O Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou um recurso de apelação sobre uma ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-presidente da Câmara Municipal de Quilombo. O Tribunal deu provimento ao recurso e reformou a sentença, julgando improcedentes os pedidos, por entender que não havia provas de que a promoção pessoal do réu nos jornais locais foi custeada com recursos públicos.
Promoção pessoal em jornal não configura improbidade
1. Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Apelação Cível n. 2009.064732-4, de Quilombo
Relator: Des. Newton Janke
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PUBLICIDADE COM INTUITO DE PROMOÇÃO PESSOAL DO
PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. INOCORRÊNCIA.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TRATAR-SE DE PUBLICIDADE CUSTEADA COM RECURSOS PÚBLICOS.
O fato do agente político aparecer e ser louvado diuturnamente nas páginas de um jornal ou na tela da televisão não pode,
por si, ser tido como ato de improbidade administrativa. Somente o será se essa publicidade for custeada pelos cofres
públicos. Nenhuma responsabilidade lhe poderá ser carreada se a promoção pessoal for bancada com recursos próprios
ou ser for uma liberalidade do órgão de imprensa.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.064732-4, da Comarca de Quilombo (Vara Única), em
que é apelante Vardelino Dias de Oliveira e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Sem custas.
1. RELATÓRIO
Trata-se de apelação (fls. 214/221) interposta por Vardelino Dias Oliveira, ex-Presidente da Câmara Municipal de Quilombo
contra sentença (fls. 206/211) que, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina,
julgou parcialmente procedente o pedido inicial, com os seguintes provimentos:
a) Condenar o réu Vardelino Dias de Oliveira as sanções do art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92.
- Suspensão dos direitos políticos pelo período de 3 (três) anos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
- Ao pagamento de multa civil de ressarcimento a Câmara Municipal de Quilombo -SC, no valor de 10 vezes a média da
verba remuneratória do réu na época dos fatos, qual seja, R$ 1.600,43 (hum mil e seiscentos reais e quarenta e três
centavos), totalizando assim o valor de R$ 16.004,03 (dezesseis mil e quatro reais e três centavos).
- Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, a
contar do trânsito em julgado da presente decisão" (fl. 210).
Nas razões recursais, o apelante, em preliminar, increpa nulidade à sentença por não se ter pronunciado sobre os pontos
de defesa suscitados na contestação. No mérito, argumenta que as provas colhidas em Juízo demonstram, com clareza,
não ter havido qualquer ato de improbidade administrativa, uma vez que jamais solicitou ou exigiu a publicação das
notícias objeto da presente demanda. Acrescenta, ainda, que vários outros vereadores, assim como o apelante, também
apareceram, em inúmeras oportunidades, na coluna "Variedades" do Jornal 'A Verdade', nisso inexistindo qualquer
ilegalidade. De resto, a responsabilidade pelas notícias publicadas na referida seção seriam de responsabilidade única e
exclusiva da editoria do jornal.
O recurso foi devidamente processado na origem e, nesta instância, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, em paracer da
ilustre Procuradora Vera Lúcia Ferreira Copetti, opinou pelo seu desprovimento.
2. VOTO
Reclama o apelante, em preliminar, a decretação da nulidade da sentença, que, a seu ver, negligenciando a observância
do inc. II do art. 458, do Código de Processo Civil.
A queixa, contudo, não procede, inexistindo o alegado vício.
2. Com efeito, na sentença o magistrado expôs as razões de direito e de fato que o levaram a concluir pela parcial
procedência da demanda. Não é ocioso lembrar que o juiz, na fundamentação, não necessita debruçar-se sobre todos os
argumentos e teses ventiladas pelas partes, sendo suficiente que se ocupe do ponto ou dos pontos que, por si, são
decisivos à resolução da controvérsia.
