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Filosofia Medieval
A Filosofia Medieval divide-se em:
Filosofia Patrística, com três períodos:
1º - Patrística Incipiente (Sécs. I - III)
- Tertuliano (Sécs. II - III)
- Justino, mártir (Séc II)
2º - Apogeu da Patrística (Sécs. IV - V)
- Santo Agostinho (354 - 430)
3º - Patrística Tardia (Sécs. VI - VIII)
- Boécio
- Pseudo-Dionísio
Pré-Escolástica (Sécs. IX - X)
- João Escoto Erígena
Filosofia Escolástica, também com três períodos:
1º - Escolástica Incipiente (Sécs. XI - XII)
- Pedro Abelardo
- S. Bernardo de Claraval
- Santo Anselmo de Cantuária
- Chartres
- S. Vítor
2º - Apogeu da Escolástica (Séc. XIII)
- São Boaventura, Doutor Seráfico (1221 - 1274)
- Santo Alberto Magno, Doutor Universal (1206 - 1280)
- S. Tomás de Aquino, Doutor Angélico
3º - Decadência Escolástica (Sécs. XIV - XV)
- Guilherme de Ockham
I – Introdução
Entende-se por Filosofia Medieval aquela que se desenvolveu na sociedade
Feudal da Europa Ocidental na época compreendida entre a queda do Império Romano 1
(séc. V) até ao aparecimento das formas iniciais da sociedade capitalista (séculos XIVXV). Esta expressão surge no Renascimento, nessa época a Idade média era tida como
uma “longa noite” de mil anos. Ainda hoje utilizamos a expressão “medieval”
pejorativamente para tudo que parece dogmático e retrógrado.
A Filosofia Medieval apresenta na sua elaboração uma diferença em relação a
Filosofia Grega, ela revela-se como um fruto do seu tempo, isto é, condicionado pelo
contexto histórico da própria época. Ela caracteriza-se pela profunda unidade com a
religião. Os filósofos medievais exprimem esta relação da seguinte forma: “Intellectus
quaerens fidem” (a razão filosófica necessita da fé para saber) e “Fides quaerens
intellectum” (a necessidade que a fé tem da razão para ser entendido).
Outra novidade da Filosofia Medieval em relação a Filosofia Antiga reside no
alcance mais profundo e radical da sua especulação metafísica. A Filosofia Medieval
introduz o conceito da criação do mundo a partir do nada de si mesmo. Aqui lançam-se as
sementes para a Filosofia existencial, que se propõe dar razão da própria existência de
tudo quanto existe. É existencial num duplo sentido: ela se propõe a dar razão do porquê
do ser do mundo (causa eficiente) e do para quê do mesmo mundo (causa final).
Mas houve também quem tivesse visto a Idade Média como o crescimento
milenar. Foi a Idade Media que formou o ensino público, muito cedo surgiram as escolas
nos mosteiros e nas catedrais, a partir do século XIII foram fundadas as primeiras
Universidades: Pádua, Paris, Salamanca, Bolonha, Oxford etc. Ainda hoje se conserva a
divisão das disciplinas por grupos ou faculdades, como na Idade Média. Tudo isto só foi
1

Com a queda do Império Romano no séc. V a religião lentamente surge como elemento agregador dos
inúmeros reinos bárbaros formados após as sucessivas invasões. Os seus chefes são convertidos ao
cristianismo e a Igreja se transforma em soberania absoluta da vida espiritual do mundo ocidental. A
cultura greco-romana quase desaparece nos períodos mais turbulentos da implantação do modo feudal de
produção, portanto permanece guardada nos mosteiros.
Durante este período, uma constante se faz notar: a tentativa de conciliar a fé e a razão. A temática
predominante é “crer para compreender e compreender para crê”.
possível graças aos materiais provenientes de fontes antigas e modernas - tornou-se a
investigação mais ampla, profunda e imparcial e, deste modo, se viu cada vez mais
claramente que a Idade Média tinha filosofado, embora, como é natural peculiar.
Tentou-se desvalorizar o filosofar medievo perante a produção invejável da época
antiga e moderna, afirmando-se que se desenvolvia amparado a Igreja, Aristóteles e a S.
Agostinho. Nesta afirmação há uma verdade parcial, contudo não atinge o essencial.
Como homem, perguntava pelo fundamento e pela natureza das coisas, mas esta questão
encontrava-se subordinada a uma outra de maior alcance, mais urgente, que dizia respeito
a Salvação da alma e do mundo. Na resposta da fé cristã a essas perguntas, na crença, no
pecado e na redenção não se esgotava o filosofar, mas ficava determinada a sua
orientação.
Precisamente a alta Idade Média caracteriza-se por um duplo esforço:
1- Delimitar as esferas da Teologia e da Filosofia, da Fé e da Razão, da Graça e da
Natureza.
2- Construir a síntese mais completa possível destes dois domínios.
Ao desintegrar-se a sociedade esclavagista, produziu também uma decadência da
Filosofia. Perdeu-se até certo ponto a herança tradicional filosófica clássica até a segunda
metade do séc. XII, já que permaneceu desconhecida os conhecimentos outrora
difundidos pelos sábios da Europa Ocidental.
No contexto da época histórica, a ideologia dominante foi a religiosa, que se expandiu
nos países do próximo oriente, arábia, e os países do mundo árabe, tendo em conta duas
variantes: Catolicismo Romano e a Ortodoxia Bizantina.
Durante vários séculos a Filosofia converteu-se em serva da Teologia “Philosophiae
Ancilla Theologiae”. Isto significa que a Filosofia enquanto serva da Teologia
desempenhou esta função nas obras dos apologistas e defensores do cristianismo contra o
paganismo. A Filosofia nesta condição fundamenta os dogmas religiosos: demonstrar a
existência de Deus e demonstrar a imortalidade da alma. Dois são os denominadores do
pensamento medieval: a patrística e a escolástica.
CAPÍTULO I. O PERÍODO DA PATRÍSTICA
O termo patrística procede do latim pater, patris, denominando os pensadores desta
época que desenvolveram a doutrina da igreja. Os padres da Igreja foram personalidades
eminentes do cristianismo, autores de obras apologéticas, anti-herétias, 2 comentários e
histórias. A ortodoxia só reconhece como padres da Igreja: Atanásio de Alexandria,
Basílio o grande, Gregório de Nisa, Gregório de Nasianceso, Juan Damasceno, porém a
Igreja Católica reconhece e canonizou: Clemente de Alexandria, Orígenes, Jerónimo,
Ambrósio etc.
O cristianismo para se defender dos ataques polémicos, das perseguições, e também
para garantir a própria unidade contra cisões e erros, teve de pôr a claro os próprios
pressupostos teóricos e organizar-se um sistema doutrinal, teve que apresentar-se como
expressão completa e definitiva da verdade que a Filosofia Grega tinha procurado.
A mensagem de Cristo apresenta uma resposta aos grandes problemas da humanidade
às questões acerca de Deus, do Mundo e do Homem, mantendo-se dentro dos limites
religioso. Contudo, na medida em que esta mensagem encontra a Filosofia no mundo da
cultura helénica enfrenta-se com uma série de questões. Ao mesmo tempo a Filosofia
presta os serviços à estruturação da doutrina religiosa. Aos primitivos pensadores cristãos
serviu também a Filosofia de instrumento que lhes permitiu discutir com o mundo pagão.
É ela a linguagem com que defendem as novas verdades religiosas, das objecções e
acusações que se levantavam no mundo grego, contra a nova doutrina. Nesta apologética
é a Filosofia utilizada como auxiliar.
1.1-

AS QUESTÕES FILOSÓFICAS DA DOUTRINA DE CRISTO
1.1.1- O conceito de Deus

2

Heresia, etimologicamente, provem do grego que significa: escolher, compreender convencer-se. Entendese por heresia os desvios aos dogmas oficiais de uma religião. As heresias pronunciavam-se contra os
pontos básicos da dogmática cristã: a doutrina sobre a trindade, a predestinação e a cristologia.
O Deus de Israel era considerado criador e senhor do mundo, inconcebível pelo
homem como Deus da Filosofia Grega, devido a sua natureza diferente: espiritual e
inatingível pelo homem pecador. Cristo acrescenta a Deus as feições de pai amoroso,
perante o qual somos filhos.
Esta concepção modificada da divindade determina também de maneira nova a
relação entre Deus e o mundo. A criação é um acto de amor divino. Deus como senhor
amoroso e livre reina sobre a criação e salva o homem, tornando-o criatura pecadora,
mercê da sua graça.
Com a nova visão de Deus e do homem surge uma profunda alteração das
concepções morais. Cristo acentua o amor do próximo que não conhece excepção e inclui
o amor aos inimigos.
1.1.2- Os elementos filosóficos em S. Paulo e S. João
O conceito platónico de Deus (Demiurgo) com o seu monoteísmo, a
demonstração da existência de Deus dos estóicos, a doutrina estóica de providência, a sua
ideia de identidade de todos os homens, a concepção platónica da imortalidade da alma e
muitas outras noções poder-se-iam interpretar como preâmbulo do conhecimento cristão.
As cartas de S. Paulo escritas a várias comunidades cristãs contêm apologias da
doutrina fundamental de Cristo, admoestações, conselhos, prescrições rituais e conceitos
da nova religião, que serviriam nos séculos seguintes nas disputas teológicas e das
interpretações filosóficas assim recapitulando.
1- A cognoscibilidade natural de Deus. Deus é cognoscível através das suas obras
que revelou.
2- A doutrina do pecado original e da revelação pela fé em Cristo. “Por um homem
entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte” 3. A redenção do pecado
realiza-se pela fé em Cristo.
3- O conceito da graça como acção salvadora de Deus através da fé.
4- O contraste entre a vida segundo a carne e a vida segundo o espírito.
3

Bíblia Sagrada. Versão Digital. Romanos 5, 19
5- A identificação do reino de Deus com a Igreja.
O conceito joanino de Logos. “No princípio o logos estava em Deus e o logos era
Deus. No princípio Ele estava em Deus. Tudo foi criado através d`Ele e do que foi feito,
nada fez-se sem Ele. N`Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens. E a luz apareceu
nas trevas as trevas não O receberam” cf. Jo. 1,1-5.
1.2-

Os apologetas do século II

Os apologetas são os escritores cristãos dos séculos I e II dC. O seu aparecimento
é por si só, um fenómeno religioso de maior importância. Eles são homens educados na
sabedoria grega, convertidos ao cristianismo, com as suas publicações defendem-se dos
ataques dos pagãos.
Os apologetas procuraram justificar, demonstrando a superioridade da dignidade
espiritual de Cristo. O plano de comparação não é religioso mas filosófico; e o
cristianismo deve opor-se as convicções pagãs como filosofia superior.
Os apologetas não impugnaram apenas o paganismo, mas os seus ataques também
incidiram sobre as correntes religiosas que nas suas próprias fileiras, sob a forma de um
misticismo4 especulativo, ameaçavam destruir a nova doutrina.
Os apologetas foram obrigados a lutar contra duas frentes:
a) No interior, pela exacta compreensão da doutrina revelada;
b) Externamente, por uma justa apreciação dessa doutrina.
1.2.1- SÃO JUSTINO (falecido depois de + 160)
Teve educação grega.
Depois dos mais variados sistemas o terem deixado insatisfeitos, encontrou
tranquilidade no platonismo até a sua conversão ao cristianismo.
S. Justino encontrou no cristianismo “a Filosofia mais certa e mais salutar” que é
devida a revelação divina e por isso transcende, em verdade e vigor, toda a sabedoria.

4

Devoção religiosa em elevado grau, vida contemplativa.
Enquanto Cristo é a verdade plena, o logos actua em todos os homens. Tudo aquilo, que
sempre foi proclamado como verdadeiro, é cristão. Assim também todos aqueles que
sempre viveram segundo o logos, tais como Sócrates, Heráclito, Abraão e Elias foram
cristãos. S. Justino afirma que Platão conheceu o judaísmo e o Antigo Testamento. A
doutrina de livre arbítrio, da imortalidade da alma e da justiça eterna tomou-as de Moisés
e dos profetas da Antiga Lei.
Segundo S. Justino Deus é uno, sem nome e inexprimível. Criou o mundo. A alma
humana é parte da criação, graças a força divina, nela contida, é a alma, como o princípio
vital, dotado de razão e liberdade. Graças a estas faculdades ela (alma) pode voltar-se
para Deus.
1.2.2- TERTULIANO (160-220)
Padre latino, jurista convertido ao cristianismo.
1- O ponto de partida de Tertuliano é a condenação da Filosofia. A verdade da
religião funda-se na tradição eclesiástica; da Filosofia só nasce heresias; não
existe nada de comum entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e
dos Céus. Segundo Tertuliano os filósofos são os patriarcas dos heréticos. A raíz
de todas as heresias está nos filósofos gregos. Valenteiro, o gnóstico era discípulo
de Platão. Para negar a imortalidade da alma recorre-se aos epicuristas; para negar
a ressurreição da carne, ao acordo unânime dos filósofos. Quando se fala de um
Deus fogo recorre-se a Heráclito. E a coisa mais inútil de todas é a dialéctica do
desgraçado (grifo nosso) Aristóteles que serve tanto para edificar como para
destruir e que se adapta a todas as opiniões (ABAGNANO, N. Vol. II páginas
142-146).
2- Na doutrina do Logos, Tertuliano liga-se expressamente aos estóicos. “Deus criou
todo mundo, com a palavra, com a sabedoria e com a potência.” Também os
vossos sábios chamam Logos, isto é, a palavra e sabedoria ao artífice do universo.
Zenão chama-lhe de autor da ordem que depôs todas as coisas.
3- Tertuliano admite a subordinação do Filho e do Espírito Santo ao pai. O ser
pertence principalmente ao Pai, do qual se comunica ao Filho e, através deste ao
Espírito Santo. Tudo aquilo que o Filho é, vem-lhe da substância do pai; a
vontade e o poder vêm do Pai.
4- O Logos tem um duplo nascimento:
a) O imanente é gerado na sensibilidade do pai, de Deus;
b) O emanente afasta-se do pai e procede à criação do mundo. (ABAGNANO. N,
Vol II página 146.
5- Ele defende uma doutrina sensualista do conhecimento, uma espécie de metafísica
materialista “as almas e Deus são corpóreos”. Deus é concebível a partir da
criação como ente supremo, Ele é uno, eterno e livre.
6- Ele admite o traducionismo em relação a alma, ela é imortal e livre, quer para o
bem como para o mal.
7- O seu ponto de vista em relação a liberdade religiosa interpreta a liberdade de
opção. Não se deve forçar a veneração nem para o homem nem para Deus, porque
se se forçar está-se a contrariar a natureza religiosa.
1.3- A GNOSE
O conceito de gnose tem a sua origem na língua grega significando conhecimento
e posteriormente ciência e sabedoria.
Enquanto os apologetas por um lado se dão por satisfeitos em provar a hierarquia
mais elevada das verdades cristãs em confronto com a Filosofia pagã, servindo-se em
parte da Filosofia grega para a defesa e exposição do cristianismo, uma interpretação
completa do mundo. Deseja progredir da crença para o saber cristão. A gnose apresentase como a primeira tentativa de uma Filosofia do cristianismo.
A doutrina dos gnósticos constituiu um ecletismo teosófico5 que pretende
conciliar todas as religiões e explicar-lhes o sentido profundo através de um
conhecimento esotérico6 e perfeito das coisas divinas comunicável por tradição e por
iniciação. Os gnósticos pensam que o conhecimento é a condição necessária para a
salvação.
5

