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Medicina (Ribeirão Preto)                                                            Simpósio: MORTE: VALORES E DIMENSÕES
2005;38(1): 20-25                                                                              Capítulo II




          MORTE: CONSIDERAÇÕES PARA A PRÁTICA MÉDICA

                               DEATH: CONSIDERATIONS FOR THE MEDICAL PRACTICE



                                                     Antonio Pazin-Filho

Docente do Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
CORRESPONDÊNCIA: R. Bernardino de Campos, 1000. Centro – CEP 14015-030 Ribeirão Preto-SP. e-mail apazin@fmrp.usp.br




          Pazin-Filho A.   Morte: considerações para a prática médica. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38 (1): 20-25.

             Resumo: A morte é parte integrante da vida e como tal, objetivo da medicina. A definição de
          morte vem sofrendo modificações em decorrência do avanço tecnológico da medicina e da
          disponibilidade de informação, ficando claro que sua definição deve levar em consideração os
          valores culturais da sociedade em questão e não somente o conhecimento médico. A busca de
          uma melhor definição de morte trouxe uma série de conflitos de ordem ética, agravados em
          grande parte pela crise de credibilidade que a medicina moderna vivencia. Um resgate dos
          valores da medicina, fundamentados na relação médico-paciente, bem como uma ampla dis-
          cussão envolvendo toda a sociedade sobre a definição de morte e os cuidados que a medicina
          deve oferecer aos pacientes que estão morrendo, devem ser implementados. A discussão des-
          tes valores deve começar na faculdade de medicina e deve envolver todas as profissões que
          auxiliem a profissão médica.

              Descritores: Morte. Diagnóstico.Relação Médico-Paciente. Ética Médica.




1– INTRODUÇÃO                                                     da medicina, trabalhar com um evento que defina esta
                                                                  existência passa a ser parte inerente da profissão (vide
       A definição de morte pode parecer fácil. Todos             Tabela I)1 . Parece claro, mas não é. As concepções
aprendem desde cedo que a morte é a única certeza                 positivistas da sociedade ocidental moderna deram
da vida. No entanto, a morte é um fenômeno que está               origem à crença infundada de que tudo pode ser sub-
sujeito a múltiplas interpretações. A morte pode ser              jugado, moldado a nossa vontade2 . Quando se consi-
definida sob o aspecto filosófico, orgânico e legal, para         deram, por exemplo, os avanços que diversos medi-
citar apenas alguns. Sob todos estes aspectos, ela está           camentos e técnicas cirúrgicas trouxeram para a qua-
sujeita aos princípios culturais vigentes. Esta revisão           lidade de vida do ser humano, inclusive com prolonga-
procura abordar a definição de morte do ponto de vis-             mento de sua existência, pode-se entender a crença
ta médico, com todas as implicações inerentes a pro-              de que se as doenças que levam à morte podem ser
fissão, contextualizada para a nossa realidade, procu-            curadas, é só uma questão de tempo até que se consi-
rando fornecer embasamento para melhoria da práti-                ga a cura para todas estas doenças e a morte deixe de
ca médica geral.                                                  existir.
                                                                          Assim, a morte passa a ser entendida como
2 – OBJETIVO DA MEDICINA                                          falha da medicina e não como parte integrante da vida.
                                                                  A visão da morte como um erro da medicina, um
      Pode-se entender que como a morte é parte                   insucesso de um tratamento, gera ansiedade e cobran-
integrante da vida do ser humano, razão da existência             ça por parte da população e dos próprios médicos.


20
Morte: considerações para a prática médica




                                                          ponto é que a morte é entendida como um momento,
 Tabe la I - Obje tivos da M e dicina                     um instante. Num momento você está vivo e no se-
 - Prevenção da doença e do sofrimento,                   guinte morto. Um ponto de passagem, um divisor de
                                                          águas (vide Figura 1).
   promoção e manutenção da saúde;
 - Alívio da dor e do sofrimento;
 - Cura e cuidado das pessoas com doenças
   curáveis e daquelas cujas doenças não são
   curáveis;
 - Evitar a morte prematura e buscar uma morte
   em paz.


Nos médicos, essa ansiedade gera frustração e leva
ao abandono da crença de que possam ajudar. Muitos
                                                                     VIDA                           MORTE
profissionais não conseguem compreender, embora
vivenciem o fenômeno diversas vezes ao longo do
exercício de sua profissão, que quando um paciente
morre isto não é sua culpa na grande maioria dos ca-
sos, mas sim evolução natural da própria condição da
doença3 .                                                 Figura 1 – Conceito de morte como linha divisória. A figura ilustra
       Esses conceitos exacerbam ao extremo o obje-       o conceito de que a transição entre vida e morte se dá de modo
                                                          abrupto e que é possível se traçar uma linha divisória entre os
tivo da medicina de curar em detrimento de outros         dois estados de modo inconteste (seta).
objetivos não menos nobres e, sem dúvida, mais im-
portantes, como o de cuidar do ser humano. Qualquer
médico, por menor tempo de exercício da profissão,               Leigos e médicos buscam determinar esse ins-
consegue depreender que na realidade poucos doen-         tante. Durante o início da profissão, ainda nos primei-
tes são curados. Sem dúvida a cura é possível em          ros plantões durante a graduação, o estudante de me-
algumas situações, como por exemplo, numa apendi-         dicina se aproxima dos pacientes em estado grave
cite ou na drenagem de um abscesso, mas para a gran-      procurando assistir ao momento em que o paciente
de maioria das doenças a cura ainda não é disponível.     morre; ao momento em que aquele paciente cruzará a
Mesmo com todo o avanço tecnológico, doenças como         linha divisória.
diabetes mellitus, hipertensão arterial e a grande mai-          Seguindo nossa tendência positivista, podemos
oria dos cânceres não têm cura. Podemos sim, cuidar       examinar mais detalhadamente esse ponto. Podemos
desses pacientes, melhorando sua qualidade de vida.       detalhar o problema, estudando e perseguindo a mor-
                                                          te até o plano celular. Podemos estudar a morte de
3 – EM BUSCA DE UMA DEFINIÇAO                             órgãos inteiros, a exemplo do infarto do miocárdio.
                                                          Podemos estudar a morte de animais de experimenta-
       Um ponto importante da prática médica é defi-      ção e, por fim, podemos analisar a morte de pacientes
nir quando um paciente está morto, ou quando a mor-       internados em nossos hospitais4 .
te se aproxima para melhorar o cuidado oferecido.                Quando se estudam células, pode-se observar
Para tanto, é necessário definir morte.                   que a morte celular pode ser observada por diversas
       O que é morte?                                     técnicas5 . Estudos de coloração permitem ao profis-
       A definição mais aceita, em termos médicos, é      sional da saúde determinar células doentes e células
o término das funções vitais. Amplamente difundida        nas quais as funções vitais deixam de existir. Pode-se
essa definição não é exclusiva da medicina e é utiliza-   empregar ainda métodos de microscopia eletrônica e
da igualmente por leigos.                                 estudar estas alterações de outros pontos de vista,
       Quando se analisa essa definição, alguns pon-      conseguindo-se perceber inclusive algumas alterações
tos são passíveis de análise e discussão. Um primeiro     que não eram perceptíveis pelos métodos anteriores.


