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Panorama da
História da Igreja
Alderi Souza de Matos
Introdução
Como o título indica, este é um curso panorâmico sobre a história da igreja cristã. Como
tal, ele não visa estudar essa história em profundidade, e sim abordar os contornos mais
amplos desse vasto assunto, para que, posteriormente, o aluno possa pesquisar com maiores
detalhes quaisquer tópicos específicos do seu interesse. O propósito do curso é familiarizar
os participantes com os principais personagens, eventos e movimentos da longa e rica
história do cristianismo, no desejo de que esse estudo possa ser ao mesmo tempo uma fonte
de informação, desafio e inspiração para a vida cristã.
Além desta introdução, o curso constará de dez aulas, sendo três para o período antigo, duas
aulas para cada um dos períodos subseqüentes (medieval, Reforma e
moderno/contemporâneo) e uma sobre a América Latina e o Brasil. Cada aula será
acompanhada de leituras complementares indicadas pelo professor. Além dos testes simples
de avaliação para cada aula, haverá quatro provas de múltipla escolha, ou seja, uma para
cada semana de aula.
A presente aula introdutória consta dos seguintes pontos:
1. O que é história
2. Definições básicas
3. Importância da história da igreja
4. Períodos em que se subdivide a história da igreja
5. Bibliografia básica
1. O que é história
O termo "história" vem do grego historía, que significa pesquisa, informação ou narração e
já nos tempos antigos era usado para indicar a resenha ou narração dos fatos humanos.
Hoje, o termo tem dois aspectos básicos: (1) os próprios fatos, isoladamente ou em
conjunto (em alemão, Geschichte) e (2) o conhecimento dos fatos, ou a ciência que
disciplina esse conhecimento (Historie). Para este segundo aspecto, usa-se com freqüência
o termo "historiografia."
Outra maneira de encarar o assunto é considerar quatro sentidos em que se pode entender a
história (observe que todos começam com a letra "i"):
Incidente
Incidente ou evento é todo e qualquer acontecimento. Por sua própria
natureza, todo incidente é absoluto e ocorre somente uma vez. É
impossível que se repita exatamente em todos os seus pormenores.
Informação
São os elementos que nos fornecem dados sobre o incidente, tais como
documentos, objetos ou depoimentos orais.
Investigação
Investigação ou pesquisa é a busca de respostas para as perguntas "o
quê", "quem", "quando", "onde" (os dados).
1
Interpretação
É a busca dos porquês, do significado dos dados. A atitividade de
interpretação é inevitável, porque os incidentes já não são diretamente
acessíveis, mas somente através de indícios, de informações indiretas.
Toda interpretação é relativa, porque todo intérprete é limitado por um
maior ou menor número de condicionamentos. É impossível uma
plena objetividade e imparcialidade. No entanto, as contínuas
pesquisas vão fazendo surgir certos consensos entre os estudiosos
sobre um grande número de fatos e interpretações.
2. Definições
• História: é o registro interpretado do passado humano socialmente relevante, com
base em dados organizados que são obtidos através do método científico a partir de
fontes arqueológicas, literárias ou vivas.
• História da igreja: o historiador Earle E. Cairns define a história da igreja como "o
relato interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a
sociedade humana, baseado em dados organizados e reunidos pelo método
científico a partir de fontes arqueológicas, documentais ou vivas" (O Cristianismo
Através dos Séculos, 14).
Observação:
• As fontes mais comuns da história da igreja são documentais, que podem ser de dois
tipos: primárias e secundárias. Fontes primárias são documentos produzidos pelos
próprios personagens e movimentos da história. Por exemplo, a Epístola de Paulo
aos Romanos, a Didaquê, o Credo Niceno, as Noventa e Cinco Teses de Lutero.
Fontes secundárias são análises posteriores dos estudiosos, como os livros de
história da igreja mencionados na bibliografia que está no final desta aula. As fontes
primárias não precisam ser antigas; às vezes são bastante recentes, como a
declaração conjunta de católicos e luteranos sobre a justificação pela fé, publicada
em 1999.
3. Importância da história da igreja
Uma questão que se pode levantar é: Por que, afinal, estudar a história da igreja? É isso
realmente necessário e prioritário para o cristão? Quais os benefícios que se poderiam
auferir desse estudo?
Uma das razões mais importantes para o estudo da história é o caráter histórico da
revelação bíblica e da obra redentora de Deus. Boa parte da Bíblia contém relatos
históricos, como o Pentateuco e os chamados livros históricos, desde Josué até Ester. Um
dos maiores livros do Novo Testamento, Atos dos Apóstolos, é inteiramente dedicado ao
registro de eventos da igreja primitiva. Além disso, a Escritura nos fala de um Deus que,
além de ser transcendente, é também imanente, ou seja, comunica-se e relaciona-se com os
seres humanos, entrando na história humana e atuando na mesma. Toda a Escritura dá
testemunho dessa verdade. O evento máximo dessa manifestação de Deus na história foi a
encarnação do Verbo, o Filho de Deus (ver João 1.1,14; Gálatas 4.4; 1 Jo 4.9,10,14).
2
Assim, a história da igreja implica em uma determinada filosofia da história. Para os
cristãos convictos, a história tem um sentido dado por Deus. Essa história é linear, tendo
um princípio e um fim, sob a direção providente e soberana do Senhor da história. O
primeiro autor a articular uma filosofia cristã da história foi Agostinho (354-430), em sua
magnífica obra A Cidade de Deus (De Civitate Dei). No ano 410, os visigodos saquearam
Roma. Os pagãos alegaram que essa tragédia ocorreu porque os romanos haviam
abandonado a antiga religião dos deuses e abraçado o cristianismo. A pedido de um amigo,
Agostinho dispôs-se a rebater essa acusação e isso resultou na referida obra.
Para ele, a história consiste na interação de duas sociedades antagônicas, a cidade de Deus e
a cidade terrena. A primeira consiste de todos os seres humanos e celestiais que estão
unidos no seu amor a Deus e buscam somente a sua glória. A cidade terrena é composta dos
seres que amam somente a si mesmos e buscam somente a sua própria glória. O curso da
história humana dirige-se para a cruz e a partir da cruz. A graça que dela flui opera dentro
da igreja cristã, o corpo visível de Cristo. Fortalecidos pela graça divina, os cristãos
colocam-se ao lado de Deus no conflito contra o mal, até que a história alcance a sua
consumação no retorno de Cristo.
Além desse aspecto bíblico e teológico, a história da igreja tem um valor prático como
fonte de informações sobre uma infinidade de assuntos que não encontramos em outros
lugares. Todas as mudanças que têm ocorrido na igreja ao longo do tempo nas áreas
administrativa, doutrinária, litúrgica e devocional são estudadas na história da igreja, bem
como um grande número de instituições, movimentos e subdivisões do cristianismo. A
história da igreja nos fala sobre métodos missionários, estilos de pregação, hermenêutica e
interpretação bíblica, atitudes para com dinheiro e os bens materiais, prática da
beneficência, relações da igreja com o estado e com a sociedade. Ela ajuda-nos a entender
como surgiram os grupos cristãos atuais com suas características distintivas.
Finalmente, há também um elemento bastante pessoal. A história da igreja é a nossa
história, tem a ver com a nossa identidade (quem somos e de onde viemos), quer no sentido
espiritual, quer no sentido cultural, pois o cristianismo foi um poderoso elemento formativo
do Ocidente como um todo e da América Latina em particular. Além disso, o estudo da
história ajuda-nos a compreender a nossa herança cristã, dá-nos um senso de continuidade
com o passado e proporciona edificação e inspiração. Finalmente, é fonte de solenes
advertências quanto aos erros de igrejas e cristãos individuais, incentivando-nos à
humildade e tolerância.
4. Períodos da história da igreja
Para facilidade de estudo, a história da igreja é dividida em períodos, os quais, por sua vez,
estão subdivididos em unidades menores. Essa divisão é relativa, variando de acordo com
os critérios de diferentes estudiosos, mas facilita a compreensão de um tema que é tão vasto
e complexo. A classificação abaixo é aquela que seguiremos no presente curso:
A Igreja Antiga (30-590 DC = depois de Cristo)
A igreja apostólica (30-100)
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A igreja "católica" (100-313)
A igreja imperial (313-590)
A Igreja Medieval (590-1517)
A igreja no início da Idade Média (590-1073)
A igreja no apogeu da Idade Média (1073-1294)
A igreja na época do Renascimento (1294-1517)
A Reforma Protestante (1517-1648)
A Reforma na Alemanha e Suíça
A Reforma na Inglaterra, Escócia, França e Holanda
A Contra-Reforma e a Reforma Católica
A Igreja Moderna e Contemporânea (1648-2000)
Racionalismo e reavivamentos (1648-1789)
O grande século das missões (1789-1914)
O século XX
Não poderíamos falar da história da igreja sem abordar de maneira especial o nosso
continente e o nosso país. Assim, concluiremos este curso com alguns dados básicos sobre
a história do cristianismo na América Latina e no Brasil.
5. Bibliografia
Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras em
português.
• Bettenson, Henry, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed.
revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima
coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
• Cairns, Earle E., O Cristianismo através dos Séculos: Uma História da Igreja
Cristã (São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um
só volume disponíveis em português.
• Dowley, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo (São
Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade
gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Velho e Novo Testamentos).
• González, Justo L., Uma História Ilustrada do Cristianismo, 10 vols. (São Paulo:
Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez
pequenos volumes na edição portuguesa. Agradável de ler.
• Neill, Stephen, História das Missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das
melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi
missionário na Índia e na África.
4
• Nichols, R. H., História da Igreja Cristã, 5ª ed. rev. (São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1981). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem
está começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
• Tucker, Ruth A., "... Até aos Confins da Terra": Uma História Biográfica das
Missões Cristãs, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1996). Contém biografias de
missionários destacados que trabalharam nas mais diferentes regiões do globo.
Inclui um capítulo especial sobre o Brasil.
• Walker, W., História da Igreja Cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra
excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por
três outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi
publicada em português.
• Williams, Terri, Cronologia da História Eclesiástica em Gráficos e Mapas (São
Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns
dos temas mais importantes da história da igreja.
• Christian History – periódico trimestral em inglês publicado por Christianity Today
(Carol Stream, Illinois). Publicação dirigida primordialmente a leigos, contendo
ilustrações e gráficos bastante úteis. Os artigos são escritos por autoridades
reconhecidas. Cada número é dedicado a um personagem ou movimento específico
(o último número trata de Agostinho). Para maiores informações, visite
www.christianhistory.net.
Essa é apenas uma pequena amostragem do grande número de obras disponíveis em nosso
idioma, para não mencionarmos outras línguas, como o inglês e o espanhol, onde a
variedade é muito maior. No decurso das aulas, forneceremos outras indicações
bibliográficas sobre temas ou períodos específicos.
Implicações Práticas
Como se viu acima, o estudo da história da igreja pode ser altamente benéfico para o
cristão, dando-lhe em primeiro lugar uma melhor compreensão da atuação de Deus na vida
do mundo. A história não é um conjunto de acontecimentos aleatórios, sem rumo, mas
revela, por trás de eventos muitas vezes confusos e aparentemente desconexos, o propósito
providencial de Deus.
Além disso, o conhecimento da história auxilia os cristãos e as igrejas a terem maior
consciência de sua identidade e da sua missão no mundo. Seja como fonte de inspiração ou
de advertência, o conhecimento da caminhada da igreja na terra permite que os cristãos
definam melhor as suas prioridades e estejam alerta contra erros e tentações já enfrentados
no passado.
O Período Apostólico (Primeiro Século)
A. Contexto: O Mundo em que Surgiu a Igreja
5
O cristianismo não surgiu em um vácuo, e sim em um contexto histórico e social
específico. É importante conhecer o ambiente em que surgiu o cristianismo, ambiente esse
que influenciou a igreja e também foi eventualmente influenciado por ela. Esse ambiente
era definido por três grandes culturas ou civilizações.
(1) Os gregos:
No quarto século antes de Cristo, Alexandre, o Grande (356-323 AC) conquistou um vasto
império que ia desde os Balcãs até a Índia. Essas conquistas promoveram uma ampla
difusão da língua e cultura gregas (helenização) em toda a região oriental do Mar
Mediterrâneo, no Oriente Médio e no Egito. Quando Alexandre morreu aos 33 anos, o seu
império foi dividido entre os seus generais, dois dos quais ficaram com as terras bíblicas. A
Síria coube a Seleuco e seus descendentes (os selêucidas) e o Egito a Ptolomeu. A Palestina
sofreu fortemente as influências helenizantes dessas duas dinastias. Especialmente
influenciados foram os judeus que viviam fora da Palestina, na Diáspora (= dispersão),
especialmente no Egito. Muitos deles, falando apenas o grego, não mais podiam ler as suas
Escrituras na língua original. Com isso, o Velho Testamento precisou ser traduzido para o
grego, tradução essa que recebeu o nome de Septuaginta (LXX). Essa foi a Bíblia dos
primeiros cristãos. Como uma versão popular do grego, o koiné (= comum), era a língua
mais falada em torno do Mediterrâneo, o Novo Testamento eventualmente foi todo escrito
nesse idioma.
Além da contribuição linguística, os gregos também legaram ao mundo antigo a sua
riquíssima reflexão filosófica e toda uma cosmovisão (maneira de ver o mundo e a vida)
gerada por essa reflexão. Algumas das principais correntes filosóficas foram as de Platão,
Aristóteles, dos estóicos e dos epicureus. Vários conceitos dessas escolas eram bastante
difundidos quando surgiu o cristianismo. Por exemplo, o contraste entre a verdadeira
realidade (o mundo das idéias ou das coisas espirituais) e o mundo material das sombras
(um pálido reflexo das realidades eternas). Outro conceito muito difundido era o de que,
assim como o corpo tem uma alma, também o mundo é governado e mantido coeso por
uma alma racional, o Logos, do qual cada alma humana é uma centelha. Encontramos
referências a esses movimentos e a esse vocabulário em algumas passagens do Novo
Testamento como João 1:1,14; Atos 17:18; Fp 4.11,13; Hebreus 8:5; 10:1. A filosofia
solapou a crença nas velhas religiões, mas não ofereceu uma alternativa satisfatória para as
necessidades espirituais das pessoas.
(2) Os romanos:
Se a contribuição dos gregos foi nas áreas linguística, cultural e filosófica, os romanos
deram notável contribuição ao mundo em que surgiu o cristianismo nos aspectos político,
jurídico e administrativo. O Império Romano emergiu um pouco antes da era cristã, quando
Otaviano foi aclamado como César Augusto, tornando-se o primeiro imperador dos
romanos (27 AC-14 DC). Os romanos, com seu vasto império, abrangendo muitos povos e
culturas, imprimiram no mundo antigo o conceito de uma unidade que transcendia a
diversidade. Nesse aspecto, havia um interessante paralelo com a igreja cristã, que sendo
uma só, era composta de uma grande variedade de pessoas. Através da sua legislação
avançada, de seu exército e de suas instituições, os romanos criaram um ambiente de ordem
e segurança como nunca se vira nas terras em torno do Mediterrâneo. A "pax romana"
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permitiu que as viagens, tanto marítimas como terrestres, se tornassem mais rápidas e
seguras, o que certamente veio a facilitar a difusão do cristianismo.
No aspecto religioso, o Império Romano era caracterizado por uma grande diversidade de
opções. Havia em primeiro lugar a religião tradicional e familiar dos deuses greco-romanos.
Além disso, estavam florescendo no primeiro século as chamadas "religiões de mistério",
que comunicavam suas verdades mais profundas somente aos iniciados (cultos esotéricos).
As principais eram a religião de Cibele (vinda da Ásia Menor), de Ísis e Osíris (do Egito) e
de Mitra (da Pérsia). O mitraísmo tornou-se especialmente popular no exército romano.
Finalmente, havia o culto imperial ou estatal de Roma, com freqüência voltado para a
própria pessoa do imperador, culto esse que tinha um elemento fortemente político, como
símbolo da unidade do império e da lealdade ao mesmo. A recusa obstinada em participar
desse culto traria sérias conseqüências para os cristãos.
(3) Os judeus:
Sem dúvida, a principal matriz do cristianismo foi o judaísmo, em cujo seio nasceu. Na
época de Cristo, a Palestina estava sob dominação romana. No segundo século antes de
Cristo, as atitudes despóticas de um rei selêucida, Antíoco Epifânio, haviam provocado a
revolta dos macabeus (167 AC). Então, por cerca de um século os judeus gozaram de
independência política, até que, no ano 63 AC, os exércitos romanos, sob o comando do
general Pompeu, conquistaram a Palestina. Por conveniências políticas, os romanos
permitiram que a região fosse governada por reis vassalos, não-judeus, os Herodes.
O judaísmo era caracterizado pela existência de várias correntes. Havia os saduceus, que
controlavam o templo e eram colaboradores dos romanos. Os líderes religiosos mais
identificados com o povo eram os fariseus e os escribas, caracterizados pela mais estrita
obediência à lei. Havia também grupos menores, periféricos e radicais, como os zelotes e os
essênios (da comunidade de Qumran, junto ao Mar Morto). Sobre alguns desses grupos, ver
Mc 12.18; At 23.7-8. O judaísmo caracterizava-se pela centralidade do templo e da lei, pelo
rígido monoteísmo e por uma forte esperança escatológica. Na Diáspora, onde era lida a
Septuaginta (o VT em grego), muitos gentios se aproximaram do judaísmo, sendo
conhecidos como "prosélitos" (convertidos plenos) e "tementes a Deus" (simpatizantes).
Muitos deles eventualmente abraçaram o cristianismo, como vemos em Atos dos
Apóstolos.
O cristianismo, como um movimento surgido no seio do judaísmo, recebeu muitas coisas
importantes do mesmo. Em primeiro lugar, seus primeiros seguidores, todos eles judeus.
Depois, as Escrituras Hebraicas, a fé monoteísta, os elevados preceitos éticos. Finalmente,
o culto cristão e o sistema de administração da igreja também foram inspirados pelas
práticas judaicas, especialmente através da notável instituição que era a sinagoga.
B. Jesus e o Surgimento da Igreja
Não vamos entrar em muitos detalhes nesse aspecto, em parte por causa da limitação do
nosso tempo, e em parte porque se trata de um tema familiar para os que conhecem o Novo
Testamento. Além disso, esse tópico é estudado em outras matérias, como introdução
bíblica. Para maiores informações, o aluno pode consultar a obra de Robert H. Gundry,
Panorama do Novo Testamento (Edições Vida Nova) e outras obras congêneres.
7
Obviamente, os nossos pressupostos religiosos afetam profundamente a maneira como
encaramos a pessoa de Jesus Cristo. Muitos historiadores o vêem meramente como um
judeu carismático e perspicaz que questionou o status quo, acabou sendo morto por causa
disso e mais tarde foi divinizado pelos seus seguidores. Para nós, os cristãos, ele é o próprio
Filho de Deus, que veio ao mundo enviado pelo Pai com o propósito expresso de
reconciliar os seres humanos com Deus. Os evangelhos nos falam das circunstâncias do seu
nascimento e pouco dizem sobre a sua infância e mocidade. O enfoque principal está sobre
o seu ministério de três anos, iniciado quando ele estava com trinta anos de idade (Lucas
3.23).
Seu trabalho foi tríplice: proclamar o reino de Deus, ensinar (nas sinagogas e outros
lugares) e curar os enfermos e aflitos. O reino por ele anunciado tinha como ponto central a
sua própria pessoa e ensino, e, em particular, a sua morte e ressurreição. Ele reuniu em
torno de si um grupo de seguidores e especialmente doze homens aos quais treinou e
enviou a pregar, designando-os como continuadores da sua missão (João 20.21). Ele deixou
aos seus seguidores os seus ricos ensinos e apenas duas ordenanças: o batismo com água
para simbolizar a purificação dos pecados e uma refeição de pão e vinho representando o
seu corpo e o seu sangue, ou seja, o seu sacrifício. Ele não deixou nenhuma organização
básica, sistema doutrinário bem definido ou livros sagrados.
Após a sua morte e ressurreição, os seus seguidores foram revestidos com o Espírito Santo
e comissionados a pregar as boas novas de Cristo e sua salvação até os confins da terra
(Atos 1.8). Por ocasião do Pentecostes, a comunidade inicial em Jerusalém era composta de
120 pessoas (Atos 1.15). Logo, através da pregação de Pedro e dos demais apóstolos, esse
número cresceu dramaticamente, não somente naquela cidade, mas em outras partes da
Palestina. Essa pregação acabou resultando em duas dificuldades. Primeiro, a oposição das
autoridades judaicas, na forma das primeiras perseguições. Segundo, o problema mais
explosivo do que fazer em relação aos gentios que estavam aceitando a nova mensagem.
Seria preciso que eles cumprissem a lei mosaica além de crerem em Cristo? Seria preciso
que primeiro se tornassem judeus para depois se tornarem cristãos? O relato da conversão
de Cornélio mostra como era forte a resistência dos judeus à recepção de gentios na igreja
(Atos 10).
Esse problema foi tratado e resolvido satisfatoriamente no assim chamado Concílio de
Jerusalém, descrito em Atos 15. Bastava que os gentios crêssem no Senhor Jesus; ao
mesmo tempo, deviam evitar certas práticas com o objetivo de terem comunhão com os
seus irmãos judeus, que tinham escrúpulos quanto a questões alimentares e outras. Essa
decisão abriu as portas para que o cristianismo deixasse de ser uma simples seita judaica e
se tornasse um movimento mais abrangente, aberto a pessoas de todas as raças e culturas. A
igreja primitiva destacava-se pela igualdade entre os seus membros, um código de ética
baseado no amor, serviço mútuo, principalmente aos necessitados, e a pregação incessante
da morte redentora e da ressurreição de Cristo.
Por cerca de quinze anos, a igreja de Jerusalém ocupou a liderança do novo movimento.
Posteriormente, a comunidade de Antioquia da Síria passou a exercer esse papel. Em
Antioquia, pela primeira vez o evangelho foi pregado deliberadamente aos gentios e os
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discípulos também pela vez primeira foram chamados de "cristãos". Essa cidade tornou-se
o centro de um poderoso esforço missionário transcultural que levou a mensagem cristã a
muitas regiões importantes do Império Romano. Um personagem central desse esforço foi
um judeu chamado Saulo.
C. A Contribuição de Paulo
O apóstolo Paulo foi o vulto mais influente dos primeiros tempos da igreja. Convertido no
famoso episódio da estrada de Damasco (Atos 9.1-19), ele passou de perseguidor da igreja
a ardoroso pregador do evangelho. Um testemunho da sua importância é o fato de que
metade dos livros do Novo Testamento estão diretamente ligados a ele. Atos dos Apóstolos
tem-no como principal protagonista. Quase dois-terços do livro dedicam-se a descrever
detalhadamente as suas viagens missionárias, através das quais ele plantou igrejas em
vários centros estratégicos da Ásia Menor (Antioquia da Pisídia, Galácia, Éfeso) e da
península grega (Filipos, Tessalônica, Corinto). Mais do que qualquer outro, Paulo
contribuiu para imprimir sobre a igreja a consciência do caráter universal da fé cristã.
Outra notável contribuição de Paulo foi literária e teológica. No sentido de orientar, advertir
e incentivar as igrejas que resultaram do seu ministério, ele escreveu muitas epístolas,
várias das quais foram preservadas e incluídas no Novo Testamento. Outras quatro cartas
também preservadas foram enviadas a colaboradores seus (Timóteo, Tito e Filemom).