Conhecimento sobre Deus e das coisas divinas mas comunicadas unicamente aos adeptos conhecidos e
escolhidos pela sua inteligência e moralidade.
6
É a doutrina segundo a qual a ciência não deve ser vulgarizada. O ensino é feito no interior da escola, para
os discípulos completamente instruídos.
Carpócrates (cerca de 160, de origem platónica) pensa que as almas tinham
contemplado o eterno, no lugar do Deus imutável, antes de se unirem aos corpos terrenos.
E quanto mais uma alma consegue manter-se pura, tanto mais lhe é do alto participada a
força de maior intensidade, de tal modo que, após uma vida pura e imaculada alcança de
novo Deus. “Jesus é o ideal do homem perfeito, capaz de uma alma completamente
pura”.7
O pensamento de S. Paulo acerca da lei como via que nos conduz a Cristo,
provavelmente teria influenciado, homens como Cerinto (cerca de 115) e Sartonilo
(cerca de 155) à ideia de que o Deus dos judeus, que criou o mundo, era diferente do
verdadeiro Deus de Jesus.
1.3.1- A OPOSIÇÃO À FALSA GNOSE
S. Irineu e Hipólito lutaram pela verdadeira gnose, contra a falsa. A falsa gnose
tinha transformado a verdade parcial do helenismo em base da sua doutrina, enquanto o
cristianismo encontra a verdadeira gnose nos escritos dos Apóstolos. O erro da falsa
gnose consistiu em estabelecer uma diferença entre o Deus criador do mundo e o Deus
supremo. Deus é inconcebível para o entendimento humano e tudo o que se sabe acerca
dele foi graças as manifestações que revestem três aspectos: na natureza onde Deus se
revela pelas obras, no Antigo Testamento e no Novo Testamento.
O Logos (Jesus) não é uma entidade intermediária subordinada, mas idêntica ao
Pai. Fez-se verdadeiro homem e com Ele ressuscitarão o nosso corpo e a nossa alma que,
por natureza são mortais.
A continuidade que os apologetas orientais a começar com Justino tinham
estabelecido entre o cristianismo e a filosofia pagã consolida-se e aprofunda-se. O
cristianismo apresenta-se assim como uma autêntica filosofia que observa e leva a
verdade o saber antigo, do qual pode e deve servir-se para trazer elementos e motivos
para a própria justificação. As doutrinas fundamentais do cristianismo encontram,
mediante este trabalho, s sua sistematização definitiva. O período que vai de 200 à 450 é

7

Heneman, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian 2ª edição sd, página126.
decisivo para a construção de todo o edifício doutrinal do cristianismo. O primeiro
impulso para tal investigação foi dado pela escola de Alexandria.
1.4- A ESCOLA CATEQUÉTICA DE ALEXANDRIA
Esta escola já existia há muitos anos, quando em 180 se tornou seu chefe Pantano,
que lhe deu características de uma academia cristã, na qual a sabedoria grega era utilizada
para os fins apologéticos do Cristianismo.
Denomina-se Escola Catequética de Alexandria, ao conjunto de ideias filosóficas
que se desenvolveram na cidade de Alexandria durante os três primeiros séculos da nossa
era, destacando os seguintes pensadores: Fílon, S. Clemente e Orígenes.
Ao declinar a discussão apologética do cristianismo com o paganismo cresce cada
vez mais o desejo de um aprofundamento interno e de uma estruturação sistemática da
doutrina cristã. Trata-se de contrapor aos sistemas acabados da Filosofia Grega uma visão
cristã do mundo, igualmente ampla. Se a Filosofia concedera aos apologetas um
instrumento que lhes possibilitava o diálogo com o paganismo, vai agora servir aos
pensadores cristãos no seu esforço de desenvolver o conteúdo da fé em todos os aspectos
e numa construção sistemática.
As primeiras grandes realizações desta exposição sistemática encontram-se na
Escola Catequética de Alexandria.
1.4.1- Fílon de Alexandria (25 aC, Judeu)
1- Procura fazer uma síntese entre a Sagrada Escritura e a Filosofia Platónica. A
visão platónica da realidade é idêntica à da Bíblia em substância. Fílon identifica
o Deus de Moisés com o Bem platónico. O mundo sensível não procede
directamente de Deus, d´Ele procede imediatamente o Logos (razão ou
pensamento, palavra). No Logos encontramos as Ideias ou arquétipos das Ideias e
por sua vez é o logos que faz o mundo.8

8

História da Filosofia. Dos pré socráticos à Idade Média I Vol. Passim.
2- O universo apresenta uma estrutura piramidal. O vértice da pirâmide é ocupado
por Deus. Entre o vértice e a base há uma série de seres tanto mais perfeitos e
menos numerosos quanto mais próximo de Deus, e tanto menos perfeitos e mais
numerosos quanto mais próximo da matéria.
3- Deus e a matéria são eternos e não criados, ao passo que todos os seres
intermédios são criados por Deus, os seres corpóreos são criados por Deus com
auxílio dos seres espirituais. A parte superior é ocupada pelos seres espirituais na
seguinte ordem: Deus, Logos, Potências e Ideias. O Logos e as Ideias são os
Demiurgos, os coordenadores que ajudam Deus na criação e no governo do
mundo. As Ideias são os modelos espirituais dos quais Deus e os ministros se
servem para criar as coisas materiais.
4- A parte inferior da pirâmide é ocupada pelas coisas corpóreas. O homem
encontra-se na zona limítrofe entre as duas partes. Mas esta colocação não é
definitiva, ele tem a possibilidade de separar-se do mundo corpóreo e de subir até
Deus. Pela prática da ascese, desapegando-se dos sentidos e de tudo que é
corpóreo e o fascina, ajudado pela divina revelação, contida na Lei o homem pode
retornar à esfera das Ideias; pode mesmo subir mais alto até as Potências, ao
Logos e ao Próprio Deus. 9
1.4.2- TITO FLÁVIO CLEMENTE (S. Clemente 150-215-6)

Obras:
1- Protréptico ou Exortação aos gregos aproxima-se da literatura apologética do
século II.
2- Pedagogo em três livros, procura educar na verdade cristã o leitor que apartou-se
do paganismo.
3- Stramata ou Tapetes, isto é, Tecidos de Comentários científicos sobre a Filosofia.
Exposição científica da Verdade revelada cristã.

9

MONDIN, B. Curso de Filosofia, Vol. I pp. 122-125.
Doutrina
1- Procurou elaborar um conceito próprio de gnose cristã; mas a fé é a condição
do conhecimento. Entre a fé e o conhecimento existe a mesma relação que os
estóicos estabeleciam entre o conhecimento preliminar dos primeiros
princípios e a Ciência. A Ciência pressupõe o conhecimento preliminar, assim
a gnose pressupõe a fé. A fé é tão necessária ao conhecimento. Nesta
subordinação da Filosofia à Fé reside o carácter da gnose cristã. A gnose dos
gnósticos é falsa porque estabelece uma relação inversa entre a filosofia e a fé.
Se aos gnósticos fosse dada a possibilidade de escolher entre a gnose e a
salvação eles escolheriam a gnose, porque julgam ser superior a todas as
coisas.
2- Acerca do conhecimento de Deus ele sustenta que o homem enfrenta duas
dificuldades:
a) Os limites próprios do homem;
b) A singularidade do objecto do conhecimento.
Assim não haveria nenhuma demonstração da existência de Deus, considerando-a
desnecessária, e aderindo ao mesmo tempo à convicção cada vez mais forte no
platonismo da época, (Plotino) segundo a qual a essência de Deus seria completamente
incognoscível. Deus não pode ser captado em nenhum conceito positivo. Para ele só é
possível conhecermos o Logos.
3- O mundo foi criado por Deus por isso é bom, o mal origina-se apenas na
vontade livre das criaturas, sendo por isso algo negativo. A alma humana é
por natureza mortal, porém mercê de uma vida virtuosa alcança a
imortalidade.
1.4.3- ORÍGENES (185-6-254-5)
1.4.3.1- DEUS E O MUNDO
1- Ele afirma a espiritualidade de Deus, pois, Ele não é um corpo nem está no corpo,
Ele é espiritual e simplíssima. O seu ser homogéneo, indivisível e absoluto não
pode ser considerado nem como um todo nem como uma parte, porque o todo é
feito de partes. Para indicar a unidade de Deus Orígenes faz recurso ao termo
pitagórico de mónada ou a conceito neoplatónico de énada que expressa a
singularidade absoluta de Deus.
2- O mundo foi criado por Deus mas é eterno, sem início. Deus contínua a ser
criador da matéria e actua omnipresente no universo. Temporal é apenas o mundo
actual, anteriormente existiram outros, bem como outros se seguirão. A criação
desde a eternidade é exigida pela imutabilidade de Deus (Deus não muda). Para a
criação do mundo Deus serviu-se do Logos que é filho de Deus e Deus, mas
inferior ao Pai (como o Espírito Santo é inferior ao Filho). O logos cria antes o
mundo dos espíritos donde pertence as almas dos homens. Os espíritos sendo
finitos não são bons por natureza como a divindade, mas por sua opção, livre
arbítrio se afasta da plenitude do ser, própria de Deus e se perde no inferior,
porque se fosse bom por natureza não praticava o mal. O mundo sensível cria-se a
partir da queda ou afastamento a Deus. O mundo é o lugar de expiação dos
pecados. Os frutos da redenção não se limitam apenas aos homens mas a todos os
espíritos incluindo o demónio. Assim a redenção efectua o retorno de todas as
criaturas à Deus, este retorno chama-se restauração. Neste retorno consiste a
superação do mal que é escatológico.
1.4.3.2- RELAÇÃO ENTRE A FÉ A RAZÃO
Quanto a relação entre a fé e a razão, Orígenes pensa que ela indica a passagem
do significado literal ao significado alegórico das Sagradas Escrituras, indicando assim a
passagem da fé ao conhecimento, porém o conhecimento é superior a fé.
1.5- SANTO AGOSTINHO (354-430)
Santo Agostinho (Agostinho de Hipona, Tagaste) nasceu no norte de África actual
Argélia. Filho de pai pagão e mãe cristã (Santa Mónica) segue a carreira de professor de
eloquência.
As obras de Cícero (Hortênsio) e de Aristóteles (Protréptico) desperta-lhe o
interesse pela Filosofia. A avidez de leitura põe-lhe em contacto com o Antigo
Testamento de que não aprecia o modo de exposição e onde encontra doutrinas que lhe
parecem contrariar a razão. Todavia agrada-lhe o maniqueísmo, pois com a admissão de
um duplo princípio parece dar uma resposta satisfatória ao problema do mal. A solução
do problema do mal no mundo satisfaz Agostinho mas em breve o seu espírito indagador
tropeça com outras doutrinas maniqueístas, passa através da academia céptica para o
neoplatonismo até que finalmente, mercê da pregação de Santo Ambrósio, a quem escuta
atraí-se ao cristianismo.
Ele reconhece Platão, Plotino e Porfírio, segundo ele, todos os pensadores gregos
são os que juntamente com Platão se encontram mais próximo do cristianismo. No
platonismo elogia a Metafísica do ser que considera Deus como princípio supremo, fonte
de todo ser e portanto, ao mesmo tempo fonte de todo o conhecer e norma da vida.
Interpreta a doutrina neoplatónica da emanação no sentido de uma criação de todas as
coisas por Deus, única fonte do ser, realidade absoluta, impossível de captar mediante as
categorias. É igualmente unidade absoluta em que todas as propriedades coincidem com
o próprio ser.
OBRAS
CONFISSÕES (400 dC): nas confissões sua autobiografia, fala-nos da sua
infância, um comovente retrato da personalidade da sua mãe e as confissões da sua
personalidade sexual enquanto rapaz. Queria, mas também, não queria libertar-se da sua
escravidão ao sexo. “Senhor torna-me casto, mas ainda não”.
DIÁLOGO CONTRA OS ACADEMICOS: nela retoma os diálogos de Cícero e
refuta a Filosofia Céptica da Nova Academia defendendo a possibilidade do
conhecimento pela verdade revelada. Não podemos saber nada, ou que é impossível
termos a certeza de alguma coisa, ou ainda que seja, na verdade é possível duvidarmos de
tudo, sendo essa a base de toda a posição defendida pelo cepticismo. Para duvidar de tudo
e excluir “tudo” é preciso que existam necessidades e, portanto, a minha própria
existência é algo que me é impossível duvidar. Uma vez que o facto de eu existir é uma
verdade que eu conheça com absoluta certeza.
DIÁLOGO (DE MAGISTRO): dirigido a seu filho Adeodato.
A CIDADE DE DEUS (413-426): nesta obra fala de como cada indivíduo é
simultaneamente um cidadão de duas comunidades diferentes: por um lado existe o reino
de Deus, o qual é imutável eterno e baseado em valores verdadeiros, enquanto por outro
lado existe os planos altamente instáveis deste mundo, que vão e vem com uma rapidez e
desconcertante e são baseados em falsos valores, nós vivemos em ambos.
Outras obras:
Sobre a Doutrina de Cristo.
Retractationes.
Sobre a Trindade.
Contra os Maniqueus onde ele refuta o maniqueísmo ao qual anteriormente
aderira.
1.5.1. AS POLÉMICAS
Santo Agostinho teve três polémicas:
a) Polémica contra o pelagianismo,10 esta doutrina religiosa foi fundada por Pelágio
declarada herética no Concílio de Éfeso porque negava o pecado original, a
corrupção da natureza e a necessidade da graça para a santidade.
b) Polémica contra o donatismo11 doutrina fundada por Donato de las Casas Negras,
que afirma a absoluta intransigência da Igreja diante do Estado. Como
comunidade de perfeitos a Igreja não deve ter contacto com a autoridade civil, as
autoridades religiosas que toleram tais contactos cometem traição e perdem a
capacidade de administrar os sacramentos.