                                                                                                                             21
Pazin-Filho A




Células que não apresentam alterações estruturais aos      ensão que o ponto de não-retorno deve envolver uma
métodos de coloração podem apresentar estas altera-        perda de função global que impossibilite o indivíduo a
ções à microscopia eletrônica, ou seja, alterações mais    existir como um todo.
precoces. Quando se progride para métodos ainda mais              Ao se considerar a totalidade do indivíduo, sur-
sensíveis, alterações ainda mais precoces são identifi-    ge a necessidade de se contextualizar a definição de
cadas. Essas percepções caracterizam que a morte           morte às condições vigentes do conhecimento cientí-
não ocorre de um momento para outro no plano celu-         fico, a facilidade de acesso a estes recursos e, tam-
lar, sendo ao invés disso um processo constituído de       bém, as crenças culturais.
múltiplas etapas, tanto maiores quanto maior a sensi-
bilidade dos métodos empregados.                           Qual a definição de indivíduo?
       Um outro ponto interessante quando se estuda               Enquanto o progresso médico desconhecia re-
a morte no plano celular é que ela não implica neces-      cursos de manutenção de processos vitais como res-
sariamente em morte do indivíduo. Diariamente, mi-         piração, circulação e terapêutica de reposição renal
lhões de células intestinais morrem e são substituídas,    (diálise), esta pergunta era irrelevante. Irrelevante
sem que tenha maiores implicações para o indivíduo.        porque, caso alguém apresentasse algum problema
Mesmo quando se considera a depleção de células            relacionado a estes processos vitais, provavelmente
que não podem ser repostas, como os neurônios ou           morreria. No entanto, quando se instituiu estas técni-
células miocárdicas, esta depleção não tem maiores         cas de reposição, novos problemas foram evidencia-
repercussões a não ser em estágios muito avançados         dos4. A manutenção das funções vitais proporcionou
na idade do indivíduo. Dessa observação, depreende-        melhoria para alguns pacientes, mas para uma grande
se que a morte celular não é a resposta para a defini-     porcentagem deles, não evitava o óbito, principalmen-
ção e podemos tentar buscá-la na morte de órgãos.          te porque a causa que levou o paciente àquela situa-
       Ao se estudar órgãos, o conceito de morte como      ção não podia ser revertida. Nestes casos, consegue-
processo persiste. Tomando como exemplo o infarto          se prolongar um estado vegetativo, onde as funções
agudo do miocárdio6 , pode-se observar que o processo      vitais são mantidas artificialmente por períodos mui-
isquêmico decorrente da obstrução de uma artéria           tas vezes prolongados. Alguns destes pacientes apre-
coronariana desencadeia inicialmente a produção de         sentam função cognitiva preservada, sendo capazes
energia em condições de anaerobiose e que só com a         de interagir com o meio, enquanto outros persistem
persistência da obstrução começam a surgir altera-         em coma profundo, sem interação alguma. Quando
ções estruturais que comprometem a integridade do          se observa este último grupo, pode-se constatar que
órgão e a manutenção de suas funções. Se desobstruir-      em alguns indivíduos, a função cerebral foi gravemente
mos a artéria, podemos observar regressão parcial ou       afetada e não se consegue a recuperação da consci-
total destas alterações na dependência do tempo de-        ência, sendo uma questão de tempo a evolução para o
corrido desde o início do processo. Quando a artéria é     óbito. Estas considerações deram origem ao conceito
desobstruída rapidamente, com menos de uma hora do         de morte cerebral.
início do quadro, por exemplo, pode-se obter recupe-              É neste ponto que se passou a questionar o que
ração total da área sob risco. Já se a artéria é desobs-   é o indivíduo7 . O que define o indivíduo é a persistên-
truída com mais de doze horas do início do quadro,         cia de suas funções vitais, não importando a condição
praticamente nenhum benefício é obtido, pois toda a        em que estas sejam mantidas, ou, por outro lado, o
área sob risco evoluirá para morte celular. Respostas      que definiria o indivíduo seria a sua capacidade de
intermediárias são obtidas entre estes dois extremos.      interação com outros indivíduos, sendo importante para
       Vários órgãos em nosso corpo possuem uma            isto a sua consciência?
reserva funcional considerável. Ao se considerar os               Esta pergunta não é fácil de ser respondida e
órgãos duplicados, como rins e pulmões, perda de um        persiste sem uma resposta definitiva. É fonte de con-
deles pode ser compensada pelo outro sem que seja          trovérsia entre vertentes filosóficas e religiosas e gera,
sentida de modo significativo pelo organismo. Basta        todos os dias, uma série de problemas de ordem jurídi-
considerar o exemplo dos doadores de rim. Esta ob-         ca. Provavelmente, nunca será respondida de forma
servação levanta um outro ponto interessante sobre a       definitiva, pois a resposta deve, necessariamente, ser
definição de morte. Ela não envolve perda celular ou       contextualizada às crenças culturais vigentes8 , ou pre-
mesmo de órgãos considerados vitais isoladamente.          dominantes e que estão sujeitas, pela sua própria na-
Esta definição passa, necessariamente, pela compre-        tureza, a um caráter mutável.

