2. 13CUSTO BRASIL
de abastecimento de energia – sobretu-
do fósseis – abasteciam as instalações
industriais vorazes por suprimento de
energia. Ao mesmo tempo, a figura do
capital financeiro precisava de tentá-
culos para crescer e se firmar intrinse-
camente como parte inexorável da nova
oferta de bens e serviços que tinham o
condão de facilitar a vida das pessoas
em termos de comodidade e facilidades.
No século XXI essa questão se apro-
funda com a necessidade de se ofertar,
cada vez mais, bens e serviços para uma
população cada vez maior, mais globa-
lizada e economicamente ativa, ávida
por consumo. Dessa forma, ficam mais
acalorados os debates sobre as maiores
questões que têm grande impacto geopo-
No século passado, o desenvolvimen-
to de novos métodos de administração e
gestão da produção foi estruturado de
modo a permitir maiores quantidades
de produtos por trabalhador, implicando
significativas transformações no modelo
de competição que, no entanto, se res-
tringiu à redução de preços unitários
dos produtos, com predominância de
técnicas caracterizadas pelo uso inten-
sivo de materiais, energia e capital fixo.
Trata-se da maior alteração já vista
em termos de substituição de energia ao
introduzir, no desenvolvimento indus-
trial, a troca de fonte de energia, em que
a energia utilizada pela ação humana
voltada à produção perdeu espaço para
a produção mecânica com utilização de
energia para movimentação de máqui-
nas e para a produção em maior escala
e maior padronização.
Criou-se uma cultura da abundân-
cia, um pressuposto que permitia que
ineficiências e desperdícios no processo
produtivo fossem suportados pelo ganho
de escala e transferência dos impactos
para a sociedade em geral e para o meio
ambiente. Essa falta de necessidade de
preocupação com custos de materiais,
energia e recursos naturais permitiram
a adoção dos sistemas de produção
industrial que conhecemos ainda hoje.
Os países ricos, já que industriali-
zados, alcançaram altos patamares de
desenvolvimento dentro desse modelo,
em que o domínio sobre fontes seguras
A energia renovada
pela ética social
O Brasil precisa repensar o seu planejamento
energético sob a ótica da energia renovável,
contemplando políticas socialmente justas,
ambientalmente amigáveis e, ao mesmo tempo, com
garantia de retorno ao investimento. As descobertas
do pré-sal e o aumento da produção sugerem um
uso racional e mais nobre para o petróleo, como a
petroquímica, abrindo espaço para outras fontes
energéticas para combustíveis.
Antonio Carlos Porto de Araujo
Especialista em estratégia de Energia Renovável
e Sustentabilidade da Trevisan
Energia
3. 14 CUSTO BRASIL
lítico, que são energia, água e alimento.
Para o Brasil, esses temas ganham
uma dimensão enorme, já que o país
tem capacidade de autossuficiência
e grande potencial exportador, seja
em commodities alimentares, seja em
agroenergia. Evidentemente que isso se
torna possível graças às enormes fontes
de água doce, amplamente necessárias
para todo o ciclo agrícola de produção
de alimentos e de agroenergia com os
combustíveis renováveis, como o etanol
de cana-de-açúcar e o biodiesel.
O biodiesel tem atratividade am-
biental importante. Uma tonelada do
óleo evita a produção de 2,5 toneladas
de CO2
; reduz as emissões de materiais
particulados; apresenta significativa
redução de hidrocarbonetos não quei-
mados; além de ser biodegradável e
melhorar a lubricidade do motor.
O fato é que nosso país precisa de
mais fornecimento de energia, seja agrí-
cola, hídrica ou fóssil, para combustí-
vel ou eletricidade. Segundo relatórios
recentes, já atingimos em 2010 um
recorde de consumo de eletricidade em
qualquer período da nossa história. Pro-
jetando o crescimento do Brasil para os
próximos dez anos, teremos de dobrar
a capacidade de oferta de energia para
algo em torno de 200.000 MW, contra os
atuais 100.000 MW aproximadamente.