Finalmente, Paulo escreveu uma extraordinária carta a uma igreja fundada por outros
cristãos, em Roma. Como o apóstolo queria apresentar-se a essa igreja que não conhecia,
para que ela o encaminhasse a outros pontos do Império Romano (Romanos 15.22-24), ele
sentiu a necessidade de expor mais plenamente as suas convicções e o evangelho que
pregava. O resultado foi um documento de grande complexidade e beleza que revelou outro
aspecto da contribuição de Paulo: sua profunda e criativa reflexão teológica sobre a
realidade de Cristo e suas implicações para o crente, para a igreja e para a sociedade.
Finalmente, Paulo destacou-se como polemista, lutando pela integridade da doutrina cristã,
especialmente quanto à pessoa e obra de Cristo. Nesse esforço, ele enfrentou uma longa
luta contra os judaizantes, os cristãos hebreus ainda fortemente ligados à lei e às tradições
judaicas, especialmente no que diz respeito à circuncisão (ver Gálatas 1.6-9; 2.3; 4.9-11).
Paulo também voltou-se, pelo menos em uma de suas cartas (Colossenses), contra uma
heresia sincrética de tipo gnóstico que aparentemente considerava Cristo como parte de
uma hierarquia de seres celestiais e apelava tanto para costumes judaicos quanto para
práticas ascéticas e um conhecimento especial.
D. A Experiência da Perseguição
No decurso do seu trabalho, Paulo defrontou-se de maneira crescente com a realidade da
oposição contra o cristianismo. As primeiras manifestações de intolerância contra os
cristãos haviam ocorrido ainda na Palestina, por parte do Sinédrio e dos Herodes. Entre os
primeiros mártires contavam-se Estêvão e Tiago, o irmão de João (ver Atos 7.58-59 e 12.1-
2). Posteriormente, à medida que a fé cristã se difundia pelo Império Romano, os discípulos
continuaram a sofrer a oposição dos judeus e também agora da parte de gentios, cujos
deuses eram negados pelos cristãos. Mas a primeira perseguição "oficial" romana contra os
cristãos só veio a ocorrer no reinado de Nero, por volta do ano 64. Essa perseguição teve
conexão com um grande incêndio que destruiu boa parte da cidade de Roma. Sob a suspeita
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de haver ordenado o incêndio, Nero culpou os cristãos da cidade e os maltratou cruelmente,
conforme a interessante descrição de Tácito, um autor daquela época.
Ainda no primeiro século (c. 95), outro imperador, Domiciano, perseguiu os cristãos da
Ásia Menor, diante de sua recusa de participar do culto imperial. Essa perseguição é o pano
de fundo do exílio de João na ilha de Patmos e do livro do Apocalipse. Nos séculos
seguintes, a igreja haveria de sofrer ataques muito maiores, aos quais voltaremos nas
próximas aulas. Essa experiência gerou entre os primeiros cristãos uma verdadeira
glorificação do martírio como uma experiência altamente desejável e honrosa para um
seguidor de Cristo.
E. O Fim da Era Apostólica
A década de 60 foi especialmente importante para a igreja primitiva. Nessa década,
morreram os últimos dos apóstolos originais de Cristo, à exceção de João. Segundo a
tradição praticamente unânime da igreja antiga foi nessa época que morreram martirizados
os dois apóstolos mais destacados, Pedro e Paulo. Essas mortes teriam ocorrido no contexto
da perseguição promovida por Nero, na cidade de Roma.
Outro evento de grande magnitude foi o declínio do cristianismo judaico em virtude do
cerco e eventual destruição de Jerusalém. Quando o cerco começou, no ano 66, os cristãos
hebreus fugiram da cidade e foram para Pela, no outro lado do rio Jordão. Ali, com o passar
dos anos, esses judeus-cristãos, separados do restante da igreja, desenvolveram
características peculiares, vindo mais tarde a desaparecer nas brumas do tempo. Conhecidos
como "ebionitas", eles articularam uma posição teológica acerca de Cristo conhecida como
adocionismo. Jesus teria sido um mero homem que foi adotado por Deus como filho por
ocasião do seu batismo. Essa posição seria mais tarde defendida por outras pessoas no
cristianismo antigo.
A destruição de Jerusalém contribuiu decisivamente para a emancipação definitiva da igreja
em relação ao judaísmo. Nas primeiras décadas, muitas pessoas ainda podiam pensar que os
cristãos eram um grupo ou seita dentro do judaísmo. Essa identificação às vezes ajudava e
às vezes prejudicava os cristãos. Após a revolta dos judeus e a conseqüente punição dos
romanos, ficou cada vez mais claro que o judaísmo e o cristianismo eram religiões bastante
distintas.
No final do primeiro século, o cristianismo havia se difundido amplamente em muitas
regiões do Oriente Médio e da Europa e estava se preparando para a sua grande conquista
poucos séculos depois: o Império Romano. As igrejas ainda reuniam-se em residências
particulares e salões públicos; só mais tarde seriam construídos os primeiros templos. Havia
dois tipos de líderes: aqueles que possuíam certos dons, como os profetas e mestres, e
líderes mais formais, eleitos pelas comunidades, como os presbíteros ou bispos (Atos
20.17,28; Tito 1.5,7) e os diáconos.
Havia dois tipos de cultos aos domingos: um culto matutino centrado na pregação da
Palavra e um culto vespertino com ênfase sacramental. Em conexão com o mesmo, os
cristãos realizavam uma ceia comunitária denominada "agape" (=festa do amor), na qual
era celebrada a Ceia do Senhor. No final do século o agape caiu em desuso e a Santa Ceia
10
passou a ser celebrada no culto matutino. Os primeiros cristãos causaram grande impacto
na sociedade greco-romana em virtude de seu amor mútuo, coragem e elevados padrões
éticos. Eles separavam-se firmemente das práticas pagãs (idolatria, imoralidade), mas ao
mesmo tempo insistiam em ter uma participação construtiva na sociedade, esforçando-se
por cumprir os seus deveres cívicos e ser bons cidadãos.
F. Cronologia Básica
Ano Evento
30 Morte, ressurreição e ascensão de Jesus
30-44 Liderança da igreja de Jerusalém
35 Conversão de Saulo
41-54 Reinado de Cláudio
44-64 Liderança da igreja de Antioquia
46-48 Primeira viagem missionária de Paulo
49 Concílio de Jesuralém
50-52 Segunda viagem missionária
51 Judeus (e cristãos) expulsos de Roma (Atos 18:2)
53-57 Terceira viagem missionária
54-68 Reinado do Nero
59-62 Prisão de Paulo em Roma
64 Incêndio de Roma (martírio de Paulo e Pedro?)
66 Revolta judaica; cristãos de Jerusalém fogem para Pela
11
70 Destruição de Jerusalém e do templo
81-96 Reinado de Domiciano
90-95 João em Patmos, Apocalipse
95 Epístola de Clemente aos coríntios
Implicação Prática
O cristianismo surgiu de maneira extremamente modesta, mas tinha dentro de si um grande
potencial para a transformação do mundo. Esse potencial resultava da sua origem divina e
do caráter do seu fundador. Não devemos desprezar "o dia dos humildes começos" (Zc
4.10), porque é assim que com muita freqüência Deus escolhe agir.
O cristianismo permanece de pé ou cai dependendo das convicções que temos sobre os seus
fundamentos. Para os cristãos conscientes, estes fundamentos são o eterno propósito de
Deus Pai, a obra redentora do Filho e o direção do Espírito Santo. Crendo nessas verdades,
os primeiros cristãos impactaram o seu mundo. Nós somos chamados a fazer o mesmo na
nossa geração.
A Igreja “Católica” (100-313)
Introdução
A igreja cristã experimentou importantes mudanças nas últimas décadas do primeiro século.
Essas mudanças foram tanto de caráter teológico quanto institucional. Um dado
significativo é que temos poucas informações sobre esse período (anos 70 a 95). Nenhum
documento importante dessa época chegou até nós. Quando os documentos reaparecem, a
partir do ano 95 (ano aproximado da perseguição de Domiciano), nos deparamos com uma
igreja mais organizada e centralizada administrativamente, bem como com ênfases
teológicas um tanto diferentes daquelas do Novo Testamento. São os primórdios do
surgimento da igreja “católica.” O chamado “velho catolicismo” é uma referência à igreja
pré-constantiniana, ou seja, anterior ao imperador Constantino (ano 313), cujas ações
decisivas analisaremos na próxima aula.
A. A Igreja “Católica”
No segundo século, diante de crescentes problemas internos (diversidade teológica,
heresias) e desafios externos (acusações, perseguições), a igreja sentiu a necessidade de
definir mais claramente a sua identidade institucional e teológica. O objetivo visado era a
obtenção de maior unidade estrutural e uniformidade doutrinária. Desse processo resultou a
igreja “católica”.
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A expressão “igreja católica” é encontrada pela primeira vez numa carta escrita pelo bispo
Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna, por volta do ano 110. A palavra vem do grego
katholikos e significa geral, universal (de kata = “de acordo com” + holos = “o todo”). A
partir do segundo século, a expressão foi utilizada para designar a igreja verdadeira,
apostólica e ortodoxa, em oposição aos movimentos dissidentes, aos grupos heterodoxos ou
heréticos.
A igreja católica caracterizava-se pelos seguintes elementos de unidade e identidade:
> O bispo monárquico: ao contrário do primeiro século, em que cada igreja tinha vários
bispos ou presbíteros, agora cada igreja passou a ter um só bispo, com autoridade sobre os
presbíteros e os diáconos. Para isso, deu-se ênfase à idéia de sucessão apostólica. Os bispos
tornaram-se os guardiães da unidade e ortodoxia da igreja. O crescimento da importância
dos bispos eventualmente deu grande destaque aos bispos das cidades mais importantes,
especialmente o de Roma.
> A regra de fé: as verdades fundamentais da fé cristã passaram a ser claramente expressas
na forma de credos “trinitários”. Essas declarações de fé tinham fins didáticos/catequéticos,
confessionais/litúrgicos e apologéticos. Encontramos alguns exemplos antigos dessa regra
de fé nos escritos de Irineu (ver adiante). À medida que o tempo passou, os credos foram
ficando mais extensos e complexos, até chegarmos aos séculos IV e V com suas
sofisticadas formulações credais.
> O cânon do Novo Testamento: a formação do cânon consistiu na definição da literatura
cristã tida como divinamente inspirada e, portanto, normativa para a vida e a fé da igreja.
Inicialmente foram reunidos os quatro evangelhos e as epístolas paulinas, o livro de Atos
dos Apóstolos servindo como ligação entre ambas as coleções. Por último, foram
acrescentadas as epístolas gerais (Hebreus a Judas) e o Apocalipse. Os critérios de inclusão
no cânon foram os da apostolicidade, ortodoxia e aceitação geral. Alguns livros levaram
mais tempo para ser aceitos do que outros.
B. Os Pais Apostólicos
O final do primeiro século e o início do segundo marcam também o início da era dos pais
da igreja. Trata-se dos antigos autores cristãos que com seus escritos instruíram as igrejas,
articularam a doutrina cristã e combateram desvios teológicos do seu tempo. Eles podem
ser entendidos como os campeões ortodoxos da igreja e os expositores da sua fé. O estudo
dos pais da igreja geralmente é designado por dois termos correlatos: patrística e patrologia.
A patrística refere-se ao estudo do pensamento dos pais, da sua teologia, e a patrologia é o
estudo histórico dos próprios personagens e da sua obra.
O conjunto dos primeiros escritos cristãos posteriores ao Novo Testamento é conhecido
pelo nome de “pais apostólicos.” Eles são designados de “apostólicos” porque surgiram
pouco depois dos apóstolos e revelam uma certa conexão com eles. É importante observar
que a expressão “pais apostólicos” não designa somente indivíduos, mas também
documentos anônimos. O período aproximado em que foram produzidos vai de 95 a 150
DC.
Os pais apostólicos não contêm nenhuma teologia elaborada. São antes declarações simples
13
e piedosas das verdades fundamentais da fé, ditadas principalmente por um interesse
pastoral. As principais características desses autores e documentos são as seguintes:
NOS DOCUMENTOS DOS PAIS APOSTÓLICOS HAVIA
Ausência de elaborações filosóficas.
Grande reverência pelo Antigo Testamento.
Interpretação tipológica (e alegórica) das Escrituras.
Familiaridade com as formas literárias do Novo Testamento.
Preocupação pastoral e prática: exortação à paz, unidade e
pureza da igreja; ênfase ao episcopado; celebração do martírio.
A maior parte dos pais apostólicos é constituída de literatura epistolar, ou seja, cartas. Dois
deles correspondem a outros gêneros, um à literatura apocalíptica e outro à literatura
catequética. A relação completa é a seguinte:
> Clemente de Roma (c. 30-100), um dos bispos da igreja de Roma, escreveu em nome da
sua igreja à igreja co-irmã de Corinto, exortando os crentes a serem submissos aos seus
presbíteros. Essa epístola, conhecida como I Clemente, foi escrita por volta do ano 95.
> Inácio, o bispo de Antioquia da Síria, foi condenado à morte por volta do ano 110 e
levado a Roma para ser executado. Durante a viagem, escreveu cartas às igrejas de
Eféso, Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna e a seu colega Policarpo.
Preocupações dominantes: o martírio iminente do autor, a unidade da igreja e os
movimentos heréticos e cismáticos.
> Policarpo (c. 70-155), bispo de Esmirna, escreveu uma carta aos filipenses por volta de
110, contendo exortações práticas. Policarpo foi martirizado no reinado do imperador
Antonino Pio.
> Papias (c. 60-c.130), bispo de Hierápolis, na Frígia, escreveu “Interpretações dos Ditos
do Senhor”, sobre a vida e as palavras de Cristo. Essa obra só é conhecida através de
trechos preservados por Irineu de Lião e Eusébio de Cesaréia.
> Epístola de Barnabé (c. 130): escrita por um cristão anônimo de Alexandria, afirma a
suficiência de Cristo em relação à lei de Moisés; utiliza amplamente tipologia e
alegoria.
> O Pastor, de Hermas (c. 150): baseado no Apocalipse, tem um objetivo moral e prático,
dando ênfase ao arrependimento e a uma vida de santidade.
> II Epístola de Clemente aos coríntios (c. 150): não foi escrita por Clemente, nem é uma
carta, e sim um sermão ou homilia do segundo século.
> Didaquê ou O Ensino dos Doze Apóstolos (2° séc.): é um manual de instrução para a
igreja, abordando ensinos éticos, normas litúrgicas, os oficiais da igreja e questões
disciplinares. É muito útil para o estudo da igreja sub-apostólica.
> Epístola a Diogneto (c. 200): foi escrita por um autor anônimo a um destinatário
desconhecido (tutor de Marco Aurélio?). Tem caráter apologético (=defesa racional do
cristianismo) e às vezes é incluída entre os pais apologistas (ver adiante).
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Os alunos que desejarem ler na íntegra, em português, esses importantes escritos, poderão
encontrá-los na Coleção Patrística (São Paulo: Paulus Editora), vols. 1 e 2.
C. Desafios Enfrentados
Como já foi apontado, a igreja desde cedo defrontou-se com formidáveis desafios, tanto
dentro de suas fileiras quanto fora das mesmas.
1. Desafios internos: os principais desafios internos do segundo e terceiro séculos foram
algumas interpretações da fé cristã consideradas heterodoxas pelo grupo majoritário. As
principais foram as seguintes:
>Docetismo: era o entendimento de que Jesus Cristo não havia de fato assumido uma
natureza humana, corpórea. Antes, ele tinha apenas uma aparência de humanidade (daí,
docetismo, do grego dokéo = parecer), sendo uma espécie de fantasma ou aparição.
Essa posição já é condenada nas epístolas joaninas (ver 1 João 4.2; 2 João 7). As cartas
de Inácio de Antioquia contêm muitas condenações do docetismo.
>Gnosticismo: foi uma filosofia religiosa de natureza altamente especulativa que surgiu
no primeiro século, mas tornou-se uma grande ameaça para o cristianismo majoritário a
partir de meados do século II (c. 130-160). Partindo de uma concepção dualista acerca
do mundo (espírito x matéria), propôs uma reinterpretação radical da fé cristã, negando
doutrinas como a criação, a encarnação e a ressurreição. A salvação vinha através do
conhecimento (gnosis) acerca da verdadeira origem e destino da alma. Esse
conhecimento mais profundo era transmitido somente aos iniciados. Havia várias
modalidades de gnosticismo (sírio, egípcio, judaizante).
>Marcionismo: Márcion foi um cristão do Ponto, na Ásia Menor, que chegou a Roma
por volta do ano 144. Partilhando da cosmovisão gnóstica, ele propôs uma
descontinuidade radical entre a velha e a nova dispensação (o cristianismo não tinha
nada em comum com o judaísmo, sendo uma religião inteiramente nova). Assim sendo,
ele rejeitou por completo o Velho Testamento e o seu Deus, Jeová, tido como uma
divindade inferior, o criador da matéria. Em contraste com Jeová (um ser justiceiro e
vingativo), o Deus verdadeiro, o Pai de Jesus Cristo, é um Deus plenamente amoroso e
perdoador, que não condena ninguém. Portanto, no fim todos irão se salvar. Márcion foi
o primeiro indivíduo na história da igreja a elaborar uma lista de escritos cristãos
normativos. O seu cânon continha apenas o evangelho de Lucas e as cartas de Paulo às
igrejas (sem as pastorais), tendo excluídas as suas referências ao Velho Testamento. O
cânon marcionita forçou a igreja a elaborar a sua própria lista de livro autorizados, ou
seja, o Novo Testamento.
>Montanismo: esse antigo movimento de natureza entusiástica ou carismática,
autodenominado “nova profecia”, surgiu na Frígia, Ásia Menor, na década de 170. Foi
iniciado por um cristão chamado Montano, que era acompanhado de duas profetizas,
Priscila e Maximila. Montano considerava-se o instrumento especial do Paracleto (o
Espírito Santo) e anunciou o iminente fim do mundo e a descida da Nova Jerusalém em
sua região, a Frígia. O montanismo foi um protesto contra o crescente mundanismo da
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igreja e, devido a seus rigorosos padrões morais, atraiu a simpatia do grande intelectual
cristão Tertuliano, sobre o qual falaremos adiante.
>Monarquianismo: no segundo século houve intensa reflexão sobre a teologia do Logos
(Cristo como o Verbo) e suas implicações. Vários pensadores cristãos, na ânsia de
defender a convicção básica do monoteísmo ou a unidade do Ser Divino (daí,
“monarquia”, isto é, governo de um só), acabaram por negar a divindade ou a
personalidade distinta do Filho e do Espírito Santo. Houve duas manifestações básicas:
(a) Monarquianismo Dinâmico: afirmava que Jesus era um homem comum que foi
adotado por Deus na ocasião do seu batismo, sendo revestido do poder divino (daí,
“dinâmico”, de dynamis = poder). Essa posição, abraçada pelos ebionitas e por Paulo de
Samósata, também é chamada de adocionismo. (b) Monarquianismo Modalista:
afirmava que Pai, Filho e Espírito Santo são três modos ou manifestações sucessivas
(não simultâneas) do único Deus. Também é conhecido como sabelianismo, por causa
de um de seus defensores (Sabélio). Uma variante dessa posição é o patripassianismo, a
noção de que o próprio Pai sofreu na cruz (defendida por Práxeas e Noeto).
2. Desafios externos: no segundo e terceiro séculos, além dos questionamentos internos, o
jovem movimento cristão enfrentou formidáveis ameaças externas.
Em primeiro lugar, houve o recrudescimento das perseguições por parte do Império
Romano. A bem da verdade, é preciso observar que, com algumas exceções, essas
perseguições não foram contínuas nem generalizadas. As causas iam desde as habituais
alegações de incesto (por causa da ênfase no amor fraternal), canibalismo (por causa da
Ceia do Senhor) e ateísmo (pela negação dos deuses), até acusações mais especificamente
políticas de subversão, falta de patriotismo e deslealdade ao império, principalmente em
virtude da recusa dos cristãos em participar do culto imperial.
Duas perseguições intensas, mas localizadas, ocorreram nos reinados de Marco Aurélio e
Sétimo Severo. A primeira atingiu as igrejas de Lião e Viena, na Gália, no ano 177; a
segunda abateu-se sobre o Egito e Cartago nos anos 202-206. Alguns mártires famosos
foram Justino, Potino, Blandina, Perpétua e Felicidade. Muito mais grave foi a perseguição
geral movida pelo imperador Décio em 250-251. Decidido a impor em todas as regiões o
culto imperial, Décio exigiu que todos tivessem um certificado de sacrifício (libellus).
Muitos cristãos foram martirizados e outros conseguiram sobreviver aos maus tratos (os
confessores). Muitos outros negaram a fé: alguns simplesmente ofereceram o sacrifício e
ficaram conhecidos como sacrificati; outros, os libellatici, compraram certificados falsos.
Passada a perseguição, muitos desses relapsos procuraram reingressar na igreja, gerando
um sério problema pastoral para os bispos.
Em dois longos períodos de paz no terceiro século (206-250 e 260-303), a igreja
experimentou um crescimento sem precedentes. Finalmente, no início do quarto século,
ocorreu a última e a maior de todas as perseguições, sob os imperadores Diocleciano e
Galério (303-311). Foram publicados editos ordenando em toda parte a destruição das
igrejas e de cópias das Escrituras. Os cristãos que entregaram essas cópias ficaram
conhecidos como traditores (= traidores). Dessa época data o cisma donatista, no norte da
África. Os cismáticos, dentre os quais um certo Donato, alegaram que uma determinada
16
consagração episcopal foi inválida porque um dos bispos consagrantes teria sido um
traditor. O cisma donatista durou mais de um século, criando uma igreja paralela à igreja
católica.
Outro desafio externo enfrentado pela igreja na era anterior a Constantino foram os ataques
de ilustres intelectuais pagãos como Luciano de Samosata, Galeno e Celso na segunda
metade do século II, e Porfírio, no terceiro século. Numa época em que o cristianismo
crescia a olhos vistos e incomodava seriamente o paganismo, esses homens cultos
escreveram obras influentes em que os cristãos eram acusados de serem ignorantes,
supersticiosos e inimigos da cultura e do conhecimento.
D. A Defesa da Fé
Rapidamente surgiram no seio da igreja respostas de pensadores cristãos a esses desafios.
Os defensores intelectuais do cristianismo no segundo e terceiro séculos ficaram
conhecidos como os apologistas e os polemistas.
1. Os apologistas (de apologia = discurso de defesa) surgiram um pouco depois dos pais
apostólicos, já estudados nesta aula. Quase todos viveram na segunda metade do
segundo século. Suas características gerais são as seguintes: eram convertidos do
paganismo ou do judaísmo, enfrentaram ataques externos, usaram principalmente o
Antigo Testamento, defenderam ou explicaram o cristianismo e utilizaram formas
literárias apologéticas ou dialógicas. Dirigiram os seus escritos às autoridades, bem
como a judeus e a intelectuais pagãos, defendendo os cristãos das muitas acusações que
lhes eram feitas.
>Os apologistas foram os seguintes: Quadrato, Aristides, Justino Mártir, Taciano,
Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Melito de Sardes e Hegésipo. O mais
destacado deles foi Justino Mártir (100-165), um filósofo cristão que viveu em Roma e
escreveu duas apologias e o Diálogo com Trifão, o Judeu. Taciano, seu discípulo,
escreveu uma harmonia dos evangelhos, o Diatessaron, e um Discurso aos Gregos.