22
Morte: considerações para a prática médica




4– PAPEL SOCIAL DO MÉDICO                                        Dentre os diversos objetivos que a prática médica
                                                          deve ter em mente para lidar com o morrer, o principal
        O papel da medicina na nossa sociedade vem        é o diagnóstico de morte. Além das características atri-
sofrendo modificações ao longo do tempo. Nos últi-        buíveis a todo ato diagnóstico executado, o diagnósti-
mos vinte anos, pode-se observar uma mudança sig-         co de morte tem implicações legais, que afetam tanto
nificativa no papel social que a figura do médico re-     os familiares como o próprio médico. Passa a ter um
presenta9 . Quando se considera o médico de vinte         caráter ansiogênico, pois é um dos momentos onde a
anos atrás, as características principais que definiam    prática médica passa a ser diretamente questionada
a prática médica eram representadas por uma prática       pela sociedade, representada pelo poder judiciário.
isolada, ligada à comunidade e em uma relação médi-              Diagnosticar algo significa, em última análise,
co-paciente extremamente fortalecida. Ao longo dos        diferenciar entre duas condições. Diagnosticar um
anos, nota-se uma mudança para uma prática multi-         câncer é diferenciar uma pessoa que tem um proces-
profissional, fundamentada principalmente na tecno-       so oncológico de outra que não o apresenta. Embora
logia, desvinculada da comunidade, onde a relação         tenhamos visto que a morte se trata de um processo,
médico-paciente encontra-se enfraquecida. Esta mu-        como a maior parte das condições clínicas com que a
dança, embora fundamentada nas evidências científi-       medicina lida, o diagnóstico de morte implica em uma
cas, teve muitas implicações negativas. A principal       definição arbitrária e maniqueísta da existência ou não
destas implicações negativas foi a diminuição da con-     da condição. Em suma, cabe ao médico dizer se o
fiança na prática médica. A população questiona a         paciente está morto ou não.
validade das recomendações médicas, não sendo                    Em outras situações clínicas, uma margem de
incomum a consulta a vários profissionais antes que       incerteza é tolerável. Considerando-se o exemplo dado
um diagnóstico seja aceito como real.                     anteriormente de diagnosticar um câncer, sempre se
        Especificamente no contexto da definição de       trabalha com a possibilidade de se tratar de um outro
morte, este problema se torna ainda mais significativo.   processo nosológico. Especificamente no diagnóstico de
Consideremos a situação de morte cerebral. Sua ori-       morte, esta margem de incerteza é praticamente ine-
gem esteve muito vinculada à discussão sobre doação       xistente. Devemos atestar se o paciente está morto ou
de órgãos para transplante. Por se tratar de uma per-     não. Devemos traçar a linha divisória (vide Figura 2).
cepção nova da definição de morte e de difícil imple-            Este diagnóstico deve ser pautado, já que a
mentação prática, a maior parte dos casos onde se         margem de incerteza deve ser a mínima possível e de
discute este diagnóstico são aqueles em que se consi-     preferência inexistente, em critérios claros e objeti-
dera doação de órgãos, enquanto aqueles que não po-       vos, de ampla aceitação social, de modo a garantir
dem ser doadores não recebem o mesmo tratamento           confiabilidade. Isto pode ser exemplificado no concei-
de interrupção das medidas de sustentação vital. Esta     to de morte atrelado às funções vitais do indivíduo
situação é percebida pelo leigo como um desejo de
retirar os órgãos de um familiar ainda vivo para trans-
plante. Representa uma perda da confiança no médi-
co ao se levantar a possibilidade que um profissional
médico possa ter outros interesses que não o bem es-
tar do seu paciente. Esta percepção não ocorreria vin-
te anos atrás.

5- DIAGNÓSTICO DE MORTE
       Pelo exposto, pode-se depreender que a morte
é melhor caracterizada como um processo, ao invés
de um momento, onde o indivíduo perde sua identida-
de de modo irreversível. Este processo não tem uma
definição precisa e está ligado ao estágio de evolução
da ciência, bem como às características culturais de      Figura 2 – Conceito de morte como um processo. A figura ilustra o
                                                          conceito de que a morte é um processo gradativo e que o
uma determinada população. Trata-se de uma parte          diagnóstico de morte é algo arbitrário (seta), que deve ter critérios
integrante da vida dos indivíduos e como tal, deve ser    objetivos para que seja estabelecido, a fim de cumprir seus
um dos objetivos da prática médica.                       objetivos.