Porém, em termos de cuidados ambien-
tais, imprescindível se torna a análise
correta dos impactos ambientais e so-
ciais advindos das construções de obras
e instalações de geração de energia.
Nota-se, então, a introdução de um
novo discurso e de um novo modelo
de gestão no qual a questão ambiental
passa a ser protagonista e interfere na
tomada de decisão nas esferas políti-
cas, sociais e comerciais. Parece que
a cultura da abundância passou a ser
questionada e as conclusões levam à
ruptura dos modelos até aqui adotados e
impõem novos marcos como regulações;
pressões sociais e comerciais; e adequa-
ções legais. Sem percorrer esse novo
caminho, também o acesso ao capital
fica dificultado.
Alterações no clima do planeta são
observadas desde a Revolução Indus-
trial. As mudanças, contudo, vêm se
aprofundando e se manifestam de di-
versas formas, com destaque para o
aquecimento global, maior frequência
e intensidade de eventos climáticos ex-
tremos, alteração no regime de chuvas,
entre outros.
FRAGILIDADES
A questão dos impactos do aque-
cimento global na vida das pessoas é
matéria cotidiana nos principais meios
de comunicação e nas discussões entre
empresas, governos e cidadãos.
No Brasil, essa questão também tem
tido expressão. Repercutem os estudos e
ensaios sobre o problema, com os con-
sequentes riscos e prejuízos. Biólogos
alertam para a perda da biodiversidade,
uma ameaça cada vez mais presente,
com graves resultados, já que a qua-
lidade da biodiversidade no Brasil é
incomparável à do redor do mundo.
Os ambientalistas alertam que o
aquecimento pode provocar alterações
na estrutura do nosso clima, com pos-
sibilidade de aparecimento de fenôme-
nos como furacões e tufões, até então
praticamente desconhecidos no nosso
território.
Os sanitaristas se preocupam com
as epidemias que podem ser potencia-
lizadas com as enchentes e inundações
decorrentes das grandes chuvas. O Bra-
sil ainda é vítima de um sistema de sa-
neamento e esgoto altamente ineficiente
– quando não inexistente – e em caso de
inundações os riscos de proliferação de
pragas e desencadeamento de doenças
são exponencialmente provocados. Para
os catadores de lixo, então, a questão é
ainda mais explosiva.
Nesse conjunto de fragilidades, o
Brasil é obrigado a manter programas
emergenciais para minimizar os sinto-
mas e efeitos da devastação ambiental
provocada essencialmente por ações
antrópicas do homem moderno.
Poderíamos continuar a elencar todo
tipo de preocupação que cada profissio-
nal convive no seu dia a dia em razão da
deterioração da qualidade ambiental e
climática no mundo e, em especial, no
Brasil.
Ocorre que, como toda a questão
envolve diretamente impactos financei-
ros e econômicos, devemos ao menos
assumir que a falta de investimentos na
infraestrutura do país, cujo prejuízo já
é notório, fica ainda mais sensível com
os fenômenos climáticos adversos, oca-
sionando consequentemente prejuízos
econômicos maiores.
Não se trata de deixar de lado a
questão social, nem de discutir qual
assunto merece maior preocupação.
Trata-se de articular as discussões e
procurar um equacionamento economi-
camente viável, ambientalmente ami-
gável, politicamente exequível, social-
mente justo.
O chamado “Custo Brasil” é aumen-
tado pela maior demanda por serviços
públicos de saúde em decorrência do
aumento da temperatura, da diminuição
da qualidade do ar, das epidemias etc.,
poderá chegar a criar necessidades de
gastos anuais da ordem de R$ 8 bilhões.
A quebra de produção agrícola com
secas e enchentes, a perda em armaze-
nagem e transporte deve gerar prejuízos
no PIB agrícola de cerca de R$ 10 bi-
lhões. Fazendo um cálculo conservador,
no Brasil os prejuízos decorrentes das
alterações climáticas e a perda de ge-
ração de receita nos diversos setores
produtivos poderão representar um
montante de cerca de R$ 47 bilhões
durante o ano de 2010, igual a todo o
PIB do Uruguai e do Paraguai somados.