10
11

ABBAGNANO, N. História da Filosofia. Vol. II pág. 219-222
Idem pág. 217-218
c) Maniqueísmo12, seita típica da antiguidade, surgida na Pérsia nos séculos II – III
dC, fundada por Manes. Proclamava uma teoria da salvação em parte religiosa e
em parte filosófica. O mundo era explicado a partir de dois princípios: bem-mal,
vida-morte, trevas-luz, espírito-matéria etc., através de seu espírito os homens
podiam elevar-se acima do mundo material e deste modo criar a base para a
salvação da sua alma.
1.5.2- DEUS E A SUA EXISTÊNCIA
Deus era concebido como a forma de todas as formas e, deste modo tudo o que
não é realmente deste mundo.
Santo Agostinho estudou Deus, a sua natureza e a sua existência cuja fonte é o
próprio homem: “In interiore homine habitat veritas”, isto é, no interior do homem habita
a verdade. Não saias de ti, volta-te para ti mesmo, a verdade habita no homem. Ele pensa
que é possível chegar-se a Deus mediante indícios cosmológicos: ordem do universo e
contingência das coisas. Estes indícios encontram-se mais no homem que no cosmo. Na
mente humana estão presentes verdades eternas, absolutas e necessárias que a mente
contingente e imutável não pode produzir, logo Deus existe, razão suficiente destas
verdades.
Assim Agostinho conclui, que, se existe alguma coisa superior a verdade esta
coisa é Deus, mas se não existe nada mais excelente do que ela, então a própria verdade é
Deus. Em todo caso, não podeis negar que Deus existe, e esta era precisamente a questão
que tínhamos propostos a debater.
1.5.3- A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO
Conforme a gnose cristã, Santo Agostinho, também não separa o saber da fé. O
simples saber não possui valor. Tão pouco basta a simples fé.
O problema consiste muito mais em elevar o que é objecto da fé a algo sabido
racionalmente. Daí definir a fé como assentimento (anuência) a um pensamento. Repousa
12

Idem pág. 215-217
portanto num acto da vontade. Neste acto da vontade participa tudo o que conhecemos,
mas não é possível conhecer tudo aquilo em que acreditamos. A fé é mais ampla que o
saber e inclui em si este último.
1.5.4- MUNDO E TEMPO
O mundo foi criado por Deus não como resultado da natureza divina, mas da livre
criação a partir do nada, segundo as ideias, arquétipo que se encontram no logos, sendo a
sua manutenção uma permanente acção criadora. Uma questão se coloca: Quando
ocorreu a criação, no tempo ou na eternidade? Para Santo Agostinho, o tempo é a duração
de uma natureza finita que não pode ser simultaneamente, tendo por isso necessidades de
fases sucessivas e contínuas para realizar-se completamente. As fases do tempo são:
passado, presente e futuro. O tempo é um agora que passa (nunc transiens). A eternidade
é um tempo que não passa (nunc stans). O tempo não existe fora de nós, ele mede-se na
alma onde deixa uma impressão enquanto passa, comparamo-lo entre tempos vividos.
Para Deus não há tempos, mas uma eternidade intemporal. Por isso, a criação não
deve representar-se como acontecendo no tempo, porque só com a criação o tempo se
gerou.
1.5.5- A QUESTÃO DO MAL E DA LIBERDADE
A causa do mal no mundo não pode ser Deus, sendo o mal a privação de uma
perfeição devida, Deus não pode ser seu autor. O mal é uma consequência do livre
arbítrio e gera-se do desprezo do valor e da beleza da criação. Deus é um bem
incondicionado e por isso a sua criação é boa em si. Não se deve opor ao bem um mal
absoluto, como substância como fazem os maniqueístas: o mal pressupõe o bem e existe
apenas como sua negação.
Como poderia com efeito, aquele que é causa do ser de todas as coisas ser a causa
do não ser? Logo a causa do mal não é Deus, mas a criatura. O mal é a ausência do bem,
de Deus, ele não tem existência própria é algo que não é, porque a criação de Deus é
apenas boa.
Há uma relação entre a culpa e o sofrimento, a causa do sofrimento é a culpa, e o
responsável pela culpa é o homem. Este voltou costas a Deus, ao bem superior e
imutável, devido a liberdade. O homem pratica o mal pelo livre arbítrio da vontade. A
liberdade apresenta-se como o bem de superior importância, porque é a condição da
moralidade. Se a nossa acção humana não fosse livre não poderia ser aprovada ou
reprovada. Deus deveria simplesmente evitar o mal mas preferiu pôr o mal ao serviço do
bem.
1.5.6- A TEOLOGIA DA HISTÓRIA
A sua visão de história difere-se da grega, pelo facto dos gregos conceberem-na
como períodos de movimentos circulares repetindo-se ciclicamente; S. Agostinho
concebe a história como o caminho em linha recta que sobe da terra para o céu. Sendo a
história alguma coisa que sempre traz consigo a sociedade humana, Santo Agostinho
interpreta o total decurso histórico como a luta entre as duas comunidades, a comunidade
dos bons e agradáveis a Deus e a comunidade dos maus. A influência destas duas
estruturas criadoras da história é seguida por S. Agostinho ao longo dos sucessos
humanos até ao seu tempo, com especial referência ao Judaísmo e História dos Impérios
Orientais. Santo Agostinho estava certo de que a igreja era a comunidade dos Santos, de
Deus, mas colocava algumas dúvidas em relação aos que se encontram fora da Igreja
visível não pertencem realmente a comunidade de Deus. Agostinho acredita que a
história trata do modo como o combate entre a Cidade de Deus e a Cidade Terrena é
conduzido. Estas duas cidades são estados políticos distintos um do outro. Lutam pelo
poder de cada homem. A cidade de Deus está presente na Igreja e a Cidade terrena nos
estados políticos, ex. o império romano.
1.5.7. A CONCEPÇÃO SOBRE A CIÊNCIA E A QUESTÃO DO
CONHECIMENTO
A sua posição quanto às ciências esteve sujeita as oscilações: ao princípio
encontra-se inclinado a reconhecer na ciência o caminho para a sabedoria e portanto, para
o conhecimento de Deus, é uma ajuda e preparação para a fé, mais tarde, sobretudo nas
RETRACTACIONES assume um ponto de vista mais rigoroso em face do saber deste
mundo. Por si mesmo o saber é neutro. O seu valor determina-se pelo uso que o homem
entende fazer dele.
Santo Agostinho discutiu as questões gnoseológicas, isolando-as do seu tempo,
isto devido a sua evolução espiritual. Quando nas suas obras impugna os académicos, é
porque teve de superar o seu próprio cepticismo. Com esta fundamentação pessoal
antecipa já o que futuramente Descartes evidenciará o significado, como por ex, o ponto
de partida da dúvida metódica acerca da verdade e da possibilidade do conhecimento da
verdade e da superação dessa verdade pela consciência que o espírito possui de si mesmo.
Em duas esferas tem a dúvida um limite: posso duvidar de que me movo, mas não posso
duvidar de que duvido, penso, quero. Igualmente é indubitável a verdade dos juízos
disjuntivos. Que o mundo exista ou não exista, é uma proposição que não tem sentido
discutir. Diante do exposto, podemos assegurar que é possível saber diante das dúvidas
cépticas.
O saber não é só possível mas também necessário ao homem. O fim de toda a
actividade prática era para os antigos a eudamonia. O saber encontra-se ao serviço da
felicidade, e mesmo para o cepticismo era importante a demonstração de que a renúncia
ao saber era prejudicial à felicidade.
2ª PARTE
CAPÍTULO II. O PERÍODO DA ESCOLÁSTICA
É um adjectivo que significa escolar. De Scholasticus = padres da Igreja.
Inicialmente chamava-se escolástico aos mestres das escolas claustrais e catedrais
medievais.
A. Lobo no seu Dicionário de Filosofia concebe a escolástica como ”Forma de
Filosofia e Teologia Medieval em que se conciliam de modo exemplar as exigências da
crença e da razão.
A escolástica é a especulação filosófico-teológico que se desenvolveu do Século
IX até ao renascimento Séculos XIV-XV. Tem este nome por ter sido dominante nas
escolas que começaram a surgir durante o renascimento carolíngio (Carlos Magno).
O imperador Carlos Magno preocupado em incrementar a cultura, funda escolas
monarcais e catedrais junto aos mosteiros e Igreja, contratando para o efeito muitos
sábios dentre eles Alcuino.
2.1- Características da Escolástica
1- Gera-se nos quadros da cultura medieval, de cariz religioso;
2- Apresenta a síntese mais elevada da Ciência racional e da crença na revelação
cristã.
2.2- Escolas e Universidades
As mais importantes escolas claustrais foram: Tours, Fulda, Reichenau, São
Galle, Monte Cassino, Bec e Paris. As mais importantes escolas catedrais foram: Utrecht,
Doornik, Reims, Chatres e Paris.
As universidades criadas pelos fins do século XII e inícios do século XIII foram:
Paris, Oxford, Bolonha Pádua e Salamanca que espalhando-se por toda a Europa
tornaram-se focos de reflexão Filosófica.
2.3- Programa de estudos método de ensino
O ensino consistia na maioria dos casos nas artes liberais e na doutrina cristã. As
artes liberais recebem esta designação para as distinguir das artes dos ofícios, pois
aquelas não visam fins lucrativos, possuíam um carácter contemplativo como expressão
da natureza espiritual do homem.
As artes liberais dividiam-se em artes da palavra: gramática, dialéctica e retórica
(trivium); e artes das coisas: geometria, aritmética, astronomia e a música (quadrivium).
Foram consideradas vias cuja finalidade era de carácter religioso, estudo da Bíblia.
O método de ensino era muito simples nas escolas medievais: lia-se e explicavase um autor. No estudo das artes liberais lia-se Porfírio, Aristóteles, Boécio etc, no estudo
da Teologia, a Sagrada Escritura lia-se os padres da Igreja.
2.4- ANSELMO DE AOSTA (1033-1109)
Nasceu em Aosta e exerceu o episcopado em Cantuária, foi abade Beneditino de
Bec, na Normandia. Foi maior pensador do séc. XI.
Escreveu três Obras principais: Monologium (Monologo), Proslogium (Dialogo) e
Cur Deus Homo (Porque Deus {se fez} Homem, obra sobre a Encarnação.
Nestas obras ele estuda entre outros, dois problemas de fundamental importância,
para a Filosofia Cristã.
2.4.1 O PROBLEMA DA RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO
A relação entre a fé e a razão motivou-lhe a fazer profundas investigações que lhe dão
ao direito de ser considerado um dos pensadores de maior relevo da idade média. Esta
relação espessou-se nas seguintes palavras “Credo ut intelligam”. Este aforismo nos
ensina duas verdades:
1- A necessidade da fé para o conhecimento da verdade religiosa e moral.
2- A necessidade de usar a razão para que a adesão a fé não seja cega e meramente
passiva.
As verdades religiosas e morais não se apreendem senão pela fé, mas é necessário
compreende-las e demonstrá-las.
Os resultados da sua investigação podem ser resumidos da seguinte forma:
1- A Sagrada Escritura abrange toda a verdade;
2- A fé exige inteligência do seu conteúdo, fundamentos racionais, experiência e
compreensão que ao princípio é aceite devido a autonomia pura e simples;
3- A experiência da fé é o pressuposto de todo o conhecimento; o conhecimento é a
recompensa da fé;
4- O crente que não pode penetrar até ao conhecimento não se deve orgulhosamente
insurgir, mas curvar-se necessariamente, com humildade e venerar o
incompreensível.
2.4.2- O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA DE DEUS (Argumento Ontológico)
Para demonstrar a existência de Deus S. Anselmo segue métodos diferentes no
Monologium e no Proslogium. No primeiro, procede a posteriori, isto é, teve como ponto
de partida os factos. S. Anselmo faz um recurso às provas tradicionais baseado na
contingência dos seres finitos e nos graus de perfeição.
No segundo procede a priori, isto é, teve como ponto de partida a definição de Deus
para dela deduzir a sua existência. No Diálogo, ele procura uma prova irrefutável da
existência de Deus, uma prova que não possa ser negada nem pelo Salmo 13 que diz “no
seu coração não há Deus”.
“Deus existe, é um ser que não se pode pensar nenhum maior do que Ele”. Mas,
aquilo do que o qual não se pode pensar nada, não pode existir só no intelecto.
Porque, se existisse só no intelecto, poderia ser pensado outro que existisse também
na realidade, e este seria maior. Se, pois, aquilo maior do que o qual não se pode
pensar nada existisse só no intelecto, aquilo maior do que o qual não se pode pensar,
nada seria, ao contrário, aquilo maior do que o qual se pode pensar alguma coisa.
Mas isto é certamente impossível. Logo, não há dúvida de que aquilo maior do que o
qual não se pode pensar nada existisse tanto no intelecto como na realidade.
Deus não pode ser pensado senão como existente, por isso, se se pode pensar Deus, é
necessário pensá-lo como existente.
2.5- S. ABELARDO (1079-1142)
Vida e obras: nasceu em Palais – França. Autor de duas famosas obras:
“Dialectica” e “Historia Calamitatem Mearum”. Do ponto de vista filosófico é Pedro
Abelardo a figura mais importante do séc. XII, denominado por S. Bernardo um segundo
Aristóteles13 a sua segunda obra é a Auto Biografia mais interessante e instrutiva da Idade
Media. Foi ele que deu a possível solução ao problema dos universais.
2.5.1- O MÉTODO
Ele é considerado, o criador do método escolástico sic et non. Na esfera
Teológica chegou mesmo a utilizar a “dúvida metódica”. Este método consiste, em reunir
teses opostas sobre diversos assuntos, deixando ao leitor a responsabilidade de decidir de
que lado está a verdade, o seu objectivo é dialéctico e não céptico. A dúvida levantada
pelas teses opostas, deve estimular a pessoa a pesquisar com vista a encontrar a solução.
2.5.2- A ÉTICA (doutrina da intenção)
Pedro Abelardo foi considerado pai da ética medieval. Ele distinguiu entre lei
natural e lei positiva.
A acção moral funda-se na aspiração ao bem supremo, e a vontade é o caminho
que conduz a esse fim. Ele frisa com toda agudeza, o significado da intenção subjectiva
como critério próprio da moralidade. O conceito de consciência transforma-se nele num
conceito central.

13

Assim foi considerado pelo facto de procurar sempre a verdade no et...et não no out... out.
Segundo S. Abelardo, a moralidade de uma acção não depende do objecto, nem
das circunstâncias, nem das paixões, mas unicamente da intenção. “A Deus não importa o
que fazemos, mas com qual intenção o fazemos; o nosso mérito não depende da acção,
mas da nossa intenção”.
2.5.3- A QUERELA DOS UNIVERSAIS
O problema dos universais foi o problema fundamental da Escolástica: a essência
e o valor dos conceitos, cujas raízes remontam a Platão e Aristóteles (teoria das ideias).
Existe ou não ideias universais a parte da coisa, em si mesma? Platão as admitia mas
Aristóteles não.
Quanto a este problema foram encontradas três soluções:
a) Solução nominalista defendida por Roscelino (1050-1120)14, ele parte da
verificação de que todas as coisas são particulares e as nossas ideias para
serem verdadeiras devem também ser particulares. Logo, os universais,
não existem, nem na mente nem na realidade e não são mais do que um
flactus vocis (emissão de voz), a função do universal é exercida pela
palavra enquanto pode ser aplicada a muitos indivíduos.
b)

Solução conceptualista cujo defensor foi Guilherme de Champeaux
(1170-1120). Ele parte da verificação de que temos conceitos universais e
de que eles só serão verdadeiros se a eles corresponder algum ser
universal. Por isso, conclui que existem coisas universais da mesma
natureza dos conceitos. Assim existe o ser universal Homem, Planta etc.

c) Solução realista defendida por Abelardo rejeitou as duas soluções
precedentes e mostrou que a primeira conduz-nos a cepticismo e a
segunda ao panteísmo. Segundo Abelardo, o universal não é uma coisa,
nem um simples “flactus vocis” mas um conceito tirado das coisas por
abstracção. Sendo tirado das coisas o universal tem com elas uma
correspondência parcial: correspondência quanto ao conteúdo, mas não
14

Roscelino
quanto ao modo. Pelo universal apreendemos o que está na coisa, mas não
como está na coisa.
2.6- S. TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)
Nasceu em Roccasecca, perto de Aquino, Itália. Monge dominicano, estudou em
Nápoles, foi discípulo de Alberto Magno, ensinou na Universidade de Paris.
As obras de S. Tomás dividem-se em Quatro grupos:
1- Obras sistemáticas: Suma contra os gentios; Suma Teológica.
2- As questões disputadas: Sobre a Verdade; a Potência; o Mal; a Verdade; a Alma;
a Virtude.
3- Comentários filosóficos de Aristóteles: Física, Metafísica, Ética, Política,
Analíticos Posteriores.
4- Sobre o Ser e a Essência, Sobre os Governos dos Príncipes.
A Filosofia de S. Tomás de Aquino é a conciliação entre o cristianismo e o
aristotelismo através da concepção do ser segundo a qual o ser é a perfeição absoluta. A
origem dos entes deve-se à criação; esta é uma participação por semelhança da perfeição
do ser por parte dos entes, entre cada um dos entes e o ser há somente analogia.