                                                                                                                              23
Pazin-Filho A




(morte circulatória). É bem claro, pautado em critéri-                         A medicina necessita de credibilidade para que
os objetivos e, portanto, aceito pela maioria dos indiví-               possa ser executada. Os pacientes necessitam acre-
duos. Confere a confiabilidade tão desejada e neces-                    ditar em seus médicos para que qualquer tratamento
sária. Já quando se considera o critério de morte ce-                   possa ser executado. Restaurar ou fortalecer esta
rebral, pode-se notar que seus critérios, pelo menos                    credibilidade é um dos desafios da medicina moderna.
em um momento histórico inicial, apesar de objetivos,                   Como parte integrante da medicina, a morte também
não eram (não são) aceitos por todos, gerando uma                       necessita desta credibilidade.
crise de confiabilidade e muita discussão. Isto é refle-                       Um dos fatores responsáveis por esta crise de
tido na necessidade de se instituir regras para defini-                 confiabilidade é a dissociação entre o que os médicos
ção do diagnóstico, como as da resolução 1.480/97 do                    acreditam que seja necessário e o que a população
Conselho Federal de Medicina10 .                                        realmente necessita. A morte afeta a sociedade como
                                                                        um todo e não somente a classe médica. Como vimos,
6– CONSIDERAÇOES PARA A PRÁTICA                                         o seu próprio conceito esta imbuído dos valores cultu-
   MÉDICA                                                               rais da sociedade como um todo e não só da classe
                                                                        médica. Necessitamos, urgentemente, discutir de
       A sociedade moderna passa por inúmeras trans-                    modo amplo a prática médica não só entre nossos
formações. Quando se compara com as transforma-                         pares, mas com a sociedade como um todo. Mais do
ções pelas quais passaram as sociedades de períodos                     que nunca devemos deixar nossas tendências pater-
históricos anteriores, pode-se observar que as mudan-                   nalistas11 de lado e conferir autonomia12 à população
ças atuais acontecem de modo muito mais rápido,                         para pensar os seus conceitos, o que sem dúvida se
movidas pelo avanço vertiginoso da tecnologia e pela                    refletirá em justiça social.
difusão ocasionada pelos meios de comunicação. Den-                            A discussão destes valores não deve se limi-
tre as inúmeras transformações que podem ser nota-                      tar à população. Se quisermos modificar estes con-
das, o questionamento dos padrões de vida, bem como                     ceitos e garantir que nossa prática diária seja mais
das definições e bases filosóficas da existência do ser                 tranqüila, estes valores devem ser discutidos entre os
humano merecem destaque. Grande parte destes ques-                      médicos, começando por nossas faculdades. Discutir
tionamentos leva a um resgate de valores que anteri-                    os objetivos da medicina, aceitar que nossos pacien-
ormente existiam e que foram perdidos na “evolução”                     tes vão morrer e nem por isso devem ser abandona-
da sociedade. Como exemplo, podemos citar a tenta-                      dos, mas sim cuidados. Precisamos, além de dizer que
tiva de se implantar um sistema de medicina de famí-                    isto deve ser feito, mostrar aos alunos como se faz.
lia, onde uma das características centrais é o resgate                  Temos que repensar nossa atuação, de forma que
da relação médico-paciente. Contraditoriamente,                         possamos modificar estes valores. Isto exige coragem
numa época onde a tecnologia impera, a salvação da                      e uma postura institucional, não só das universidades,
prática médica pode estar num valor tão antigo quan-                    mas também das diversas entidades representativas
to a própria medicina.                                                  de classe.




                Pazin-Filho A. Death: considerations for the medical practice. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38(1): 20-25.

                    Abstract: Death is part of life and, as well, objective of medicine. The definition of death is
                being modified due to the technologic advances and the availability of information, pointing that its
                definition should consider cultural values of a specific society besides the medical knowledge.
                The search of a better definition of death brought innumerous conflicts of medical ethics, worsened
                in part by the credibility crisis that the modern medicine experiences. The recall of medical values,
                based on the medical –patient relationship, as well as an ample discussion including the society
                as a hole about the definition of death and the care that the medicine should provide, should be
                implemented. The discussion of these values should start in the medical faculties and include
                every auxiliary profession.

                   Key-words: Death. Diagnosis. Medical-Patient Relationship. Medical Ethics.




24
Morte: considerações para a prática médica




                     DEDICATÓRIA                                       6 - Marin-Neto JÁ, Maciel BC, Pazin-Filho A, Castro
                                                                           RBP. Condutas de urgência nas síndromes isquêmicas
                                                                           miocárdicas instáveis. Medicina (Ribeirão Preto) 2003;36:
       Este artigo é dedicado à professora Carmen                          187-99.
Cinira Santos Martin, com profunda gratidão por man-
ter vivos muitos dos conceitos aqui discutidos.                        7 - Callahan D. Living and dying with medical technology. Crit
                                                                           Care Med 2003;31:S344-6..

                                                                       8 - Levin PD, Sprung CL. Cultural diferences at the end of life.
                                                                           Crit Care Med 2003;31: S354-7.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
                                                                       9 - Ferreira-Santos R. Médicos e medicina. Evolução e mu-
1 - Pessini L. A medicina e seus objetivos. In: Pessini L,                 danças em meio século. Medicina (Ribeirão Preto) 1995;28:
    ed. Distanásia. Até quando prolongar a vida? 1ª ed.                    31-8.
    São Paulo:Centro Universitário São Camilo: Loyola; 2001.
    p. 45-65.                                                         10 - França GV. Conceito. Critérios atuais para um diagnóstico
                                                                           de morte. Resolução CFM n° 1.480/97. In: França GV. Medi-
2 - CAPRA F. A máquina do mundo newtoniana. In: Capra F,                   cina legal. 6ª ed. ed. , Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
    ed. O ponto de mutação. 28ª ed. São Paulo: Cultrix; 2003.              2001. p. 308-13.
    p.49-69.
                                                                      11 - Pazin-Filho A, Martin CCS.        Ética beneficente não
3 - Alves R. A morte como conselheira. In: Alves R, ed. O                  paternalista: dificuldades de aplicação prática. Medicina
    médico. 4ª ed. Campinas: Papirus; 2003. p. 65-76..                     (Ribeirão Preto) 1995;28: 5-9.