Se essa ineficiência pudesse ser
evitada, os benefícios seriam percebidos
distributivamente. Melhor qualidade no
EnergiaEspecial
4. 15CUSTO BRASIL
emprego das receitas públicas, maior
capacidade de investimento na produção
– viabilidade de retorno ao investimento
prudente – enorme poder de geração de
emprego e renda.
A solução, então, é enfrentar esse
desafio com esforços conjuntos da so-
ciedade e com o fomento do governo
nas três esferas, para que a questão
ambiental seja trabalhada dentro do
conceito empresarial de geração de
grandes negócios.
Ao mesmo tempo, por razões da
atual geopolítica mundial, o Brasil deve
se manter aberto para todas as possi-
bilidades justas de aproveitamento de
suas condições geológicas e geográficas
na geração e oferta de energia líquida
ou elétrica. Nesse sentido, vemos até
mesmo como razão de soberania, que
precisamos criar mecanismos públicos
e privados para o fomento de intensivos
investimentos nessa área, com pers-
pectivas em energia eólica, hidrelétrica,
biomassa, carvão, petróleo, urânio, gás
natural etc.
No planeta se cobram posições ins-
titucionais de uso de matriz energéti-
ca limpa, ao mesmo tempo em que o
Brasil desponta como ator importante
no cenário da exploração de petróleo,
sobretudo em razão do início da retirada
na plataforma Cidade de São Vicente,
do óleo pré-sal, implicando uma série
de reflexões.
Além disso, com as descobertas de
petróleo na camada pré-sal no Brasil, o
potencial de estoque desse combustível
assume proporções suficientes para o
consumo externo e grande excedente
para exportação, aliado às característi-
cas do óleo tipo leve, com melhor acei-
tação em termos de preços no mercado
internacional.
Não se pode no mundo se abster
da utilização do petróleo como fonte
importante de energia. Ocorre que com
a possibilidade de se chegar ao chamado
“Pico de Hubbert”, ou “Peak Oil”, tem-se
de valorizar cada vez mais sua utiliza-
ção, preferencialmente direcionando-o
para finalidade mais nobre como a pe-
troquímica, por exemplo, substituindo a
queima para geração de energia e com-
bustão de automóveis por outra matriz
que seja renovável. O mais importante
é que ao ser imprescindível a utilização
do petróleo, cabe tomarem-se medidas
aptas a promover correta destinação de
seus gases emitidos nos processos de
queima e utilização.
Por essas razões são direcionadas
pesquisas com objetivo principal de mi-
tigar as causas, reduzindo a provocação
e emissão de gases vilões do aquecimen-
to global. O sucesso da mitigação e do
sequestro desses gases poderá permitir
a manutenção da qualidade de vida
como se conhece hoje, evitando, prin-
cipalmente, os custos econômicos, am-
bientais e sociais de uma necessidade
de adaptabilidade de vida em condições
climáticas resultantes de um aumento
médio da temperatura global.
Consenso entre os pesquisadores
indica que a discussão passa necessa-
riamente pela questão da inovação tec-
nológica e da fonte e do uso de energia.
Nesse sentido, coloca-se a questão da
carbonização da matriz energética como
ponto fulcral dos debates. A utilização
dos combustíveis fósseis no mundo é
questionada por ambientalistas, em
choque com o setor produtivo que do-
mina a tecnologia de exploração e pode
contar com um abastecimento regular e
oferta segura.
Como a questão envolve visões mul-
tidisciplinares do problema, precisamos
ao menos indicar fatos importantes para
subsidiar novos debates e contribuir,
não para um convencimento, mas, so-
bretudo, para o conhecimento e enca-
minhamento do problema.
Diariamente no mundo se consomem
quase 14 bilhões de litros de petróleo.