2.6.1. A RELAÇAO ENTRE A FÉ E A RAZAO
Ao abordar a questão entre a fé e a razão Tomás de Aquino baseia-se nos seguintes
princípios:
1- A fé e a razão são modos diferentes de conhecer. A razão aceita a verdade por
causa da sua evidência intrínseca; a fé aceita a verdade por causa da autoridade de
Deus. São duas ciências diferentes: Teologia e Filosofia.
2- A fé e a razão, a Filosofia e a Teologia não podem contradizer-se, porque Deus é
seu autor comum: logo a verdade da razão não pode entrar em conflito com a
verdade revelada. Quando há oposição é porque não se trata de verdade mas de
conclusões falsas ou não necessárias. “Atribui a Filosofia o objectivo de tratar os
problemas de Deus, do mundo e do homem por intermédio do entendimento e a
partir dos dados da experiência enquanto a Teologia, que possui como
fundamento a revelação divina, procura desenvolver o seu conteúdo o mais
universalmente possível, com a ajuda do pensamento humano" 15. Também há
analogias entre a Teologia e a Filosofia. Se se encontra algo contrário nas
afirmações dos filósofos não deve ser atribuída isso a Filosofia mas a um mau uso
da Filosofia devido a uma falha da razão.
3- A razão pode conhecer as verdades fundamentais de ordem natural mas por si só é
incapaz de penetrar nos mistérios de Deus.
4- A razão pode prestar um precioso serviço à fé de três modos:
a) Demonstrando aquelas coisas que são preâmbulos da fé;
b) Ilustrando por meio de semelhanças as coisa que pertencem a fé;
c) Opondo-se as coisas que são ditas contra a fé.
Por este facto S. Tomás de Aquino chama a Filosofia serva da Teologia.
2.6.2. A TEOLOGIA NATURAL
Segundo S. Tomás, Deus não pode ser demonstrado a priori, a partir do conceito
de Deus, porque o nosso conceito da essência divina é imperfeito. Segundo S. Tomás o
conceito que temos de Deus não é “aquilo de maior do que o qual nada pode ser pensado”
mas aquilo que supera todos os nossos pensamentos. A existência de Deus pode ser
provada somente a posteriori, pelos seus efeitos.
Hoje podemos nos perguntar se Deus existe realmente? Isso é discutível, porque
ninguém viu Deus. Mas, ainda hoje, a maior parte das pessoas admitiriam que pelo
menos a nossa razão não pode provar que Deus não existe. S. Tomás foi mais longe,
acreditando mesmo em poder provar a existência de Deus com base na Filosofia
aristotélica. Eis a sua reflexão que sustenta as cinco vias do conhecimento de Deus.
1- Via do Movimento (motor imóvel): no mundo há coisas que se movem, cada
coisa em movimento pressupõe um motor, e sendo impossível um processo até ao

15

HEINEMANN, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian 2ª ed. Lisboa s/d, pág.
120.
infinito, a constatação do movimento exige que aceitemos um primeiro Motor
Imóvel: Deus.
2- Via da Causalidade: no mundo há uma ordem de causas existentes, em que cada
uma remete a outra, não sendo um processo até ao infinito, deve-se aceitar a
existência de uma causa Primeira não Causada: Deus.
3- Via da Contingência: as coisas do mundo são contingentes, isto é, estão sujeitas
ao nascimento e a destruição, de maneira que podem existir e não existir. Como
aquilo que existe começa a existir em virtude de um outro e não podemos
proceder até ao infinito; os seres contingentes postulam a existência de um Ser
Necessário que nem só é, mas que não pode deixar de ser: Deus.
4- Via dos Graus de Perfeição: no mundo há seres mais e menos perfeitos; o mais e o
menos devem dizer respeito ao máximo, segundo se aproxima ou se afasta dele.
Deve existir, pois, um ser que contenha em si todas as perfeições em grau máximo
que seja a causa de todas as perfeições parciais dos seres sensíveis: Deus.
5- Via do Governo do mundo (Ordem): todos os seres do mundo, até aqueles que
não têm conhecimento, tendem a cumprir seu fim, agem intencionalmente; agora
bem, aquilo que carece de conhecimento não pode tender ao seu fim a não ser que
alguém o dirija. Deve existir um ser inteligente que dirija todos os seres para o seu
fim: Deus.
A ideia essencial que anima essas “cinco vias” é que Deus invisível e infinito é
demonstrável pelos efeitos visíveis e finitos. Podemos saber que Deus é (existe) embora
nos seja impossível saber como Deus é. Por isso, segundo S. Tomás, a razão não pode
avançar mais. Deus mostra-se como causa da existência do mundo, a razão não pode
atingir os motivos da criação que são postulados da fé.
2.6.3- A FILOSOFIA DO SER
A essência da metafísica tomista:
1- A perfeição máxima é o ser, não a sua ideia mas o acto de ser. Os seres pelo Ser
são da mesma origem, são finitos, semelhantes e agem. Tudo origina-se do Ser
por participação na sua perfeição; são finitos porque a sua participação limita-se;
são semelhantes porque todos são aparentados pela mesma perfeição; estão em
condições de agirem porque o agir é a irradiação do ser que possuem. Para isto S.
Tomás usa os seguintes argumentos:
a) De tudo que existe o Ser é o mais perfeito. “Esse est inter omnia perfectissimum”.
b) O Ser é a actualidade de todos os actos e, por isso, a perfeição de todas as
perfeições. As coisas são a partir do ser.
c) O que em qualquer efeito é mais perfeito é o Ser.
d) A excelência de uma coisa depende do seu ser.
As Razões avançadas por S. Tomás:
a) Ao ser não se pode acrescentar nada que lhe seja estranho porque nada lhe é
estranho, com excepção do não ser, que não pode ser nem forma nem matéria.
b) O ser é o que de mais íntimo tem uma coisa e o que de mais profundo existe em
todas as coisas.
c) O ser é o fim último de todas as coisas.
2- Os seres procedem do Ser por criação. “O Ser subsistente não pode ser mais de
um (…). Logo, todos os seres diversificados (…) necessariamente devem ser
causados por um Ser Primário Perfeitíssimo”. A comunicação do ser aos seres dáse não por emanação16 mas por criação, produção a partir do nada, de alguma
coisa que participa da perfeição do ser.
3- A criação é uma participação dos seres, por semelhança, na perfeição do ser. Os
seres se comunicam e participam da perfeição do ser. Os seres não participam do
ser como as fatias participam do bolo. Se assim fosse o ser e os seres teriam a
mesma natureza. Mas os seres participam do ser como uma cópia participa do seu
modelo. É uma participação por semelhança e não por essência.
4- A limitação da perfeição do ser nas criaturas é devido a potência, isto é, a
capacidade dos “seres de vir-a-ser”. Há uma necessidade de existir algo que limite
a perfeição do ser, por si infinita nos graus finitos que ela tem.
16

Processo pelo qual as coisas se originam de uma.
5- Entre os diversos seres e entre eles e o ser há analogia ou semelhança. Os seres
todos procedem da mesma fonte, logo eles devem ter algo de comum que os torna
semelhantes. Se os seres pertencem à mesma espécie a semelhança é específica;
se pertencem a mesmo género é genérico. Se não pertencem nem ao mesmo
género, nem a mesma espécie há semelhança por analogia. Entre os seres e o ser
há semelhança por analogia, porque os seres participam na perfeição do Ser.
2.7. GUILHERME DE OCKHAM
2.7.1- Vida e Obras
Nasceu em Ockham no ano de 1290, ingressou na ordem Franciscana com pouco
mais de 20 anos de idade, realizou os seus estudos universitários em Oxford onde
comentou as Sentenças de Pedro Lombardo, conseguindo assim o título de Bacharel.
Guilherme de Ockham é a última figura da Filosofia Medieval, começando assim a se
verificar o declínio paulatino desta Filosofia nesta idade; mas é também aquele que
preparou o fim desta Filosofia, repudiando as bases sobre as quais se fundavam: o valor
universal e o objectivo do conhecimento humano e a harmonia entre a fé e a razão.
Em 1317 e 1324, ele escreveu a “Lectura Libre Sentetiarum” e a “ Expositio
Aureia”. Em 1324 transfere-se para o convento franciscano de Avignon, onde o Papa
João XXII o convocou para responder a acusação de heresia. Escreveu mais obras como
“Errorum Papae Joannis XXII onde defende de forma rigorosa o conceito de pobreza.
2.7.2- A NAVALHA DE OCKHAM (princípio da economia)
A navalha de Ockham uma linguagem metafórica que quer exprimir um princípio
anti-platónico, segundo o qual “não é necessário multiplicar os seres sem necessidade”.
Faz a primeira crítica a metafísica das essências de Platão e aos aspectos aristotélicos que
continham elementos platónicos. Ele rejeita a metafísica tomista do ser analógico e do ser
unívoco de Escoto. Juntamente com o conceito metafísico de ser analógico, cai também o
conceito de substância, ele diz que nós conhecemos as coisas, as suas qualidades ou
acidentes através da experiência.
A navalha de Ockham abre caminho para um tipo de considerações económicas
da razão que tende a excluir do mundo e das ciências, os entes e conceitos, a começar
pelos entes e conceitos metafísicos que imobilizam a realidade e a ciência configurandose como normas metodológicas que mais tarde seria definida como rejeição das
hipóteses, por outro lado, tal crítica parte do pressuposto de que não é necessário admitir
nada fora do pressuposto de que o conhecimento fundamental é o conhecimento
empírico.
Esta navalha teve também a sua influência na ciência, tanto mais que foi usado ou
popularizado na sua formulação original, dizendo que entre duas teorias que explicam os
mesmos factos, a mais simples é a correcta, isto é, se uma explicação simples basta, não
há necessidade de se buscar outra mais complicada.
2.7.3- A INTERDEPENDÊNCIA DA FÉ EM RELAÇÃO A RAZÃO
Segundo G. de Ockham, há uma fragilidade teórica da harmonia entre a razão e a
fé, bem como do carácter subsidiário da Filosofia em relação a Teologia. As tentativas de
Tomás, Boaventura e Escoto, no sentido de mediar esta relação, usando os elementos
aristotélicos ou agostinianos, através da complexa construção metafísica e gnoseológica
são tentativas inúteis e danosas.
O plano do saber racional baseado na clareza e evidência lógica, e o plano da
doutrina da teologia, orientado pela moral e baseado na luminosa certeza da fé, são
planos assimétricos. Não se trata apenas de distinção mas de separação. Os artigos da fé
não são princípios de demonstração nem conclusões e nem mesmo prováveis, já que
parecem falsos para todos, ou para a maioria ou para os sábios 17. As verdades da fé não
são evidentes por si mesmo, como os princípios da demonstração. A Filosofia não é serva
da Teologia que não é mais considerada ciência mais um complexo de proposições
mantidas em vinculação não pela coerência racional mas pela força da coesão da fé.

17

Aqueles que se entregam a razão natural.
2.7.4- CONHECIMENTO INTUITIVO E ABSTRACTO
O primado do indivíduo levado ao primado da experiência, na qual se baseia o
conhecimento a esse respeito, é necessário distinguir entre o conhecimento não
complexo, relativo aos termos singulares e aos objectos que lhes designam e o
conhecimento complexo relativo as proposições compostas de termos.
O conhecimento intuitivo se refere a existência de um ser concreto, e por isso,
move-se na esfera da contingência porque atesta ou não, a existência de uma realidade. A
importância do conhecimento intuitivo consiste antes de mais nada no facto de ser um
conhecimento fundamental, sem o qual os tipos de conhecimentos não seriam possíveis.
É com este conhecimento que chegamos a saber se uma coisa existe ou não, assim o
intelecto julga de modo imediato sobre a realidade ou irrealidade de qualquer coisa.
O conhecimento intuitivo pode ser tanto sensível (conhecer a mesa) como
intelectual, enquanto o intelecto conhece também os seus actos e os movimentos da alma
tais como: amor, desejo ou prazer. No entanto o empirismo de Ockham é sem dúvida
radical.
O conhecimento abstracto deriva do conhecimento intuitivo que pode ser
entendido de dois modos: “de um modo quando se refere a algo abstraído de modo
singular, por outro lado, enquanto faz abstracção da existência e não existência das coisas
contingentes”18. Consequentemente os objectos de ambos conhecimentos são idênticos
mas captados sob aspectos diversos. O intuitivo capta a existência ou inexistência de uma
realidade. Ao passo que o abstracto prescinde esses elementos.
2.7.5- O UNIVERSAL E O NOMINALISMO
Em muitas oportunidades sem vacilações, Ockham afirmou que o universal não é
real. A realidade universal, é contraditório, devendo ser total e radicalmente excluída; a
realidade é essencialmente individual. Os universais são nomes, não uma realidade,
nem algo com fundamento na realidade, a realidade é portanto essencialmente
individual.
18

Reale Giovanni. Modos de Conhecimento página 304.
Desta forma cai por terra o problema do princípio de individuação do indivíduo
que tanto preocupara a mente dos clássicos, porque se considera infundada a passagem da
natureza específica ao indivíduo singular. Assim se o nome “Sócrates” se refere a
determinada pessoa, o nome “Homem” é mais genérico e abstracto, porque se refere a
todos os indivíduos que podem ser indicados pela forma geral.
2.7.6- A C ONTRIBUIÇÃO DE OCKHAM PARA A CIÊNCIA FILOSÓFICA
A sua contribuição foi valiosa para a Filosofia, nomeadamente na Lógica onde faz
uma crítica ao pensamento clássico, negando absolutamente a presença de naturezas
comuns nas coisas; na epistemologia, ele é céptico a respeito da capacidade cognitiva da
mente humana; com a sua metafísica, procurou elaborar um objecto diferente da
metafísica clássica, o ser comum; na teodiceia afirma que a existência de Deus não pode
ser provada a priori, somente a posteriori; quanto a política ele foi um defensor da
independência do estado em relação a igreja.
Ele revoluciona todas as concepções da sua época, quer a nível da explicação dos
fenómenos naturais e sociais. Propõe um novo método: a experiência.
LÓGICA: Para ele a lógica é fundamental para o avanço do conhecimento. É o
instrumento, a arte mais apta, aquela sem a qual nenhuma outra ciência poderia ser
perfeitamente conhecida.
Na sua obra MAGNA SUMA LOGICA, que se divide em três partes na primeira
trata dos termos, na segunda trata das proposições, e na terceira parte trata dos
silogismos.
BIBLIOGRAFIA
1- AAVV. História da Filosofia. Dos pré-socráticos à Idade Média I Vol.
2- ABBAGNANO, N. História da Filosofia. Vol. II Presença. Lisboa
3- BÍBLIA SAGRADA. Versão Digital, Junho de 2006
4- BRYAN, Magee. Os Grandes Filósofos. Ed. Presença Lisboa.
5- CHAUI, Marilena et al. História da Filosofia 6ª ed. SP. 1986
6- HEINEMANN, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian
2ª ed. Lisboa s/d
7- MARIAS Julian. La Filosfia en sus textos. Vol. I Barcelona 1950
8- MONDIN, B. Os Filósofos do Ocidente Vol I Ed. Paulinas S. Paulo