4 - Hercules HC. Conceito de morte. In: Gomes H, ed. Medicina         12 - Segre M. Considerações sobre o princípio da autonomia.
    legal. 32ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos; 1997. p. 87-101.        Medicina (Ribeirão Preto) 1995; 28:10-5.

5 - Sloviter RS. Apoptosis: a guide for the perplexed. Trends
    Pharmacol. Sci 2002;23: 19-24.




                                                                                                                                        25

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2 morte consideracoes_pratica_medica

  • 1. Medicina (Ribeirão Preto) Simpósio: MORTE: VALORES E DIMENSÕES 2005;38(1): 20-25 Capítulo II MORTE: CONSIDERAÇÕES PARA A PRÁTICA MÉDICA DEATH: CONSIDERATIONS FOR THE MEDICAL PRACTICE Antonio Pazin-Filho Docente do Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP CORRESPONDÊNCIA: R. Bernardino de Campos, 1000. Centro – CEP 14015-030 Ribeirão Preto-SP. e-mail apazin@fmrp.usp.br Pazin-Filho A. Morte: considerações para a prática médica. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38 (1): 20-25. Resumo: A morte é parte integrante da vida e como tal, objetivo da medicina. A definição de morte vem sofrendo modificações em decorrência do avanço tecnológico da medicina e da disponibilidade de informação, ficando claro que sua definição deve levar em consideração os valores culturais da sociedade em questão e não somente o conhecimento médico. A busca de uma melhor definição de morte trouxe uma série de conflitos de ordem ética, agravados em grande parte pela crise de credibilidade que a medicina moderna vivencia. Um resgate dos valores da medicina, fundamentados na relação médico-paciente, bem como uma ampla dis- cussão envolvendo toda a sociedade sobre a definição de morte e os cuidados que a medicina deve oferecer aos pacientes que estão morrendo, devem ser implementados. A discussão des- tes valores deve começar na faculdade de medicina e deve envolver todas as profissões que auxiliem a profissão médica. Descritores: Morte. Diagnóstico.Relação Médico-Paciente. Ética Médica. 1– INTRODUÇÃO da medicina, trabalhar com um evento que defina esta existência passa a ser parte inerente da profissão (vide A definição de morte pode parecer fácil. Todos Tabela I)1 . Parece claro, mas não é. As concepções aprendem desde cedo que a morte é a única certeza positivistas da sociedade ocidental moderna deram da vida. No entanto, a morte é um fenômeno que está origem à crença infundada de que tudo pode ser sub- sujeito a múltiplas interpretações. A morte pode ser jugado, moldado a nossa vontade2 . Quando se consi- definida sob o aspecto filosófico, orgânico e legal, para deram, por exemplo, os avanços que diversos medi- citar apenas alguns. Sob todos estes aspectos, ela está camentos e técnicas cirúrgicas trouxeram para a qua- sujeita aos princípios culturais vigentes. Esta revisão lidade de vida do ser humano, inclusive com prolonga- procura abordar a definição de morte do ponto de vis- mento de sua existência, pode-se entender a crença ta médico, com todas as implicações inerentes a pro- de que se as doenças que levam à morte podem ser fissão, contextualizada para a nossa realidade, procu- curadas, é só uma questão de tempo até que se consi- rando fornecer embasamento para melhoria da práti- ga a cura para todas estas doenças e a morte deixe de ca médica geral. existir. Assim, a morte passa a ser entendida como 2 – OBJETIVO DA MEDICINA falha da medicina e não como parte integrante da vida. A visão da morte como um erro da medicina, um Pode-se entender que como a morte é parte insucesso de um tratamento, gera ansiedade e cobran- integrante da vida do ser humano, razão da existência ça por parte da população e dos próprios médicos. 20
  • 2. Morte: considerações para a prática médica ponto é que a morte é entendida como um momento, Tabe la I - Obje tivos da M e dicina um instante. Num momento você está vivo e no se- - Prevenção da doença e do sofrimento, guinte morto. Um ponto de passagem, um divisor de águas (vide Figura 1). promoção e manutenção da saúde; - Alívio da dor e do sofrimento; - Cura e cuidado das pessoas com doenças curáveis e daquelas cujas doenças não são curáveis; - Evitar a morte prematura e buscar uma morte em paz. Nos médicos, essa ansiedade gera frustração e leva ao abandono da crença de que possam ajudar. Muitos VIDA MORTE profissionais não conseguem compreender, embora vivenciem o fenômeno diversas vezes ao longo do exercício de sua profissão, que quando um paciente morre isto não é sua culpa na grande maioria dos ca- sos, mas sim evolução natural da própria condição da doença3 . Figura 1 – Conceito de morte como linha divisória. A figura ilustra Esses conceitos exacerbam ao extremo o obje- o conceito de que a transição entre vida e morte se dá de modo abrupto e que é possível se traçar uma linha divisória entre os tivo da medicina de curar em detrimento de outros dois estados de modo inconteste (seta). objetivos não menos nobres e, sem dúvida, mais im- portantes, como o de cuidar do ser humano. Qualquer médico, por menor tempo de exercício da profissão, Leigos e médicos buscam determinar esse ins- consegue depreender que na realidade poucos doen- tante. Durante o início da profissão, ainda nos primei- tes são curados. Sem dúvida a cura é possível em ros plantões durante a graduação, o estudante de me- algumas situações, como por exemplo, numa apendi- dicina se aproxima dos pacientes em estado grave cite ou na drenagem de um abscesso, mas para a gran- procurando assistir ao momento em que o paciente de maioria das doenças a cura ainda não é disponível. morre; ao momento em que aquele paciente cruzará a Mesmo com todo o avanço tecnológico, doenças