Atenágoras escreveu a belíssima Súplica pelos Cristãos e Teófilo produziu a longa
apologia A Autólico. Algumas dessas obras podem ser encontradas na já mencionada
Coleção Patrística, vols. 2 e 3.
2. Os polemistas: outro grupo de defensores da fé foram os chamados polemistas, que
viveram no final do segundo século e primeira metade do terceiro. Em geral, tiveram
maior estatura intelectual que os apologistas e foram mais agressivos do que eles em
seus escritos (daí “polemistas”, do grego pólemos = guerra). Alguns deles dirigiram-se
contra intelectuais pagãos; mais comumente, porém, voltaram-se contra falsos ensinos
dentro da igreja. Esses pais da igreja viveram em três regiões distintas do Império
Romano: Gália, Cartago (norte da África) e Egito. Os mais importantes foram Irineu de
Lião, Tertualiano, Cipriano, Clemente de Alexandria e Orígenes. Outros menos
conhecidos foram Hipólito, Júlio Africano e Gregório Taumaturgo.
>Irineu (c.135-c.200) foi bispo de Lião, no sul da Gália (atual França), e escreveu em
grego uma monumental obra contra os gnósticos, intitulada Contra as Heresias. Quase
na mesma época viveu em Cartago, uma colônia romana no norte da África, Tertuliano
(c.160-c.220), o primeiro escritor cristão a utilizar o latim e por isso chamado de “pai da
17
teologia latina”. Entre suas obras polêmicas, destacam-se Prescrição aos Hereges,
Contra Márcion e Contra Práxeas, na qual antecipou a doutrina da trindade. No final
da sua vida, aderiu ao movimento montanista. Outro importante escritor de Cartago foi
o bispo Cipriano (c.200-258), que ressaltou a importância do episcopado e morreu
como mártir. Em Alexandria, no Egito, foi fundada uma famosa escola catequética que
teve como seus grandes líderes Clemente de Alexandria (c.150-c.215) e o
extraordinário Orígenes (c.185-c.254), o mais influente pensador cristão do seu tempo e
autor da obra Dos Primeiros Princípios, a primeira teologia sistemática, e de uma obra
polêmica, Contra Celso, além de muitíssimos outros livros.
E. A Vida da Igreja
No início do quarto século, o culto cristão estava mais formalizado e dotado de uma liturgia
elaborada, principalmente no que concerne à celebração dos sacramentos. O batismo era
precedido de uma longa preparação, o catecumenato, e geralmente ocorria na Páscoa ou no
Pentecostes. Podia ser ministrado por imersão ou por efusão (água derramada sobre a
cabeça). Já havia se difundido a convicção de que esse rito literalmente purificava os
pecados da pessoa batizada. A santa ceia ou eucaristia havia se tornado a principal
celebração cristã, sendo entendida como um sacrifício. Portanto, os seus oficiantes eram
vistos como sacerdotes distintos dos demais cristãos, os leigos. A organização da igreja
havia se tornando fortemente hierárquica, sob a firme liderança dos bispos. No final desse
período, os cristãos também começaram a construir os seus primeiros templos. Em Roma,
os cristãos reuniam-se nas catacumbas, locais onde também sepultavam os seus mortos.
No final do período que estamos estudando (início do quarto século), o cristianismo já
estava firmemente implantado em várias regiões do norte da África, inclusive o Egito, bem
como na Síria, Armênia, Mesopotâmia, toda a Ásia Menor, a península grega, Itália, sul da
Gália e sul da Espanha. Também já havia cristãos ao sul dos rios Reno e Danúbio e até
mesmo na longínqua Britânia. Em outras palavras, a fé cristã já havia alcançado quase
todas as regiões do vasto Império Romano e no oriente ultrapassava as suas fronteiras. Não
houve missionários famosos nesse período: a fé era difundida pelos cristãos comuns em
seus contatos com outras pessoas e povos. A igreja era composta de indivíduos de todas as
classes sociais, desde escravos até nobres.
Implicações Práticas
Esse foi um período heróico da igreja antiga, em que os cristãos procuravam viver a vida
cristã e testemunhar acerca da sua fé em meio a circunstâncias freqüentemente adversas.
Sua coragem e coerência no meio das perseguições e perplexidades do seu tempo nos
inspiram e motivam a “viver de modo digno do evangelho” e a “lutar juntos pela fé
evangélica” (Filipenses 1.27) nos dias atuais.
O esforço tanto dos grandes intelectuais cristãos quanto dos crentes comuns dos primeiros
séculos, no sentido de comunicar as suas convicções aos seus contemporâneos e dar uma
contribuição construtiva à sua sociedade, nos desperta para as grandes oportunidades e
responsabilidades que temos em nossa geração.
A Igreja Imperial (313-590)
18
1. A Grande Transição
No ano 313, ocorreu um evento extraordinário que mudou drasticamente os rumos da
história da igreja. Esse evento foi o decidido apoio do imperador Constantino ao
cristianismo. Constantino havia começado a governar em 308, mas só em 312 ele
conseguiu vencer o seu rival Maxêncio, na batalha da Ponte Mílvia, perto de Roma,
tornando-se o único imperador da parte ocidental do império. Pouco antes da batalha ele
tivera o famoso sonho em que viu as duas primeiras letras do nome de Cristo em grego (χρ
= chi-rho) e as palavras “Com este sinal vencerás”. No ano seguinte, ele e Licínio, o
dirigente da seção oriental do império, se encontraram e promulgaram um decreto que ficou
conhecido como Edito de Milão. Esse famoso decreto legalizou o cristianismo, fez cessar
as perseguições e deu ampla liberdade religiosa a todas as pessoas.
Constantino passou a fazer generosas concessões à igreja e seus líderes, em termos de
doação de propriedades, isenção de tributos e outros privilégios. Um importante cronista
dessa época foi Eusébio de Cesaréia, que escreveu História Eclesiástica (300-325), a
primeira história da igreja. Em troca dos benefícios concedidos à igreja, Constantino sentiu-
se no direito de intervir em questões eclesiásticas, como no caso da controvérsia ariana, que
veremos a seguir. Começou assim o complexo e por vezes tumultuado relacionamento entre
a igreja e o estado que dura, de uma forma ou de outra, até os nossos dias.
Na segunda metade do século IV, o imperador Juliano (361-63), cognominado “o apóstata”
por ter abandonado a fé cristã, fez a última tentativa de restaurar o paganismo. Duas
décadas depois, o imperador Teodósio I (379-95), um espanhol, tornou o cristianismo
“católico” a religião oficial do Império Romano (ano 380). No século seguinte, o Império
Romano ocidental (latino) entrou em declínio acentuado. No ano 476, o general germânico
Odoacro destronou Rômulo Augústulo, o último imperador do ocidente. No oriente grego,
o império continuou a existir por muitos séculos, tendo sua capital em Constantinopla ou
Bizâncio e sendo conhecido como Império Bizantino. Um notável líder desse império foi
Justiniano (527-565).
2. A Controvérsia Ariana (4o
. século)
Por volta do ano 318, Ário, um presbítero de Alexandria (Egito), começou a ensinar que
Cristo, o Filho de Deus, foi criado pelo Pai antes da existência do mundo, sendo portanto
inferior ao Pai, mas superior aos seres humanos. Esse ensino gerou uma enorme
controvérsia em toda a igreja. Constantino, temendo pela estabilidade política do império,
convocou um concílio de bispos para resolver essa e outras questões. O Concílio de Nicéia,
na Ásia Menor, reuniu-se em 325, sendo presidido pelo próprio imperador. Depois de
muitas discussões, o concílio aprovou um credo, o Credo de Nicéia, que afirmou a
divindade de Jesus Cristo e condenou as posições arianas. Uma palavra importante e
controvertida dessa declaração foi homoousios, isto é, “consubstancial”. Cristo partilha da
mesma substância que o Pai. Estava assim definida a doutrina da trindade, ou seja: o Pai, o
Filho e o Espírito Santo são três “pessoas” que compartilham da mesma “substância” ou
essência divina, sendo, portanto, um só Deus.
Mais tarde, sempre por razões políticas, Constantino e seus filhos apoiaram a posição
condenada, o arianismo, gerando grande problemas para a igreja, até que, como vimos
19
acima, o imperador Teodósio oficializou o cristianismo trinitário, niceno. No ano seguinte,
Teodósio convocou o Concílio de Constantinopla (381), que reafirmou plenamente as
decisões do Concílio de Nicéia. Esse concílio aprovou um novo credo que expandiu as
declarações de Nicéia e afirmou explicitamente a divindade do Espírito Santo (Credo
Niceno-Contantinopolitano). Na grande luta em defesa das decisões de Nicéia, destacaram-
se quatro importantes pais da igreja oriental: Atanásio (328-373), bispo de Alexandria, que
escreveu as obras Sobre a Encarnação do Verbo e Discursos Contra os Arianos (e foi
exilado cinco vezes por causa de suas posições), e três bispos e teólogos da Ásia Menor,
conhecidos como os três capadócios: Basílio de Cesaréia (†379), Gregório de Nazianzo
(†c.389) e Gregório de Nissa (†c.394).
3. As Controvérsias Cristológicas (5o
. século)
No século V foi discutido um novo problema teológico: como se relacionam as duas
naturezas de Cristo, a divina e a humana. Havia duas posições divergentes. Uma delas era
representada pela Escola de Alexandria, surgida no terceiro século. Os alexandrinos eram
adeptos do método alegórico de interpretação das Escrituras, procurando ver no texto
significados ocultos, místicos. No que diz respeito a Cristo, entendiam que o Verbo uniu-se
à carne, sendo uma pessoa plenamente integrada. Acentuavam, pois, a divindade de Cristo,
em detrimento da sua humanidade. Desse raciocínio, resultaram duas posições que foram
condenadas pela igreja. Apolinário de Laodicéia afirmava que Jesus era uma combinação
de alma divina (ou Logos = Verbo) e corpo humano. Eutiques, um monge de
Constantinopla, afirmou que as duas naturezas fundiram-se em uma só, a divina (daí o
nome dessa posição: monofisismo = uma só natureza).
Do outro lado estava a Escola de Antioquia, surgida no século IV. Essa escola dava mais
ênfase ao sentido literal da Escritura, evitando a interpretação alegórica. Afirmava que
Cristo tinha uma plena natureza divina e uma plena natureza humana. O problema estava na
tendência de dividir em duas a pessoa de Cristo. A posição clássica foi defendida por
Nestório, patriarca de Constantinopla (428-431). Ele afirmava com tanta ênfase a distinção
das duas naturezas que dava a impressão de ensinar que havia duas pessoas em Cristo
(divina e humana). Por isso, enquanto os alexandrinos afirmavam que Maria era theotokos
= “portadora de Deus”, Nestório dizia que ela era somente christotokos = “portadora ou
mãe de Cristo”.
Nestório encontrou um adversário extremamente agressivo na pessoa de Cirilo, patriarca de
Alexandria (412-444). Para tentar resolver a disputa, foi convocado o Concílio de Éfeso
(431). As posições eram tão antagônicas que os dois grupos tiveram de reunir-se
separadamente e excomungaram um ao outro. Finalmente, o imperador Teodósio II
interveio, tomou o partido de Cirilo e baniu Nestório. Vinte anos depois, o imperador
Marciano convocou o importante Concílio de Calcedônia (451) para resolver a questão de
uma vez por todas. A célebre Definição de Calcedônia afirmou a plena divindade e a plena
humanidade de Cristo, duas naturezas em uma só pessoa divino-humana. Contribuiu para
essa decisão um documento enviado pelo bispo de Roma, Leão I (440-461), conhecido
como o Tomo de Leão. Adotando uma posição intermediária entre Alexandria e Antioquia,
o Concílio de Calcedônia condenou formalmente as três posições mencionadas acima:
apolinarianismo, eutiquianismo e nestorianismo.
20
4. Invasões Germânicas e Missões
No século IV, vários povos que habitavam a Europa oriental começaram a invadir o
Império Romano ocidental. Em 378, os visigodos derrotaram e mataram o imperador
Valêncio. Poucas décadas depois, sob o comando de Alarico, saquearam a própria cidade
de Roma (410). Também invadiram a Gália e o sul da Espanha. Os famigerados vândalos
invadiram a Gália, a Espanha e o norte da África, e saquearam Roma em 455. Outros
invasores foram os hunos, vindos das estepes da Ásia central e comandados pelo célebre
Átila, “o flagelo de Deus”. Também foram importantes as ações dos anglos e saxões, que
invadiram a Britânia (Inglaterra) no ano 449. Esses e outros povos eventualmente deram
origem às modernas nações européias.
Alguns desses povos já haviam sido cristianizados quando invadiram o Império Romano.
Foi o caso dos godos do baixo Danúbio ou visigodos, que foram evangelizados por Ulfilas
(c. 311-383), cuja mãe era daquele povo. Ulfilas traduziu as Escrituras para a língua gótica
e, sendo um adepto do arianismo, transmitiu essa concepção da fé aos visigodos. Na França
central, um dos primeiros missionários foi
Martinho de Tours (†397) e a Irlanda foi evangelizada por Patrício (c.415-c.493), a partir
de 460 (início do cristianismo celta). A primeira nação germânica a abraçar o cristianismo
católico, ou seja, trinitário, foram os francos, mediante a conversão do rei Clóvis em 496.
Sua esposa, Clotilde, já era uma cristã. Até 590, a maior parte das tribos germânicas havia
deixado o arianismo em favor do catolicismo. Na Escócia, foi muito atuante o irlandês
Columba (c.521-597), que, acompanhado de monges celtas, fundou um influente centro
missionário na pequena ilha de Iona (557). Esse centro enviou missionários à Escócia,
Inglaterra, França, Alemanha e Suíça.
5. Quatro Grandes Vultos
Os séculos IV e V são chamados a “idade de ouro” dos pais da igreja. No final do século IV
e início do V viveram quatro líderes e escritores cristãos especialmente importantes. Dois
deles foram notáveis pregadores, um no ocidente latino e o outro no oriente grego. O
primeiro foi Ambrósio, bispo de Milão (374-397), no norte da Itália, que ficou conhecido
pela maneira corajosa como enfrentou o imperador Teodósio por causa de um massacre
ocorrido em Tessalônica. O outro foi o não menos ousado João Crisóstomo, patriarca de
Constantinopla (397-407), o maior pregador da igreja antiga e por isso mesmo apelidado de
Crisóstomo, ou seja, “boca de ouro”. Por causa de sua pregação profética, foi banido pela
imperatriz Eudóxia e morreu no exílio.
Os outros dois vultos eminentes do período foram Jerônimo e Agostinho. Jerônimo (331-
420) foi o maior erudito da igreja ocidental antiga. Depois de muitos estudos, no oriente,
tornou-se secretário do papa Dâmaso, que o incentivou a fazer uma nova tradução da Bíblia
para o latim. Passou os últimos trinta e cinco anos de sua vida num mosteiro em Belém,
onde escreveu seus comentários bíblicos e concluiu a tradução da Vulgata Latina, a Bíblia
oficial da Igreja Católica. Agostinho (354-430) converteu-se em Milão em 386,
influenciado pela pregação de Ambrósio, e tornou-se bispo de Hipona, no norte da África,
em 395. É considerado o maior dos pais da igreja e muito influenciou os reformadores
protestantes. Das 94 obras que escreveu, as mais conhecidas são as Confissões e A Cidade
de Deus, esta última já referida na aula de introdução. Agostinho lutou fortemente contra os
21
cismáticos donatistas e contra Pelágio, um monge inglês que afirmava que o homem nasce
essencialmente bom e é capaz de fazer o bem sem o auxílio de Deus. Agostinho, ao
contrário, afirmou que o ser humano está morto no pecado e, portanto, a salvação provém
inteiramente da graça de Deus, sendo concedida apenas aos eleitos.
6. A Vida Cristã
No período antigo surgiu uma instituição que haveria de tornar-se imensamente importante
na história posterior da igreja: o monasticismo. Desde os primeiros séculos, muitas pessoas
sentiram a necessidade de viver uma vida de renúncia e total consagração a Deus,
inspiradas por passagens do Novo Testamento como a história do moço rico (Mateus 19.21;
ver também Lucas 14.33). Os primeiros monges surgiram no terceiro século e viviam sós
nos desertos. Os mais conhecidos desses antigos “eremitas” (de éremos = deserto) ou
anacoretas (de anachorein = afastar-se) foram Antônio ou Antão, no Egito (†356), e
Simeão Estilita, na Síria (†459). Este último foi chamado de estilita porque viveu trinta
anos em cima de uma coluna (em grego, stylos).
Ao mesmo tempo, surgiu uma nova modalidade, o monasticismo comunitário, que veio a
tornar-se predominante tanto no oriente como no ocidente. Esses monges eram chamados
de cenobitas (de koinós bíos = vida comum). O primeiro cenóbio foi fundado por Pacômio
(†346), no Egito. Dois grandes líderes monásticos foram, no oriente, Basílio de Cesaréia, e
no ocidente, Bento de Núrsia (c.480-c.550). Este último escreveu a famosa regra
beneditina, que por séculos orientou a vida dos mosteiros. A regra disciplinava a vida diária
dos monges em torno de três atividades: devoção, estudo e trabalho. Muitos dos
personagens que já vimos foram monges, submetendo-se aos três votos clássicos de
pobreza, castidade e obediência.
No período que estamos estudando, o culto cristão tornou-se fortemente estruturado, com
liturgias e orações formais. Deu-se grande ênfase à música, com coros, cânticos e antífonas.
No século IV, foi composto o Te Deum (= A ti, ó Deus), um dos hinos litúrgicos mais
conhecidos. O culto tornou-se solene e impressionante e também a arquitetura religiosa,
com o surgimento das majestosas basílicas. Intensificou-se o culto aos santos, os antigos
mártires da igreja, bem como a Maria, especialmente após as controvérsias cristológicas,
que deram ênfase a Maria como theotokos, a portadora ou mãe de Deus. Também
popularizaram-se as peregrinações a lugares considerados santos e a veneração de relíquias.
7. Organização Eclesiástica
Esse período testemunhou o crescente fortalecimento dos bispos e dos concílios em que se
reuniam. Os bispos das capitais provinciais passaram a ser chamados de metropolitanos
(arcebispos). Os bispos das igrejas mais importantes e antigas – Roma, Constantinopla,
Alexandria, Antioquia e Jerusalém – receberam o título de patriarcas. Outra característica
marcante do período foi a afirmação da supremacia dos bispos de Roma. Isso resultou de
um longo processo em que esses bispos foram fazendo reivindicações cada vez mais
ousadas sobre sua autoridade.
Os principais fatores que contribuíram para o surgimento do papado foram: a insistência no
primado de Pedro (Mateus 16.17-19), que teria sido o primeiro bispo de Roma, e a alegação
de que essa autoridade foi transmitida aos seus sucessores; o suposto martírio de Pedro e
22
Paulo em Roma; a importância da cidade e da igreja de Roma; as declarações de
governantes em apoio às pretensões papais; a rápida aceitação dessa autoridade no
ocidente, devido à falta de concorrentes; o declínio do Império do ocidente, tornando a
igreja a instituição mais importante da sociedade; a habilidade de muitos bispos de Roma
como teólogos, administradores e promotores da obra missionária. O fato é que no século V
houve a aceitação geral do primado de Pedro, sendo Leão I (440-461) considerado o
primeiro papa no sentido pleno da palavra. Essas reivindicações encontraram forte
resistência no oriente, sendo um dos fatores da futura separação entre as igrejas oriental
(ortodoxa) e ocidental (católica).
Implicações Práticas
Embora o texto da aula não fale muito sobre o assunto, uma das características da igreja
antiga foi o profundo interesse pelas Escrituras. Pais da igreja como Irineu, Orígenes,
Jerônimo e Agostinho dedicaram as suas vidas ao estudo reverente da Palavra de Deus.
Teodoro de Mopsuéstia (c.350-428), da Escola de Antioquia, é considerado o maior
exegeta da igreja antiga. João Crisóstomo destacou-se pelas suas pregações profundamente
bíblicas, expositivas. E outros ainda, como vimos, dedicaram-se à tarefa de traduzir as
Escrituras. Que o seu exemplo nos estimule a valorizar a Palavra e interpretá-la de modo
equilibrado.
Ao estudar este período, podemos ficar perplexos diante do surgimento de crenças e
práticas que não nos parecem corretas. Ficamos nos perguntando porque Deus permitiu que
as coisas tomassem certos rumos. A história da igreja é importante porque mostra os
acertos e os erros da igreja em sua caminhada no mundo. Nós também cometemos erros e
temos as nossas próprias divergências teológicas. Precisamos pelo menos entender como
certas coisas aconteceram, mesmo que não concordemos com elas. Por outro lado, seria um
erro nos concentrar nos desvios e esquecer as coisas positivas. Os reformadores
protestantes do século XVI souberam valorizar as contribuições positivas da igreja antiga.
A Igreja no Início da Idade Média (590-1073)
Inicialmente, cabem duas observações sobre o título desta aula. Primeiro, o mais correto
seria dizer “A igreja na primeira metade da Idade Média”, pois o período indicado é de
quase quinhentos anos. Segundo, o ano do final do período é um pouco diferente do que foi
colocado na Introdução (1054). No final da aula, vocês verão por quê. A Idade Média, que
tem esse nome por estar entre a Idade Antiga e a Moderna, com freqüência tem má
reputação como a “idade das trevas”. Muitos acham que foi uma época em que só houve
ignorância, superstições e retrocesso. Todavia, esse longo período da história também teve
coisas muito apreciáveis, especialmente na sua segunda metade, como veremos na próxima
aula.
O início da Idade Média coincide com o pontificado do grande bispo de Roma que foi
Gregório Magno (590-604), considerado um dos “doutores da igreja,” ao lado de
Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. Ele foi o primeiro monge a tornar-se papa. Foi um
homem de grande integridade pessoal e um notável administrador cujas ações aumentaram
o poder temporal do papado, ampliaram a ação missionária da igreja (como veremos
adiante) e influenciaram o monasticismo e a liturgia católica (“canto gregoriano”). Gregório
escreveu uma obra de teologia prática, Livro do Cuidado Pastoral, um manual de
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aconselhamento que foi muito utilizado durante toda a Idade Média. Cerca de trinta anos
após a sua morte, houve um acontecimento de grande importância que afetou
profundamente o cristianismo.
1. O Surgimento do Islamismo
Esse acontecimento foi o surgimento, na Península Arábica, de uma combativa religião
rival do cristianismo. O islamismo foi fundado por Maomé (†632), um mercador de Meca,
na atual Arábia Saudita, que em suas viagens teve muitos contatos com judeus e cristãos,
sendo por eles influenciado em suas concepções religiosas. Uma dessas influências foi o
rígido monoteísmo que caracteriza o islã, que significa “submissão” à vontade de Deus
(Alá). Seu livro sagrado, o Corão, faz muitas referências ao Velho Testamento e considera
Jesus um dos profetas de Deus, sendo Maomé o último e principal deles. O grande feito de
Maomé foi unir as tribos árabes, que antes eram politeístas e viviam guerreando entre si,
em torno dessa nova religião monoteísta.