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Filosofia Medieval em 3 fases

  • 1. Filosofia Medieval A Filosofia Medieval divide-se em: Filosofia Patrística, com três períodos: 1º - Patrística Incipiente (Sécs. I - III) - Tertuliano (Sécs. II - III) - Justino, mártir (Séc II) 2º - Apogeu da Patrística (Sécs. IV - V) - Santo Agostinho (354 - 430) 3º - Patrística Tardia (Sécs. VI - VIII) - Boécio - Pseudo-Dionísio Pré-Escolástica (Sécs. IX - X) - João Escoto Erígena Filosofia Escolástica, também com três períodos: 1º - Escolástica Incipiente (Sécs. XI - XII) - Pedro Abelardo - S. Bernardo de Claraval - Santo Anselmo de Cantuária - Chartres - S. Vítor 2º - Apogeu da Escolástica (Séc. XIII) - São Boaventura, Doutor Seráfico (1221 - 1274) - Santo Alberto Magno, Doutor Universal (1206 - 1280) - S. Tomás de Aquino, Doutor Angélico 3º - Decadência Escolástica (Sécs. XIV - XV)
  • 2. - Guilherme de Ockham I – Introdução Entende-se por Filosofia Medieval aquela que se desenvolveu na sociedade Feudal da Europa Ocidental na época compreendida entre a queda do Império Romano 1 (séc. V) até ao aparecimento das formas iniciais da sociedade capitalista (séculos XIVXV). Esta expressão surge no Renascimento, nessa época a Idade média era tida como uma “longa noite” de mil anos. Ainda hoje utilizamos a expressão “medieval” pejorativamente para tudo que parece dogmático e retrógrado. A Filosofia Medieval apresenta na sua elaboração uma diferença em relação a Filosofia Grega, ela revela-se como um fruto do seu tempo, isto é, condicionado pelo contexto histórico da própria época. Ela caracteriza-se pela profunda unidade com a religião. Os filósofos medievais exprimem esta relação da seguinte forma: “Intellectus quaerens fidem” (a razão filosófica necessita da fé para saber) e “Fides quaerens intellectum” (a necessidade que a fé tem da razão para ser entendido). Outra novidade da Filosofia Medieval em relação a Filosofia Antiga reside no alcance mais profundo e radical da sua especulação metafísica. A Filosofia Medieval introduz o conceito da criação do mundo a partir do nada de si mesmo. Aqui lançam-se as sementes para a Filosofia existencial, que se propõe dar razão da própria existência de tudo quanto existe. É existencial num duplo sentido: ela se propõe a dar razão do porquê do ser do mundo (causa eficiente) e do para quê do mesmo mundo (causa final). Mas houve também quem tivesse visto a Idade Média como o crescimento milenar. Foi a Idade Media que formou o ensino público, muito cedo surgiram as escolas nos mosteiros e nas catedrais, a partir do século XIII foram fundadas as primeiras Universidades: Pádua, Paris, Salamanca, Bolonha, Oxford etc. Ainda hoje se conserva a divisão das disciplinas por grupos ou faculdades, como na Idade Média. Tudo isto só foi 1 Com a queda do Império Romano no séc. V a religião lentamente surge como elemento agregador dos inúmeros reinos bárbaros formados após as sucessivas invasões. Os seus chefes são convertidos ao cristianismo e a Igreja se transforma em soberania absoluta da vida espiritual do mundo ocidental. A cultura greco-romana quase desaparece nos períodos mais turbulentos da implantação do modo feudal de produção, portanto permanece guardada nos mosteiros. Durante este período, uma constante se faz notar: a tentativa de conciliar a fé e a razão. A temática predominante é “crer para compreender e compreender para crê”.
  • 3. possível graças aos materiais provenientes de fontes antigas e modernas - tornou-se a investigação mais ampla, profunda e imparcial e, deste modo, se viu cada vez mais claramente que a Idade Média tinha filosofado, embora, como é natural peculiar. Tentou-se desvalorizar o filosofar medievo perante a produção invejável da época antiga e moderna, afirmando-se que se desenvolvia amparado a Igreja, Aristóteles e a S. Agostinho. Nesta afirmação há uma verdade parcial, contudo não atinge o essencial. Como homem, perguntava pelo fundamento e pela natureza das coisas, mas esta questão encontrava-se subordinada a uma outra de maior alcance, mais urgente, que dizia respeito a Salvação da alma e do mundo. Na resposta da fé cristã a essas perguntas, na crença, no pecado e na redenção não se esgotava o filosofar, mas ficava determinada a sua orientação. Precisamente a alta Idade Média caracteriza-se por um duplo esforço: 1- Delimitar as esferas da Teologia e da Filosofia, da Fé e da Razão, da Graça e da Natureza. 2- Construir a síntese mais completa possível destes dois domínios. Ao desintegrar-se a sociedade esclavagista, produziu também uma decadência da Filosofia. Perdeu-se até certo ponto a herança tradicional filosófica clássica até a segunda metade do séc. XII, já que permaneceu desconhecida os conhecimentos outrora difundidos pelos sábios da Europa Ocidental. No contexto da época histórica, a ideologia dominante foi a religiosa, que se expandiu nos países do próximo oriente, arábia, e os países do mundo árabe, tendo em conta duas variantes: Catolicismo Romano e a Ortodoxia Bizantina. Durante vários séculos a Filosofia converteu-se em serva da Teologia “Philosophiae Ancilla Theologiae”. Isto significa que a Filosofia enquanto serva da Teologia desempenhou esta função nas obras dos apologistas e defensores do cristianismo contra o paganismo. A Filosofia nesta condição fundamenta os dogmas religiosos: demonstrar a existência de Deus e demonstrar a imortalidade da alma. Dois são os denominadores do pensamento medieval: a patrística e a escolástica.
  • 4. CAPÍTULO I. O PERÍODO DA PATRÍSTICA O termo patrística procede do latim pater, patris, denominando os pensadores desta época que desenvolveram a doutrina da igreja. Os padres da Igreja foram personalidades eminentes do cristianismo, autores de obras apologéticas, anti-herétias, 2 comentários e histórias. A ortodoxia só reconhece como padres da Igreja: Atanásio de Alexandria, Basílio o grande, Gregório de Nisa, Gregório de Nasianceso, Juan Damasceno, porém a Igreja Católica reconhece e canonizou: Clemente de Alexandria, Orígenes, Jerónimo, Ambrósio etc. O cristianismo para se defender dos ataques polémicos, das perseguições, e também para garantir a própria unidade contra cisões e erros, teve de pôr a claro os próprios pressupostos teóricos e organizar-se um sistema doutrinal, teve que apresentar-se como expressão completa e definitiva da verdade que a Filosofia Grega tinha procurado. A mensagem de Cristo apresenta uma resposta aos grandes problemas da humanidade às questões acerca de Deus, do Mundo e do Homem, mantendo-se dentro dos limites religioso. Contudo, na medida em que esta mensagem encontra a Filosofia no mundo da cultura helénica enfrenta-se com uma série de questões. Ao mesmo tempo a Filosofia presta os serviços à estruturação da doutrina religiosa. Aos primitivos pensadores cristãos serviu também a Filosofia de instrumento que lhes permitiu discutir com o mundo pagão. É ela a linguagem com que defendem as novas verdades religiosas, das objecções e acusações que se levantavam no mundo grego, contra a nova doutrina. Nesta apologética é a Filosofia utilizada como auxiliar. 1.1- AS QUESTÕES FILOSÓFICAS DA DOUTRINA DE CRISTO 1.1.1- O conceito de Deus 2 Heresia, etimologicamente, provem do grego que significa: escolher, compreender convencer-se. Entendese por heresia os desvios aos dogmas oficiais de uma religião. As heresias pronunciavam-se contra os pontos básicos da dogmática cristã: a doutrina sobre a trindade, a predestinação e a cristologia.
  • 5. O Deus de Israel era considerado criador e senhor do mundo, inconcebível pelo homem como Deus da Filosofia Grega, devido a sua natureza diferente: espiritual e inatingível pelo homem pecador. Cristo acrescenta a Deus as feições de pai amoroso, perante o qual somos filhos. Esta concepção modificada da divindade determina também de maneira nova a relação entre Deus e o mundo. A criação é um acto de amor divino. Deus como senhor amoroso e livre reina sobre a criação e salva o homem, tornando-o criatura pecadora, mercê da sua graça. Com a nova visão de Deus e do homem surge uma profunda alteração das concepções morais. Cristo acentua o amor do próximo que não conhece excepção e inclui o amor aos inimigos. 1.1.2- Os elementos filosóficos em S. Paulo e S. João O conceito platónico de Deus (Demiurgo) com o seu monoteísmo, a demonstração da existência de Deus dos estóicos, a doutrina estóica de providência, a sua ideia de identidade de todos os homens, a concepção platónica da imortalidade da alma e muitas outras noções poder-se-iam interpretar como preâmbulo do conhecimento cristão. As cartas de S. Paulo escritas a várias comunidades cristãs contêm apologias da doutrina fundamental de Cristo, admoestações, conselhos, prescrições rituais e conceitos da nova religião, que serviriam nos séculos seguintes nas disputas teológicas e das interpretações filosóficas assim recapitulando. 1- A cognoscibilidade natural de Deus. Deus é cognoscível através das suas obras que revelou. 2- A doutrina do pecado original e da revelação pela fé em Cristo. “Por um homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte” 3. A redenção do pecado realiza-se pela fé em Cristo. 3- O conceito da graça como acção salvadora de Deus através da fé. 4- O contraste entre a vida segundo a carne e a vida segundo o espírito. 3 Bíblia Sagrada. Versão Digital. Romanos 5, 19
  • 6. 5- A identificação do reino de Deus com a Igreja. O conceito joanino de Logos. “No princípio o logos estava em Deus e o logos era Deus. No princípio Ele estava em Deus. Tudo foi criado através d`Ele e do que foi feito, nada fez-se sem Ele. N`Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens. E a luz apareceu nas trevas as trevas não O receberam” cf. Jo. 1,1-5. 1.2- Os apologetas do século II Os apologetas são os escritores cristãos dos séculos I e II dC. O seu aparecimento é por si só, um fenómeno religioso de maior importância. Eles são homens educados na sabedoria grega, convertidos ao cristianismo, com as suas publicações defendem-se dos ataques dos pagãos. Os apologetas procuraram justificar, demonstrando a superioridade da dignidade espiritual de Cristo. O plano de comparação não é religioso mas filosófico; e o cristianismo deve opor-se as convicções pagãs como filosofia superior. Os apologetas não impugnaram apenas o paganismo, mas os seus ataques também incidiram sobre as correntes religiosas que nas suas próprias fileiras, sob a forma de um misticismo4 especulativo, ameaçavam destruir a nova doutrina. Os apologetas foram obrigados a lutar contra duas frentes: a) No interior, pela exacta compreensão da doutrina revelada; b) Externamente, por uma justa apreciação dessa doutrina. 1.2.1- SÃO JUSTINO (falecido depois de + 160) Teve educação grega. Depois dos mais variados sistemas o terem deixado insatisfeitos, encontrou tranquilidade no platonismo até a sua conversão ao cristianismo. S. Justino encontrou no cristianismo “a Filosofia mais certa e mais salutar” que é devida a revelação divina e por isso transcende, em verdade e vigor, toda a sabedoria. 4 Devoção religiosa em elevado grau, vida contemplativa.
  • 7. Enquanto Cristo é a verdade plena, o logos actua em todos os homens. Tudo aquilo, que sempre foi proclamado como verdadeiro, é cristão. Assim também todos aqueles que sempre viveram segundo o logos, tais como Sócrates, Heráclito, Abraão e Elias foram cristãos. S. Justino afirma que Platão conheceu o judaísmo e o Antigo Testamento. A doutrina de livre arbítrio, da imortalidade da alma e da justiça eterna tomou-as de Moisés e dos profetas da Antiga Lei. Segundo S. Justino Deus é uno, sem nome e inexprimível. Criou o mundo. A alma humana é parte da criação, graças a força divina, nela contida, é a alma, como o princípio vital, dotado de razão e liberdade. Graças a estas faculdades ela (alma) pode voltar-se para Deus. 1.2.2- TERTULIANO (160-220) Padre latino, jurista convertido ao cristianismo. 1- O ponto de partida de Tertuliano é a condenação da Filosofia. A verdade da religião funda-se na tradição eclesiástica; da Filosofia só nasce heresias; não existe nada de comum entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e dos Céus. Segundo Tertuliano os filósofos são os patriarcas dos heréticos. A raíz de todas as heresias está nos filósofos gregos. Valenteiro, o gnóstico era discípulo de Platão. Para negar a imortalidade da alma recorre-se aos epicuristas; para negar a ressurreição da carne, ao acordo unânime dos filósofos. Quando se fala de um Deus fogo recorre-se a Heráclito. E a coisa mais inútil de todas é a dialéctica do desgraçado (grifo nosso) Aristóteles que serve tanto para edificar como para destruir e que se adapta a todas as opiniões (ABAGNANO, N. Vol. II páginas 142-146). 2- Na doutrina do Logos, Tertuliano liga-se expressamente aos estóicos. “Deus criou todo mundo, com a palavra, com a sabedoria e com a potência.” Também os vossos sábios chamam Logos, isto é, a palavra e sabedoria ao artífice do universo. Zenão chama-lhe de autor da ordem que depôs todas as coisas. 3- Tertuliano admite a subordinação do Filho e do Espírito Santo ao pai. O ser pertence principalmente ao Pai, do qual se comunica ao Filho e, através deste ao
  • 8. Espírito Santo. Tudo aquilo que o Filho é, vem-lhe da substância do pai; a vontade e o poder vêm do Pai. 4- O Logos tem um duplo nascimento: a) O imanente é gerado na sensibilidade do pai, de Deus; b) O emanente afasta-se do pai e procede à criação do mundo. (ABAGNANO. N, Vol II página 146. 5- Ele defende uma doutrina sensualista do conhecimento, uma espécie de metafísica materialista “as almas e Deus são corpóreos”. Deus é concebível a partir da criação como ente supremo, Ele é uno, eterno e livre. 6- Ele admite o traducionismo em relação a alma, ela é imortal e livre, quer para o bem como para o mal. 7- O seu ponto de vista em relação a liberdade religiosa interpreta a liberdade de opção. Não se deve forçar a veneração nem para o homem nem para Deus, porque se se forçar está-se a contrariar a natureza religiosa. 1.3- A GNOSE O conceito de gnose tem a sua origem na língua grega significando conhecimento e posteriormente ciência e sabedoria. Enquanto os apologetas por um lado se dão por satisfeitos em provar a hierarquia mais elevada das verdades cristãs em confronto com a Filosofia pagã, servindo-se em parte da Filosofia grega para a defesa e exposição do cristianismo, uma interpretação completa do mundo. Deseja progredir da crença para o saber cristão. A gnose apresentase como a primeira tentativa de uma Filosofia do cristianismo. A doutrina dos gnósticos constituiu um ecletismo teosófico5 que pretende conciliar todas as religiões e explicar-lhes o sentido profundo através de um conhecimento esotérico6 e perfeito das coisas divinas comunicável por tradição e por iniciação. Os gnósticos pensam que o conhecimento é a condição necessária para a salvação. 5 Conhecimento sobre Deus e das coisas divinas mas comunicadas unicamente aos adeptos conhecidos e escolhidos pela sua inteligência e moralidade. 6 É a doutrina segundo a qual a ciência não deve ser vulgarizada. O ensino é feito no interior da escola, para os discípulos completamente instruídos.