como linha divisória. diabetes mellitus, hipertensão arterial e a grande mai- Seguindo nossa tendência positivista, podemos oria dos cânceres não têm cura. Podemos sim, cuidar examinar mais detalhadamente esse ponto. Podemos desses pacientes, melhorando sua qualidade de vida. detalhar o problema, estudando e perseguindo a mor- te até o plano celular. Podemos estudar a morte de 3 – EM BUSCA DE UMA DEFINIÇAO órgãos inteiros, a exemplo do infarto do miocárdio. Podemos estudar a morte de animais de experimenta- Um ponto importante da prática médica é defi- ção e, por fim, podemos analisar a morte de pacientes nir quando um paciente está morto, ou quando a mor- internados em nossos hospitais4 . te se aproxima para melhorar o cuidado oferecido. Quando se estudam células, pode-se observar Para tanto, é necessário definir morte. que a morte celular pode ser observada por diversas O que é morte? técnicas5 . Estudos de coloração permitem ao profis- A definição mais aceita, em termos médicos, é sional da saúde determinar células doentes e células o término das funções vitais. Amplamente difundida nas quais as funções vitais deixam de existir. Pode-se essa definição não é exclusiva da medicina e é utiliza- empregar ainda métodos de microscopia eletrônica e da igualmente por leigos. estudar estas alterações de outros pontos de vista, Quando se analisa essa definição, alguns pon- conseguindo-se perceber inclusive algumas alterações tos são passíveis de análise e discussão. Um primeiro que não eram perceptíveis pelos métodos anteriores. 21
  • 3. Pazin-Filho A Células que não apresentam alterações estruturais aos ensão que o ponto de não-retorno deve envolver uma métodos de coloração podem apresentar estas altera- perda de função global que impossibilite o indivíduo a ções à microscopia eletrônica, ou seja, alterações mais existir como um todo. precoces. Quando se progride para métodos ainda mais Ao se considerar a totalidade do indivíduo, sur- sensíveis, alterações ainda mais precoces são identifi- ge a necessidade de se contextualizar a definição de cadas. Essas percepções caracterizam que a morte morte às condições vigentes do conhecimento cientí- não ocorre de um momento para outro no plano celu- fico, a facilidade de acesso a estes recursos e, tam- lar, sendo ao invés disso um processo constituído de bém, as crenças culturais. múltiplas etapas, tanto maiores quanto maior a sensi- bilidade dos métodos empregados. Qual a definição de indivíduo? Um outro ponto interessante quando se estuda Enquanto o progresso médico desconhecia re- a morte no plano celular é que ela não implica neces- cursos de manutenção de processos vitais como res- sariamente em morte do indivíduo. Diariamente, mi- piração, circulação e terapêutica de reposição renal lhões de células intestinais morrem e são substituídas, (diálise), esta pergunta era irrelevante. Irrelevante sem que tenha maiores implicações para o indivíduo. porque, caso alguém apresentasse algum problema Mesmo quando se considera a depleção de células relacionado a estes processos vitais, provavelmente que não podem ser repostas, como os neurônios ou morreria. No entanto, quando se instituiu estas técni- células miocárdicas, esta depleção não tem maiores cas de reposição, novos problemas foram evidencia- repercussões a não ser em estágios muito avançados dos4. A manutenção das funções vitais proporcionou na idade do indivíduo. Dessa observação, depreende- melhoria para alguns pacientes, mas para uma grande se que a morte celular não é a resposta para a defini- porcentagem deles, não evitava o óbito, principalmen- ção e podemos tentar buscá-la na morte de órgãos. te porque a causa que levou o paciente àquela situa- Ao se estudar órgãos, o conceito de morte como ção não podia ser revertida. Nestes casos, consegue- processo persiste. Tomando como exemplo o infarto se prolongar um estado vegetativo, onde as funções agudo do miocárdio6 , pode-se observar que o processo vitais são mantidas artificialmente por períodos mui- isquêmico decorrente da obstrução de uma artéria tas vezes prolongados. Alguns destes pacientes apre- coronariana desencadeia inicialmente a produção de sentam função cognitiva preservada, sendo capazes energia em condições de anaerobiose e que só com a de interagir com o meio, enquanto outros persistem persistência da obstrução começam a surgir altera- em coma profundo, sem interação alguma. Quando ções estruturais que comprometem a integridade do se observa este último grupo, pode-se constatar que órgão e a manutenção de suas funções. Se desobstruir- em alguns indivíduos, a função cerebral foi gravemente mos a artéria, podemos observar regressão parcial ou afetada e não se consegue a recuperação da consci- total destas alterações na dependência do tempo de- ência, sendo uma questão de tempo a evolução para o corrido desde o início do processo. Quando a artéria é óbito. Estas considerações deram origem ao conceito desobstruída rapidamente, com menos de uma hora do de morte cerebral. início do quadro, por exemplo, pode-se obter recupe- É neste ponto que se passou a questionar o que ração total da área sob risco. Já se a artéria é desobs- é o indivíduo7 . O que define o indivíduo é a persistên- truída com mais de doze horas do início do quadro, cia de suas funções vitais, não importando a condição praticamente nenhum benefício é obtido, pois toda a em que estas sejam mantidas, ou, por outro lado, o área sob risco evoluirá para morte celular. Respostas que definiria o indivíduo seria a sua capacidade de intermediárias são obtidas entre estes dois extremos. interação com outros indivíduos, sendo importante para Vários órgãos em nosso corpo possuem uma isto a sua consciência? reserva funcional considerável. Ao