Neste sentido:
"PROCESSO CIVIL - SENTENÇA - FUNDAMENTAÇÃO SUSCINTA - NULIDADE - INOCORRÊNCIA O Magistrado não é
obrigado a se ater a todos os argumentos suscitados; basta que dê as razões de seu convencimento. Não pode ser
tachada de nula a sentença que, embora de forma concisa, se reporta ao pedido e à causa de pedir e possibilita
perfeitamente que as partes deduzam eventual inconformismo em face dos fundamentos nela contidos" (Ap. Cív. n.
2008.032440-9, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - REDISCUSSÃO DA MATÉRIA - IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA -
PREQUESTIONAMENTO - PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO PROCESSUAL NÃO EVIDENCIADOS -
REJEIÇÃO.
[...]
O juiz não se encontra obrigado a rebater um a um todos os argumentos deduzidos pela parte. É necessário apenas
apontar os fundamentos que levaram à conclusão jurídica a que chegou na sentença, satisfazendo, assim, o mandamento
constitucional" (ED em Ap. Cív. n. 2009.013012-8/0001.00, Rel. Des. Fernando Carioni).
Na espécie, para considerar caracterizada a conduta de improbidade administrativa atribuída ao réu, a sentença fixou
como premissa que a frequente publicação de reportagens no jornal local fazendo referências à pessoa do apelante como
Presidente da Câmara de Vereadores era, por si só, conduta suficiente para caracterizar a promoção pessoal.
Ora, se esse fundamento, por si, pareceu ao juiz denso e consistente para solver a demanda, não se fazia necessário que
se ocupasse das demais alegações trazidas pelas partes.
No mérito, contudo, a apelação pede integral acolhimento.
Na inicial da ação, o Ministério Público afirmou que o apelante, enquanto ocupante do cargo de Presidente da Câmara
Municipal de Vereadores de Quilombo, utilizou-se das publicações realizadas no diário "A Verdade" como meio de
autopromoção pessoal, causando assim prejuízo ao erário e afrontando o princípio da impessoalidade.
O § 1º do art. 37 da Constituição Federal estabelece que "a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes,
símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos".
Com isso, quer a Carta Magna dar relevo à observância de um dos princípios basilares da administração pública, qual seja, a
impessoalidade, segundo quem a atividade administrativa deve ser entendida como fruto da atuação do Estado,jamais ao agente
público.
Em comentários ao § 1º do art. 37, da Constituição Federa, Celso Ribeiro Bastos averba:
"(...) O Texto Constitucional em vigor não proibiu, é óbvio, toda e qualquer publicidade, mesmo porque para certos atos
administrativos ela é indispensável. Procurou, no entanto, discriminar a publicidade consentida condicionando-a à satisfação de
determinados objetivos e impedindo a existência de certos elementos (...).
Em primeiro lugar a publicidade há de ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. Sem dúvida nenhuma há muitos
pontos em que a coletividade pode receber uma informação ou mesmo uma educação relativa a questões atinentes à ordem, à
saúde e ao bem-estar público. Portanto, a matéria veiculada há de ter um caráter eminentemente objetivo e voltado para o
atingimento da sua finalidade, sem com isso estar simultaneamente promovendo o governo ou algumas de suas autoridades. É por
isso que a parte subseqüente do preceito vai consignar que não podem constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem a
promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
A regra é bastante rigorosa. Proíbe a aparição da imagem da autoridade e mesmo da sua referência por meio da invocação do seu
nome ou de qualquer símbolo que produza igual efeito. Lembre-se que alguns políticos ficaram conhecidos por certos objetos, por
exemplo, vassoura (Jânio Quadros), marmita (Hugo Borgui ). É uma lástima constatar que até agora não tenha havido uma
aplicação drástica desse preceito. Ainda é freqüente ver-se nos órgãos de comunicação matérias que não atendem aos
pressupostos positivos ou negativos da atividade de publicidade. Os atos assim viciados são possíveis de ataque por Ação
3. Popular, visto que são lesivos e inconstitucionais" (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva: 1992, v. III, tomo III, pp.
158/159).
O que se tem no caso em foco?