Empolgados com a sua nova fé, a partir de 632, o ano da morte de Maomé, os exércitos
muçulmanos começaram a conquistar todo o norte da África e o Oriente Médio. Foi uma
trágica perda para o cristianismo, pois essas regiões tinham tido florescentes centros
cristãos desde os primórdios da história da igreja. Entre os lugares conquistados estavam a
Numídia, onde viveram Tertuliano, Cipriano e Agostinho; o Egito, lugar da Escola de
Alexandria, com seus grandes luminares, Clemente e Orígenes; e a Síria, onde havia
florescido a Escola de Antioquia. Em 711, os maometanos atravessaram o Estreito de
Gibraltar e invadiram a Península Ibérica (Espanha). Aliás, Gibraltar significa “rocha de
Tarik”, numa referência ao comandante dos exércitos invasores. Assim, teve início uma
presença muçulmana na Espanha que haveria de durar por muitos séculos. Em seguida, os
mouros atravessaram os Pirineus e entraram na França, mas foram finalmente derrotados
pelo rei Carlos Martelo em Tours, em 732.
2. Atividade Missionária
A primeira metade da Idade Média caracterizou-se por intensa atividade missionária. Foi
nesse período que completou-se a evangelização ou cristianização da Europa,
principalmente no norte e no leste. Como vimos na aula anterior, em 449 os anglos e os
saxões haviam invadido a Britânia ou Bretanha. A população local, os bretões, foi expulsa
para o ocidente da ilha. Os bretões eram cristãos (celtas), mas os invasores ainda eram
pagãos. O papa Gregório I viu nisso uma grande oportunidade missionária e enviou para lá,
em 597, um monge chamado Agostinho, acompanhado de 40 outros monges.
Eventualmente, houve a conversão do rei Etelberto de Kent, cuja esposa, Berta, havia se
convertido anteriormente. Agostinho tornou-se arcebispo de Cantuária (Canterbury). Com
isso, passaram a coexistir na Inglaterra dois tipos de cristianismo: o antigo cristianismo
celta e agora o catolicismo romano. A situação foi resolvida em 663, quando o Sínodo de
Whitby unificou o cristianismo inglês sob a autoridade do papa.
Assim como no século VI Columba havia fundado o centro missionário de Iona, no século
VII Aidano fundou um centro semelhante do outro lado da Escócia, em Lindisfarne. Porém,
o mais extraordinário missionário irlandês foi Columbano (†c. 614), que pregou na França,
na Alemanha e na Suíça, chegando até o norte da Itália. Na Frísia (atual Holanda) trabalhou
Willibrord, que tornou-se arcebispo de Utrecht em 695, e na vizinha Germânia (Alemanha)
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o inglês Bonifácio (680-755), o maior missionário do seu tempo. A Dinamarca e a Suécia
foram evangelizadas pelo francês Ansgar (801-865), “o apóstolo do norte”. Já os primeiros
missionários aos eslavos (Morávia) foram os gregos Cirilo e Metódio, no século IX. Em
todo esse longo período de desbravamento, os mosteiros realizaram um admirável trabalho
nas áreas de missões, cultura e beneficência.
3. O Império dos Francos
Já vimos que os francos foram a primeira tribo germânica a abraçar o cristianismo católico,
sob a liderança do rei Clóvis. Esse rei iniciou a dinastia dos merovíngios, que foi
suplantada no século VIII por uma nova dinastia de líderes franceses, os carolíngios, o
primeiro dos quais foi Pepino de Heristal. Como vimos acima, seu filho Carlos Martelo
(714-41) derrotou os muçulmanos na batalha de Tours. O filho deste, o rei Pepino, o Breve
(741-68), conquistou muitas terras no norte da Itália e as cedeu à igreja, dando origem aos
estados papais, que haveriam de perdurar até o século XIX. O próximo governante, Carlos
Magno, que reinou de 768 a 814, foi o maior monarca do período inicial da Idade Média.
Coroado imperador pelo papa Leão III, em Roma, no natal do ano 800, ele passou a
governar o Sacro Império Romano. Promoveu a cultura, no que ficou conhecido como o
Renascimento Carolíngio, protegeu e controlou a igreja, e ajudou os papas. Após a ruína do
antigo Império Romano, esse foi o primeiro governo da Europa ocidental capaz de impor
ordem e paz e desenvolver a civilização.
4. O Império Germânico
Após a morte de Carlos Magno, seus filhos não conseguiram manter o império unido. O
centro do poder deslocou-se um pouco para leste, para o território da atual Alemanha, onde
Oto I, o Grande (936-73), inspirado em Carlos Magno, foi coroado imperador pelo papa em
962. Surgiu assim o Sacro Império Romano Germânico, que foi o principal poder político
da Idade Média e, por incrível que pareça, subsistiu até 1806! O império chamava-se sacro
ou sagrado por ser cristão, abençoado pela igreja, e romano porque foi entendido como o
ressurgimento do antigo império dos romanos. Esse império com freqüência teve uma
relação tumultuada com a igreja, interferindo nos seus assuntos internos, inclusive na
escolha dos papas. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a ideologia de que o reino de Deus
tinha dois representantes no mundo, o império e a igreja.
5. Personagens e Controvérsias
Como os períodos anteriores, também este teve vários personagens de destaque. Na
Espanha, viveu o bispo Isidoro de Sevilha (c.560-636), considerado por muitos estudiosos o
último dos pais da igreja ocidental. Na Inglaterra, viveu o monge conhecido como
Venerável Beda (c.673-735), autor da importante obra História Eclesiástica do Povo
Inglês. João de Damasco (c.675-749), outro destacado personagem desse período, é
considerado o último e mais importante dos pais da igreja oriental. O inglês Alcuíno (735-
804) foi conselheiro e uma espécie de ministro da cultura do imperador Carlos Magno. O
período também foi marcado por algumas controvérsias teológicas das quais participaram
indivíduos com nomes estranhos. Ratramno (†856) e Gottschalk (†868) defenderam a
doutrina de Agostinho sobre a predestinação, sendo que o último foi preso e condenado,
morrendo depois de vinte anos na prisão. Rabano Mauro (†856), João Scotus Erígena
(†c.877) e Hincmar (†882) atacaram essa doutrina. Por sua vez, o monge beneditino
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Pascásio Radberto (†860) defendeu a presença real de Cristo na eucaristia
(transubstanciação) contra Ratramno e Rabano Mauro.
6. A Igreja Oriental
A começar do período antigo, a igreja grega ou oriental foi enfraquecida pelas lutas
teológicas, cismas e invasões muçulmanas (os árabes chegaram às portas de Bizâncio em
673). A igreja também sofreu por causa de suas estreitas ligações com o Império Bizantino.
Os imperadores geralmente controlaram a igreja, fenômeno esse que ficou conhecido como
cesaropapismo. Entre 726 e 843 ocorreu a célebre “controvérsia iconoclástica”, na qual
vários imperadores tentaram impedir sem sucesso o uso e veneração dos ícones (quadros de
Maria e dos santos). Como já foi apontado, o maior teólogo da igreja oriental foi João
Damasceno, falecido em 749 e considerado um doutor da igreja. Inicialmente, ele serviu na
corte de um califa islâmico; depois, abandonou esse serviço para ingressar em um mosteiro.
Ele produziu uma teologia considerada normativa para a igreja oriental.
Desde os primeiros séculos manifestaram-se diferenças crescentes entre a igreja
romana/ocidental e a igreja grega/oriental. Além do aspecto geográfico, linguístico e
político, havia as diferenças mais profundas de cultura e mentalidade. Os gregos eram mais
filosóficos, especulativos, daí a sua predileção por temas abstratos como o ser de Deus. Os
romanos tinham mentalidade mais prática, daí seu interesse por áreas como a eclesiologia.
Outro motivo para afastamento foi a palavra filioque (= “e do Filho”). O Credo de
Constantinopla (381) dizia que o Espírito Santo procede do Pai. O III Sínodo de Toledo, em
589, acrescentou a referida palavra ao credo. Na década de 860, o papa Nicolau I e Fócio, o
patriarca de Constantinopla, excomungaram-se mutuamente por esse motivo. O problema
maior sempre foi a reivindicação de autoridade universal pelo bispo de Roma. A ruptura
final entre as duas igrejas ocorreu em 1054, quando Leão IX excomungou o patriarca
Miguel Cerulário e este anatematizou o papa. De todo esse longo processo, resultou a Igreja
Ortodoxa Grega, distinta da Igreja Católica Romana.
7. Decadência e Reforma do Papado
Do final do século IX até meados do século XI, o papado tornou-se um joguete nas mãos de
poderosas famílias romanas (como os Theophylact, os Crescentii e os Tusculani),
experimentando a maior decadência da sua história. Todavia, a partir da fundação do
Mosteiro de Cluny (910), na França, surgiu um partido reformador que eventualmente
moralizou a alta administração da igreja. Esse movimento promoveu a reforma dos
mosteiros e lutou contra a simonia (compra e venda de cargos eclesiásticos; ver Atos 8:18),
o nicolaísmo (casamento dos sacerdotes; ver Ap 2:6,15) e as investiduras leigas, ou seja, a
interferência dos príncipes na eleição e consagração dos bispos. A reforma do papado
começou com Leão IX (1049-54) e seu hábil conselheiro Hildebrando (c.1023-1085). No
pontificado de Nicolau II, foi decidido que a eleição dos papas seria feita somente através
do colégio de cardeais (1059). Finalmente, em 1073 o próprio Hildebrando foi eleito papa,
adotando o título de Gregório VII.
8. E as Escrituras?
Na Idade Média, as Escrituras eram lidas habitualmente apenas nos mosteiros, sendo pouco
acessíveis para o povo. Havia várias razões para isso: a Bíblia só existia em latim, não
tendo ainda sido traduzida para os diversos idiomas da Europa; não havia ainda a imprensa,
o que fazia com que as cópias da Bíblia tivessem de ser escritas à mão, tornando-as muito
26
caras para a maior parte das pessoas; além disso, a igreja não tinha interesse em que as
Escrituras estivessem nas mãos das pessoas comuns, por temer que fossem interpretadas de
maneira divergente do ensino da igreja, gerando idéias “heréticas”. Todavia, foi muito
importante o trabalho dos monges no sentido de preservar e reproduzir os antigos
manuscritos bíblicos, o que faziam com muita arte e esmero. Além dos copistas peritos em
caligrafia havia os iluministas, ou seja, os indivíduos que ilustravam os manuscritos com
belos desenhos conhecidos como iluminuras. Em termos de hermenêutica ou interpretação
bíblica, continuou-se a usar o método alegórico (a busca de sentidos ocultos no texto),
surgido nos primeiros séculos da história da igreja. O peso da tradição eclesiástica (os
ensinos dos escritores da igreja, dos concílios e dos papas) foi se tornando cada vez mais
influente para a fé e a prática da igreja.
Implicações Práticas
O surgimento do islamismo e os danos que causou ao cristianismo mostram outro tipo de
desafio que os cristãos têm enfrentado em toda a sua história: a realidade de outras religiões
e o desafio missionário que representam. Como vimos, a parte inicial da Idade Média não
foi só um período de perdas, mas de ganhos: perdas no norte da África e Oriente Médio,
mas ganhos no norte e leste da Europa, através dos esforços missionários empreendidos. Os
problemas enfrentados e vitórias alcançadas nos dão importantes lições ao nos depararmos
com os mesmos desafios em nossos dias.
A história desse período também nos mostra o alto preço que a igreja pode pagar ao
relacionar-se muito estreitamente com o estado. Essa relação quase sempre corrompe a
ambos, embora quem mais perca seja a igreja, que não tens fins primariamente políticos, e
sim espirituais. Não é desejável que a igreja esteja alheia às questões políticas ou sociais,
mas que, a partir de uma postura de independência, exerça uma influência salutar sobre as
instituições políticas, especialmente na área crucial da ética.
A Igreja na Idade Média Posterior (1073-1517)
Devido à grande quantidade de informações sobre este importante e longo período, iremos
dividi-lo em duas partes: O Apogeu da Idade Média e A Época do Renascimento.
I. O Apogeu da Idade Média (1073-1294)
1. O Auge do Papado
Hildebrando, a quem nos referimos no final da aula passada, tornou-se papa com o título de
Gregório VII (1073-85) e adotou como lema do seu pontificado as palavras de Jeremias
48.10a. Ele foi um papa reformador que lutou contra a corrupção dos clérigos, as
investiduras leigas e a simonia (ver aula anterior). Como o imperador alemão Henrique IV
(1056-1106) insistisse em nomear os bispos no seu território, Hildebrando o excomungou.
Enfraquecido politicamente, Henrique foi encontrar-se com o papa no castelo de Canossa,
nos Alpes, em que este achava-se hospedado (ano 1077). Depois de bater à porta por três
dias, vestido como um penitente e caminhando descalço na neve, Henrique foi perdoado e
teve anulada a sua excomunhão. Novamente fortalecido, o imperador enviou um exército a
27
Roma e prendeu o papa. A controvérsia das investiduras só foi resolvida na Concordata de
Worms (1122), entre o papa Calixto II e o imperador Henrique V.
Outro papa que lutou contra a simonia foi Alexandre III (1159-81). O rei Henrique II da
Inglaterra não queria abrir mão da prerrogativa de nomear os bispos. Isso fez com que o seu
opositor, Thomas Becket, arcebispo de Cantuária, fosse assassinado (1170). O papa obrigou
o rei a fazer uma penitência pública pelo assassinato. Todavia, o maior dos papas medievais
foi Inocêncio III (1198-1216), o primeiro a usar o título “Vigário de Cristo”. Ele nutriu a
visão de uma sociedade cristã unificada sob a liderança do papa (o conceito de
“cristandade”). Inocêncio reorganizou a igreja através do 4° Concílio Lateranense (1215) e
enfrentou com êxito o rei francês Filipe Augusto e o rei inglês João Sem Terra, que se viu
forçado a aceitar uma constituição, a Magna Carta. Esses episódios nos mostram como era
tumultuada e nociva a relação entre a igreja e o estado.
2. As Cruzadas
As cruzadas foram guerras promovidas pela cristandade ocidental contra o islamismo, de
1095 a 1291. Tiveram diversas causas, religiosas, políticas e econômicas, mas o objetivo
declarado era libertar a Palestina, o berço do cristianismo, das mãos dos maometanos. A
primeira cruzada foi pregada pelo papa Urbano II em Clermont, na França, em 1095, sob o
lema Deus vult! (“Deus o quer”). Depois de muita violência, os cruzados estabeleceram um
reino cristão em Jerusalém (1099-1187). A “cruzada das crianças” (1212) envolveu
milhares de adolescentes, a maior parte dos quais morreram ou foram vendidos como
escravos. Os cruzados mais famosos foram os reis Frederico Barba Roxa (1152-90),
Ricardo Coração de Leão (1189-99) e Luís IX (São Luís, 1226-70). Esse período viu o
surgimento de ordens militares como os hospitalários, os templários e a ordem teutônica.
Na mesma época, teve continuidade a reconquista da Península Ibérica e ocorreu o
surgimento de Portugal como nação independente (1147-1249). As cruzadas produziram
muitos efeitos negativos, entre os quais uma duradoura antipatia entre os dois grupos
envolvidos, o que muito dificultou as missões dos cristãos aos muçulmanos.
3. O Escolasticismo
O escolasticismo foi um movimento intelectual e teológico que resultou da introdução da
filosofia de Aristóteles na Europa através dos árabes e judeus da Espanha. Essa filosofia,
com sua visão ordenada e sistemática do mundo, afetou todas as áreas do pensamento,
contribuindo para o chamado renascimento do século XII (1050-1250). A filosofia e a
lógica aristotélicas também afetaram fortemente a teologia cristã. Os primeiros teólogos
escolásticos foram os seguintes: Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária, chamado o
“pai do escolasticismo”; sua obra principal foi Cur Deus Homo?, um tratado sobre a
encarnação. Pedro Abelardo (1079-1142), brilhante professor da Universidade de Paris que
escreveu a obra Sic et Non. Bernardo de Claraval (1090-1153), influente líder, pregador e
místico, tido como o pai do misticismo medieval. Pedro Lombardo (1100?-1160?),
chamado “o mestre das sentenças” por causa da sua obra Quatro Livros de Sentenças, um
texto padrão de teologia por vários séculos no qual ele defendeu os sete sacramentos. O
século XII também marcou o surgimento das primeiras universidades, tais como as de
Paris, Montpellier, Cambridge, Oxford, Bolonha, Modena e Régio. Nelas estudava-se
filosofia, direito, medicina e teologia, a “raínha das ciências”. Outra contribuição do
período foi a esplêndida arquitetura gótica das catedrais.
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4. Movimentos dissidentes
Outro aspecto desse período de efervescência foi o surgimento de alguns movimentos
dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja Católica. Um deles
foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses (da cidade de Albi), surgidos no
século XI. Caracterizavam-se por um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, com um
dualismo radical (espiritual x material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4°
Concílio Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para combater
esses e outros hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233.
Outro movimento foi liderado por Pedro Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião, cujos
seguidores ficaram conhecidos como “homens pobres de Lião”. Tinham um estilo de vida
comunitário, ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte),
incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório. Condenados pelo
Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos, refugiando-se em vales remotos e
quase inacessíveis dos alpes italianos. Mais tarde abraçaram a Reforma Protestante, sendo
assim uma das poucas igreja protestantes anteriores à Reforma do Século XVI.
5. Ordens Religiosas
A segunda metade da Idade Média também viu o surgimento de novas ordens religiosas
como os cistercienses (de Citeaux, na França), em 1098. Em um século, os chamados
“monges brancos” criariam 530 mosteiros. Todavia, duas outras ordens surgidas no século
XIII se tornariam muito mais conhecidas. Trata-se das “ordens mendicantes” (frades), com
sua ênfase na educação como instrumento de conversão do mundo. A primeira foi a dos
franciscanos, fundada pelo italiano Francisco de Assis (c.1181-1226) e aprovada
oficialmente em 1210. Os “frades menores” tinham inicialmente um ideal de renúncia e
pobreza (Mt 19:21), e visavam a conversão dos muçulmanos. Dedicavam-se à caridade, à
pregação e ao estudo. A outra ordem foi a dos dominicanos, organizada pelo espanhol
Dominic de Guzman (c.1170-1221) e aprovada em 1216. Esses frades pregadores tinham
como alvo inicial converter os albigenses e outros grupos. Posteriormente, sua forte ênfase
inicial na pregação e no estudo foi substituída pela preocupação com a ortodoxia e isso os
levou a se envolverem com a Inquisição.
6. O Apogeu do Escolasticismo
Os grandes teólogos escolásticos foram os dominicanos Alberto Magno (c.1200-1280),
Tomás de Aquino (c.1225-1274) e Meister Eckhart (c.1260-1327), e os franciscanos
Boaventura (c.1217-1274), Duns Scotus (c.1265-1308) e Guilherme de Ockham (c.1285-
1349). O maior de todos sem dúvida foi Tomás de Aquino, procedente de uma família
nobre italiana. Aquino foi o maior teólogo medieval e os seus ensinos (o tomismo) são a
doutrina oficial da Igreja Católica. Escreveu a famosa Suma Teológica, na qual dá ênfase
aos conceitos duplos de fé e razão, graça e natureza, bem como aos sacramentos. Foi
canonizado em 1323 e declarado como “doutor da igreja” em 1567.
7. Vida e Culto
A sociedade medieval possuía uma estrutura hierárquica e rígida composta de três grupos
principais: os que trabalham (servos), os que oram (religiosos) e os que guerreiam (nobres).
Imperava o sistema feudal de senhores e vassalos. Ao mesmo tempo, estava surgindo uma
29
economia baseada no lucro, o que conflitava com o antigo ideal de pobreza. A religiosidade
popular dava grande ênfase aos sacramentos, especialmente da eucaristia e da penitência (e
as indulgências), bem como às esmolas, jejum e orações. Muitos buscavam um contato
mais pessoal com Deus pela união da alma com Ele (místicos) ou o cultivo da vida
devocional interior. Havia muita ansiedade por uma espiritualidade mais profunda, o que
nem sempre podia ser suprido pela igreja, envolvida que estava com tantos interesses
seculares e mundanos.
II. A Época do Renascimento (1294-1517)
1. Os Estados Nacionais
A igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto político e social mais amplo com
o qual tinha múltiplas interações. No final da Idade Média, houve o surgimento dos
chamados “estados nacionais”, as modernas nações européias, o que representou uma
grande ameaça às pretensão do papado. Na Alemanha (Sacro Império Romano), Rudolf von
Hapsburg foi eleito imperador em 1273. Em 1356, um documento conhecido como Bula de
Ouro determinou que cada novo imperador seria escolhido por sete eleitores (quatro nobres
e três arcebispos). Havia descentralização política, isto é, o poder dos príncipes limitava a
autoridade do imperador, e forte tensão entre a igreja e o estado.
Na França, houve o fortalecimento da monarquia com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse
rei enfrentou com êxito o poder da igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o
primeiro estado nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se pela primeira vez
em 1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de Eduardo I (†1307), que subjugou os
nobres e enfrentou com êxito o papa na questão de impostos.
2. O Declínio do Papado
Este período começa com o pontificado de BonifácioVIII (1294-1303), um papa arrogante
e ambicioso que entrou em confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e da
autoridade papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos, na qual reclama
que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili (“Escuta, filho”), dirigida ao rei
francês, e Unam Sanctam (1302), denominada “o canto do cisne do papado medieval.”
Irritado com as ações papais, Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês
após ser libertado.
Seguiu-se um período de crescente desmoralização do papado. Clemente V (1305-1314),
um papa francês, transferiu a Cúria, ou seja, a administração da igreja, para Avinhão, ao sul
da França, no que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da Igreja” (1309-1377).
Em toda parte cresceram as críticas às extravagâncias e ao luxo da corte papal. João XXII
(1316-1334) mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para cobrir essas
despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que houve dois e
posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa (1378-1417). Diante dessa
situação constrangedora, surgiu em toda a Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos
membros.”
3. O Movimento Conciliar
30
Durante o “Grande Cisma”, cada papa considerou-se o único legítimo e excomungou o
rival. Assim, houve a necessidade de um concílio para resolver a crise. O Concílio de Pisa
(1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois recusaram-se a ser depostos, resultando
em três papas ao mesmo tempo. João XXIII, o segundo papa pisano, convocou o Concílio
de Constança (1414-1417), que depôs os três papas, elegeu Martinho V como único papa,
decretou a supremacia dos concílios sobre o papa e condenou os pré-reformadores João
Wycliff, João Hus e Jerônimo de Praga. O Concílio de Basiléia (1431-1449) reafirmou a
superioridade dos concílios. Finalmente, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445) tentou
a união com a Igreja Ortodoxa (frustrada pela conquista de Constantinopla pelos turcos em
1453) e reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa fracassada de tornar a igreja mais
democrática e governá-la através de concílios ficou conhecida como conciliarismo.
4. O Renascimento
No final da Idade Média houve um extraordinário movimento intelectual e artístico que é
conhecido como Renascimento ou Renascença (c.1350-1550). Duas características desse
movimento foram a forte valorização do ser humano (humanismo) e a fascinação com as
obras artísticas e literárias da antigüidade greco-romana. O renascimento começou na Itália
(Roma, Florença) com Petrarca e Bocácio, no século XIV. Seus artistas mais conhecidos
são Leonardo da Vinci (1452-1519), autor da fachada da basílica de São Pedro e da “Última
Ceia”; Rafael Sanzio (1483-1520) autor de madonas; e Michelangelo Buonarroti (1475-
1564), que pintou a belíssima Capela Sistina e esculpiu as famosas estátuas da “Pietá” e de
“Moisés.”