se considerar os Esta pergunta não é fácil de ser respondida e órgãos duplicados, como rins e pulmões, perda de um persiste sem uma resposta definitiva. É fonte de con- deles pode ser compensada pelo outro sem que seja trovérsia entre vertentes filosóficas e religiosas e gera, sentida de modo significativo pelo organismo. Basta todos os dias, uma série de problemas de ordem jurídi- considerar o exemplo dos doadores de rim. Esta ob- ca. Provavelmente, nunca será respondida de forma servação levanta um outro ponto interessante sobre a definitiva, pois a resposta deve, necessariamente, ser definição de morte. Ela não envolve perda celular ou contextualizada às crenças culturais vigentes8 , ou pre- mesmo de órgãos considerados vitais isoladamente. dominantes e que estão sujeitas, pela sua própria na- Esta definição passa, necessariamente, pela compre- tureza, a um caráter mutável. 22
  • 4. Morte: considerações para a prática médica 4– PAPEL SOCIAL DO MÉDICO Dentre os diversos objetivos que a prática médica deve ter em mente para lidar com o morrer, o principal O papel da medicina na nossa sociedade vem é o diagnóstico de morte. Além das características atri- sofrendo modificações ao longo do tempo. Nos últi- buíveis a todo ato diagnóstico executado, o diagnósti- mos vinte anos, pode-se observar uma mudança sig- co de morte tem implicações legais, que afetam tanto nificativa no papel social que a figura do médico re- os familiares como o próprio médico. Passa a ter um presenta9 . Quando se considera o médico de vinte caráter ansiogênico, pois é um dos momentos onde a anos atrás, as características principais que definiam prática médica passa a ser diretamente questionada a prática médica eram representadas por uma prática pela sociedade, representada pelo poder judiciário. isolada, ligada à comunidade e em uma relação médi- Diagnosticar algo significa, em última análise, co-paciente extremamente fortalecida. Ao longo dos diferenciar entre duas condições. Diagnosticar um anos, nota-se uma mudança para uma prática multi- câncer é diferenciar uma pessoa que tem um proces- profissional, fundamentada principalmente na tecno- so oncológico de outra que não o apresenta. Embora logia, desvinculada da comunidade, onde a relação tenhamos visto que a morte se trata de um processo, médico-paciente encontra-se enfraquecida. Esta mu- como a maior parte das condições clínicas com que a dança, embora fundamentada nas evidências científi- medicina lida, o diagnóstico de morte implica em uma cas, teve muitas implicações negativas. A principal definição arbitrária e maniqueísta da existência ou não destas implicações negativas foi a diminuição da con- da condição. Em suma, cabe ao médico dizer se o fiança na prática médica. A população questiona a paciente está morto ou não. validade das recomendações médicas, não sendo Em outras situações clínicas, uma margem de incomum a consulta a vários profissionais antes que incerteza é tolerável. Considerando-se o exemplo dado um diagnóstico seja aceito como real. anteriormente de diagnosticar um câncer, sempre se Especificamente no contexto da definição de trabalha com a possibilidade de se tratar de um outro morte, este problema se torna ainda mais significativo. processo nosológico. Especificamente no diagnóstico de Consideremos a situação de morte cerebral. Sua ori- morte, esta margem de incerteza é praticamente ine- gem esteve muito vinculada à discussão sobre doação xistente. Devemos atestar se o paciente está morto ou de órgãos para transplante. Por se tratar de uma per- não. Devemos traçar a linha divisória (vide Figura 2). cepção nova da definição de morte e de difícil imple- Este diagnóstico deve ser pautado, já que a mentação prática, a maior parte dos casos onde se margem de incerteza deve ser a mínima possível e de discute este diagnóstico são aqueles em que se consi- preferência inexistente, em critérios claros e objeti- dera doação de órgãos, enquanto aqueles que não po- vos, de ampla aceitação social, de modo a garantir dem ser doadores não recebem o mesmo tratamento confiabilidade. Isto pode ser exemplificado no concei- de interrupção das medidas de sustentação vital. Esta to de morte atrelado às funções vitais do indivíduo situação é percebida pelo leigo como um desejo de retirar os órgãos de um familiar ainda vivo para trans- plante. Representa uma perda da confiança no médi- co ao se levantar a possibilidade que um profissional médico possa ter outros interesses que não o bem es- tar do seu paciente. Esta percepção não ocorreria vin- te anos atrás. 5- DIAGNÓSTICO DE MORTE Pelo exposto, pode-se depreender que a morte é melhor caracterizada como um processo, ao invés de um momento, onde o indivíduo perde sua identida- de de modo irreversível. Este processo não tem uma definição precisa e está ligado ao estágio de evolução da ciência, bem como às características culturais de Figura 2 – Conceito de morte como um processo. A figura ilustra o conceito de que a morte é um processo gradativo e que o uma determinada população. Trata-se de uma parte diagnóstico de morte é algo arbitrário (seta), que deve ter critérios integrante da vida dos indivíduos e como tal, deve ser objetivos para que seja estabelecido, a fim de cumprir seus um dos objetivos da prática médica. objetivos. 23