Comparativamente todo o etanol pro-
duzido no Brasil em um ano equivale
a cerca de 50 horas de exploração e
consumo de petróleo no planeta.
Ou seja, não se trata de reduzir o
problema climático à substituição dos
combustíveis fósseis, principalmente pela
evidente questão matemática, já que não
há oferta equivalente de substitutos.
Dessa forma, enquanto o mundo
assiste à situação da limitação dos es-
toques de petróleo nos campos conheci-
dos, as descobertas do pré-sal no Brasil
e as possibilidades tecnológicas e econô-
micas de sua exploração tomam forma
grandiosa. Permite a ampliação da par-
ticipação do país no clube de nações na
vanguarda de oferta dessa commodity,
com o diferencial geopolítico de regio-
nalmente se situar em zona ausente de
conflitos, com plena democracia.
Todo o etanol produzido no Brasil em um ano equivale a cerca de 50 horas de
exploração e consumo de petróleo no planeta
Energia
5. 16 CUSTO BRASIL
Evidentemente que essa disponibi-
lidade de novos campos deve fomentar
novos debates, principalmente de ordem
institucional, com modelos regulatórios
eficientes; ambientais, com mecanismos
de controle de emissões e resíduos;
sociais, com geração e distribuição de
emprego e renda; tecnológicos, com ins-
trumentos de inovações para exploração
em áreas difíceis e profundas.
Resta claro que o mundo precisa de
segurança na oferta de energia, seja
líquida ou elétrica. Nesse contexto avan-
çamos em duas frentes principais, seja o
desenvolvimento de energias renováveis
ou descoberta economicamente viável
de novos campos para exploração de
combustíveis fósseis.
SISTEMA HIDRÁULICO
Em relação à energia hidrelétrica,
recentemente a licitação para cons-
trução da Usina de Belo Monte, no Rio
Xingu, no Estado do Pará, tem ocupado
espaço importante nos meios de co-
municação e nos debates entre vários
interlocutores.
Essa exposição e os debates acabam
por despertar interesse sobre a questão,
sob a ótica do Modelo Institucional do
Setor Elétrico, sobretudo após 2004,
quando se inicia a implantação do novo
modelo no Brasil. O Conselho Nacional
de Política Energética ganhou então
prerrogativa para proposição da lici-
tação individual de projetos especiais
do Setor Elétrico, recomendados pelo
Ministério de Minas e Energia (MME).
No Brasil, o sistema é predominan-
temente de base hidráulica, envolvendo
intercâmbios expressivos de energia
entre as regiões do país. Até pouco
tempo, vivenciamos ainda uma temerá-
ria ausência de termelétricas próximas
aos centros de consumo; obsolescên-
cia tecnológica das usinas existentes.
Esses fatores implicam a necessidade
de transferência de grandes blocos de
energia por meio de interligações entre
os sistemas regionais que, combinados
com o envelhecimento dos equipamentos
da rede básica das concessionárias,
causam alguma insegurança no abas-
tecimento. O último blecaute ilustrou
a situação.
Sob o aspecto econômico há enorme
dificuldade na obtenção de recursos
financeiros (custo/maturidade) e ve-
mos que a construção de mecanismos
financeiros implicou a composição de
consórcios para as recentes licitações
altamente engenhosos para conseguir
atender ao crescimento e à elasticidade
da demanda. Nesse ponto, vê-se a alta
posição do BNDES para garantir cerca
de 80% dos recursos, em condições
customizadas – incentivos.
Os fundamentos do modelo institu-
cional e de gestão até então em vigor
foram estabelecidos na década de 1990,
com a instituição do PND (Programa Na-
cional de Desestatização), no âmbito da
redefinição do papel do Estado na eco-
nomia e, ao longo do final do século XX,
muitas das tentativas de reestruturação
setorial não determinaram as condições
necessárias para o atendimento de al-
guns princípios gerais, que se pretendeu
proporcionar com o novo modelo, apro-
vado em votação em 11 de março de
2004 nas Medidas Provisórias 144, que
estabeleceu as novas regras do setor
elétrico, e 145, que criou a Empresa de
Pesquisa Energética (EPE), convertidas
respectivamente na Lei 10.848 e na Lei
10.847, ambas de 15 de março de 2004.
