O documento discute os problemas do sistema público de saúde brasileiro (SUS), incluindo longas filas de espera e dificuldade de acesso, especialmente à saúde mental e psicoterapia. O autor argumenta que o SUS, embora tenha nobres princípios em teoria, na prática não consegue atender adequadamente à população devido à falta de recursos e priorização do sistema privado de saúde.
1. Saúde:
Esperar, Pagar ou Morrer?
O neoliberalismo predominante hoje em nossa sociedade possui por essência
o capitalismo. Este possui a base econômica em empresas privadas e apregoa o
Estado mínimo. Onde o Estado faz questão de ser mínimo mesmo, não cumprindo
nem ao menos com o mínimo das suas obrigações mais básicas.
A omissão do Estado nos leva a citar inúmeras faltas e falhas do nosso
“Idolatrado, Salve, Salve” Estado Brasileiro. Pois bem, vamos começar: educação,
violência, moradia, saneamento básico, emprego, falta de politicas públicas
eficientes, impostos, política (que, diga-se de passagem, está deitada, esperamos
que não eternamente, em “berço esplêndido”), desigualdade social, trabalho infantil,
violência infantil, impunidade, corrupção, analfabetismo, entre inúmeros outros
problemas.
Mas, quero chegar a um ponto crucial da realidade, que não é apenas
brasileira, mas que faz parte desta, a privatização de um dos bens que jamais
poderia ser negada a qualquer cidadão: o acesso à saúde. Neste contexto não me
refiro apenas a saúde física, mas também, a saúde emocional.
O nosso Sistema Único de Saúde, é quase perfeito na sua teoria. Existe
organização, núcleos, centros, redes e todos são atendidos, teoricamente, cada uma
segundo a sua necessidade, cada um em sua devida rede de atendimento. A sua
doutrina é quase que impecável, e seus princípios de Universalidade assegura a
atenção à saúde a qualquer pessoa (ressaltando: garantia, saúde, qualquer pessoa);
Equidade que direciona o indivíduo conforme a sua necessidade de atendimento; e
a Integralidade afirmando o homem como um ser bio-psico-social e dando
importância a diversas esferas do cotidiano humano, enaltecendo a nobreza
humana. É lindo de ouvir e escrever princípios tão nobres, tão necessários. Porém, a
beleza e a nobreza não fazem parte do nosso “céu risonho e límpido”, a prática
infelizmente, não ocorre como na teoria. A voz do povo brasileiro ecoa como um
“brado retumbante” de dor, de humilhação, de desprezo, de desespero, de frieza, de
agonia diante do nosso Sistema de Saúde.
2. A saúde privada que deveria ser apenas complementar ao SUS, torna-se o
Sistema de Saúde principal, onde quem precisa e não pode pagar não tem direito,
não tem saúde física, não tem saúde emocional. É um sistema cruel que nega
sanidade e bem-estar. As próprias diretrizes do SUS afirmam que é necessário o
controle social, que os usuários deste, deveriam cobrar, reclamar e lutar pelo
atendimento, pelo bom funcionamento, pelo acesso tão necessário à saúde. Mas,
como lutar se não há saúde? Como reclamar se não há quem escute? Como cobrar
se não há quem assuma as falhas?
A inserção do trabalho do psicólogo no Sistema Único de Saúde possui duas
vertentes: a psicologia no âmbito da psicoterapia e a saúde mental com Centro de
Apoio Psicossocial (CAPS, CAPS-AD, CAPSI), Núcleo de Atenção Psicossocial
(NAPS), os Centros de Referências em Saúde Metal (CERSAM), entre outros.
Percebemos através de uma breve análise da psicologia, que inicialmente era
vista como elitista, cara e rica. Por volta da década de 60, em um contexto sócio-
histórico, o Brasil vivia a época do Golpe Militar, onde tudo era muito repressivo. Os
psicólogos sentiram então a necessidade de começar a trabalhar junto com a
população. No início eles começaram a se questionar sobre sua própria atuação
junto a população. Nessa década, houve um destaque sobre a educação. Para
Paulo Freire a educação era vista como forma de conscientizar a comunidade a lutar
pelos seus direitos.