De acordo com a documentação entranhada, em fevereiro de 2006, a Câmara de Vereadores local, então presidida pelo réu,
celebrou um contrato com a empresa JV Ltda., que editava o Jornal " Folha A Verdade", único órgão de imprensa do Município,
para que, a um custo mensal de R$ 700,00 (setecentos reais), fossem publicados os atos oficiais do Legislativo Municipal (fls. 37-
42)
É fato que, além de fazer a publicação desses atos, pouquissimos aliás (fls. 35-36), o réu, coincidência ou não, a partir de então,
passou a ser um assíduo frequentador da coluna denominada "Variedades". Tudo ou quase tudo que o réu fizesse em público
(comparecimento a um aniversário, jogo de futebol, batismo, etc...) era motivo de registro, escrito e fotográfico. Um dos registros
mais repetitivos eram as constantes visitas que o edil fazia ao jornal. Numa oportunidade, o apelante "convidou os diretores do
Diário Folha A Verdade para uma janta", ocasião em que, com grande ardor cívico e gravidade, "discutiram assuntos referentes a
atual situação política do País" (fl. 87).
Em resumo, era rara a edição em que Vardelino não aparecesse no jornal.
Indiscutivelmente, o jornal alimentou a vaidade e fez promoção pessoal do réu.
Mas, também é fato incontroverso que a Câmara de Vereadores de Quilombo-SC vinha, há muito, publicando seus atos no aludido
jornal, único órgão de imprensa do Município, e continuou a faze-lo, pelo mesmo preço, depois que o réu deixou a Presidência do
Legislativo local (vide fls. 130-135 e 174-176)
Por mais ostensiva que se revele a promoção do réu, não há - salvo um forte juízo de suspeita - provas a dizer que as aparições do
réu se inseriam no objeto do contrato entre a Câmara e a empresa jornalística. É até lícito presumir que, em virtude da celebração
daquele contrato, o jornal se empenhava em agradar, bajular e alimentar o protuberante ego do edil. Mas, isso nada seria além de
mera e agradecida liberalidade do dono do jornal.
É normal, ainda mais num Município pequeno, que, juntamente com as notícias diárias e publicações oficiais, o jornal veiculasse
notícias de eventos sociais, mesmo frugais, envolvendo pessoas de alguma notoriedade, como agentes públicos ou políticos.
Como disse o diretor do jornal, "na coluna 'Variedades' todas as pessoas em evidência são registradas, inclusive todos os
vereadores deste Município, o Prefeito e demais autoridades", complementando adiante que "a coluna VARIEDADES é de inteira
responsabilidade do jornal, sendo que nunca foi cobradovalor algum de qualquer pessoa que seja que lá tenha sido destacada,
sendo, portanto, uma coluna social, a qual retrata os acontecimentos sociais importantes da nossa cidade e região, não tendo,
qualquer finalidade financeira" (sic - fl. 104).
Tudo isso pode ser verdade, mas o fato é que ninguém frequentou tanto essa coluna como o Presidente Vardelino Dias de Oliveira.
De qualquer modo, o fato do agente político aparecer diuturnamente nas páginas de um jornal ou na tela da televisão não pode,
por si, ser tido como ato de improbidade administrativa. Somente o será se essa publicidade for custeada pelos cofres públicos.
Nenhuma responsabilidade lhe poderá ser carreada se a promoção pessoal for bancada com recursos próprios ou ser for uma
liberalidade do órgão de imprensa.
No caso em exame, como dito linhas antes, desconsideradas as presunções e suspeitas, não há prova a revelar que, pelo valor
mensal do contrato para a divulgação de atos oficiais, o jornal também deveria divulgar as atividades oficiais e recreativas do
Presidente da Câmara.
Com estas considerações, dou provimento ao recurso para, reformada a sentença, julgar improcedentes os pedidos, sem encargos
de sucumbência para o autor.
3. DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por unanimidade, dar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Desembargadores Cid Goulart e João Henrique Blasi,
lavrando parecer, pelaProcuradoria-Geral de Justiça, a Exma. Procuradora Vera Lúcia Ferreira Copetti.
Florianópolis, 15 de fevereiro de 2011.