Esse novo modelo passou a deter-
minar a volta do poder concedente ao
Ministério de Minas e Energia, que era
exercido pela Agência Nacional de Ener-
gia Elétrica (Aneel). Ao MME coube,
portanto, a formulação e implementação
de políticas para o setor energético e o
planejamento setorial. Nesse momento,
passou a receber críticas de concen-
tração das diretrizes do setor nas mãos
do órgão, defendida pelo governo com
alegações de que não significava uma
reestatização, mas uma retomada de
serviços de caráter público.
O importante é que esse modelo
defendia a segurança de suprimento e
modicidade tarifária, em ambientes de
contratação e competição da geração.
Passamos a contar com a chamada
contratação de nova energia em ambien-
te de contratação regulado (ACR) e a
possibilidade de contratação de energia
existente no ACR, consumidores livres,
acesso a novas hidrelétricas por produ-
tores independentes de energia e novos
agentes institucionais.
O Modelo Institucional do Setor
Elétrico redefiniu as premissas opera-
EnergiaEspecial
Até pouco tempo, havia ainda uma temerária ausência de termelétricas próximas
aos centros de consumo e obsolescência tecnológica das usinas
6. 17CUSTO BRASIL
cionais prometendo sanar os proble-
mas vivenciados na época. A promessa
era arrojada, pois pretendia garantir
a segurança de suprimento de energia
elétrica com modicidade tarifária, além
de promover a inserção social do setor
elétrico e manter estável o marco regu-
latório. Esses foram os princípios gerais
do modelo.
Dado que o prazo de maturação de
nova usina hidrelétrica é de cerca de
cinco anos, a contratação de energia
para atender ao aumento previsto da
demanda deverá ser feita com a mesma
antecedência. Sendo assim, em ambien-
te de incerteza quanto à confirmação do
cenário projetado, a teoria sugere que a
contratação de energia para atender ao
crescimento será mais bem equacionada
sendo feita em duas licitações. Ocorre
que devido a fatores diversos, como
até mesmo gargalos na superação de
desafios ambientais, essa métrica não
se realiza a contento, tomando exemplos
como as Usinas do Rio Madeira, UHE
Jirau (3.300 MW) e UHE Santo Antônio
(3.150 MW).
Em relação à compra, as distri-
buidoras passaram a comprar energia
por meio de leilão num pool de energia,
formado por geradores e distribuidores.
Todas essas modificações redefini-
ram as premissas operacionais e fize-
ram do novo modelo energético do Brasil
um sistema altamente regulado. Dessa
forma, vemos que também para a Usina
de Belo Monte a aplicação do modelo
representa a consolidação de planeja-
mento, cobrindo uma linha de tempo
não inferior a dez anos, observando um
ciclo de atividades anual, em que se
determinam os planos de expansão dos
sistemas elétricos.
Esse modelo altamente regulado
fica claro também ao se observar a
participação importante da CHESF
no consórcio. Além disso, as recentes
declarações do governo realçam essa
premissa de que a obra será executada,
mesmo que sob todo tipo de acusações.
Cabe, contudo, exigir que as acusações
de interferência em direitos sociais e
ambientais sejam muito bem apuradas,
evitadas em sua maioria, ou mitigadas
quando inevitáveis. Nesse sentido cabe
a observação dos princípios democrá-
ticos que para seu fortalecimento não
basta a vontade da maioria, mas o
direito de todos. Os atingidos têm, no
mínimo, o direito de ver resguardado
instrumentos de compensação satis-
fatórios e proporcionais ao impacto
sofrido.