O interesse pelas obras da antigüidade levou ao estudo da Bíblia nas línguas originais pelos
chamados humanistas bíblicos. Os principais deles foram o italiano Lorenzo Valla (†1457),
estudioso do Novo Testamento; o inglês John Colet (†1519), estudioso das epístolas
paulinas; o alemão Johannes Reuchlin (†1522), notável hebraísta; o francês Lefèvre
D’Étaples (†1536), tradutor do Novo Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã (1466?-
1536), “o príncipe dos humanistas”, que publicou uma edição crítica do Novo Testamento
grego com uma tradução latina, talvez a obra mais importante publicada no século XVI,
que serviu de base para as traduções de Lutero, Tyndale e Lefèvre e muito influenciou os
reformadores protestantes. Esse retorno às Escrituras muito contribuiu para a Reforma do
Século XVI.
5. Primeiros Movimentos de Reforma
Nos séculos XIV e XV surgiram alguns movimentos esporádicos de protesto contra certos
ensinos e práticas da igreja medieval. Um deles foi encabeçado por João Wycliff (1325?-
1384), um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Wycliff atacou
as irregularidades do clero, as superstições (relíquias, peregrinações, veneração dos santos),
bem como a transubstanciação, o purgatório, as indulgências, o celibato clerical e as
pretensões papais. Seus seguidores, conhecidos como os lolardos, tinham a Bíblia como
norma de fé que todos devem ler e interpretar.
João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e professor da Universidade de Praga, na Boêmia,
foi influenciado pelos escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma vida semelhante à de
Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os eleitos são membros da igreja e que o
seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia na autoridade suprema das Escrituras. Hus foi
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História da Igreja em

  • 1. Panorama da História da Igreja Alderi Souza de Matos Introdução Como o título indica, este é um curso panorâmico sobre a história da igreja cristã. Como tal, ele não visa estudar essa história em profundidade, e sim abordar os contornos mais amplos desse vasto assunto, para que, posteriormente, o aluno possa pesquisar com maiores detalhes quaisquer tópicos específicos do seu interesse. O propósito do curso é familiarizar os participantes com os principais personagens, eventos e movimentos da longa e rica história do cristianismo, no desejo de que esse estudo possa ser ao mesmo tempo uma fonte de informação, desafio e inspiração para a vida cristã. Além desta introdução, o curso constará de dez aulas, sendo três para o período antigo, duas aulas para cada um dos períodos subseqüentes (medieval, Reforma e moderno/contemporâneo) e uma sobre a América Latina e o Brasil. Cada aula será acompanhada de leituras complementares indicadas pelo professor. Além dos testes simples de avaliação para cada aula, haverá quatro provas de múltipla escolha, ou seja, uma para cada semana de aula. A presente aula introdutória consta dos seguintes pontos: 1. O que é história 2. Definições básicas 3. Importância da história da igreja 4. Períodos em que se subdivide a história da igreja 5. Bibliografia básica 1. O que é história O termo "história" vem do grego historía, que significa pesquisa, informação ou narração e já nos tempos antigos era usado para indicar a resenha ou narração dos fatos humanos. Hoje, o termo tem dois aspectos básicos: (1) os próprios fatos, isoladamente ou em conjunto (em alemão, Geschichte) e (2) o conhecimento dos fatos, ou a ciência que disciplina esse conhecimento (Historie). Para este segundo aspecto, usa-se com freqüência o termo "historiografia." Outra maneira de encarar o assunto é considerar quatro sentidos em que se pode entender a história (observe que todos começam com a letra "i"): Incidente Incidente ou evento é todo e qualquer acontecimento. Por sua própria natureza, todo incidente é absoluto e ocorre somente uma vez. É impossível que se repita exatamente em todos os seus pormenores. Informação São os elementos que nos fornecem dados sobre o incidente, tais como documentos, objetos ou depoimentos orais. Investigação Investigação ou pesquisa é a busca de respostas para as perguntas "o quê", "quem", "quando", "onde" (os dados). 1
  • 2. Interpretação É a busca dos porquês, do significado dos dados. A atitividade de interpretação é inevitável, porque os incidentes já não são diretamente acessíveis, mas somente através de indícios, de informações indiretas. Toda interpretação é relativa, porque todo intérprete é limitado por um maior ou menor número de condicionamentos. É impossível uma plena objetividade e imparcialidade. No entanto, as contínuas pesquisas vão fazendo surgir certos consensos entre os estudiosos sobre um grande número de fatos e interpretações. 2. Definições • História: é o registro interpretado do passado humano socialmente relevante, com base em dados organizados que são obtidos através do método científico a partir de fontes arqueológicas, literárias ou vivas. • História da igreja: o historiador Earle E. Cairns define a história da igreja como "o relato interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade humana, baseado em dados organizados e reunidos pelo método científico a partir de fontes arqueológicas, documentais ou vivas" (O Cristianismo Através dos Séculos, 14). Observação: • As fontes mais comuns da história da igreja são documentais, que podem ser de dois tipos: primárias e secundárias. Fontes primárias são documentos produzidos pelos próprios personagens e movimentos da história. Por exemplo, a Epístola de Paulo aos Romanos, a Didaquê, o Credo Niceno, as Noventa e Cinco Teses de Lutero. Fontes secundárias são análises posteriores dos estudiosos, como os livros de história da igreja mencionados na bibliografia que está no final desta aula. As fontes primárias não precisam ser antigas; às vezes são bastante recentes, como a declaração conjunta de católicos e luteranos sobre a justificação pela fé, publicada em 1999. 3. Importância da história da igreja Uma questão que se pode levantar é: Por que, afinal, estudar a história da igreja? É isso realmente necessário e prioritário para o cristão? Quais os benefícios que se poderiam auferir desse estudo? Uma das razões mais importantes para o estudo da história é o caráter histórico da revelação bíblica e da obra redentora de Deus. Boa parte da Bíblia contém relatos históricos, como o Pentateuco e os chamados livros históricos, desde Josué até Ester. Um dos maiores livros do Novo Testamento, Atos dos Apóstolos, é inteiramente dedicado ao registro de eventos da igreja primitiva. Além disso, a Escritura nos fala de um Deus que, além de ser transcendente, é também imanente, ou seja, comunica-se e relaciona-se com os seres humanos, entrando na história humana e atuando na mesma. Toda a Escritura dá testemunho dessa verdade. O evento máximo dessa manifestação de Deus na história foi a encarnação do Verbo, o Filho de Deus (ver João 1.1,14; Gálatas 4.4; 1 Jo 4.9,10,14). 2
  • 3. Assim, a história da igreja implica em uma determinada filosofia da história. Para os cristãos convictos, a história tem um sentido dado por Deus. Essa história é linear, tendo um princípio e um fim, sob a direção providente e soberana do Senhor da história. O primeiro autor a articular uma filosofia cristã da história foi Agostinho (354-430), em sua magnífica obra A Cidade de Deus (De Civitate Dei). No ano 410, os visigodos saquearam Roma. Os pagãos alegaram que essa tragédia ocorreu porque os romanos haviam abandonado a antiga religião dos deuses e abraçado o cristianismo. A pedido de um amigo, Agostinho dispôs-se a rebater essa acusação e isso resultou na referida obra. Para ele, a história consiste na interação de duas sociedades antagônicas, a cidade de Deus e a cidade terrena. A primeira consiste de todos os seres humanos e celestiais que estão unidos no seu amor a Deus e buscam somente a sua glória. A cidade terrena é composta dos seres que amam somente a si mesmos e buscam somente a sua própria glória. O curso da história humana dirige-se para a cruz e a partir da cruz. A graça que dela flui opera dentro da igreja cristã, o corpo visível de Cristo. Fortalecidos pela graça divina, os cristãos colocam-se ao lado de Deus no conflito contra o mal, até que a história alcance a sua consumação no retorno de Cristo. Além desse aspecto bíblico e teológico, a história da igreja tem um valor prático como fonte de informações sobre uma infinidade de assuntos que não encontramos em outros lugares. Todas as mudanças que têm ocorrido na igreja ao longo do tempo nas áreas administrativa, doutrinária, litúrgica e devocional são estudadas na história da igreja, bem como um grande número de instituições, movimentos e subdivisões do cristianismo. A história da igreja nos fala sobre métodos missionários, estilos de pregação, hermenêutica e interpretação bíblica, atitudes para com dinheiro e os bens materiais, prática da beneficência, relações da igreja com o estado e com a sociedade. Ela ajuda-nos a entender como surgiram os grupos cristãos atuais com suas características distintivas. Finalmente, há também um elemento bastante pessoal. A história da igreja é a nossa história, tem a ver com a nossa identidade (quem somos e de onde viemos), quer no sentido espiritual, quer no sentido cultural, pois o cristianismo foi um poderoso elemento formativo do Ocidente como um todo e da América Latina em particular. Além disso, o estudo da história ajuda-nos a compreender a nossa herança cristã, dá-nos um senso de continuidade com o passado e proporciona edificação e inspiração. Finalmente, é fonte de solenes advertências quanto aos erros de igrejas e cristãos individuais, incentivando-nos à humildade e tolerância. 4. Períodos da história da igreja Para facilidade de estudo, a história da igreja é dividida em períodos, os quais, por sua vez, estão subdivididos em unidades menores. Essa divisão é relativa, variando de acordo com os critérios de diferentes estudiosos, mas facilita a compreensão de um tema que é tão vasto e complexo. A classificação abaixo é aquela que seguiremos no presente curso: A Igreja Antiga (30-590 DC = depois de Cristo) A igreja apostólica (30-100) 3
  • 4. A igreja "católica" (100-313) A igreja imperial (313-590) A Igreja Medieval (590-1517) A igreja no início da Idade Média (590-1073) A igreja no apogeu da Idade Média (1073-1294) A igreja na época do Renascimento (1294-1517) A Reforma Protestante (1517-1648) A Reforma na Alemanha e Suíça A Reforma na Inglaterra, Escócia, França e Holanda A Contra-Reforma e a Reforma Católica A Igreja Moderna e Contemporânea (1648-2000) Racionalismo e reavivamentos (1648-1789) O grande século das missões (1789-1914) O século XX Não poderíamos falar da história da igreja sem abordar de maneira especial o nosso continente e o nosso país. Assim, concluiremos este curso com alguns dados básicos sobre a história do cristianismo na América Latina e no Brasil. 5. Bibliografia Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras em português. • Bettenson, Henry, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja. • Cairns, Earle E., O Cristianismo através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã (São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume disponíveis em português. • Dowley, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo (São Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Velho e Novo Testamentos). • González, Justo L., Uma História Ilustrada do Cristianismo, 10 vols. (São Paulo: Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez pequenos volumes na edição portuguesa. Agradável de ler. • Neill, Stephen, História das Missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário na Índia e na África. 4
  • 5. • Nichols, R. H., História da Igreja Cristã, 5ª ed. rev. (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano. • Tucker, Ruth A., "... Até aos Confins da Terra": Uma História Biográfica das Missões Cristãs, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1996). Contém biografias de missionários destacados que trabalharam nas mais diferentes regiões do globo. Inclui um capítulo especial sobre o Brasil. • Walker, W., História da Igreja Cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi publicada em português. • Williams, Terri, Cronologia da História Eclesiástica em Gráficos e Mapas (São Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos temas mais importantes da história da igreja. • Christian History – periódico trimestral em inglês publicado por Christianity Today (Carol Stream, Illinois). Publicação dirigida primordialmente a leigos, contendo ilustrações e gráficos bastante úteis. Os artigos são escritos por autoridades reconhecidas. Cada número é dedicado a um personagem ou movimento específico (o último número trata de Agostinho). Para maiores informações, visite www.christianhistory.net. Essa é apenas uma pequena amostragem do grande número de obras disponíveis em nosso idioma, para não mencionarmos outras línguas, como o inglês e o espanhol, onde a variedade é muito maior. No decurso das aulas, forneceremos outras indicações bibliográficas sobre temas ou períodos específicos. Implicações Práticas Como se viu acima, o estudo da história da igreja pode ser altamente benéfico para o cristão, dando-lhe em primeiro lugar uma melhor compreensão da atuação de Deus na vida do mundo. A história não é um conjunto de acontecimentos aleatórios, sem rumo, mas revela, por trás de eventos muitas vezes confusos e aparentemente desconexos, o propósito providencial de Deus. Além disso, o conhecimento da história auxilia os cristãos e as igrejas a terem maior consciência de sua identidade e da sua missão no mundo. Seja como fonte de inspiração ou de advertência, o conhecimento da caminhada da igreja na terra permite que os cristãos definam melhor as suas prioridades e estejam alerta contra erros e tentações já enfrentados no passado. O Período Apostólico (Primeiro Século) A. Contexto: O Mundo em que Surgiu a Igreja 5
  • 6. O cristianismo não surgiu em um vácuo, e sim em um contexto histórico e social específico. É importante conhecer o ambiente em que surgiu o cristianismo, ambiente esse que influenciou a igreja e também foi eventualmente influenciado por ela. Esse ambiente era definido por três grandes culturas ou civilizações. (1) Os gregos: No quarto século antes de Cristo, Alexandre, o Grande (356-323 AC) conquistou um vasto império que ia desde os Balcãs até a Índia. Essas conquistas promoveram uma ampla difusão da língua e cultura gregas (helenização) em toda a região oriental do Mar Mediterrâneo, no Oriente Médio e no Egito. Quando Alexandre morreu aos 33 anos, o seu império foi dividido entre os seus generais, dois dos quais ficaram com as terras bíblicas. A Síria coube a Seleuco e seus descendentes (os selêucidas) e o Egito a Ptolomeu. A Palestina sofreu fortemente as influências helenizantes dessas duas dinastias. Especialmente influenciados foram os judeus que viviam fora da Palestina, na Diáspora (= dispersão), especialmente no Egito. Muitos deles, falando apenas o grego, não mais podiam ler as suas Escrituras na língua original. Com isso, o Velho Testamento precisou ser traduzido para o grego, tradução essa que recebeu o nome de Septuaginta (LXX). Essa foi a Bíblia dos primeiros cristãos. Como uma versão popular do grego, o koiné (= comum), era a língua mais falada em torno do Mediterrâneo, o Novo Testamento eventualmente foi todo escrito nesse idioma. Além da contribuição linguística, os gregos também legaram ao mundo antigo a sua riquíssima reflexão filosófica e toda uma cosmovisão (maneira de ver o mundo e a vida) gerada por essa reflexão. Algumas das principais correntes filosóficas foram as de Platão, Aristóteles, dos estóicos e dos epicureus. Vários conceitos dessas escolas eram bastante difundidos quando surgiu o cristianismo. Por exemplo, o contraste entre a verdadeira realidade (o mundo das idéias ou das coisas espirituais) e o mundo material das sombras (um pálido reflexo das realidades eternas). Outro conceito muito difundido era o de que, assim como o corpo tem uma alma, também o mundo é governado e mantido coeso por uma alma racional, o Logos, do qual cada alma humana é uma centelha. Encontramos referências a esses movimentos e a esse vocabulário em algumas passagens do Novo Testamento como João 1:1,14; Atos 17:18; Fp 4.11,13; Hebreus 8:5; 10:1. A filosofia solapou a crença nas velhas religiões, mas não ofereceu uma alternativa satisfatória para as necessidades espirituais das pessoas. (2) Os romanos: Se a contribuição dos gregos foi nas áreas linguística, cultural e filosófica, os romanos deram notável contribuição ao mundo em que surgiu o cristianismo nos aspectos político, jurídico e administrativo. O Império Romano emergiu um pouco antes da era cristã, quando Otaviano foi aclamado como César Augusto, tornando-se o primeiro imperador dos romanos (27 AC-14 DC). Os romanos, com seu vasto império, abrangendo muitos povos e culturas, imprimiram no mundo antigo o conceito de uma unidade que transcendia a diversidade. Nesse aspecto, havia um interessante paralelo com a igreja cristã, que sendo uma só, era composta de uma grande variedade de pessoas. Através da sua legislação avançada, de seu exército e de suas instituições, os romanos criaram um ambiente de ordem e segurança como nunca se vira nas terras em torno do Mediterrâneo. A "pax romana" 6
  • 7. permitiu que as viagens, tanto marítimas como terrestres, se tornassem mais rápidas e seguras, o que certamente veio a facilitar a difusão do cristianismo. No aspecto religioso, o Império Romano era caracterizado por uma grande diversidade de opções. Havia em primeiro lugar a religião tradicional e familiar dos deuses greco-romanos. Além disso, estavam florescendo no primeiro século as chamadas "religiões de mistério", que comunicavam suas verdades mais profundas somente aos iniciados (cultos esotéricos). As principais eram a religião de Cibele (vinda da Ásia Menor), de Ísis e Osíris (do Egito) e de Mitra (da Pérsia). O mitraísmo tornou-se especialmente popular no exército romano. Finalmente, havia o culto imperial ou estatal de Roma, com freqüência voltado para a própria pessoa do imperador, culto esse que tinha um elemento fortemente político, como símbolo da unidade do império e da lealdade ao mesmo. A recusa obstinada em participar desse culto traria sérias conseqüências para os cristãos. (3) Os judeus: Sem dúvida, a principal matriz do cristianismo foi o judaísmo, em cujo seio nasceu. Na época de Cristo, a Palestina estava sob dominação romana. No segundo século antes de Cristo, as atitudes despóticas de um rei selêucida, Antíoco Epifânio, haviam provocado a revolta dos macabeus (167 AC). Então, por cerca de um século os judeus gozaram de independência política, até que, no ano 63 AC, os exércitos romanos, sob o comando do general Pompeu, conquistaram a Palestina. Por conveniências políticas, os romanos permitiram que a região fosse governada por reis vassalos, não-judeus, os Herodes. O judaísmo era caracterizado pela existência de várias correntes. Havia os saduceus, que controlavam o templo e eram colaboradores dos romanos. Os líderes religiosos mais identificados com o povo eram os fariseus e os escribas, caracterizados pela mais estrita obediência à lei. Havia também grupos menores, periféricos e radicais, como os zelotes e os essênios (da comunidade de Qumran, junto ao Mar Morto). Sobre alguns desses grupos, ver Mc 12.18; At 23.7-8. O judaísmo caracterizava-se pela centralidade do templo e da lei, pelo rígido monoteísmo e por uma forte esperança escatológica. Na Diáspora, onde era lida a Septuaginta (o VT em grego), muitos gentios se aproximaram do judaísmo, sendo conhecidos como "prosélitos" (convertidos plenos) e "tementes a Deus" (simpatizantes). Muitos deles eventualmente abraçaram o cristianismo, como vemos em Atos dos Apóstolos. O cristianismo, como um movimento surgido no seio do judaísmo, recebeu muitas coisas importantes do mesmo. Em primeiro lugar, seus primeiros seguidores, todos eles judeus. Depois, as Escrituras Hebraicas, a fé monoteísta, os elevados preceitos éticos. Finalmente, o culto cristão e o sistema de administração da igreja também foram inspirados pelas práticas judaicas, especialmente através da notável instituição que era a sinagoga. B. Jesus e o Surgimento da Igreja Não vamos entrar em muitos detalhes nesse aspecto, em parte por causa da limitação do nosso tempo, e em parte porque se trata de um tema familiar para os que conhecem o Novo Testamento. Além disso, esse tópico é estudado em outras matérias, como introdução bíblica. Para maiores informações, o aluno pode consultar a obra de Robert H. Gundry, Panorama do Novo Testamento (Edições Vida Nova) e outras obras congêneres. 7
  • 8. Obviamente, os nossos pressupostos religiosos afetam profundamente a maneira como encaramos a pessoa de Jesus Cristo. Muitos historiadores o vêem meramente como um judeu carismático e perspicaz que questionou o status quo, acabou sendo morto por causa disso e mais tarde foi divinizado pelos seus seguidores. Para nós, os cristãos, ele é o próprio Filho de Deus, que veio ao mundo enviado pelo Pai com o propósito expresso de reconciliar os seres humanos com Deus. Os evangelhos nos falam das circunstâncias do seu nascimento e pouco dizem sobre a sua infância e mocidade. O enfoque principal está sobre o seu ministério de três anos, iniciado quando ele estava com trinta anos de idade (Lucas 3.23). Seu trabalho foi tríplice: proclamar o reino de Deus, ensinar (nas sinagogas e outros lugares) e curar os enfermos e aflitos. O reino por ele anunciado tinha como ponto central a sua própria pessoa e ensino, e, em particular, a sua morte e ressurreição. Ele reuniu em torno de si um grupo de seguidores e especialmente doze homens aos quais treinou e enviou a pregar, designando-os como continuadores da sua missão (João 20.21). Ele deixou aos seus seguidores os seus ricos ensinos e apenas duas ordenanças: o batismo com água para simbolizar a purificação dos pecados e uma refeição de pão e vinho representando o seu corpo e o seu sangue, ou seja, o seu sacrifício. Ele não deixou nenhuma organização básica, sistema doutrinário bem definido ou livros sagrados. Após a sua morte e ressurreição, os seus seguidores foram revestidos com o Espírito Santo e comissionados a pregar as boas novas de Cristo e sua salvação até os confins da terra (Atos 1.8). Por ocasião do Pentecostes, a comunidade inicial em Jerusalém era composta de 120 pessoas (Atos 1.15). Logo, através da pregação de Pedro e dos demais apóstolos, esse número cresceu dramaticamente, não somente naquela cidade, mas em outras partes da Palestina. Essa pregação acabou resultando em duas dificuldades. Primeiro, a oposição das autoridades judaicas, na forma das primeiras perseguições. Segundo, o problema mais explosivo do que fazer em relação aos gentios que estavam aceitando a nova mensagem. Seria preciso que eles cumprissem a lei mosaica além de crerem em Cristo? Seria preciso que primeiro se tornassem judeus para depois se tornarem cristãos? O relato da conversão de Cornélio mostra como era forte a resistência dos judeus à recepção de gentios na igreja (Atos 10). Esse problema foi tratado e resolvido satisfatoriamente no assim chamado Concílio de Jerusalém, descrito em Atos 15. Bastava que os gentios crêssem no Senhor Jesus; ao mesmo tempo, deviam evitar certas práticas com o objetivo de terem comunhão com os seus irmãos judeus, que tinham escrúpulos quanto a questões alimentares e outras. Essa decisão abriu as portas para que o cristianismo deixasse de ser uma simples seita judaica e se tornasse um movimento mais abrangente, aberto a pessoas de todas as raças e culturas. A igreja primitiva destacava-se pela igualdade entre os seus membros, um código de ética baseado no amor, serviço mútuo, principalmente aos necessitados, e a pregação incessante da morte redentora e da ressurreição de Cristo. Por cerca de quinze anos, a igreja de Jerusalém ocupou a liderança do novo movimento. Posteriormente, a comunidade de Antioquia da Síria passou a exercer esse papel. Em Antioquia, pela primeira vez o evangelho foi pregado deliberadamente aos gentios e os 8