  • 9. Carpócrates (cerca de 160, de origem platónica) pensa que as almas tinham contemplado o eterno, no lugar do Deus imutável, antes de se unirem aos corpos terrenos. E quanto mais uma alma consegue manter-se pura, tanto mais lhe é do alto participada a força de maior intensidade, de tal modo que, após uma vida pura e imaculada alcança de novo Deus. “Jesus é o ideal do homem perfeito, capaz de uma alma completamente pura”.7 O pensamento de S. Paulo acerca da lei como via que nos conduz a Cristo, provavelmente teria influenciado, homens como Cerinto (cerca de 115) e Sartonilo (cerca de 155) à ideia de que o Deus dos judeus, que criou o mundo, era diferente do verdadeiro Deus de Jesus. 1.3.1- A OPOSIÇÃO À FALSA GNOSE S. Irineu e Hipólito lutaram pela verdadeira gnose, contra a falsa. A falsa gnose tinha transformado a verdade parcial do helenismo em base da sua doutrina, enquanto o cristianismo encontra a verdadeira gnose nos escritos dos Apóstolos. O erro da falsa gnose consistiu em estabelecer uma diferença entre o Deus criador do mundo e o Deus supremo. Deus é inconcebível para o entendimento humano e tudo o que se sabe acerca dele foi graças as manifestações que revestem três aspectos: na natureza onde Deus se revela pelas obras, no Antigo Testamento e no Novo Testamento. O Logos (Jesus) não é uma entidade intermediária subordinada, mas idêntica ao Pai. Fez-se verdadeiro homem e com Ele ressuscitarão o nosso corpo e a nossa alma que, por natureza são mortais. A continuidade que os apologetas orientais a começar com Justino tinham estabelecido entre o cristianismo e a filosofia pagã consolida-se e aprofunda-se. O cristianismo apresenta-se assim como uma autêntica filosofia que observa e leva a verdade o saber antigo, do qual pode e deve servir-se para trazer elementos e motivos para a própria justificação. As doutrinas fundamentais do cristianismo encontram, mediante este trabalho, s sua sistematização definitiva. O período que vai de 200 à 450 é 7 Heneman, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian 2ª edição sd, página126.
  • 10. decisivo para a construção de todo o edifício doutrinal do cristianismo. O primeiro impulso para tal investigação foi dado pela escola de Alexandria. 1.4- A ESCOLA CATEQUÉTICA DE ALEXANDRIA Esta escola já existia há muitos anos, quando em 180 se tornou seu chefe Pantano, que lhe deu características de uma academia cristã, na qual a sabedoria grega era utilizada para os fins apologéticos do Cristianismo. Denomina-se Escola Catequética de Alexandria, ao conjunto de ideias filosóficas que se desenvolveram na cidade de Alexandria durante os três primeiros séculos da nossa era, destacando os seguintes pensadores: Fílon, S. Clemente e Orígenes. Ao declinar a discussão apologética do cristianismo com o paganismo cresce cada vez mais o desejo de um aprofundamento interno e de uma estruturação sistemática da doutrina cristã. Trata-se de contrapor aos sistemas acabados da Filosofia Grega uma visão cristã do mundo, igualmente ampla. Se a Filosofia concedera aos apologetas um instrumento que lhes possibilitava o diálogo com o paganismo, vai agora servir aos pensadores cristãos no seu esforço de desenvolver o conteúdo da fé em todos os aspectos e numa construção sistemática. As primeiras grandes realizações desta exposição sistemática encontram-se na Escola Catequética de Alexandria. 1.4.1- Fílon de Alexandria (25 aC, Judeu) 1- Procura fazer uma síntese entre a Sagrada Escritura e a Filosofia Platónica. A visão platónica da realidade é idêntica à da Bíblia em substância. Fílon identifica o Deus de Moisés com o Bem platónico. O mundo sensível não procede directamente de Deus, d´Ele procede imediatamente o Logos (razão ou pensamento, palavra). No Logos encontramos as Ideias ou arquétipos das Ideias e por sua vez é o logos que faz o mundo.8 8 História da Filosofia. Dos pré socráticos à Idade Média I Vol. Passim.
  • 11. 2- O universo apresenta uma estrutura piramidal. O vértice da pirâmide é ocupado por Deus. Entre o vértice e a base há uma série de seres tanto mais perfeitos e menos numerosos quanto mais próximo de Deus, e tanto menos perfeitos e mais numerosos quanto mais próximo da matéria. 3- Deus e a matéria são eternos e não criados, ao passo que todos os seres intermédios são criados por Deus, os seres corpóreos são criados por Deus com auxílio dos seres espirituais. A parte superior é ocupada pelos seres espirituais na seguinte ordem: Deus, Logos, Potências e Ideias. O Logos e as Ideias são os Demiurgos, os coordenadores que ajudam Deus na criação e no governo do mundo. As Ideias são os modelos espirituais dos quais Deus e os ministros se servem para criar as coisas materiais. 4- A parte inferior da pirâmide é ocupada pelas coisas corpóreas. O homem encontra-se na zona limítrofe entre as duas partes. Mas esta colocação não é definitiva, ele tem a possibilidade de separar-se do mundo corpóreo e de subir até Deus. Pela prática da ascese, desapegando-se dos sentidos e de tudo que é corpóreo e o fascina, ajudado pela divina revelação, contida na Lei o homem pode retornar à esfera das Ideias; pode mesmo subir mais alto até as Potências, ao Logos e ao Próprio Deus. 9 1.4.2- TITO FLÁVIO CLEMENTE (S. Clemente 150-215-6) Obras: 1- Protréptico ou Exortação aos gregos aproxima-se da literatura apologética do século II. 2- Pedagogo em três livros, procura educar na verdade cristã o leitor que apartou-se do paganismo. 3- Stramata ou Tapetes, isto é, Tecidos de Comentários científicos sobre a Filosofia. Exposição científica da Verdade revelada cristã. 9 MONDIN, B. Curso de Filosofia, Vol. I pp. 122-125.
  • 12. Doutrina 1- Procurou elaborar um conceito próprio de gnose cristã; mas a fé é a condição do conhecimento. Entre a fé e o conhecimento existe a mesma relação que os estóicos estabeleciam entre o conhecimento preliminar dos primeiros princípios e a Ciência. A Ciência pressupõe o conhecimento preliminar, assim a gnose pressupõe a fé. A fé é tão necessária ao conhecimento. Nesta subordinação da Filosofia à Fé reside o carácter da gnose cristã. A gnose dos gnósticos é falsa porque estabelece uma relação inversa entre a filosofia e a fé. Se aos gnósticos fosse dada a possibilidade de escolher entre a gnose e a salvação eles escolheriam a gnose, porque julgam ser superior a todas as coisas. 2- Acerca do conhecimento de Deus ele sustenta que o homem enfrenta duas dificuldades: a) Os limites próprios do homem; b) A singularidade do objecto do conhecimento. Assim não haveria nenhuma demonstração da existência de Deus, considerando-a desnecessária, e aderindo ao mesmo tempo à convicção cada vez mais forte no platonismo da época, (Plotino) segundo a qual a essência de Deus seria completamente incognoscível. Deus não pode ser captado em nenhum conceito positivo. Para ele só é possível conhecermos o Logos. 3- O mundo foi criado por Deus por isso é bom, o mal origina-se apenas na vontade livre das criaturas, sendo por isso algo negativo. A alma humana é por natureza mortal, porém mercê de uma vida virtuosa alcança a imortalidade. 1.4.3- ORÍGENES (185-6-254-5) 1.4.3.1- DEUS E O MUNDO 1- Ele afirma a espiritualidade de Deus, pois, Ele não é um corpo nem está no corpo, Ele é espiritual e simplíssima. O seu ser homogéneo, indivisível e absoluto não
  • 13. pode ser considerado nem como um todo nem como uma parte, porque o todo é feito de partes. Para indicar a unidade de Deus Orígenes faz recurso ao termo pitagórico de mónada ou a conceito neoplatónico de énada que expressa a singularidade absoluta de Deus. 2- O mundo foi criado por Deus mas é eterno, sem início. Deus contínua a ser criador da matéria e actua omnipresente no universo. Temporal é apenas o mundo actual, anteriormente existiram outros, bem como outros se seguirão. A criação desde a eternidade é exigida pela imutabilidade de Deus (Deus não muda). Para a criação do mundo Deus serviu-se do Logos que é filho de Deus e Deus, mas inferior ao Pai (como o Espírito Santo é inferior ao Filho). O logos cria antes o mundo dos espíritos donde pertence as almas dos homens. Os espíritos sendo finitos não são bons por natureza como a divindade, mas por sua opção, livre arbítrio se afasta da plenitude do ser, própria de Deus e se perde no inferior, porque se fosse bom por natureza não praticava o mal. O mundo sensível cria-se a partir da queda ou afastamento a Deus. O mundo é o lugar de expiação dos pecados. Os frutos da redenção não se limitam apenas aos homens mas a todos os espíritos incluindo o demónio. Assim a redenção efectua o retorno de todas as criaturas à Deus, este retorno chama-se restauração. Neste retorno consiste a superação do mal que é escatológico. 1.4.3.2- RELAÇÃO ENTRE A FÉ A RAZÃO Quanto a relação entre a fé e a razão, Orígenes pensa que ela indica a passagem do significado literal ao significado alegórico das Sagradas Escrituras, indicando assim a passagem da fé ao conhecimento, porém o conhecimento é superior a fé. 1.5- SANTO AGOSTINHO (354-430) Santo Agostinho (Agostinho de Hipona, Tagaste) nasceu no norte de África actual Argélia. Filho de pai pagão e mãe cristã (Santa Mónica) segue a carreira de professor de eloquência.
  • 14. As obras de Cícero (Hortênsio) e de Aristóteles (Protréptico) desperta-lhe o interesse pela Filosofia. A avidez de leitura põe-lhe em contacto com o Antigo Testamento de que não aprecia o modo de exposição e onde encontra doutrinas que lhe parecem contrariar a razão. Todavia agrada-lhe o maniqueísmo, pois com a admissão de um duplo princípio parece dar uma resposta satisfatória ao problema do mal. A solução do problema do mal no mundo satisfaz Agostinho mas em breve o seu espírito indagador tropeça com outras doutrinas maniqueístas, passa através da academia céptica para o neoplatonismo até que finalmente, mercê da pregação de Santo Ambrósio, a quem escuta atraí-se ao cristianismo. Ele reconhece Platão, Plotino e Porfírio, segundo ele, todos os pensadores gregos são os que juntamente com Platão se encontram mais próximo do cristianismo. No platonismo elogia a Metafísica do ser que considera Deus como princípio supremo, fonte de todo ser e portanto, ao mesmo tempo fonte de todo o conhecer e norma da vida. Interpreta a doutrina neoplatónica da emanação no sentido de uma criação de todas as coisas por Deus, única fonte do ser, realidade absoluta, impossível de captar mediante as categorias. É igualmente unidade absoluta em que todas as propriedades coincidem com o próprio ser. OBRAS CONFISSÕES (400 dC): nas confissões sua autobiografia, fala-nos da sua infância, um comovente retrato da personalidade da sua mãe e as confissões da sua personalidade sexual enquanto rapaz. Queria, mas também, não queria libertar-se da sua escravidão ao sexo. “Senhor torna-me casto, mas ainda não”. DIÁLOGO CONTRA OS ACADEMICOS: nela retoma os diálogos de Cícero e refuta a Filosofia Céptica da Nova Academia defendendo a possibilidade do conhecimento pela verdade revelada. Não podemos saber nada, ou que é impossível termos a certeza de alguma coisa, ou ainda que seja, na verdade é possível duvidarmos de tudo, sendo essa a base de toda a posição defendida pelo cepticismo. Para duvidar de tudo e excluir “tudo” é preciso que existam necessidades e, portanto, a minha própria
  • 15. existência é algo que me é impossível duvidar. Uma vez que o facto de eu existir é uma verdade que eu conheça com absoluta certeza. DIÁLOGO (DE MAGISTRO): dirigido a seu filho Adeodato. A CIDADE DE DEUS (413-426): nesta obra fala de como cada indivíduo é simultaneamente um cidadão de duas comunidades diferentes: por um lado existe o reino de Deus, o qual é imutável eterno e baseado em valores verdadeiros, enquanto por outro lado existe os planos altamente instáveis deste mundo, que vão e vem com uma rapidez e desconcertante e são baseados em falsos valores, nós vivemos em ambos. Outras obras: Sobre a Doutrina de Cristo. Retractationes. Sobre a Trindade. Contra os Maniqueus onde ele refuta o maniqueísmo ao qual anteriormente aderira. 1.5.1. AS POLÉMICAS Santo Agostinho teve três polémicas: a) Polémica contra o pelagianismo,10 esta doutrina religiosa foi fundada por Pelágio declarada herética no Concílio de Éfeso porque negava o pecado original, a corrupção da natureza e a necessidade da graça para a santidade. b) Polémica contra o donatismo11 doutrina fundada por Donato de las Casas Negras, que afirma a absoluta intransigência da Igreja diante do Estado. Como comunidade de perfeitos a Igreja não deve ter contacto com a autoridade civil, as autoridades religiosas que toleram tais contactos cometem traição e perdem a capacidade de administrar os sacramentos. 10 11 ABBAGNANO, N. História da Filosofia. Vol. II pág. 219-222 Idem pág. 217-218
  • 16. c) Maniqueísmo12, seita típica da antiguidade, surgida na Pérsia nos séculos II – III dC, fundada por Manes. Proclamava uma teoria da salvação em parte religiosa e em parte filosófica. O mundo era explicado a partir de dois princípios: bem-mal, vida-morte, trevas-luz, espírito-matéria etc., através de seu espírito os homens podiam elevar-se acima do mundo material e deste modo criar a base para a salvação da sua alma. 1.5.2- DEUS E A SUA EXISTÊNCIA Deus era concebido como a forma de todas as formas e, deste modo tudo o que não é realmente deste mundo. Santo Agostinho estudou Deus, a sua natureza e a sua existência cuja fonte é o próprio homem: “In interiore homine habitat veritas”, isto é, no interior do homem habita a verdade. Não saias de ti, volta-te para ti mesmo, a verdade habita no homem. Ele pensa que é possível chegar-se a Deus mediante indícios cosmológicos: ordem do universo e contingência das coisas. Estes indícios encontram-se mais no homem que no cosmo. Na mente humana estão presentes verdades eternas, absolutas e necessárias que a mente contingente e imutável não pode produzir, logo Deus existe, razão suficiente destas verdades. Assim Agostinho conclui, que, se existe alguma coisa superior a verdade esta coisa é Deus, mas se não existe nada mais excelente do que ela, então a própria verdade é Deus. Em todo caso, não podeis negar que Deus existe, e esta era precisamente a questão que tínhamos propostos a debater. 1.5.3- A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO Conforme a gnose cristã, Santo Agostinho, também não separa o saber da fé. O simples saber não possui valor. Tão pouco basta a simples fé. O problema consiste muito mais em elevar o que é objecto da fé a algo sabido racionalmente. Daí definir a fé como assentimento (anuência) a um pensamento. Repousa 12 Idem pág. 215-217