Nesse momento é imprescindível que
o Brasil adote medidas para geração de
oferta de energia elétrica de várias fon-
tes para atender ao aumento da deman-
da, seja pelo crescimento econômico,
seja pela inserção social de 20 milhões
de brasileiros que ainda não têm acesso
à energia.
A extensão continental aliada às
maiores reservas de água doce dispo-
nível em todo o mundo praticamente
impôs a construção de usinas hidrelé-
tricas. Ao mesmo tempo atendia a um
projeto de desenvolvimento tecnológico
da época que propunha também uma
integração nacional e medidas de ocupa-
ção do território capazes até mesmo de
desestimular intervenções à soberania.
Atualmente, a questão das mudan-
ças climáticas e o fenômeno do aqueci-
mento global põem mais argumentos a
favor da escolha. Enquanto nos Estados
Unidos e na China, por exemplo, todas
as novas plantas de geração de energia
elétrica têm como base o carvão que
emite enormes quantidades de CO2
, o
Brasil ainda tem um enorme potencial
de geração de base hídrica, muito mais
sustentável na comparação em termos
de emissão de gases de efeito estufa.
Países como a França já ocuparam
100% da sua capacidade de geração hi-
drelétrica, e no Brasil ainda se utilizou
cerca de 28%, podendo crescer muito,
mantendo nossa matriz energética a
mais limpa comparativamente em todo
o mundo.
Também no segmento produtivo,
a análise da estrutura industrial por
segmento reforça a situação de grande
produtor de commodities do Brasil em
relação aos demais países do mundo,
demandando grande oferta de energia.
No Brasil, o agregado “metalurgia, mi-
neração, papel e celulose e açúcar” –
setores de baixa remuneração salarial e
baixo nível de emprego – responde por
66% da energia industrial, enquanto que
na OECD a participação é de 34% e nos
demais países, de 29%.
IMPACTO AMBIENTAL
Evidentemente que a construção
civil gera impacto no meio ambiente.
No caso da construção de usinas hidre-
létricas, vários questionamentos são
elencados e uma enorme quantidade
de desafios deve ser superada. Haverá
externalidades positivas na criação de
novos empregos e geração de renda em
todos os setores que poderão, de alguma
forma, servir como infraestrutura para
esse novo cenário. Desde a indústria de
bens de capital até mesmo investimen-
tos no desenvolvimento tecnológico e na
formação de mão de obra. Na constru-
ção civil será alavancada a instalação
de ampla malha de modal logístico para
servir à região e escoar a produção do
refino, em grande parte também voltada
ao mercado externo.
Não se pode, porém, em razão da
justificativa de uma geração elétrica
limpa, desqualificar ou desprezar os
impactos. Trata-se de questões sociais
sérias, como as comunidades e os povos
atingidos pela barragem, na formação
dos lagos. Não menos importantes são
os próprios lagos e sua repercussão
em toda a flora e fauna da região. No
lado econômico, são racionalizadas as
questões de capacidade de geração e
transmissão dessa energia ao Sistema
Interligado Nacional (SIN).
Energia
7. 18 CUSTO BRASIL
A conjunção desses interesses so-
ciais, ambientais e econômicos deve
ser protegida sem menosprezo. Temos
no Brasil grande potencial de geração
desse tipo de energia, seja em grandes
unidades de geração, seja também em
projetos de Pequenas Centrais Hidre-
létricas (PCHs). Embora a extensão
das barragens das PCHs seja menor, a
energia gerada também é de menor por-
te, até 30MW. Menor porte, mas grande
importância, pois tem o poder de, em
conjunto, ofertar energia altamente
demandada nesse momento de recupe-
ração da economia nacional e mundial.
Infelizmente não há capacidade a
curto e médio prazos para uma substi-
tuição de fontes de energia. Em termos
de comparação, o mundo adota 87% de
toda sua matriz energética focada em
combustíveis fósseis. Essa enorme car-
bonização da matriz energética mundial
é baseada em uma lógica química que
compele ao petróleo um enorme po-
tencial de energia por peso, altamente
competitiva em termos de exploração
e produção.