Ainda na mesma década, na América Latina e nos Estados Unidos, o termo
“Psicologia da Comunidade” começou a ser utilizado e praticado. Porém, reduzia-se
a uma ação voltada ao assistencialismo. Em meados da década de 70 os Centros
de Saúde Comunitários surgiram. Entre as décadas de 60, 70 e 80, a importância de
se trabalhar com a comunidade emergiu, dando inicio a uma preocupação das
Ciências Sociais, e não apenas da psicologia. Diante deste contexto, a psicologia foi
se desmitificando, se deselitizando através da psicologia comunitária, psicologia
social, e com a presença dos psicólogos nas Politicas Públicas, quando este, passou
a compreender que os comportamentos humanos estão interligados. A psicologia
passou então, a ser aplicada em diversas esferas do cotidiano. Abriu a porta e saiu
dos seus intramuros, porém levou consigo a sua chave.
3. O acesso ao psicólogo, através da psicoterapia pelo SUS, ocorre na Atenção
de Média Complexidade. Atuando apenas quando o problema já está instalado.
Perguntamo-nos então: Por que o psicólogo não intervém na prevenção e promoção
de saúde? Por que o acesso a este, enquanto psicoterapeuta, só ocorre na Atenção
de Média Complexidade? Quantas filas e fichas os usuários do SUS necessitam
enfrentar para chegar ao psicólogo? Geralmente, para o indivíduo aceitar a
necessidade de um tratamento psicológico, demanda tempo para a tomada da
decisão, quanto tempo a mais ele vai ter que esperar para ter “acesso” ao
psicólogo? O problema ainda vai muito mais além, quanto tempo durará a
psicoterapia? Quanto tempo durará seu atendimento? Esbarramos na realidade que
diante da grande demanda que o psicólogo, no âmbito da psicoterapia no SUS,
dispõe algumas horas semanais não são o suficiente para dar o atendimento de
qualidade e necessário a cada usuário do SUS. Como agir diante da inquietação
sentida por uma angústia? Como agir diante do medo excessivo? Como agir diante
da ansiedade exacerbada? Como agir diante da agressão sofrida por um marido?
Como agir com o filho usuário de drogas? Como agir diante de um abuso pelo pai
que o filho sofre? E a resposta parece ser apenas uma: “Espere sua vez de ser
atendido”! Uma resposta tão dura, diante do sofrimento alheio que muitas vezes não
imaginamos a dimensão do impacto dessa resposta. “Desafiando o nosso peito à
própria morte”. As nossas mãos estão quase que atadas diante do nosso Sistema
Único de Saúde, ainda não conseguimos “Conquistar com o braço forte” a tão
necessária qualidade do Serviço da Saúde.
Até quando teremos que ser prisioneiros deste Sistema capitalista? Até
quando teremos que sofrer? Até quando teremos que torcer para não dependermos
e nem precisarmos de um Tratamento de Saúde? Afinal, o acesso a este é cheio de
esperas, dores, dificuldades e receios. Muitas vezes a espera é tanta que a morte ou
invalidez permanente chegam antes do tão esperado atendimento. Como ter mais
“vidas em nossos bosques”? Como ter “paz no futuro”? Como não temer a própria
morte?
O Nosso Brasil é tão rico, tão cheio de vida, tão lindo, tão “Gigante pela
própria natureza”, tão imenso, que faz com que realmente não venhamos a “fugir da
luta”. Simultaneamente, nosso Brasil é tão retrógrado, tão duro, tão desonesto, tão
imperfeito, tão prisioneiro que o “Sol da Liberdade” já não brilha mais!
4. A prática da teoria do Sistema Único de Saúde, é um “Sonho de raio vívido”,
mas, infelizmente, está distante de se tornar real. Infelizmente muitos perecem na
espera, por que não podem pagar, outros têm a sorte de esperar e ter acesso,
outros pagam pelo acesso à saúde. Um acesso imparcial, injusto e dificultoso.
A igualdade, a beleza, a luta, a paz, a glória, a força, o amor, a conquista e os
sonhos que estão descrito no Hino Nacional Brasileiro está bem distante da
realidade do Sistema Único de Saúde Brasileiro. A glória ainda não pode ser vista no
passado e nem ao menos conseguimos ver a paz no futuro.
Sarah Karenina
Acadêmica de Psicologia
15 de Março de 2012