  • 5. Pazin-Filho A (morte circulatória). É bem claro, pautado em critéri- A medicina necessita de credibilidade para que os objetivos e, portanto, aceito pela maioria dos indiví- possa ser executada. Os pacientes necessitam acre- duos. Confere a confiabilidade tão desejada e neces- ditar em seus médicos para que qualquer tratamento sária. Já quando se considera o critério de morte ce- possa ser executado. Restaurar ou fortalecer esta rebral, pode-se notar que seus critérios, pelo menos credibilidade é um dos desafios da medicina moderna. em um momento histórico inicial, apesar de objetivos, Como parte integrante da medicina, a morte também não eram (não são) aceitos por todos, gerando uma necessita desta credibilidade. crise de confiabilidade e muita discussão. Isto é refle- Um dos fatores responsáveis por esta crise de tido na necessidade de se instituir regras para defini- confiabilidade é a dissociação entre o que os médicos ção do diagnóstico, como as da resolução 1.480/97 do acreditam que seja necessário e o que a população Conselho Federal de Medicina10 . realmente necessita. A morte afeta a sociedade como um todo e não somente a classe médica. Como vimos, 6– CONSIDERAÇOES PARA A PRÁTICA o seu próprio conceito esta imbuído dos valores cultu- MÉDICA rais da sociedade como um todo e não só da classe médica. Necessitamos, urgentemente, discutir de A sociedade moderna passa por inúmeras trans- modo amplo a prática médica não só entre nossos formações. Quando se compara com as transforma- pares, mas com a sociedade como um todo. Mais do ções pelas quais passaram as sociedades de períodos que nunca devemos deixar nossas tendências pater- históricos anteriores, pode-se observar que as mudan- nalistas11 de lado e conferir autonomia12 à população ças atuais acontecem de modo muito mais rápido, para pensar os seus conceitos, o que sem dúvida se movidas pelo avanço vertiginoso da tecnologia e pela refletirá em justiça social. difusão ocasionada pelos meios de comunicação. Den- A discussão destes valores não deve se limi- tre as inúmeras transformações que podem ser nota- tar à população. Se quisermos modificar estes con- das, o questionamento dos padrões de vida, bem como ceitos e garantir que nossa prática diária seja mais das definições e bases filosóficas da existência do ser tranqüila, estes valores devem ser discutidos entre os humano merecem destaque. Grande parte destes ques- médicos, começando por nossas faculdades. Discutir tionamentos leva a um resgate de valores que anteri- os objetivos da medicina, aceitar que nossos pacien- ormente existiam e que foram perdidos na “evolução” tes vão morrer e nem por isso devem ser abandona- da sociedade. Como exemplo, podemos citar a tenta- dos, mas sim cuidados. Precisamos, além de dizer que tiva de se implantar um sistema de medicina de famí- isto deve ser feito, mostrar aos alunos como se faz. lia, onde uma das características centrais é o resgate Temos que repensar nossa atuação, de forma que da relação médico-paciente. Contraditoriamente, possamos modificar estes valores. Isto exige coragem numa época onde a tecnologia impera, a salvação da e uma postura institucional, não só das universidades, prática médica pode estar num valor tão antigo quan- mas também das diversas entidades representativas to a própria medicina. de classe. Pazin-Filho A. Death: considerations for the medical practice. Medicina (Ribeirão Preto) 2005; 38(1): 20-25. Abstract: Death is part of life and, as well, objective of medicine. The definition of death is being modified due to the technologic advances and the availability of information, pointing that its definition should consider cultural values of a specific society besides the medical knowledge. The search of a better definition of death brought innumerous conflicts of medical ethics, worsened in part by the credibility crisis that the modern medicine experiences. The recall of medical values, based on the medical –patient relationship, as well as an ample discussion including the society as a hole about the definition of death and the care that the medicine should provide, should be implemented. The discussion of these values should start in the medical faculties and include every auxiliary profession. Key-words: Death. Diagnosis. Medical-Patient Relationship. Medical Ethics. 24
  • 6. Morte: considerações para a prática médica DEDICATÓRIA 6 - Marin-Neto JÁ, Maciel BC, Pazin-Filho A, Castro RBP. Condutas de urgência nas síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis. Medicina (Ribeirão Preto) 2003;36: Este artigo é dedicado à professora Carmen 187-99. Cinira Santos Martin, com profunda gratidão por man- ter vivos muitos dos conceitos aqui discutidos. 7 - Callahan D. Living and dying with medical technology. Crit Care Med 2003;31:S344-6.. 8 - Levin PD, Sprung CL. Cultural diferences at the end of life. Crit Care Med 2003;31: S354-7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9 - Ferreira-Santos R. Médicos e medicina. Evolução e mu- 1 - Pessini L. A medicina e seus objetivos. In: Pessini L, danças em meio século. Medicina (Ribeirão Preto) 1995;28: ed. Distanásia. Até quando prolongar a vida? 1ª ed. 31-8. São Paulo:Centro Universitário São Camilo: Loyola; 2001. p. 45-65. 10 - França GV. Conceito. Critérios atuais para um diagnóstico de morte. Resolução CFM n° 1.480/97. In: França GV. Medi- 2 - CAPRA F. A máquina do mundo newtoniana. In: Capra F, cina legal. 6ª ed. ed. , Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; ed. O ponto de mutação. 28ª ed. São Paulo: Cultrix; 2003. 2001. p. 308-13. p.49-69. 11 - Pazin-Filho A, Martin CCS. Ética beneficente não 3 - Alves R. A morte como conselheira. In: Alves R, ed. O paternalista: dificuldades de aplicação prática. Medicina médico. 4ª ed. Campinas: Papirus; 2003. p. 65-76.. (Ribeirão Preto) 1995;28: 5-9. 4 - Hercules HC. Conceito de morte. In: Gomes H, ed. Medicina 12 - Segre M. Considerações sobre o princípio da autonomia. legal. 32ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos; 1997. p. 87-101. Medicina (Ribeirão Preto) 1995; 28:10-5. 5 - Sloviter RS. Apoptosis: a guide for the perplexed. Trends Pharmacol. Sci 2002;23: 19-24. 25