  • 9. discípulos também pela vez primeira foram chamados de "cristãos". Essa cidade tornou-se o centro de um poderoso esforço missionário transcultural que levou a mensagem cristã a muitas regiões importantes do Império Romano. Um personagem central desse esforço foi um judeu chamado Saulo. C. A Contribuição de Paulo O apóstolo Paulo foi o vulto mais influente dos primeiros tempos da igreja. Convertido no famoso episódio da estrada de Damasco (Atos 9.1-19), ele passou de perseguidor da igreja a ardoroso pregador do evangelho. Um testemunho da sua importância é o fato de que metade dos livros do Novo Testamento estão diretamente ligados a ele. Atos dos Apóstolos tem-no como principal protagonista. Quase dois-terços do livro dedicam-se a descrever detalhadamente as suas viagens missionárias, através das quais ele plantou igrejas em vários centros estratégicos da Ásia Menor (Antioquia da Pisídia, Galácia, Éfeso) e da península grega (Filipos, Tessalônica, Corinto). Mais do que qualquer outro, Paulo contribuiu para imprimir sobre a igreja a consciência do caráter universal da fé cristã. Outra notável contribuição de Paulo foi literária e teológica. No sentido de orientar, advertir e incentivar as igrejas que resultaram do seu ministério, ele escreveu muitas epístolas, várias das quais foram preservadas e incluídas no Novo Testamento. Outras quatro cartas também preservadas foram enviadas a colaboradores seus (Timóteo, Tito e Filemom). Finalmente, Paulo escreveu uma extraordinária carta a uma igreja fundada por outros cristãos, em Roma. Como o apóstolo queria apresentar-se a essa igreja que não conhecia, para que ela o encaminhasse a outros pontos do Império Romano (Romanos 15.22-24), ele sentiu a necessidade de expor mais plenamente as suas convicções e o evangelho que pregava. O resultado foi um documento de grande complexidade e beleza que revelou outro aspecto da contribuição de Paulo: sua profunda e criativa reflexão teológica sobre a realidade de Cristo e suas implicações para o crente, para a igreja e para a sociedade. Finalmente, Paulo destacou-se como polemista, lutando pela integridade da doutrina cristã, especialmente quanto à pessoa e obra de Cristo. Nesse esforço, ele enfrentou uma longa luta contra os judaizantes, os cristãos hebreus ainda fortemente ligados à lei e às tradições judaicas, especialmente no que diz respeito à circuncisão (ver Gálatas 1.6-9; 2.3; 4.9-11). Paulo também voltou-se, pelo menos em uma de suas cartas (Colossenses), contra uma heresia sincrética de tipo gnóstico que aparentemente considerava Cristo como parte de uma hierarquia de seres celestiais e apelava tanto para costumes judaicos quanto para práticas ascéticas e um conhecimento especial. D. A Experiência da Perseguição No decurso do seu trabalho, Paulo defrontou-se de maneira crescente com a realidade da oposição contra o cristianismo. As primeiras manifestações de intolerância contra os cristãos haviam ocorrido ainda na Palestina, por parte do Sinédrio e dos Herodes. Entre os primeiros mártires contavam-se Estêvão e Tiago, o irmão de João (ver Atos 7.58-59 e 12.1- 2). Posteriormente, à medida que a fé cristã se difundia pelo Império Romano, os discípulos continuaram a sofrer a oposição dos judeus e também agora da parte de gentios, cujos deuses eram negados pelos cristãos. Mas a primeira perseguição "oficial" romana contra os cristãos só veio a ocorrer no reinado de Nero, por volta do ano 64. Essa perseguição teve conexão com um grande incêndio que destruiu boa parte da cidade de Roma. Sob a suspeita 9
  • 10. de haver ordenado o incêndio, Nero culpou os cristãos da cidade e os maltratou cruelmente, conforme a interessante descrição de Tácito, um autor daquela época. Ainda no primeiro século (c. 95), outro imperador, Domiciano, perseguiu os cristãos da Ásia Menor, diante de sua recusa de participar do culto imperial. Essa perseguição é o pano de fundo do exílio de João na ilha de Patmos e do livro do Apocalipse. Nos séculos seguintes, a igreja haveria de sofrer ataques muito maiores, aos quais voltaremos nas próximas aulas. Essa experiência gerou entre os primeiros cristãos uma verdadeira glorificação do martírio como uma experiência altamente desejável e honrosa para um seguidor de Cristo. E. O Fim da Era Apostólica A década de 60 foi especialmente importante para a igreja primitiva. Nessa década, morreram os últimos dos apóstolos originais de Cristo, à exceção de João. Segundo a tradição praticamente unânime da igreja antiga foi nessa época que morreram martirizados os dois apóstolos mais destacados, Pedro e Paulo. Essas mortes teriam ocorrido no contexto da perseguição promovida por Nero, na cidade de Roma. Outro evento de grande magnitude foi o declínio do cristianismo judaico em virtude do cerco e eventual destruição de Jerusalém. Quando o cerco começou, no ano 66, os cristãos hebreus fugiram da cidade e foram para Pela, no outro lado do rio Jordão. Ali, com o passar dos anos, esses judeus-cristãos, separados do restante da igreja, desenvolveram características peculiares, vindo mais tarde a desaparecer nas brumas do tempo. Conhecidos como "ebionitas", eles articularam uma posição teológica acerca de Cristo conhecida como adocionismo. Jesus teria sido um mero homem que foi adotado por Deus como filho por ocasião do seu batismo. Essa posição seria mais tarde defendida por outras pessoas no cristianismo antigo. A destruição de Jerusalém contribuiu decisivamente para a emancipação definitiva da igreja em relação ao judaísmo. Nas primeiras décadas, muitas pessoas ainda podiam pensar que os cristãos eram um grupo ou seita dentro do judaísmo. Essa identificação às vezes ajudava e às vezes prejudicava os cristãos. Após a revolta dos judeus e a conseqüente punição dos romanos, ficou cada vez mais claro que o judaísmo e o cristianismo eram religiões bastante distintas. No final do primeiro século, o cristianismo havia se difundido amplamente em muitas regiões do Oriente Médio e da Europa e estava se preparando para a sua grande conquista poucos séculos depois: o Império Romano. As igrejas ainda reuniam-se em residências particulares e salões públicos; só mais tarde seriam construídos os primeiros templos. Havia dois tipos de líderes: aqueles que possuíam certos dons, como os profetas e mestres, e líderes mais formais, eleitos pelas comunidades, como os presbíteros ou bispos (Atos 20.17,28; Tito 1.5,7) e os diáconos. Havia dois tipos de cultos aos domingos: um culto matutino centrado na pregação da Palavra e um culto vespertino com ênfase sacramental. Em conexão com o mesmo, os cristãos realizavam uma ceia comunitária denominada "agape" (=festa do amor), na qual era celebrada a Ceia do Senhor. No final do século o agape caiu em desuso e a Santa Ceia 10
  • 11. passou a ser celebrada no culto matutino. Os primeiros cristãos causaram grande impacto na sociedade greco-romana em virtude de seu amor mútuo, coragem e elevados padrões éticos. Eles separavam-se firmemente das práticas pagãs (idolatria, imoralidade), mas ao mesmo tempo insistiam em ter uma participação construtiva na sociedade, esforçando-se por cumprir os seus deveres cívicos e ser bons cidadãos. F. Cronologia Básica Ano Evento 30 Morte, ressurreição e ascensão de Jesus 30-44 Liderança da igreja de Jerusalém 35 Conversão de Saulo 41-54 Reinado de Cláudio 44-64 Liderança da igreja de Antioquia 46-48 Primeira viagem missionária de Paulo 49 Concílio de Jesuralém 50-52 Segunda viagem missionária 51 Judeus (e cristãos) expulsos de Roma (Atos 18:2) 53-57 Terceira viagem missionária 54-68 Reinado do Nero 59-62 Prisão de Paulo em Roma 64 Incêndio de Roma (martírio de Paulo e Pedro?) 66 Revolta judaica; cristãos de Jerusalém fogem para Pela 11
  • 12. 70 Destruição de Jerusalém e do templo 81-96 Reinado de Domiciano 90-95 João em Patmos, Apocalipse 95 Epístola de Clemente aos coríntios Implicação Prática O cristianismo surgiu de maneira extremamente modesta, mas tinha dentro de si um grande potencial para a transformação do mundo. Esse potencial resultava da sua origem divina e do caráter do seu fundador. Não devemos desprezar "o dia dos humildes começos" (Zc 4.10), porque é assim que com muita freqüência Deus escolhe agir. O cristianismo permanece de pé ou cai dependendo das convicções que temos sobre os seus fundamentos. Para os cristãos conscientes, estes fundamentos são o eterno propósito de Deus Pai, a obra redentora do Filho e o direção do Espírito Santo. Crendo nessas verdades, os primeiros cristãos impactaram o seu mundo. Nós somos chamados a fazer o mesmo na nossa geração. A Igreja “Católica” (100-313) Introdução A igreja cristã experimentou importantes mudanças nas últimas décadas do primeiro século. Essas mudanças foram tanto de caráter teológico quanto institucional. Um dado significativo é que temos poucas informações sobre esse período (anos 70 a 95). Nenhum documento importante dessa época chegou até nós. Quando os documentos reaparecem, a partir do ano 95 (ano aproximado da perseguição de Domiciano), nos deparamos com uma igreja mais organizada e centralizada administrativamente, bem como com ênfases teológicas um tanto diferentes daquelas do Novo Testamento. São os primórdios do surgimento da igreja “católica.” O chamado “velho catolicismo” é uma referência à igreja pré-constantiniana, ou seja, anterior ao imperador Constantino (ano 313), cujas ações decisivas analisaremos na próxima aula. A. A Igreja “Católica” No segundo século, diante de crescentes problemas internos (diversidade teológica, heresias) e desafios externos (acusações, perseguições), a igreja sentiu a necessidade de definir mais claramente a sua identidade institucional e teológica. O objetivo visado era a obtenção de maior unidade estrutural e uniformidade doutrinária. Desse processo resultou a igreja “católica”. 12
  • 13. A expressão “igreja católica” é encontrada pela primeira vez numa carta escrita pelo bispo Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna, por volta do ano 110. A palavra vem do grego katholikos e significa geral, universal (de kata = “de acordo com” + holos = “o todo”). A partir do segundo século, a expressão foi utilizada para designar a igreja verdadeira, apostólica e ortodoxa, em oposição aos movimentos dissidentes, aos grupos heterodoxos ou heréticos. A igreja católica caracterizava-se pelos seguintes elementos de unidade e identidade: > O bispo monárquico: ao contrário do primeiro século, em que cada igreja tinha vários bispos ou presbíteros, agora cada igreja passou a ter um só bispo, com autoridade sobre os presbíteros e os diáconos. Para isso, deu-se ênfase à idéia de sucessão apostólica. Os bispos tornaram-se os guardiães da unidade e ortodoxia da igreja. O crescimento da importância dos bispos eventualmente deu grande destaque aos bispos das cidades mais importantes, especialmente o de Roma. > A regra de fé: as verdades fundamentais da fé cristã passaram a ser claramente expressas na forma de credos “trinitários”. Essas declarações de fé tinham fins didáticos/catequéticos, confessionais/litúrgicos e apologéticos. Encontramos alguns exemplos antigos dessa regra de fé nos escritos de Irineu (ver adiante). À medida que o tempo passou, os credos foram ficando mais extensos e complexos, até chegarmos aos séculos IV e V com suas sofisticadas formulações credais. > O cânon do Novo Testamento: a formação do cânon consistiu na definição da literatura cristã tida como divinamente inspirada e, portanto, normativa para a vida e a fé da igreja. Inicialmente foram reunidos os quatro evangelhos e as epístolas paulinas, o livro de Atos dos Apóstolos servindo como ligação entre ambas as coleções. Por último, foram acrescentadas as epístolas gerais (Hebreus a Judas) e o Apocalipse. Os critérios de inclusão no cânon foram os da apostolicidade, ortodoxia e aceitação geral. Alguns livros levaram mais tempo para ser aceitos do que outros. B. Os Pais Apostólicos O final do primeiro século e o início do segundo marcam também o início da era dos pais da igreja. Trata-se dos antigos autores cristãos que com seus escritos instruíram as igrejas, articularam a doutrina cristã e combateram desvios teológicos do seu tempo. Eles podem ser entendidos como os campeões ortodoxos da igreja e os expositores da sua fé. O estudo dos pais da igreja geralmente é designado por dois termos correlatos: patrística e patrologia. A patrística refere-se ao estudo do pensamento dos pais, da sua teologia, e a patrologia é o estudo histórico dos próprios personagens e da sua obra. O conjunto dos primeiros escritos cristãos posteriores ao Novo Testamento é conhecido pelo nome de “pais apostólicos.” Eles são designados de “apostólicos” porque surgiram pouco depois dos apóstolos e revelam uma certa conexão com eles. É importante observar que a expressão “pais apostólicos” não designa somente indivíduos, mas também documentos anônimos. O período aproximado em que foram produzidos vai de 95 a 150 DC. Os pais apostólicos não contêm nenhuma teologia elaborada. São antes declarações simples 13
  • 14. e piedosas das verdades fundamentais da fé, ditadas principalmente por um interesse pastoral. As principais características desses autores e documentos são as seguintes: NOS DOCUMENTOS DOS PAIS APOSTÓLICOS HAVIA Ausência de elaborações filosóficas. Grande reverência pelo Antigo Testamento. Interpretação tipológica (e alegórica) das Escrituras. Familiaridade com as formas literárias do Novo Testamento. Preocupação pastoral e prática: exortação à paz, unidade e pureza da igreja; ênfase ao episcopado; celebração do martírio. A maior parte dos pais apostólicos é constituída de literatura epistolar, ou seja, cartas. Dois deles correspondem a outros gêneros, um à literatura apocalíptica e outro à literatura catequética. A relação completa é a seguinte: > Clemente de Roma (c. 30-100), um dos bispos da igreja de Roma, escreveu em nome da sua igreja à igreja co-irmã de Corinto, exortando os crentes a serem submissos aos seus presbíteros. Essa epístola, conhecida como I Clemente, foi escrita por volta do ano 95. > Inácio, o bispo de Antioquia da Síria, foi condenado à morte por volta do ano 110 e levado a Roma para ser executado. Durante a viagem, escreveu cartas às igrejas de Eféso, Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna e a seu colega Policarpo. Preocupações dominantes: o martírio iminente do autor, a unidade da igreja e os movimentos heréticos e cismáticos. > Policarpo (c. 70-155), bispo de Esmirna, escreveu uma carta aos filipenses por volta de 110, contendo exortações práticas. Policarpo foi martirizado no reinado do imperador Antonino Pio. > Papias (c. 60-c.130), bispo de Hierápolis, na Frígia, escreveu “Interpretações dos Ditos do Senhor”, sobre a vida e as palavras de Cristo. Essa obra só é conhecida através de trechos preservados por Irineu de Lião e Eusébio de Cesaréia. > Epístola de Barnabé (c. 130): escrita por um cristão anônimo de Alexandria, afirma a suficiência de Cristo em relação à lei de Moisés; utiliza amplamente tipologia e alegoria. > O Pastor, de Hermas (c. 150): baseado no Apocalipse, tem um objetivo moral e prático, dando ênfase ao arrependimento e a uma vida de santidade. > II Epístola de Clemente aos coríntios (c. 150): não foi escrita por Clemente, nem é uma carta, e sim um sermão ou homilia do segundo século. > Didaquê ou O Ensino dos Doze Apóstolos (2° séc.): é um manual de instrução para a igreja, abordando ensinos éticos, normas litúrgicas, os oficiais da igreja e questões disciplinares. É muito útil para o estudo da igreja sub-apostólica. > Epístola a Diogneto (c. 200): foi escrita por um autor anônimo a um destinatário desconhecido (tutor de Marco Aurélio?). Tem caráter apologético (=defesa racional do cristianismo) e às vezes é incluída entre os pais apologistas (ver adiante). 14
  • 15. Os alunos que desejarem ler na íntegra, em português, esses importantes escritos, poderão encontrá-los na Coleção Patrística (São Paulo: Paulus Editora), vols. 1 e 2. C. Desafios Enfrentados Como já foi apontado, a igreja desde cedo defrontou-se com formidáveis desafios, tanto dentro de suas fileiras quanto fora das mesmas. 1. Desafios internos: os principais desafios internos do segundo e terceiro séculos foram algumas interpretações da fé cristã consideradas heterodoxas pelo grupo majoritário. As principais foram as seguintes: >Docetismo: era o entendimento de que Jesus Cristo não havia de fato assumido uma natureza humana, corpórea. Antes, ele tinha apenas uma aparência de humanidade (daí, docetismo, do grego dokéo = parecer), sendo uma espécie de fantasma ou aparição. Essa posição já é condenada nas epístolas joaninas (ver 1 João 4.2; 2 João 7). As cartas de Inácio de Antioquia contêm muitas condenações do docetismo. >Gnosticismo: foi uma filosofia religiosa de natureza altamente especulativa que surgiu no primeiro século, mas tornou-se uma grande ameaça para o cristianismo majoritário a partir de meados do século II (c. 130-160). Partindo de uma concepção dualista acerca do mundo (espírito x matéria), propôs uma reinterpretação radical da fé cristã, negando doutrinas como a criação, a encarnação e a ressurreição. A salvação vinha através do conhecimento (gnosis) acerca da verdadeira origem e destino da alma. Esse conhecimento mais profundo era transmitido somente aos iniciados. Havia várias modalidades de gnosticismo (sírio, egípcio, judaizante). >Marcionismo: Márcion foi um cristão do Ponto, na Ásia Menor, que chegou a Roma por volta do ano 144. Partilhando da cosmovisão gnóstica, ele propôs uma descontinuidade radical entre a velha e a nova dispensação (o cristianismo não tinha nada em comum com o judaísmo, sendo uma religião inteiramente nova). Assim sendo, ele rejeitou por completo o Velho Testamento e o seu Deus, Jeová, tido como uma divindade inferior, o criador da matéria. Em contraste com Jeová (um ser justiceiro e vingativo), o Deus verdadeiro, o Pai de Jesus Cristo, é um Deus plenamente amoroso e perdoador, que não condena ninguém. Portanto, no fim todos irão se salvar. Márcion foi o primeiro indivíduo na história da igreja a elaborar uma lista de escritos cristãos normativos. O seu cânon continha apenas o evangelho de Lucas e as cartas de Paulo às igrejas (sem as pastorais), tendo excluídas as suas referências ao Velho Testamento. O cânon marcionita forçou a igreja a elaborar a sua própria lista de livro autorizados, ou seja, o Novo Testamento. >Montanismo: esse antigo movimento de natureza entusiástica ou carismática, autodenominado “nova profecia”, surgiu na Frígia, Ásia Menor, na década de 170. Foi iniciado por um cristão chamado Montano, que era acompanhado de duas profetizas, Priscila e Maximila. Montano considerava-se o instrumento especial do Paracleto (o Espírito Santo) e anunciou o iminente fim do mundo e a descida da Nova Jerusalém em sua região, a Frígia. O montanismo foi um protesto contra o crescente mundanismo da 15
  • 16. igreja e, devido a seus rigorosos padrões morais, atraiu a simpatia do grande intelectual cristão Tertuliano, sobre o qual falaremos adiante. >Monarquianismo: no segundo século houve intensa reflexão sobre a teologia do Logos (Cristo como o Verbo) e suas implicações. Vários pensadores cristãos, na ânsia de defender a convicção básica do monoteísmo ou a unidade do Ser Divino (daí, “monarquia”, isto é, governo de um só), acabaram por negar a divindade ou a personalidade distinta do Filho e do Espírito Santo. Houve duas manifestações básicas: (a) Monarquianismo Dinâmico: afirmava que Jesus era um homem comum que foi adotado por Deus na ocasião do seu batismo, sendo revestido do poder divino (daí, “dinâmico”, de dynamis = poder). Essa posição, abraçada pelos ebionitas e por Paulo de Samósata, também é chamada de adocionismo. (b) Monarquianismo Modalista: afirmava que Pai, Filho e Espírito Santo são três modos ou manifestações sucessivas (não simultâneas) do único Deus. Também é conhecido como sabelianismo, por causa de um de seus defensores (Sabélio). Uma variante dessa posição é o patripassianismo, a noção de que o próprio Pai sofreu na cruz (defendida por Práxeas e Noeto). 2. Desafios externos: no segundo e terceiro séculos, além dos questionamentos internos, o jovem movimento cristão enfrentou formidáveis ameaças externas. Em primeiro lugar, houve o recrudescimento das perseguições por parte do Império Romano. A bem da verdade, é preciso observar que, com algumas exceções, essas perseguições não foram contínuas nem generalizadas. As causas iam desde as habituais alegações de incesto (por causa da ênfase no amor fraternal), canibalismo (por causa da Ceia do Senhor) e ateísmo (pela negação dos deuses), até acusações mais especificamente políticas de subversão, falta de patriotismo e deslealdade ao império, principalmente em virtude da recusa dos cristãos em participar do culto imperial. Duas perseguições intensas, mas localizadas, ocorreram nos reinados de Marco Aurélio e Sétimo Severo. A primeira atingiu as igrejas de Lião e Viena, na Gália, no ano 177; a segunda abateu-se sobre o Egito e Cartago nos anos 202-206. Alguns mártires famosos foram Justino, Potino, Blandina, Perpétua e Felicidade. Muito mais grave foi a perseguição geral movida pelo imperador Décio em 250-251. Decidido a impor em todas as regiões o culto imperial, Décio exigiu que todos tivessem um certificado de sacrifício (libellus). Muitos cristãos foram martirizados e outros conseguiram sobreviver aos maus tratos (os confessores). Muitos outros negaram a fé: alguns simplesmente ofereceram o sacrifício e ficaram conhecidos como sacrificati; outros, os libellatici, compraram certificados falsos. Passada a perseguição, muitos desses relapsos procuraram reingressar na igreja, gerando um sério problema pastoral para os bispos. Em dois longos períodos de paz no terceiro século (206-250 e 260-303), a igreja experimentou um crescimento sem precedentes. Finalmente, no início do quarto século, ocorreu a última e a maior de todas as perseguições, sob os imperadores Diocleciano e Galério (303-311). Foram publicados editos ordenando em toda parte a destruição das igrejas e de cópias das Escrituras. Os cristãos que entregaram essas cópias ficaram conhecidos como traditores (= traidores). Dessa época data o cisma donatista, no norte da África. Os cismáticos, dentre os quais um certo Donato, alegaram que uma determinada 16
  • 17. consagração episcopal foi inválida porque um dos bispos consagrantes teria sido um traditor. O cisma donatista durou mais de um século, criando uma igreja paralela à igreja católica. Outro desafio externo enfrentado pela igreja na era anterior a Constantino foram os ataques de ilustres intelectuais pagãos como Luciano de Samosata, Galeno e Celso na segunda metade do século II, e Porfírio, no terceiro século. Numa época em que o cristianismo crescia a olhos vistos e incomodava seriamente o paganismo, esses homens cultos escreveram obras influentes em que os cristãos eram acusados de serem ignorantes, supersticiosos e inimigos da cultura e do conhecimento. D. A Defesa da Fé Rapidamente surgiram no seio da igreja respostas de pensadores cristãos a esses desafios. Os defensores intelectuais do cristianismo no segundo e terceiro séculos ficaram conhecidos como os apologistas e os polemistas. 1. Os apologistas (de apologia = discurso de defesa) surgiram um pouco depois dos pais apostólicos, já estudados nesta aula. Quase todos viveram na segunda metade do segundo século. Suas características gerais são as seguintes: eram convertidos do paganismo ou do judaísmo, enfrentaram ataques externos, usaram principalmente o Antigo Testamento, defenderam ou explicaram o cristianismo e utilizaram formas literárias apologéticas ou dialógicas. Dirigiram os seus escritos às autoridades, bem como a judeus e a intelectuais pagãos, defendendo os cristãos das muitas acusações que lhes eram feitas. >Os apologistas foram os seguintes: Quadrato, Aristides, Justino Mártir, Taciano, Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Melito de Sardes e Hegésipo. O mais destacado deles foi Justino Mártir (100-165), um filósofo cristão que viveu em Roma e escreveu duas apologias e o Diálogo com Trifão, o Judeu. Taciano, seu discípulo, escreveu uma harmonia dos evangelhos, o Diatessaron, e um Discurso aos Gregos. Atenágoras escreveu a belíssima Súplica pelos Cristãos e Teófilo produziu a longa apologia A Autólico. Algumas dessas obras podem ser encontradas na já mencionada Coleção Patrística, vols. 2 e 3. 2. Os polemistas: outro grupo de defensores da fé foram os chamados polemistas, que viveram no final do segundo século e primeira metade do terceiro. Em geral, tiveram maior estatura intelectual que os apologistas e foram mais agressivos do que eles em seus escritos (daí “polemistas”, do grego pólemos = guerra). Alguns deles dirigiram-se contra intelectuais pagãos; mais comumente, porém, voltaram-se contra falsos ensinos dentro da igreja. Esses pais da igreja viveram em três regiões distintas do Império Romano: Gália, Cartago (norte da África) e Egito. Os mais importantes foram Irineu de Lião, Tertualiano, Cipriano, Clemente de Alexandria e Orígenes. Outros menos conhecidos foram Hipólito, Júlio Africano e Gregório Taumaturgo. >Irineu (c.135-c.200) foi bispo de Lião, no sul da Gália (atual França), e escreveu em grego uma monumental obra contra os gnósticos, intitulada Contra as Heresias. Quase na mesma época viveu em Cartago, uma colônia romana no norte da África, Tertuliano (c.160-c.220), o primeiro escritor cristão a utilizar o latim e por isso chamado de “pai da 17