Ao mesmo tempo, o processo produ-
tivo dominante no mundo também é ba-
seado nesse tipo de energia. Uma alte-
ração substancial está sendo feita, mas
de maneira gradual, já que é intensiva
em utilização de recursos financeiros.
Enquanto não se dá essa total mu-
dança, esse modelo perdurará. Para se
ter uma pequena ideia em termos de
comparação, no mundo inteiro a parti-
cipação da energia renovável na matriz
energética é de 0,4%. Significa que, se
nos próximos anos multiplicáramos por
dez toda essa energia, ela ainda repre-
sentará no máximo 4%. Lógico que no
Brasil a equação é mais vantajosa, mas
existem outros gargalos e desafios que
devem ser vencidos.
O país passa por uma exigência da
necessidade de repensar o planejamento
energético. Não só repensar, mas tratar
efetivamente a questão energética sob
a ótica do contexto do desenvolvimento
econômico. Um desenvolvimento eco-
nômico salutar que planeja e executa
políticas socialmente justas, ambiental-
mente amigáveis, com retorno ao inves-
timento prudentemente realizado. Esse
viés econômico deve permitir o pleno
potencial de aproveitamento de preço
ao mesmo tempo em que os recursos
econômicos gerados possam ser indu-
tores de uma distribuição justa, capaz
de fomentar, também, a preservação
ambiental.
INTEGRAÇÃO VERTICAL
Se tomarmos esses fatos como pre-
missa verdadeira para a geração de
energia no Brasil e seu contexto dentro
do desenvolvimento econômico, social e
ambiental, teremos de percorrer ainda
algumas questões que imediatamente
são suscitadas nesse debate. Essas
questões perpassam avaliação sobre o
potencial e os riscos da exploração do
petróleo, ainda mais após o acidente na
plataforma da BP no Golfo do México,
provocando o maior desastre indus-
trial da História dos Estados Unidos. A
mancha de contágio ambiental assume
proporções gigantescas, e os prejuízos
ambientais põem sob suspeita a explo-
ração de petróleo em águas profundas,
um dos trunfos da Petrobras.
Nesse momento de discussão sobre
a questão estratégica de fornecimento
de energia, o combustível fóssil pe-
tróleo também adquire prioridade, já
que a questão do pré-sal ocupa espaço
importante no meio político e industrial
do país.
Uma das maiores importâncias para
os investimentos na petroquímica na
cadeia de petróleo e gás diz respeito ao
melhor aproveitamento do petróleo em
meio às discussões sobre aquecimento
global e aumento dos preços do petróleo.
Sendo assim, torna-se mais racional sua
destinação para fins mais nobres como
a petroquímica, abrindo espaço para
aproveitamento de outras fontes energé-
ticas para combustíveis. Para o Brasil,
que recentemente passou por um grande
processo de consolidação da indús-
tria petroquímica, isso significa grande
avanço, com até mesmo impactos posi-
tivos em relação a alguma dependência
do polo petroquímico da Bolívia.
A Petrobras vem indicando que um
caminho de integração vertical pode
significar ganho de escala, ainda que
eventualmente haja maior consolidação
na exportação do óleo cru. Para o Brasil
significa fonte segura de abastecimento
de produtos refinados com folga para
até a autossuficiência em diesel, além,
claro, de servir com estabilidade de
suprimento a indústria petroquímica.
Com o desenvolvimento tecnológico
para extração em águas profundas, a
Petrobras passa a ser um líder impor-
tante no cenário mundial para prover,
com esse combustível, indústria e países
petróleo-dependentes. Para se defender
das suspeitas dos ambientalistas e dos
questionamentos econômicos e suas
implicações políticas, o Brasil deve
adotar postura proativa, antes que um
eventual risco sistêmico atinja nossa
indústria petrolífera, ficando à mercê
de ataques especulativos e debates com
falsos dilemas habilmente postos em um
mercado altamente beligerante.