  • 17. portanto num acto da vontade. Neste acto da vontade participa tudo o que conhecemos, mas não é possível conhecer tudo aquilo em que acreditamos. A fé é mais ampla que o saber e inclui em si este último. 1.5.4- MUNDO E TEMPO O mundo foi criado por Deus não como resultado da natureza divina, mas da livre criação a partir do nada, segundo as ideias, arquétipo que se encontram no logos, sendo a sua manutenção uma permanente acção criadora. Uma questão se coloca: Quando ocorreu a criação, no tempo ou na eternidade? Para Santo Agostinho, o tempo é a duração de uma natureza finita que não pode ser simultaneamente, tendo por isso necessidades de fases sucessivas e contínuas para realizar-se completamente. As fases do tempo são: passado, presente e futuro. O tempo é um agora que passa (nunc transiens). A eternidade é um tempo que não passa (nunc stans). O tempo não existe fora de nós, ele mede-se na alma onde deixa uma impressão enquanto passa, comparamo-lo entre tempos vividos. Para Deus não há tempos, mas uma eternidade intemporal. Por isso, a criação não deve representar-se como acontecendo no tempo, porque só com a criação o tempo se gerou. 1.5.5- A QUESTÃO DO MAL E DA LIBERDADE A causa do mal no mundo não pode ser Deus, sendo o mal a privação de uma perfeição devida, Deus não pode ser seu autor. O mal é uma consequência do livre arbítrio e gera-se do desprezo do valor e da beleza da criação. Deus é um bem incondicionado e por isso a sua criação é boa em si. Não se deve opor ao bem um mal absoluto, como substância como fazem os maniqueístas: o mal pressupõe o bem e existe apenas como sua negação. Como poderia com efeito, aquele que é causa do ser de todas as coisas ser a causa do não ser? Logo a causa do mal não é Deus, mas a criatura. O mal é a ausência do bem, de Deus, ele não tem existência própria é algo que não é, porque a criação de Deus é apenas boa.
  • 18. Há uma relação entre a culpa e o sofrimento, a causa do sofrimento é a culpa, e o responsável pela culpa é o homem. Este voltou costas a Deus, ao bem superior e imutável, devido a liberdade. O homem pratica o mal pelo livre arbítrio da vontade. A liberdade apresenta-se como o bem de superior importância, porque é a condição da moralidade. Se a nossa acção humana não fosse livre não poderia ser aprovada ou reprovada. Deus deveria simplesmente evitar o mal mas preferiu pôr o mal ao serviço do bem. 1.5.6- A TEOLOGIA DA HISTÓRIA A sua visão de história difere-se da grega, pelo facto dos gregos conceberem-na como períodos de movimentos circulares repetindo-se ciclicamente; S. Agostinho concebe a história como o caminho em linha recta que sobe da terra para o céu. Sendo a história alguma coisa que sempre traz consigo a sociedade humana, Santo Agostinho interpreta o total decurso histórico como a luta entre as duas comunidades, a comunidade dos bons e agradáveis a Deus e a comunidade dos maus. A influência destas duas estruturas criadoras da história é seguida por S. Agostinho ao longo dos sucessos humanos até ao seu tempo, com especial referência ao Judaísmo e História dos Impérios Orientais. Santo Agostinho estava certo de que a igreja era a comunidade dos Santos, de Deus, mas colocava algumas dúvidas em relação aos que se encontram fora da Igreja visível não pertencem realmente a comunidade de Deus. Agostinho acredita que a história trata do modo como o combate entre a Cidade de Deus e a Cidade Terrena é conduzido. Estas duas cidades são estados políticos distintos um do outro. Lutam pelo poder de cada homem. A cidade de Deus está presente na Igreja e a Cidade terrena nos estados políticos, ex. o império romano. 1.5.7. A CONCEPÇÃO SOBRE A CIÊNCIA E A QUESTÃO DO CONHECIMENTO A sua posição quanto às ciências esteve sujeita as oscilações: ao princípio encontra-se inclinado a reconhecer na ciência o caminho para a sabedoria e portanto, para
  • 19. o conhecimento de Deus, é uma ajuda e preparação para a fé, mais tarde, sobretudo nas RETRACTACIONES assume um ponto de vista mais rigoroso em face do saber deste mundo. Por si mesmo o saber é neutro. O seu valor determina-se pelo uso que o homem entende fazer dele. Santo Agostinho discutiu as questões gnoseológicas, isolando-as do seu tempo, isto devido a sua evolução espiritual. Quando nas suas obras impugna os académicos, é porque teve de superar o seu próprio cepticismo. Com esta fundamentação pessoal antecipa já o que futuramente Descartes evidenciará o significado, como por ex, o ponto de partida da dúvida metódica acerca da verdade e da possibilidade do conhecimento da verdade e da superação dessa verdade pela consciência que o espírito possui de si mesmo. Em duas esferas tem a dúvida um limite: posso duvidar de que me movo, mas não posso duvidar de que duvido, penso, quero. Igualmente é indubitável a verdade dos juízos disjuntivos. Que o mundo exista ou não exista, é uma proposição que não tem sentido discutir. Diante do exposto, podemos assegurar que é possível saber diante das dúvidas cépticas. O saber não é só possível mas também necessário ao homem. O fim de toda a actividade prática era para os antigos a eudamonia. O saber encontra-se ao serviço da felicidade, e mesmo para o cepticismo era importante a demonstração de que a renúncia ao saber era prejudicial à felicidade.
  • 20. 2ª PARTE CAPÍTULO II. O PERÍODO DA ESCOLÁSTICA É um adjectivo que significa escolar. De Scholasticus = padres da Igreja. Inicialmente chamava-se escolástico aos mestres das escolas claustrais e catedrais medievais. A. Lobo no seu Dicionário de Filosofia concebe a escolástica como ”Forma de Filosofia e Teologia Medieval em que se conciliam de modo exemplar as exigências da crença e da razão. A escolástica é a especulação filosófico-teológico que se desenvolveu do Século IX até ao renascimento Séculos XIV-XV. Tem este nome por ter sido dominante nas escolas que começaram a surgir durante o renascimento carolíngio (Carlos Magno). O imperador Carlos Magno preocupado em incrementar a cultura, funda escolas monarcais e catedrais junto aos mosteiros e Igreja, contratando para o efeito muitos sábios dentre eles Alcuino. 2.1- Características da Escolástica 1- Gera-se nos quadros da cultura medieval, de cariz religioso; 2- Apresenta a síntese mais elevada da Ciência racional e da crença na revelação cristã. 2.2- Escolas e Universidades As mais importantes escolas claustrais foram: Tours, Fulda, Reichenau, São Galle, Monte Cassino, Bec e Paris. As mais importantes escolas catedrais foram: Utrecht, Doornik, Reims, Chatres e Paris. As universidades criadas pelos fins do século XII e inícios do século XIII foram: Paris, Oxford, Bolonha Pádua e Salamanca que espalhando-se por toda a Europa tornaram-se focos de reflexão Filosófica.
  • 21. 2.3- Programa de estudos método de ensino O ensino consistia na maioria dos casos nas artes liberais e na doutrina cristã. As artes liberais recebem esta designação para as distinguir das artes dos ofícios, pois aquelas não visam fins lucrativos, possuíam um carácter contemplativo como expressão da natureza espiritual do homem. As artes liberais dividiam-se em artes da palavra: gramática, dialéctica e retórica (trivium); e artes das coisas: geometria, aritmética, astronomia e a música (quadrivium). Foram consideradas vias cuja finalidade era de carácter religioso, estudo da Bíblia. O método de ensino era muito simples nas escolas medievais: lia-se e explicavase um autor. No estudo das artes liberais lia-se Porfírio, Aristóteles, Boécio etc, no estudo da Teologia, a Sagrada Escritura lia-se os padres da Igreja. 2.4- ANSELMO DE AOSTA (1033-1109) Nasceu em Aosta e exerceu o episcopado em Cantuária, foi abade Beneditino de Bec, na Normandia. Foi maior pensador do séc. XI. Escreveu três Obras principais: Monologium (Monologo), Proslogium (Dialogo) e Cur Deus Homo (Porque Deus {se fez} Homem, obra sobre a Encarnação. Nestas obras ele estuda entre outros, dois problemas de fundamental importância, para a Filosofia Cristã. 2.4.1 O PROBLEMA DA RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO A relação entre a fé e a razão motivou-lhe a fazer profundas investigações que lhe dão ao direito de ser considerado um dos pensadores de maior relevo da idade média. Esta relação espessou-se nas seguintes palavras “Credo ut intelligam”. Este aforismo nos ensina duas verdades: 1- A necessidade da fé para o conhecimento da verdade religiosa e moral.
  • 22. 2- A necessidade de usar a razão para que a adesão a fé não seja cega e meramente passiva. As verdades religiosas e morais não se apreendem senão pela fé, mas é necessário compreende-las e demonstrá-las. Os resultados da sua investigação podem ser resumidos da seguinte forma: 1- A Sagrada Escritura abrange toda a verdade; 2- A fé exige inteligência do seu conteúdo, fundamentos racionais, experiência e compreensão que ao princípio é aceite devido a autonomia pura e simples; 3- A experiência da fé é o pressuposto de todo o conhecimento; o conhecimento é a recompensa da fé; 4- O crente que não pode penetrar até ao conhecimento não se deve orgulhosamente insurgir, mas curvar-se necessariamente, com humildade e venerar o incompreensível. 2.4.2- O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA DE DEUS (Argumento Ontológico) Para demonstrar a existência de Deus S. Anselmo segue métodos diferentes no Monologium e no Proslogium. No primeiro, procede a posteriori, isto é, teve como ponto de partida os factos. S. Anselmo faz um recurso às provas tradicionais baseado na contingência dos seres finitos e nos graus de perfeição. No segundo procede a priori, isto é, teve como ponto de partida a definição de Deus para dela deduzir a sua existência. No Diálogo, ele procura uma prova irrefutável da existência de Deus, uma prova que não possa ser negada nem pelo Salmo 13 que diz “no seu coração não há Deus”. “Deus existe, é um ser que não se pode pensar nenhum maior do que Ele”. Mas, aquilo do que o qual não se pode pensar nada, não pode existir só no intelecto. Porque, se existisse só no intelecto, poderia ser pensado outro que existisse também na realidade, e este seria maior. Se, pois, aquilo maior do que o qual não se pode pensar nada existisse só no intelecto, aquilo maior do que o qual não se pode pensar, nada seria, ao contrário, aquilo maior do que o qual se pode pensar alguma coisa.
  • 23. Mas isto é certamente impossível. Logo, não há dúvida de que aquilo maior do que o qual não se pode pensar nada existisse tanto no intelecto como na realidade. Deus não pode ser pensado senão como existente, por isso, se se pode pensar Deus, é necessário pensá-lo como existente. 2.5- S. ABELARDO (1079-1142) Vida e obras: nasceu em Palais – França. Autor de duas famosas obras: “Dialectica” e “Historia Calamitatem Mearum”. Do ponto de vista filosófico é Pedro Abelardo a figura mais importante do séc. XII, denominado por S. Bernardo um segundo Aristóteles13 a sua segunda obra é a Auto Biografia mais interessante e instrutiva da Idade Media. Foi ele que deu a possível solução ao problema dos universais. 2.5.1- O MÉTODO Ele é considerado, o criador do método escolástico sic et non. Na esfera Teológica chegou mesmo a utilizar a “dúvida metódica”. Este método consiste, em reunir teses opostas sobre diversos assuntos, deixando ao leitor a responsabilidade de decidir de que lado está a verdade, o seu objectivo é dialéctico e não céptico. A dúvida levantada pelas teses opostas, deve estimular a pessoa a pesquisar com vista a encontrar a solução. 2.5.2- A ÉTICA (doutrina da intenção) Pedro Abelardo foi considerado pai da ética medieval. Ele distinguiu entre lei natural e lei positiva. A acção moral funda-se na aspiração ao bem supremo, e a vontade é o caminho que conduz a esse fim. Ele frisa com toda agudeza, o significado da intenção subjectiva como critério próprio da moralidade. O conceito de consciência transforma-se nele num conceito central. 13 Assim foi considerado pelo facto de procurar sempre a verdade no et...et não no out... out.
  • 24. Segundo S. Abelardo, a moralidade de uma acção não depende do objecto, nem das circunstâncias, nem das paixões, mas unicamente da intenção. “A Deus não importa o que fazemos, mas com qual intenção o fazemos; o nosso mérito não depende da acção, mas da nossa intenção”. 2.5.3- A QUERELA DOS UNIVERSAIS O problema dos universais foi o problema fundamental da Escolástica: a essência e o valor dos conceitos, cujas raízes remontam a Platão e Aristóteles (teoria das ideias). Existe ou não ideias universais a parte da coisa, em si mesma? Platão as admitia mas Aristóteles não. Quanto a este problema foram encontradas três soluções: a) Solução nominalista defendida por Roscelino (1050-1120)14, ele parte da verificação de que todas as coisas são particulares e as nossas ideias para serem verdadeiras devem também ser particulares. Logo, os universais, não existem, nem na mente nem na realidade e não são mais do que um flactus vocis (emissão de voz), a função do universal é exercida pela palavra enquanto pode ser aplicada a muitos indivíduos. b) Solução conceptualista cujo defensor foi Guilherme de Champeaux (1170-1120). Ele parte da verificação de que temos conceitos universais e de que eles só serão verdadeiros se a eles corresponder algum ser universal. Por isso, conclui que existem coisas universais da mesma natureza dos conceitos. Assim existe o ser universal Homem, Planta etc. c) Solução realista defendida por Abelardo rejeitou as duas soluções precedentes e mostrou que a primeira conduz-nos a cepticismo e a segunda ao panteísmo. Segundo Abelardo, o universal não é uma coisa, nem um simples “flactus vocis” mas um conceito tirado das coisas por abstracção. Sendo tirado das coisas o universal tem com elas uma correspondência parcial: correspondência quanto ao conteúdo, mas não 14 Roscelino