  • 18. teologia latina”. Entre suas obras polêmicas, destacam-se Prescrição aos Hereges, Contra Márcion e Contra Práxeas, na qual antecipou a doutrina da trindade. No final da sua vida, aderiu ao movimento montanista. Outro importante escritor de Cartago foi o bispo Cipriano (c.200-258), que ressaltou a importância do episcopado e morreu como mártir. Em Alexandria, no Egito, foi fundada uma famosa escola catequética que teve como seus grandes líderes Clemente de Alexandria (c.150-c.215) e o extraordinário Orígenes (c.185-c.254), o mais influente pensador cristão do seu tempo e autor da obra Dos Primeiros Princípios, a primeira teologia sistemática, e de uma obra polêmica, Contra Celso, além de muitíssimos outros livros. E. A Vida da Igreja No início do quarto século, o culto cristão estava mais formalizado e dotado de uma liturgia elaborada, principalmente no que concerne à celebração dos sacramentos. O batismo era precedido de uma longa preparação, o catecumenato, e geralmente ocorria na Páscoa ou no Pentecostes. Podia ser ministrado por imersão ou por efusão (água derramada sobre a cabeça). Já havia se difundido a convicção de que esse rito literalmente purificava os pecados da pessoa batizada. A santa ceia ou eucaristia havia se tornado a principal celebração cristã, sendo entendida como um sacrifício. Portanto, os seus oficiantes eram vistos como sacerdotes distintos dos demais cristãos, os leigos. A organização da igreja havia se tornando fortemente hierárquica, sob a firme liderança dos bispos. No final desse período, os cristãos também começaram a construir os seus primeiros templos. Em Roma, os cristãos reuniam-se nas catacumbas, locais onde também sepultavam os seus mortos. No final do período que estamos estudando (início do quarto século), o cristianismo já estava firmemente implantado em várias regiões do norte da África, inclusive o Egito, bem como na Síria, Armênia, Mesopotâmia, toda a Ásia Menor, a península grega, Itália, sul da Gália e sul da Espanha. Também já havia cristãos ao sul dos rios Reno e Danúbio e até mesmo na longínqua Britânia. Em outras palavras, a fé cristã já havia alcançado quase todas as regiões do vasto Império Romano e no oriente ultrapassava as suas fronteiras. Não houve missionários famosos nesse período: a fé era difundida pelos cristãos comuns em seus contatos com outras pessoas e povos. A igreja era composta de indivíduos de todas as classes sociais, desde escravos até nobres. Implicações Práticas Esse foi um período heróico da igreja antiga, em que os cristãos procuravam viver a vida cristã e testemunhar acerca da sua fé em meio a circunstâncias freqüentemente adversas. Sua coragem e coerência no meio das perseguições e perplexidades do seu tempo nos inspiram e motivam a “viver de modo digno do evangelho” e a “lutar juntos pela fé evangélica” (Filipenses 1.27) nos dias atuais. O esforço tanto dos grandes intelectuais cristãos quanto dos crentes comuns dos primeiros séculos, no sentido de comunicar as suas convicções aos seus contemporâneos e dar uma contribuição construtiva à sua sociedade, nos desperta para as grandes oportunidades e responsabilidades que temos em nossa geração. A Igreja Imperial (313-590) 18
  • 19. 1. A Grande Transição No ano 313, ocorreu um evento extraordinário que mudou drasticamente os rumos da história da igreja. Esse evento foi o decidido apoio do imperador Constantino ao cristianismo. Constantino havia começado a governar em 308, mas só em 312 ele conseguiu vencer o seu rival Maxêncio, na batalha da Ponte Mílvia, perto de Roma, tornando-se o único imperador da parte ocidental do império. Pouco antes da batalha ele tivera o famoso sonho em que viu as duas primeiras letras do nome de Cristo em grego (χρ = chi-rho) e as palavras “Com este sinal vencerás”. No ano seguinte, ele e Licínio, o dirigente da seção oriental do império, se encontraram e promulgaram um decreto que ficou conhecido como Edito de Milão. Esse famoso decreto legalizou o cristianismo, fez cessar as perseguições e deu ampla liberdade religiosa a todas as pessoas. Constantino passou a fazer generosas concessões à igreja e seus líderes, em termos de doação de propriedades, isenção de tributos e outros privilégios. Um importante cronista dessa época foi Eusébio de Cesaréia, que escreveu História Eclesiástica (300-325), a primeira história da igreja. Em troca dos benefícios concedidos à igreja, Constantino sentiu- se no direito de intervir em questões eclesiásticas, como no caso da controvérsia ariana, que veremos a seguir. Começou assim o complexo e por vezes tumultuado relacionamento entre a igreja e o estado que dura, de uma forma ou de outra, até os nossos dias. Na segunda metade do século IV, o imperador Juliano (361-63), cognominado “o apóstata” por ter abandonado a fé cristã, fez a última tentativa de restaurar o paganismo. Duas décadas depois, o imperador Teodósio I (379-95), um espanhol, tornou o cristianismo “católico” a religião oficial do Império Romano (ano 380). No século seguinte, o Império Romano ocidental (latino) entrou em declínio acentuado. No ano 476, o general germânico Odoacro destronou Rômulo Augústulo, o último imperador do ocidente. No oriente grego, o império continuou a existir por muitos séculos, tendo sua capital em Constantinopla ou Bizâncio e sendo conhecido como Império Bizantino. Um notável líder desse império foi Justiniano (527-565). 2. A Controvérsia Ariana (4o . século) Por volta do ano 318, Ário, um presbítero de Alexandria (Egito), começou a ensinar que Cristo, o Filho de Deus, foi criado pelo Pai antes da existência do mundo, sendo portanto inferior ao Pai, mas superior aos seres humanos. Esse ensino gerou uma enorme controvérsia em toda a igreja. Constantino, temendo pela estabilidade política do império, convocou um concílio de bispos para resolver essa e outras questões. O Concílio de Nicéia, na Ásia Menor, reuniu-se em 325, sendo presidido pelo próprio imperador. Depois de muitas discussões, o concílio aprovou um credo, o Credo de Nicéia, que afirmou a divindade de Jesus Cristo e condenou as posições arianas. Uma palavra importante e controvertida dessa declaração foi homoousios, isto é, “consubstancial”. Cristo partilha da mesma substância que o Pai. Estava assim definida a doutrina da trindade, ou seja: o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três “pessoas” que compartilham da mesma “substância” ou essência divina, sendo, portanto, um só Deus. Mais tarde, sempre por razões políticas, Constantino e seus filhos apoiaram a posição condenada, o arianismo, gerando grande problemas para a igreja, até que, como vimos 19
  • 20. acima, o imperador Teodósio oficializou o cristianismo trinitário, niceno. No ano seguinte, Teodósio convocou o Concílio de Constantinopla (381), que reafirmou plenamente as decisões do Concílio de Nicéia. Esse concílio aprovou um novo credo que expandiu as declarações de Nicéia e afirmou explicitamente a divindade do Espírito Santo (Credo Niceno-Contantinopolitano). Na grande luta em defesa das decisões de Nicéia, destacaram- se quatro importantes pais da igreja oriental: Atanásio (328-373), bispo de Alexandria, que escreveu as obras Sobre a Encarnação do Verbo e Discursos Contra os Arianos (e foi exilado cinco vezes por causa de suas posições), e três bispos e teólogos da Ásia Menor, conhecidos como os três capadócios: Basílio de Cesaréia (†379), Gregório de Nazianzo (†c.389) e Gregório de Nissa (†c.394). 3. As Controvérsias Cristológicas (5o . século) No século V foi discutido um novo problema teológico: como se relacionam as duas naturezas de Cristo, a divina e a humana. Havia duas posições divergentes. Uma delas era representada pela Escola de Alexandria, surgida no terceiro século. Os alexandrinos eram adeptos do método alegórico de interpretação das Escrituras, procurando ver no texto significados ocultos, místicos. No que diz respeito a Cristo, entendiam que o Verbo uniu-se à carne, sendo uma pessoa plenamente integrada. Acentuavam, pois, a divindade de Cristo, em detrimento da sua humanidade. Desse raciocínio, resultaram duas posições que foram condenadas pela igreja. Apolinário de Laodicéia afirmava que Jesus era uma combinação de alma divina (ou Logos = Verbo) e corpo humano. Eutiques, um monge de Constantinopla, afirmou que as duas naturezas fundiram-se em uma só, a divina (daí o nome dessa posição: monofisismo = uma só natureza). Do outro lado estava a Escola de Antioquia, surgida no século IV. Essa escola dava mais ênfase ao sentido literal da Escritura, evitando a interpretação alegórica. Afirmava que Cristo tinha uma plena natureza divina e uma plena natureza humana. O problema estava na tendência de dividir em duas a pessoa de Cristo. A posição clássica foi defendida por Nestório, patriarca de Constantinopla (428-431). Ele afirmava com tanta ênfase a distinção das duas naturezas que dava a impressão de ensinar que havia duas pessoas em Cristo (divina e humana). Por isso, enquanto os alexandrinos afirmavam que Maria era theotokos = “portadora de Deus”, Nestório dizia que ela era somente christotokos = “portadora ou mãe de Cristo”. Nestório encontrou um adversário extremamente agressivo na pessoa de Cirilo, patriarca de Alexandria (412-444). Para tentar resolver a disputa, foi convocado o Concílio de Éfeso (431). As posições eram tão antagônicas que os dois grupos tiveram de reunir-se separadamente e excomungaram um ao outro. Finalmente, o imperador Teodósio II interveio, tomou o partido de Cirilo e baniu Nestório. Vinte anos depois, o imperador Marciano convocou o importante Concílio de Calcedônia (451) para resolver a questão de uma vez por todas. A célebre Definição de Calcedônia afirmou a plena divindade e a plena humanidade de Cristo, duas naturezas em uma só pessoa divino-humana. Contribuiu para essa decisão um documento enviado pelo bispo de Roma, Leão I (440-461), conhecido como o Tomo de Leão. Adotando uma posição intermediária entre Alexandria e Antioquia, o Concílio de Calcedônia condenou formalmente as três posições mencionadas acima: apolinarianismo, eutiquianismo e nestorianismo. 20
  • 21. 4. Invasões Germânicas e Missões No século IV, vários povos que habitavam a Europa oriental começaram a invadir o Império Romano ocidental. Em 378, os visigodos derrotaram e mataram o imperador Valêncio. Poucas décadas depois, sob o comando de Alarico, saquearam a própria cidade de Roma (410). Também invadiram a Gália e o sul da Espanha. Os famigerados vândalos invadiram a Gália, a Espanha e o norte da África, e saquearam Roma em 455. Outros invasores foram os hunos, vindos das estepes da Ásia central e comandados pelo célebre Átila, “o flagelo de Deus”. Também foram importantes as ações dos anglos e saxões, que invadiram a Britânia (Inglaterra) no ano 449. Esses e outros povos eventualmente deram origem às modernas nações européias. Alguns desses povos já haviam sido cristianizados quando invadiram o Império Romano. Foi o caso dos godos do baixo Danúbio ou visigodos, que foram evangelizados por Ulfilas (c. 311-383), cuja mãe era daquele povo. Ulfilas traduziu as Escrituras para a língua gótica e, sendo um adepto do arianismo, transmitiu essa concepção da fé aos visigodos. Na França central, um dos primeiros missionários foi Martinho de Tours (†397) e a Irlanda foi evangelizada por Patrício (c.415-c.493), a partir de 460 (início do cristianismo celta). A primeira nação germânica a abraçar o cristianismo católico, ou seja, trinitário, foram os francos, mediante a conversão do rei Clóvis em 496. Sua esposa, Clotilde, já era uma cristã. Até 590, a maior parte das tribos germânicas havia deixado o arianismo em favor do catolicismo. Na Escócia, foi muito atuante o irlandês Columba (c.521-597), que, acompanhado de monges celtas, fundou um influente centro missionário na pequena ilha de Iona (557). Esse centro enviou missionários à Escócia, Inglaterra, França, Alemanha e Suíça. 5. Quatro Grandes Vultos Os séculos IV e V são chamados a “idade de ouro” dos pais da igreja. No final do século IV e início do V viveram quatro líderes e escritores cristãos especialmente importantes. Dois deles foram notáveis pregadores, um no ocidente latino e o outro no oriente grego. O primeiro foi Ambrósio, bispo de Milão (374-397), no norte da Itália, que ficou conhecido pela maneira corajosa como enfrentou o imperador Teodósio por causa de um massacre ocorrido em Tessalônica. O outro foi o não menos ousado João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla (397-407), o maior pregador da igreja antiga e por isso mesmo apelidado de Crisóstomo, ou seja, “boca de ouro”. Por causa de sua pregação profética, foi banido pela imperatriz Eudóxia e morreu no exílio. Os outros dois vultos eminentes do período foram Jerônimo e Agostinho. Jerônimo (331- 420) foi o maior erudito da igreja ocidental antiga. Depois de muitos estudos, no oriente, tornou-se secretário do papa Dâmaso, que o incentivou a fazer uma nova tradução da Bíblia para o latim. Passou os últimos trinta e cinco anos de sua vida num mosteiro em Belém, onde escreveu seus comentários bíblicos e concluiu a tradução da Vulgata Latina, a Bíblia oficial da Igreja Católica. Agostinho (354-430) converteu-se em Milão em 386, influenciado pela pregação de Ambrósio, e tornou-se bispo de Hipona, no norte da África, em 395. É considerado o maior dos pais da igreja e muito influenciou os reformadores protestantes. Das 94 obras que escreveu, as mais conhecidas são as Confissões e A Cidade de Deus, esta última já referida na aula de introdução. Agostinho lutou fortemente contra os 21
  • 22. cismáticos donatistas e contra Pelágio, um monge inglês que afirmava que o homem nasce essencialmente bom e é capaz de fazer o bem sem o auxílio de Deus. Agostinho, ao contrário, afirmou que o ser humano está morto no pecado e, portanto, a salvação provém inteiramente da graça de Deus, sendo concedida apenas aos eleitos. 6. A Vida Cristã No período antigo surgiu uma instituição que haveria de tornar-se imensamente importante na história posterior da igreja: o monasticismo. Desde os primeiros séculos, muitas pessoas sentiram a necessidade de viver uma vida de renúncia e total consagração a Deus, inspiradas por passagens do Novo Testamento como a história do moço rico (Mateus 19.21; ver também Lucas 14.33). Os primeiros monges surgiram no terceiro século e viviam sós nos desertos. Os mais conhecidos desses antigos “eremitas” (de éremos = deserto) ou anacoretas (de anachorein = afastar-se) foram Antônio ou Antão, no Egito (†356), e Simeão Estilita, na Síria (†459). Este último foi chamado de estilita porque viveu trinta anos em cima de uma coluna (em grego, stylos). Ao mesmo tempo, surgiu uma nova modalidade, o monasticismo comunitário, que veio a tornar-se predominante tanto no oriente como no ocidente. Esses monges eram chamados de cenobitas (de koinós bíos = vida comum). O primeiro cenóbio foi fundado por Pacômio (†346), no Egito. Dois grandes líderes monásticos foram, no oriente, Basílio de Cesaréia, e no ocidente, Bento de Núrsia (c.480-c.550). Este último escreveu a famosa regra beneditina, que por séculos orientou a vida dos mosteiros. A regra disciplinava a vida diária dos monges em torno de três atividades: devoção, estudo e trabalho. Muitos dos personagens que já vimos foram monges, submetendo-se aos três votos clássicos de pobreza, castidade e obediência. No período que estamos estudando, o culto cristão tornou-se fortemente estruturado, com liturgias e orações formais. Deu-se grande ênfase à música, com coros, cânticos e antífonas. No século IV, foi composto o Te Deum (= A ti, ó Deus), um dos hinos litúrgicos mais conhecidos. O culto tornou-se solene e impressionante e também a arquitetura religiosa, com o surgimento das majestosas basílicas. Intensificou-se o culto aos santos, os antigos mártires da igreja, bem como a Maria, especialmente após as controvérsias cristológicas, que deram ênfase a Maria como theotokos, a portadora ou mãe de Deus. Também popularizaram-se as peregrinações a lugares considerados santos e a veneração de relíquias. 7. Organização Eclesiástica Esse período testemunhou o crescente fortalecimento dos bispos e dos concílios em que se reuniam. Os bispos das capitais provinciais passaram a ser chamados de metropolitanos (arcebispos). Os bispos das igrejas mais importantes e antigas – Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém – receberam o título de patriarcas. Outra característica marcante do período foi a afirmação da supremacia dos bispos de Roma. Isso resultou de um longo processo em que esses bispos foram fazendo reivindicações cada vez mais ousadas sobre sua autoridade. Os principais fatores que contribuíram para o surgimento do papado foram: a insistência no primado de Pedro (Mateus 16.17-19), que teria sido o primeiro bispo de Roma, e a alegação de que essa autoridade foi transmitida aos seus sucessores; o suposto martírio de Pedro e 22
  • 23. Paulo em Roma; a importância da cidade e da igreja de Roma; as declarações de governantes em apoio às pretensões papais; a rápida aceitação dessa autoridade no ocidente, devido à falta de concorrentes; o declínio do Império do ocidente, tornando a igreja a instituição mais importante da sociedade; a habilidade de muitos bispos de Roma como teólogos, administradores e promotores da obra missionária. O fato é que no século V houve a aceitação geral do primado de Pedro, sendo Leão I (440-461) considerado o primeiro papa no sentido pleno da palavra. Essas reivindicações encontraram forte resistência no oriente, sendo um dos fatores da futura separação entre as igrejas oriental (ortodoxa) e ocidental (católica). Implicações Práticas Embora o texto da aula não fale muito sobre o assunto, uma das características da igreja antiga foi o profundo interesse pelas Escrituras. Pais da igreja como Irineu, Orígenes, Jerônimo e Agostinho dedicaram as suas vidas ao estudo reverente da Palavra de Deus. Teodoro de Mopsuéstia (c.350-428), da Escola de Antioquia, é considerado o maior exegeta da igreja antiga. João Crisóstomo destacou-se pelas suas pregações profundamente bíblicas, expositivas. E outros ainda, como vimos, dedicaram-se à tarefa de traduzir as Escrituras. Que o seu exemplo nos estimule a valorizar a Palavra e interpretá-la de modo equilibrado. Ao estudar este período, podemos ficar perplexos diante do surgimento de crenças e práticas que não nos parecem corretas. Ficamos nos perguntando porque Deus permitiu que as coisas tomassem certos rumos. A história da igreja é importante porque mostra os acertos e os erros da igreja em sua caminhada no mundo. Nós também cometemos erros e temos as nossas próprias divergências teológicas. Precisamos pelo menos entender como certas coisas aconteceram, mesmo que não concordemos com elas. Por outro lado, seria um erro nos concentrar nos desvios e esquecer as coisas positivas. Os reformadores protestantes do século XVI souberam valorizar as contribuições positivas da igreja antiga. A Igreja no Início da Idade Média (590-1073) Inicialmente, cabem duas observações sobre o título desta aula. Primeiro, o mais correto seria dizer “A igreja na primeira metade da Idade Média”, pois o período indicado é de quase quinhentos anos. Segundo, o ano do final do período é um pouco diferente do que foi colocado na Introdução (1054). No final da aula, vocês verão por quê. A Idade Média, que tem esse nome por estar entre a Idade Antiga e a Moderna, com freqüência tem má reputação como a “idade das trevas”. Muitos acham que foi uma época em que só houve ignorância, superstições e retrocesso. Todavia, esse longo período da história também teve coisas muito apreciáveis, especialmente na sua segunda metade, como veremos na próxima aula. O início da Idade Média coincide com o pontificado do grande bispo de Roma que foi Gregório Magno (590-604), considerado um dos “doutores da igreja,” ao lado de Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. Ele foi o primeiro monge a tornar-se papa. Foi um homem de grande integridade pessoal e um notável administrador cujas ações aumentaram o poder temporal do papado, ampliaram a ação missionária da igreja (como veremos adiante) e influenciaram o monasticismo e a liturgia católica (“canto gregoriano”). Gregório escreveu uma obra de teologia prática, Livro do Cuidado Pastoral, um manual de 23
  • 24. aconselhamento que foi muito utilizado durante toda a Idade Média. Cerca de trinta anos após a sua morte, houve um acontecimento de grande importância que afetou profundamente o cristianismo. 1. O Surgimento do Islamismo Esse acontecimento foi o surgimento, na Península Arábica, de uma combativa religião rival do cristianismo. O islamismo foi fundado por Maomé (†632), um mercador de Meca, na atual Arábia Saudita, que em suas viagens teve muitos contatos com judeus e cristãos, sendo por eles influenciado em suas concepções religiosas. Uma dessas influências foi o rígido monoteísmo que caracteriza o islã, que significa “submissão” à vontade de Deus (Alá). Seu livro sagrado, o Corão, faz muitas referências ao Velho Testamento e considera Jesus um dos profetas de Deus, sendo Maomé o último e principal deles. O grande feito de Maomé foi unir as tribos árabes, que antes eram politeístas e viviam guerreando entre si, em torno dessa nova religião monoteísta. Empolgados com a sua nova fé, a partir de 632, o ano da morte de Maomé, os exércitos muçulmanos começaram a conquistar todo o norte da África e o Oriente Médio. Foi uma trágica perda para o cristianismo, pois essas regiões tinham tido florescentes centros cristãos desde os primórdios da história da igreja. Entre os lugares conquistados estavam a Numídia, onde viveram Tertuliano, Cipriano e Agostinho; o Egito, lugar da Escola de Alexandria, com seus grandes luminares, Clemente e Orígenes; e a Síria, onde havia florescido a Escola de Antioquia. Em 711, os maometanos atravessaram o Estreito de Gibraltar e invadiram a Península Ibérica (Espanha). Aliás, Gibraltar significa “rocha de Tarik”, numa referência ao comandante dos exércitos invasores. Assim, teve início uma presença muçulmana na Espanha que haveria de durar por muitos séculos. Em seguida, os mouros atravessaram os Pirineus e entraram na França, mas foram finalmente derrotados pelo rei Carlos Martelo em Tours, em 732. 2. Atividade Missionária A primeira metade da Idade Média caracterizou-se por intensa atividade missionária. Foi nesse período que completou-se a evangelização ou cristianização da Europa, principalmente no norte e no leste. Como vimos na aula anterior, em 449 os anglos e os saxões haviam invadido a Britânia ou Bretanha. A população local, os bretões, foi expulsa para o ocidente da ilha. Os bretões eram cristãos (celtas), mas os invasores ainda eram pagãos. O papa Gregório I viu nisso uma grande oportunidade missionária e enviou para lá, em 597, um monge chamado Agostinho, acompanhado de 40 outros monges. Eventualmente, houve a conversão do rei Etelberto de Kent, cuja esposa, Berta, havia se convertido anteriormente. Agostinho tornou-se arcebispo de Cantuária (Canterbury). Com isso, passaram a coexistir na Inglaterra dois tipos de cristianismo: o antigo cristianismo celta e agora o catolicismo romano. A situação foi resolvida em 663, quando o Sínodo de Whitby unificou o cristianismo inglês sob a autoridade do papa. Assim como no século VI Columba havia fundado o centro missionário de Iona, no século VII Aidano fundou um centro semelhante do outro lado da Escócia, em Lindisfarne. Porém, o mais extraordinário missionário irlandês foi Columbano (†c. 614), que pregou na França, na Alemanha e na Suíça, chegando até o norte da Itália. Na Frísia (atual Holanda) trabalhou Willibrord, que tornou-se arcebispo de Utrecht em 695, e na vizinha Germânia (Alemanha) 24