Nesse mundo cada vez mais globa-
lizado e competitivo, há também uma
característica beligerante que impõe
realidades que devem ser observadas na
tomada de decisões sociais, econômicas
e políticas equilibradas, promovendo um
caráter estadista de maior ênfase, que
pode supor a proteção federativa em
detrimento da distribuição equitativa
de recursos.
Na emblemática questão dos royal-
ties e a consequente dimensão da dis-
cussão sobre o pagamento dos royalties
do petróleo no Brasil, sobretudo após a
chamada Emenda Ibsen (Emenda 387
do PL 5.938/2009), cabe também uma
EnergiaEspecial
8. 19CUSTO BRASIL
breve análise, já que essa questão fica
ampliada ao abarcar aspectos pouco
divulgados.
Enquanto se discutem principal-
mente a necessidade dos recursos já
esperados pelos estados e os municípios
produtores, e uma justiça distributiva
ansiada pelos demais entes da Federa-
ção, é imprescindível ponderar sobre a
essência, a origem e a permissão para
cobrança e pagamento dos royalties.
Em particular, para o Estado do Rio
de Janeiro, é altamente temerária a insi-
nuação de que a exploração de petróleo
na chamada camada pré-sal ocorre em
águas territoriais não circunscritas ao
seu território, dando suporte à justificati-
va para distribuição isonômica para todos
os estados e municípios. Há uma eventual
contradição com a constituição e a expan-
são da fronteira marítima do Brasil – do
mar territorial à “Amazônia Azul”.
Sob esse prisma, o problema pode
surgir com a indagação sobre a capa-
cidade de aproveitamento e controle da
fronteira marítima brasileira, incluindo
os meios militares de que dispõe nosso
país para dissuadir eventual ameaça
externa a esse mar territorial. No ramo
da indústria bélica, uma das maiores do
mundo, o Brasil pode se preparar para
uma retomada de posição ocupada de
maneira importante no passado. Nossa
indústria de defesa possui uma capaci-
dade de mobilização importante, além
de compatível quadro de disponibilidade
de plantas industriais para fabricação
de artefatos de guerra. A defesa do pe-
tróleo brasileiro passa pela garantia da
proteção de sua exploração.
O Brasil deve manter a postura ge-
opolítica e estratégica de garantir a
ampliação de sua soberania para além
das duzentas milhas da costa, com-
batida fortemente por outras nações,
interessadas nos recursos naturais e
de tráfego marítimo. Deve-se ter em
lembrança que, em 1970, a ONU, em
sua XXV Assembleia Geral, determinou
que os fundos marinhos e subsolo, com
seus recursos, constituíam patrimônio
comum da Humanidade.
Se nosso Legislativo validar o con-
ceito, a essência de que o petróleo do
pré-sal não se encontra em mar territo-
rial do Estado do Rio de Janeiro poderá
incutir pressuposto valioso para interes-
ses externos daqueles que pretendem
disputar a exploração desses recursos
naturais cada vez mais escassos no
mundo e frequentemente disponibili-
zados em grandes zonas de conflitos e
instabilidades institucionais.
Cabe ao país indicar ao mundo uma
coesão de pensamento e atitude coeren-
te com a opção de soberania e proteção
de seu mar territorial, quantificando e
mensurando seus recursos naturais,
econômicos ou não, ao mesmo tempo em
que dá claros sinais de sua competência
na vigilância e proteção de seus mares.
Ou seja, a discussão mundial sobre
energia, água e alimento requer ponde-
rações racionais e suas ramificações,
significando para o Brasil a abertura
de uma grande janela de oportunidade
para aproveitamento de seus recursos
geográficos e naturais capazes de prover
seu povo das vantagens no pleno apro-
veitamento justo e igualitário desses
recursos.
antonio.araujo@trevisan.com.br
O Brasil deve manter a postura geopolítica e estratégica de garantir a ampliação
de sua soberania para além das duzentas milhas da costa
Energia