratualismo, sobretudo em Rousseau e Kant que levaram às últimas conseqüências, vale dizer o homem é livre para estabelecer um contrato, e à medida que o fez não podemos considerá-lo injusto. Isto exige que sejam convocadas exigências objetivas de justiça a fim de que prevaleçam acima da vontade das partes, fazendo com que numa compra e venda, por exemplo, o preço justo não se confunda com preço combinado, tendo em vista que nessa combinação poderá ter prevalecido a vontade de alguém que na realidade seja mais forte. 2.4) Questão importante em relação à temátiva da justiça diz respeito à equidade. Com efeito, assim preleciona Aristóteles: "A justiça e a equidade são portanto a mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o equitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal. A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares (...) Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos: a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica" 24. 2.4.1. A equidade (epieíkeia) é portanto, a justiça que vai além da lei escrita, já que existe uma lei maior (a Natural, como insiste Santo Tomás na Q. 58 de sua Summa) que supera a capacidade legislativa do homem, seja porque o legislador deixou passar despercebida alguma questão (e aí teríamos as lacunas), seja por sua própria vontade quando não podem prescrever tudo, prima pela generalidade e a abstração, traçando apenas os princípios gerais que a norma visa atingir 25. 2.4.2. Desta forma o aplicador da lei (o Juiz) no caso concreto há que atentar para a equidade a fim de que possa estabelecer a igualdade ditada pela 23 Observa-se a simbologia da mulher de olhos vendados segurando uma balança com a mão e tendo na outra uma espada. 24 Ética a Nicômaco, 137b. 25 Retórica, I, 1375b.