  • 25. o inglês Bonifácio (680-755), o maior missionário do seu tempo. A Dinamarca e a Suécia foram evangelizadas pelo francês Ansgar (801-865), “o apóstolo do norte”. Já os primeiros missionários aos eslavos (Morávia) foram os gregos Cirilo e Metódio, no século IX. Em todo esse longo período de desbravamento, os mosteiros realizaram um admirável trabalho nas áreas de missões, cultura e beneficência. 3. O Império dos Francos Já vimos que os francos foram a primeira tribo germânica a abraçar o cristianismo católico, sob a liderança do rei Clóvis. Esse rei iniciou a dinastia dos merovíngios, que foi suplantada no século VIII por uma nova dinastia de líderes franceses, os carolíngios, o primeiro dos quais foi Pepino de Heristal. Como vimos acima, seu filho Carlos Martelo (714-41) derrotou os muçulmanos na batalha de Tours. O filho deste, o rei Pepino, o Breve (741-68), conquistou muitas terras no norte da Itália e as cedeu à igreja, dando origem aos estados papais, que haveriam de perdurar até o século XIX. O próximo governante, Carlos Magno, que reinou de 768 a 814, foi o maior monarca do período inicial da Idade Média. Coroado imperador pelo papa Leão III, em Roma, no natal do ano 800, ele passou a governar o Sacro Império Romano. Promoveu a cultura, no que ficou conhecido como o Renascimento Carolíngio, protegeu e controlou a igreja, e ajudou os papas. Após a ruína do antigo Império Romano, esse foi o primeiro governo da Europa ocidental capaz de impor ordem e paz e desenvolver a civilização. 4. O Império Germânico Após a morte de Carlos Magno, seus filhos não conseguiram manter o império unido. O centro do poder deslocou-se um pouco para leste, para o território da atual Alemanha, onde Oto I, o Grande (936-73), inspirado em Carlos Magno, foi coroado imperador pelo papa em 962. Surgiu assim o Sacro Império Romano Germânico, que foi o principal poder político da Idade Média e, por incrível que pareça, subsistiu até 1806! O império chamava-se sacro ou sagrado por ser cristão, abençoado pela igreja, e romano porque foi entendido como o ressurgimento do antigo império dos romanos. Esse império com freqüência teve uma relação tumultuada com a igreja, interferindo nos seus assuntos internos, inclusive na escolha dos papas. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a ideologia de que o reino de Deus tinha dois representantes no mundo, o império e a igreja. 5. Personagens e Controvérsias Como os períodos anteriores, também este teve vários personagens de destaque. Na Espanha, viveu o bispo Isidoro de Sevilha (c.560-636), considerado por muitos estudiosos o último dos pais da igreja ocidental. Na Inglaterra, viveu o monge conhecido como Venerável Beda (c.673-735), autor da importante obra História Eclesiástica do Povo Inglês. João de Damasco (c.675-749), outro destacado personagem desse período, é considerado o último e mais importante dos pais da igreja oriental. O inglês Alcuíno (735- 804) foi conselheiro e uma espécie de ministro da cultura do imperador Carlos Magno. O período também foi marcado por algumas controvérsias teológicas das quais participaram indivíduos com nomes estranhos. Ratramno (†856) e Gottschalk (†868) defenderam a doutrina de Agostinho sobre a predestinação, sendo que o último foi preso e condenado, morrendo depois de vinte anos na prisão. Rabano Mauro (†856), João Scotus Erígena (†c.877) e Hincmar (†882) atacaram essa doutrina. Por sua vez, o monge beneditino 25
  • 26. Pascásio Radberto (†860) defendeu a presença real de Cristo na eucaristia (transubstanciação) contra Ratramno e Rabano Mauro. 6. A Igreja Oriental A começar do período antigo, a igreja grega ou oriental foi enfraquecida pelas lutas teológicas, cismas e invasões muçulmanas (os árabes chegaram às portas de Bizâncio em 673). A igreja também sofreu por causa de suas estreitas ligações com o Império Bizantino. Os imperadores geralmente controlaram a igreja, fenômeno esse que ficou conhecido como cesaropapismo. Entre 726 e 843 ocorreu a célebre “controvérsia iconoclástica”, na qual vários imperadores tentaram impedir sem sucesso o uso e veneração dos ícones (quadros de Maria e dos santos). Como já foi apontado, o maior teólogo da igreja oriental foi João Damasceno, falecido em 749 e considerado um doutor da igreja. Inicialmente, ele serviu na corte de um califa islâmico; depois, abandonou esse serviço para ingressar em um mosteiro. Ele produziu uma teologia considerada normativa para a igreja oriental. Desde os primeiros séculos manifestaram-se diferenças crescentes entre a igreja romana/ocidental e a igreja grega/oriental. Além do aspecto geográfico, linguístico e político, havia as diferenças mais profundas de cultura e mentalidade. Os gregos eram mais filosóficos, especulativos, daí a sua predileção por temas abstratos como o ser de Deus. Os romanos tinham mentalidade mais prática, daí seu interesse por áreas como a eclesiologia. Outro motivo para afastamento foi a palavra filioque (= “e do Filho”). O Credo de Constantinopla (381) dizia que o Espírito Santo procede do Pai. O III Sínodo de Toledo, em 589, acrescentou a referida palavra ao credo. Na década de 860, o papa Nicolau I e Fócio, o patriarca de Constantinopla, excomungaram-se mutuamente por esse motivo. O problema maior sempre foi a reivindicação de autoridade universal pelo bispo de Roma. A ruptura final entre as duas igrejas ocorreu em 1054, quando Leão IX excomungou o patriarca Miguel Cerulário e este anatematizou o papa. De todo esse longo processo, resultou a Igreja Ortodoxa Grega, distinta da Igreja Católica Romana. 7. Decadência e Reforma do Papado Do final do século IX até meados do século XI, o papado tornou-se um joguete nas mãos de poderosas famílias romanas (como os Theophylact, os Crescentii e os Tusculani), experimentando a maior decadência da sua história. Todavia, a partir da fundação do Mosteiro de Cluny (910), na França, surgiu um partido reformador que eventualmente moralizou a alta administração da igreja. Esse movimento promoveu a reforma dos mosteiros e lutou contra a simonia (compra e venda de cargos eclesiásticos; ver Atos 8:18), o nicolaísmo (casamento dos sacerdotes; ver Ap 2:6,15) e as investiduras leigas, ou seja, a interferência dos príncipes na eleição e consagração dos bispos. A reforma do papado começou com Leão IX (1049-54) e seu hábil conselheiro Hildebrando (c.1023-1085). No pontificado de Nicolau II, foi decidido que a eleição dos papas seria feita somente através do colégio de cardeais (1059). Finalmente, em 1073 o próprio Hildebrando foi eleito papa, adotando o título de Gregório VII. 8. E as Escrituras? Na Idade Média, as Escrituras eram lidas habitualmente apenas nos mosteiros, sendo pouco acessíveis para o povo. Havia várias razões para isso: a Bíblia só existia em latim, não tendo ainda sido traduzida para os diversos idiomas da Europa; não havia ainda a imprensa, o que fazia com que as cópias da Bíblia tivessem de ser escritas à mão, tornando-as muito 26
  • 27. caras para a maior parte das pessoas; além disso, a igreja não tinha interesse em que as Escrituras estivessem nas mãos das pessoas comuns, por temer que fossem interpretadas de maneira divergente do ensino da igreja, gerando idéias “heréticas”. Todavia, foi muito importante o trabalho dos monges no sentido de preservar e reproduzir os antigos manuscritos bíblicos, o que faziam com muita arte e esmero. Além dos copistas peritos em caligrafia havia os iluministas, ou seja, os indivíduos que ilustravam os manuscritos com belos desenhos conhecidos como iluminuras. Em termos de hermenêutica ou interpretação bíblica, continuou-se a usar o método alegórico (a busca de sentidos ocultos no texto), surgido nos primeiros séculos da história da igreja. O peso da tradição eclesiástica (os ensinos dos escritores da igreja, dos concílios e dos papas) foi se tornando cada vez mais influente para a fé e a prática da igreja. Implicações Práticas O surgimento do islamismo e os danos que causou ao cristianismo mostram outro tipo de desafio que os cristãos têm enfrentado em toda a sua história: a realidade de outras religiões e o desafio missionário que representam. Como vimos, a parte inicial da Idade Média não foi só um período de perdas, mas de ganhos: perdas no norte da África e Oriente Médio, mas ganhos no norte e leste da Europa, através dos esforços missionários empreendidos. Os problemas enfrentados e vitórias alcançadas nos dão importantes lições ao nos depararmos com os mesmos desafios em nossos dias. A história desse período também nos mostra o alto preço que a igreja pode pagar ao relacionar-se muito estreitamente com o estado. Essa relação quase sempre corrompe a ambos, embora quem mais perca seja a igreja, que não tens fins primariamente políticos, e sim espirituais. Não é desejável que a igreja esteja alheia às questões políticas ou sociais, mas que, a partir de uma postura de independência, exerça uma influência salutar sobre as instituições políticas, especialmente na área crucial da ética. A Igreja na Idade Média Posterior (1073-1517) Devido à grande quantidade de informações sobre este importante e longo período, iremos dividi-lo em duas partes: O Apogeu da Idade Média e A Época do Renascimento. I. O Apogeu da Idade Média (1073-1294) 1. O Auge do Papado Hildebrando, a quem nos referimos no final da aula passada, tornou-se papa com o título de Gregório VII (1073-85) e adotou como lema do seu pontificado as palavras de Jeremias 48.10a. Ele foi um papa reformador que lutou contra a corrupção dos clérigos, as investiduras leigas e a simonia (ver aula anterior). Como o imperador alemão Henrique IV (1056-1106) insistisse em nomear os bispos no seu território, Hildebrando o excomungou. Enfraquecido politicamente, Henrique foi encontrar-se com o papa no castelo de Canossa, nos Alpes, em que este achava-se hospedado (ano 1077). Depois de bater à porta por três dias, vestido como um penitente e caminhando descalço na neve, Henrique foi perdoado e teve anulada a sua excomunhão. Novamente fortalecido, o imperador enviou um exército a 27
  • 28. Roma e prendeu o papa. A controvérsia das investiduras só foi resolvida na Concordata de Worms (1122), entre o papa Calixto II e o imperador Henrique V. Outro papa que lutou contra a simonia foi Alexandre III (1159-81). O rei Henrique II da Inglaterra não queria abrir mão da prerrogativa de nomear os bispos. Isso fez com que o seu opositor, Thomas Becket, arcebispo de Cantuária, fosse assassinado (1170). O papa obrigou o rei a fazer uma penitência pública pelo assassinato. Todavia, o maior dos papas medievais foi Inocêncio III (1198-1216), o primeiro a usar o título “Vigário de Cristo”. Ele nutriu a visão de uma sociedade cristã unificada sob a liderança do papa (o conceito de “cristandade”). Inocêncio reorganizou a igreja através do 4° Concílio Lateranense (1215) e enfrentou com êxito o rei francês Filipe Augusto e o rei inglês João Sem Terra, que se viu forçado a aceitar uma constituição, a Magna Carta. Esses episódios nos mostram como era tumultuada e nociva a relação entre a igreja e o estado. 2. As Cruzadas As cruzadas foram guerras promovidas pela cristandade ocidental contra o islamismo, de 1095 a 1291. Tiveram diversas causas, religiosas, políticas e econômicas, mas o objetivo declarado era libertar a Palestina, o berço do cristianismo, das mãos dos maometanos. A primeira cruzada foi pregada pelo papa Urbano II em Clermont, na França, em 1095, sob o lema Deus vult! (“Deus o quer”). Depois de muita violência, os cruzados estabeleceram um reino cristão em Jerusalém (1099-1187). A “cruzada das crianças” (1212) envolveu milhares de adolescentes, a maior parte dos quais morreram ou foram vendidos como escravos. Os cruzados mais famosos foram os reis Frederico Barba Roxa (1152-90), Ricardo Coração de Leão (1189-99) e Luís IX (São Luís, 1226-70). Esse período viu o surgimento de ordens militares como os hospitalários, os templários e a ordem teutônica. Na mesma época, teve continuidade a reconquista da Península Ibérica e ocorreu o surgimento de Portugal como nação independente (1147-1249). As cruzadas produziram muitos efeitos negativos, entre os quais uma duradoura antipatia entre os dois grupos envolvidos, o que muito dificultou as missões dos cristãos aos muçulmanos. 3. O Escolasticismo O escolasticismo foi um movimento intelectual e teológico que resultou da introdução da filosofia de Aristóteles na Europa através dos árabes e judeus da Espanha. Essa filosofia, com sua visão ordenada e sistemática do mundo, afetou todas as áreas do pensamento, contribuindo para o chamado renascimento do século XII (1050-1250). A filosofia e a lógica aristotélicas também afetaram fortemente a teologia cristã. Os primeiros teólogos escolásticos foram os seguintes: Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária, chamado o “pai do escolasticismo”; sua obra principal foi Cur Deus Homo?, um tratado sobre a encarnação. Pedro Abelardo (1079-1142), brilhante professor da Universidade de Paris que escreveu a obra Sic et Non. Bernardo de Claraval (1090-1153), influente líder, pregador e místico, tido como o pai do misticismo medieval. Pedro Lombardo (1100?-1160?), chamado “o mestre das sentenças” por causa da sua obra Quatro Livros de Sentenças, um texto padrão de teologia por vários séculos no qual ele defendeu os sete sacramentos. O século XII também marcou o surgimento das primeiras universidades, tais como as de Paris, Montpellier, Cambridge, Oxford, Bolonha, Modena e Régio. Nelas estudava-se filosofia, direito, medicina e teologia, a “raínha das ciências”. Outra contribuição do período foi a esplêndida arquitetura gótica das catedrais. 28
  • 29. 4. Movimentos dissidentes Outro aspecto desse período de efervescência foi o surgimento de alguns movimentos dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja Católica. Um deles foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses (da cidade de Albi), surgidos no século XI. Caracterizavam-se por um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo radical (espiritual x material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4° Concílio Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para combater esses e outros hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233. Outro movimento foi liderado por Pedro Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião, cujos seguidores ficaram conhecidos como “homens pobres de Lião”. Tinham um estilo de vida comunitário, ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte), incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório. Condenados pelo Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos, refugiando-se em vales remotos e quase inacessíveis dos alpes italianos. Mais tarde abraçaram a Reforma Protestante, sendo assim uma das poucas igreja protestantes anteriores à Reforma do Século XVI. 5. Ordens Religiosas A segunda metade da Idade Média também viu o surgimento de novas ordens religiosas como os cistercienses (de Citeaux, na França), em 1098. Em um século, os chamados “monges brancos” criariam 530 mosteiros. Todavia, duas outras ordens surgidas no século XIII se tornariam muito mais conhecidas. Trata-se das “ordens mendicantes” (frades), com sua ênfase na educação como instrumento de conversão do mundo. A primeira foi a dos franciscanos, fundada pelo italiano Francisco de Assis (c.1181-1226) e aprovada oficialmente em 1210. Os “frades menores” tinham inicialmente um ideal de renúncia e pobreza (Mt 19:21), e visavam a conversão dos muçulmanos. Dedicavam-se à caridade, à pregação e ao estudo. A outra ordem foi a dos dominicanos, organizada pelo espanhol Dominic de Guzman (c.1170-1221) e aprovada em 1216. Esses frades pregadores tinham como alvo inicial converter os albigenses e outros grupos. Posteriormente, sua forte ênfase inicial na pregação e no estudo foi substituída pela preocupação com a ortodoxia e isso os levou a se envolverem com a Inquisição. 6. O Apogeu do Escolasticismo Os grandes teólogos escolásticos foram os dominicanos Alberto Magno (c.1200-1280), Tomás de Aquino (c.1225-1274) e Meister Eckhart (c.1260-1327), e os franciscanos Boaventura (c.1217-1274), Duns Scotus (c.1265-1308) e Guilherme de Ockham (c.1285- 1349). O maior de todos sem dúvida foi Tomás de Aquino, procedente de uma família nobre italiana. Aquino foi o maior teólogo medieval e os seus ensinos (o tomismo) são a doutrina oficial da Igreja Católica. Escreveu a famosa Suma Teológica, na qual dá ênfase aos conceitos duplos de fé e razão, graça e natureza, bem como aos sacramentos. Foi canonizado em 1323 e declarado como “doutor da igreja” em 1567. 7. Vida e Culto A sociedade medieval possuía uma estrutura hierárquica e rígida composta de três grupos principais: os que trabalham (servos), os que oram (religiosos) e os que guerreiam (nobres). Imperava o sistema feudal de senhores e vassalos. Ao mesmo tempo, estava surgindo uma 29
  • 30. economia baseada no lucro, o que conflitava com o antigo ideal de pobreza. A religiosidade popular dava grande ênfase aos sacramentos, especialmente da eucaristia e da penitência (e as indulgências), bem como às esmolas, jejum e orações. Muitos buscavam um contato mais pessoal com Deus pela união da alma com Ele (místicos) ou o cultivo da vida devocional interior. Havia muita ansiedade por uma espiritualidade mais profunda, o que nem sempre podia ser suprido pela igreja, envolvida que estava com tantos interesses seculares e mundanos. II. A Época do Renascimento (1294-1517) 1. Os Estados Nacionais A igreja não vivia em um vácuo, mas sim em um contexto político e social mais amplo com o qual tinha múltiplas interações. No final da Idade Média, houve o surgimento dos chamados “estados nacionais”, as modernas nações européias, o que representou uma grande ameaça às pretensão do papado. Na Alemanha (Sacro Império Romano), Rudolf von Hapsburg foi eleito imperador em 1273. Em 1356, um documento conhecido como Bula de Ouro determinou que cada novo imperador seria escolhido por sete eleitores (quatro nobres e três arcebispos). Havia descentralização política, isto é, o poder dos príncipes limitava a autoridade do imperador, e forte tensão entre a igreja e o estado. Na França, houve o fortalecimento da monarquia com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse rei enfrentou com êxito o poder da igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o primeiro estado nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se pela primeira vez em 1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de Eduardo I (†1307), que subjugou os nobres e enfrentou com êxito o papa na questão de impostos. 2. O Declínio do Papado Este período começa com o pontificado de BonifácioVIII (1294-1303), um papa arrogante e ambicioso que entrou em confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e da autoridade papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos, na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili (“Escuta, filho”), dirigida ao rei francês, e Unam Sanctam (1302), denominada “o canto do cisne do papado medieval.” Irritado com as ações papais, Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês após ser libertado. Seguiu-se um período de crescente desmoralização do papado. Clemente V (1305-1314), um papa francês, transferiu a Cúria, ou seja, a administração da igreja, para Avinhão, ao sul da França, no que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da Igreja” (1309-1377). Em toda parte cresceram as críticas às extravagâncias e ao luxo da corte papal. João XXII (1316-1334) mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para cobrir essas despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que houve dois e posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa (1378-1417). Diante dessa situação constrangedora, surgiu em toda a Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos membros.” 3. O Movimento Conciliar 30
  • 31. Durante o “Grande Cisma”, cada papa considerou-se o único legítimo e excomungou o rival. Assim, houve a necessidade de um concílio para resolver a crise. O Concílio de Pisa (1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois recusaram-se a ser depostos, resultando em três papas ao mesmo tempo. João XXIII, o segundo papa pisano, convocou o Concílio de Constança (1414-1417), que depôs os três papas, elegeu Martinho V como único papa, decretou a supremacia dos concílios sobre o papa e condenou os pré-reformadores João Wycliff, João Hus e Jerônimo de Praga. O Concílio de Basiléia (1431-1449) reafirmou a superioridade dos concílios. Finalmente, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445) tentou a união com a Igreja Ortodoxa (frustrada pela conquista de Constantinopla pelos turcos em 1453) e reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa fracassada de tornar a igreja mais democrática e governá-la através de concílios ficou conhecida como conciliarismo. 4. O Renascimento No final da Idade Média houve um extraordinário movimento intelectual e artístico que é conhecido como Renascimento ou Renascença (c.1350-1550). Duas características desse movimento foram a forte valorização do ser humano (humanismo) e a fascinação com as obras artísticas e literárias da antigüidade greco-romana. O renascimento começou na Itália (Roma, Florença) com Petrarca e Bocácio, no século XIV. Seus artistas mais conhecidos são Leonardo da Vinci (1452-1519), autor da fachada da basílica de São Pedro e da “Última Ceia”; Rafael Sanzio (1483-1520) autor de madonas; e Michelangelo Buonarroti (1475- 1564), que pintou a belíssima Capela Sistina e esculpiu as famosas estátuas da “Pietá” e de “Moisés.” O interesse pelas obras da antigüidade levou ao estudo da Bíblia nas línguas originais pelos chamados humanistas bíblicos. Os principais deles foram o italiano Lorenzo Valla (†1457), estudioso do Novo Testamento; o inglês John Colet (†1519), estudioso das epístolas paulinas; o alemão Johannes Reuchlin (†1522), notável hebraísta; o francês Lefèvre D’Étaples (†1536), tradutor do Novo Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã (1466?- 1536), “o príncipe dos humanistas”, que publicou uma edição crítica do Novo Testamento grego com uma tradução latina, talvez a obra mais importante publicada no século XVI, que serviu de base para as traduções de Lutero, Tyndale e Lefèvre e muito influenciou os reformadores protestantes. Esse retorno às Escrituras muito contribuiu para a Reforma do Século XVI. 5. Primeiros Movimentos de Reforma Nos séculos XIV e XV surgiram alguns movimentos esporádicos de protesto contra certos ensinos e práticas da igreja medieval. Um deles foi encabeçado por João Wycliff (1325?- 1384), um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Wycliff atacou as irregularidades do clero, as superstições (relíquias, peregrinações, veneração dos santos), bem como a transubstanciação, o purgatório, as indulgências, o celibato clerical e as pretensões papais. Seus seguidores, conhecidos como os lolardos, tinham a Bíblia como norma de fé que todos devem ler e interpretar. João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e professor da Universidade de Praga, na Boêmia, foi influenciado pelos escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma vida semelhante à de Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os eleitos são membros da igreja e que o seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia na autoridade suprema das Escrituras. Hus foi 31