  • 25. quanto ao modo. Pelo universal apreendemos o que está na coisa, mas não como está na coisa. 2.6- S. TOMÁS DE AQUINO (1225-1274) Nasceu em Roccasecca, perto de Aquino, Itália. Monge dominicano, estudou em Nápoles, foi discípulo de Alberto Magno, ensinou na Universidade de Paris. As obras de S. Tomás dividem-se em Quatro grupos: 1- Obras sistemáticas: Suma contra os gentios; Suma Teológica. 2- As questões disputadas: Sobre a Verdade; a Potência; o Mal; a Verdade; a Alma; a Virtude. 3- Comentários filosóficos de Aristóteles: Física, Metafísica, Ética, Política, Analíticos Posteriores. 4- Sobre o Ser e a Essência, Sobre os Governos dos Príncipes. A Filosofia de S. Tomás de Aquino é a conciliação entre o cristianismo e o aristotelismo através da concepção do ser segundo a qual o ser é a perfeição absoluta. A origem dos entes deve-se à criação; esta é uma participação por semelhança da perfeição do ser por parte dos entes, entre cada um dos entes e o ser há somente analogia. 2.6.1. A RELAÇAO ENTRE A FÉ E A RAZAO Ao abordar a questão entre a fé e a razão Tomás de Aquino baseia-se nos seguintes princípios: 1- A fé e a razão são modos diferentes de conhecer. A razão aceita a verdade por causa da sua evidência intrínseca; a fé aceita a verdade por causa da autoridade de Deus. São duas ciências diferentes: Teologia e Filosofia. 2- A fé e a razão, a Filosofia e a Teologia não podem contradizer-se, porque Deus é seu autor comum: logo a verdade da razão não pode entrar em conflito com a verdade revelada. Quando há oposição é porque não se trata de verdade mas de conclusões falsas ou não necessárias. “Atribui a Filosofia o objectivo de tratar os
  • 26. problemas de Deus, do mundo e do homem por intermédio do entendimento e a partir dos dados da experiência enquanto a Teologia, que possui como fundamento a revelação divina, procura desenvolver o seu conteúdo o mais universalmente possível, com a ajuda do pensamento humano" 15. Também há analogias entre a Teologia e a Filosofia. Se se encontra algo contrário nas afirmações dos filósofos não deve ser atribuída isso a Filosofia mas a um mau uso da Filosofia devido a uma falha da razão. 3- A razão pode conhecer as verdades fundamentais de ordem natural mas por si só é incapaz de penetrar nos mistérios de Deus. 4- A razão pode prestar um precioso serviço à fé de três modos: a) Demonstrando aquelas coisas que são preâmbulos da fé; b) Ilustrando por meio de semelhanças as coisa que pertencem a fé; c) Opondo-se as coisas que são ditas contra a fé. Por este facto S. Tomás de Aquino chama a Filosofia serva da Teologia. 2.6.2. A TEOLOGIA NATURAL Segundo S. Tomás, Deus não pode ser demonstrado a priori, a partir do conceito de Deus, porque o nosso conceito da essência divina é imperfeito. Segundo S. Tomás o conceito que temos de Deus não é “aquilo de maior do que o qual nada pode ser pensado” mas aquilo que supera todos os nossos pensamentos. A existência de Deus pode ser provada somente a posteriori, pelos seus efeitos. Hoje podemos nos perguntar se Deus existe realmente? Isso é discutível, porque ninguém viu Deus. Mas, ainda hoje, a maior parte das pessoas admitiriam que pelo menos a nossa razão não pode provar que Deus não existe. S. Tomás foi mais longe, acreditando mesmo em poder provar a existência de Deus com base na Filosofia aristotélica. Eis a sua reflexão que sustenta as cinco vias do conhecimento de Deus. 1- Via do Movimento (motor imóvel): no mundo há coisas que se movem, cada coisa em movimento pressupõe um motor, e sendo impossível um processo até ao 15 HEINEMANN, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian 2ª ed. Lisboa s/d, pág. 120.
  • 27. infinito, a constatação do movimento exige que aceitemos um primeiro Motor Imóvel: Deus. 2- Via da Causalidade: no mundo há uma ordem de causas existentes, em que cada uma remete a outra, não sendo um processo até ao infinito, deve-se aceitar a existência de uma causa Primeira não Causada: Deus. 3- Via da Contingência: as coisas do mundo são contingentes, isto é, estão sujeitas ao nascimento e a destruição, de maneira que podem existir e não existir. Como aquilo que existe começa a existir em virtude de um outro e não podemos proceder até ao infinito; os seres contingentes postulam a existência de um Ser Necessário que nem só é, mas que não pode deixar de ser: Deus. 4- Via dos Graus de Perfeição: no mundo há seres mais e menos perfeitos; o mais e o menos devem dizer respeito ao máximo, segundo se aproxima ou se afasta dele. Deve existir, pois, um ser que contenha em si todas as perfeições em grau máximo que seja a causa de todas as perfeições parciais dos seres sensíveis: Deus. 5- Via do Governo do mundo (Ordem): todos os seres do mundo, até aqueles que não têm conhecimento, tendem a cumprir seu fim, agem intencionalmente; agora bem, aquilo que carece de conhecimento não pode tender ao seu fim a não ser que alguém o dirija. Deve existir um ser inteligente que dirija todos os seres para o seu fim: Deus. A ideia essencial que anima essas “cinco vias” é que Deus invisível e infinito é demonstrável pelos efeitos visíveis e finitos. Podemos saber que Deus é (existe) embora nos seja impossível saber como Deus é. Por isso, segundo S. Tomás, a razão não pode avançar mais. Deus mostra-se como causa da existência do mundo, a razão não pode atingir os motivos da criação que são postulados da fé. 2.6.3- A FILOSOFIA DO SER A essência da metafísica tomista: 1- A perfeição máxima é o ser, não a sua ideia mas o acto de ser. Os seres pelo Ser são da mesma origem, são finitos, semelhantes e agem. Tudo origina-se do Ser
  • 28. por participação na sua perfeição; são finitos porque a sua participação limita-se; são semelhantes porque todos são aparentados pela mesma perfeição; estão em condições de agirem porque o agir é a irradiação do ser que possuem. Para isto S. Tomás usa os seguintes argumentos: a) De tudo que existe o Ser é o mais perfeito. “Esse est inter omnia perfectissimum”. b) O Ser é a actualidade de todos os actos e, por isso, a perfeição de todas as perfeições. As coisas são a partir do ser. c) O que em qualquer efeito é mais perfeito é o Ser. d) A excelência de uma coisa depende do seu ser. As Razões avançadas por S. Tomás: a) Ao ser não se pode acrescentar nada que lhe seja estranho porque nada lhe é estranho, com excepção do não ser, que não pode ser nem forma nem matéria. b) O ser é o que de mais íntimo tem uma coisa e o que de mais profundo existe em todas as coisas. c) O ser é o fim último de todas as coisas. 2- Os seres procedem do Ser por criação. “O Ser subsistente não pode ser mais de um (…). Logo, todos os seres diversificados (…) necessariamente devem ser causados por um Ser Primário Perfeitíssimo”. A comunicação do ser aos seres dáse não por emanação16 mas por criação, produção a partir do nada, de alguma coisa que participa da perfeição do ser. 3- A criação é uma participação dos seres, por semelhança, na perfeição do ser. Os seres se comunicam e participam da perfeição do ser. Os seres não participam do ser como as fatias participam do bolo. Se assim fosse o ser e os seres teriam a mesma natureza. Mas os seres participam do ser como uma cópia participa do seu modelo. É uma participação por semelhança e não por essência. 4- A limitação da perfeição do ser nas criaturas é devido a potência, isto é, a capacidade dos “seres de vir-a-ser”. Há uma necessidade de existir algo que limite a perfeição do ser, por si infinita nos graus finitos que ela tem. 16 Processo pelo qual as coisas se originam de uma.
  • 29. 5- Entre os diversos seres e entre eles e o ser há analogia ou semelhança. Os seres todos procedem da mesma fonte, logo eles devem ter algo de comum que os torna semelhantes. Se os seres pertencem à mesma espécie a semelhança é específica; se pertencem a mesmo género é genérico. Se não pertencem nem ao mesmo género, nem a mesma espécie há semelhança por analogia. Entre os seres e o ser há semelhança por analogia, porque os seres participam na perfeição do Ser. 2.7. GUILHERME DE OCKHAM 2.7.1- Vida e Obras Nasceu em Ockham no ano de 1290, ingressou na ordem Franciscana com pouco mais de 20 anos de idade, realizou os seus estudos universitários em Oxford onde comentou as Sentenças de Pedro Lombardo, conseguindo assim o título de Bacharel. Guilherme de Ockham é a última figura da Filosofia Medieval, começando assim a se verificar o declínio paulatino desta Filosofia nesta idade; mas é também aquele que preparou o fim desta Filosofia, repudiando as bases sobre as quais se fundavam: o valor universal e o objectivo do conhecimento humano e a harmonia entre a fé e a razão. Em 1317 e 1324, ele escreveu a “Lectura Libre Sentetiarum” e a “ Expositio Aureia”. Em 1324 transfere-se para o convento franciscano de Avignon, onde o Papa João XXII o convocou para responder a acusação de heresia. Escreveu mais obras como “Errorum Papae Joannis XXII onde defende de forma rigorosa o conceito de pobreza. 2.7.2- A NAVALHA DE OCKHAM (princípio da economia) A navalha de Ockham uma linguagem metafórica que quer exprimir um princípio anti-platónico, segundo o qual “não é necessário multiplicar os seres sem necessidade”. Faz a primeira crítica a metafísica das essências de Platão e aos aspectos aristotélicos que continham elementos platónicos. Ele rejeita a metafísica tomista do ser analógico e do ser unívoco de Escoto. Juntamente com o conceito metafísico de ser analógico, cai também o
  • 30. conceito de substância, ele diz que nós conhecemos as coisas, as suas qualidades ou acidentes através da experiência. A navalha de Ockham abre caminho para um tipo de considerações económicas da razão que tende a excluir do mundo e das ciências, os entes e conceitos, a começar pelos entes e conceitos metafísicos que imobilizam a realidade e a ciência configurandose como normas metodológicas que mais tarde seria definida como rejeição das hipóteses, por outro lado, tal crítica parte do pressuposto de que não é necessário admitir nada fora do pressuposto de que o conhecimento fundamental é o conhecimento empírico. Esta navalha teve também a sua influência na ciência, tanto mais que foi usado ou popularizado na sua formulação original, dizendo que entre duas teorias que explicam os mesmos factos, a mais simples é a correcta, isto é, se uma explicação simples basta, não há necessidade de se buscar outra mais complicada. 2.7.3- A INTERDEPENDÊNCIA DA FÉ EM RELAÇÃO A RAZÃO Segundo G. de Ockham, há uma fragilidade teórica da harmonia entre a razão e a fé, bem como do carácter subsidiário da Filosofia em relação a Teologia. As tentativas de Tomás, Boaventura e Escoto, no sentido de mediar esta relação, usando os elementos aristotélicos ou agostinianos, através da complexa construção metafísica e gnoseológica são tentativas inúteis e danosas. O plano do saber racional baseado na clareza e evidência lógica, e o plano da doutrina da teologia, orientado pela moral e baseado na luminosa certeza da fé, são planos assimétricos. Não se trata apenas de distinção mas de separação. Os artigos da fé não são princípios de demonstração nem conclusões e nem mesmo prováveis, já que parecem falsos para todos, ou para a maioria ou para os sábios 17. As verdades da fé não são evidentes por si mesmo, como os princípios da demonstração. A Filosofia não é serva da Teologia que não é mais considerada ciência mais um complexo de proposições mantidas em vinculação não pela coerência racional mas pela força da coesão da fé. 17 Aqueles que se entregam a razão natural.
  • 31. 2.7.4- CONHECIMENTO INTUITIVO E ABSTRACTO O primado do indivíduo levado ao primado da experiência, na qual se baseia o conhecimento a esse respeito, é necessário distinguir entre o conhecimento não complexo, relativo aos termos singulares e aos objectos que lhes designam e o conhecimento complexo relativo as proposições compostas de termos. O conhecimento intuitivo se refere a existência de um ser concreto, e por isso, move-se na esfera da contingência porque atesta ou não, a existência de uma realidade. A importância do conhecimento intuitivo consiste antes de mais nada no facto de ser um conhecimento fundamental, sem o qual os tipos de conhecimentos não seriam possíveis. É com este conhecimento que chegamos a saber se uma coisa existe ou não, assim o intelecto julga de modo imediato sobre a realidade ou irrealidade de qualquer coisa. O conhecimento intuitivo pode ser tanto sensível (conhecer a mesa) como intelectual, enquanto o intelecto conhece também os seus actos e os movimentos da alma tais como: amor, desejo ou prazer. No entanto o empirismo de Ockham é sem dúvida radical. O conhecimento abstracto deriva do conhecimento intuitivo que pode ser entendido de dois modos: “de um modo quando se refere a algo abstraído de modo singular, por outro lado, enquanto faz abstracção da existência e não existência das coisas contingentes”18. Consequentemente os objectos de ambos conhecimentos são idênticos mas captados sob aspectos diversos. O intuitivo capta a existência ou inexistência de uma realidade. Ao passo que o abstracto prescinde esses elementos. 2.7.5- O UNIVERSAL E O NOMINALISMO Em muitas oportunidades sem vacilações, Ockham afirmou que o universal não é real. A realidade universal, é contraditório, devendo ser total e radicalmente excluída; a realidade é essencialmente individual. Os universais são nomes, não uma realidade, nem algo com fundamento na realidade, a realidade é portanto essencialmente individual. 18 Reale Giovanni. Modos de Conhecimento página 304.
  • 32. Desta forma cai por terra o problema do princípio de individuação do indivíduo que tanto preocupara a mente dos clássicos, porque se considera infundada a passagem da natureza específica ao indivíduo singular. Assim se o nome “Sócrates” se refere a determinada pessoa, o nome “Homem” é mais genérico e abstracto, porque se refere a todos os indivíduos que podem ser indicados pela forma geral. 2.7.6- A C ONTRIBUIÇÃO DE OCKHAM PARA A CIÊNCIA FILOSÓFICA A sua contribuição foi valiosa para a Filosofia, nomeadamente na Lógica onde faz uma crítica ao pensamento clássico, negando absolutamente a presença de naturezas comuns nas coisas; na epistemologia, ele é céptico a respeito da capacidade cognitiva da mente humana; com a sua metafísica, procurou elaborar um objecto diferente da metafísica clássica, o ser comum; na teodiceia afirma que a existência de Deus não pode ser provada a priori, somente a posteriori; quanto a política ele foi um defensor da independência do estado em relação a igreja. Ele revoluciona todas as concepções da sua época, quer a nível da explicação dos fenómenos naturais e sociais. Propõe um novo método: a experiência. LÓGICA: Para ele a lógica é fundamental para o avanço do conhecimento. É o instrumento, a arte mais apta, aquela sem a qual nenhuma outra ciência poderia ser perfeitamente conhecida. Na sua obra MAGNA SUMA LOGICA, que se divide em três partes na primeira trata dos termos, na segunda trata das proposições, e na terceira parte trata dos silogismos. BIBLIOGRAFIA 1- AAVV. História da Filosofia. Dos pré-socráticos à Idade Média I Vol. 2- ABBAGNANO, N. História da Filosofia. Vol. II Presença. Lisboa 3- BÍBLIA SAGRADA. Versão Digital, Junho de 2006 4- BRYAN, Magee. Os Grandes Filósofos. Ed. Presença Lisboa. 5- CHAUI, Marilena et al. História da Filosofia 6ª ed. SP. 1986
  • 33. 6- HEINEMANN, Fritz. A Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian 2ª ed. Lisboa s/d 7- MARIAS Julian. La Filosfia en sus textos. Vol. I Barcelona 1950 8- MONDIN, B. Os Filósofos do Ocidente Vol I Ed. Paulinas S. Paulo