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ANÁLISE / ANALYSIS
Controle Social e Políticas de Saúde1
Social Control over Health Policies
Aldaíza Sposati2
Elza Lobo3
SPOSATI, A. & LOBO, E. Social Control over Health Policies. Cad. Saúde Públ., Rio de
Janeiro, 8 (4): 366-378, oct/dec, 1992.
As the democratization of health policies develops, social control over public interests has been
of help in providing health movements with prominence, not only by denouncing cases of
"negligence and omission" by established services, but also by struggling to create regular,
favourable conditions by which to exercise control over services and governmental management
of public health policies.
In the early 1980s, a remarkable experience occurred in the "Zona Leste" or eastern burrough
of the city of São Paulo, consisting of the emergence of Health Councils as a means of popular
representation in the control over the state.
Through their analysis of these issues, the authors' intent is to proceed to new problems rather
than discussing the make-up of that representation.
Within the political context in the aftermath of the 1988 Constitution, as we are experiencing a
new democratic moment and legislation which (in principle) supports people's participation in
health policies and defends social rights, then how is the field of social control to be
understood? Is it limited to health services or extended to health policy? How do laws move
from elaboration to practice ?
The text aims to follow issues which arise as social control pushes current conditions towards
change.
Keywords: Social Control; Health Rights; Popular Representation; Legal Rights; No Alter
1
O presente trabalho — "Controle Social e Políticas de
Saúde" —foi apresentado em uma primeira versão
reduzida como subsídio à Conferência Estadual de Saúde
do Estado de São Paulo.
2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua
Monte Alegre, 984, 05014-001, São Paulo, SP, Brasil.
3
Núcleo de Investigação dos Sistemas Locais de Saúde
do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado
de São Paulo. Rua São Antônio, 590/4o
andar, 01314-
000, São Paulo, SP, Brasil.
O controle social é, na história de democrati-
zação das políticas de saúde, um dos campos
que construiu visibilidade aos movimentos de
saúde, quer pela denúncia das "ausências e
omissões" dos serviços instalados, quer pela
luta em construir um espaço regular para o
exercício do controle nos serviços e nas buro-
cracias da gestão da saúde. Foi uma experiência
marcante, no início da década de 80, a de criar
os conselhos de saúde enquanto representação
popular no controle do Estado.
Sem dúvida, pode-se afirmar que esta expe-
riência contrapôs democracia participativa e
democracia direta, na região leste da cidade de
São Paulo, quando o povo ia às urnas votar em
seus representantes no conselho. É interessante
notar que até hoje é prática do movimento
saber, a cada eleição, quantos votos mobilizou
para formar os conselhos.
A partir da Constituição de 1988 e da consti-
tuição do Sistema Único de Saúde, a presença
da população já deveria ser uma situação posta
de saída. Todavia, o processo de democrati-
zação não se apresenta do mesmo modo em
cada um dos municípios. Permanece a luta pela
constituição dos conselhos, pela legitimidade,
como da representação popular, pela discussão
de sua formação paritária entre população,
trabalhadores de saúde e dirigentes.
Não se pretende, nesta reflexão, um balanço
da situação atual, no sentido de voltar a discutir
a composição da representação. Busca-se avan-
çar para novos problemas.
O primeiro problema seria quanto à con-
cepção sobre a incidência do controle social: se
restrita aos serviços de saúde ou ampliada à
política de saúde. O que é entendido como
campo do controle social?
Na conjuntura pós-Constituição de 1988,
vivemos um novo momento democrático, isto é,
hoje, as leis, a princípio, amparam a partici-
pação da população nas políticas de saúde e
são, a princípio,defensoras dos direitos sociais.
Todavia temos um novo problema, que é o
de fazer com que as leis deixem de ser apenas
instrumentos formais, passando à aplicação das
mesmas. Esta conjuntura supõe uma nova
instrumentação das lutas democráticasepopula-
res, no sentido de se prepararem para a apli-
cação da lei.
Por terceiro, busca-se mapear questões que
se põem quando o controle social se orienta
para constituir uma pressão pela mudança/alte-
ração da situação. Em outras palavras, indicam-
-se as dificuldades, frente ao estilo político
brasileiro de exercer a autoridadee fazer políti-
ca, em se criar um espaço democrático.
A intenção é, portanto, de criar condições
para a leitura crítica do controle social, contra-
pondo a sua versão burocrática a um novo
patamar político, como espaço de exercício do
protagonismo de sujeitos democráticos popula-
res.
SAÚDE COMO DIREITO E
COMO SERVIÇO
O direito à saúde, defendido na Reforma
Sanitária, traz, intrinsecamente à sua consti-
tuição, o apoio, a participação e a pressão dos
setores populares.
Em outras palavras, o direito social de ter
garantida a condição de saúde de uma popu-
lação supõe o próprio movimento dessa popu-
lação em conseguir o reconhecimento e a
efetivação desse direito.
Num tom provocativo, cabe perguntarse esta
afirmação não contém, em si, uma perversidade,
uma vez que exige do sujeito/usuário e, por-
tanto, detentor da necessidade, um duplo ônus:
além de possuir a necessidade, deve gastar um
sobreesforço em criar a solução para atendê-la.
No limite do raciocínio da sociedade de livre-
mercado, onde opera o princípio da auto-regu-
lação "fornecedor-consumidor", esta exigência
do consumidor seria a demonstração da incom-
petência da "pesquisa de mercado" em estabele-
cer as características do produto "aos moldes do
freguês".
A questão, porém, é muito mais complexa
pois, para funcionar na plena lógica de merca-
do, o "produto saúde" deveria ser uma necessi-
dade de consumo individual, cuja satisfação
seria uma questão de gosto e de estilo, e não
só de necessidade. Porém, saúde, que é uma
questão de vidaindividual e coletiva, exige um
padrão público e social. Isto supõe entendê-la
não como um produto a ser consumido, mas,
sobretudo, delinear o projeto que se quer
como padrão de qualidade de vida de uma
sociedade e, nela, de cada um dos cidadãos.
Por mais que queiram transmutar a saúde em
produtos consumíveis — sejam medicamentos
e/ou tratamentos — ou em mercadorias a
compor o imaginário das pessoas,transforman-
do-a em símbolos de consumo, ela é, mesmo
que virtualmente, mais do que isso, quer do
ponto de vista individual, quer do ponto de
vista coletivo.
Saúde é mais do que "uma coisa"; ela é um
valor e uma perspectiva: "ter saúde é o melhor
remédio", segundo o dito popular. Saúde é
direito.
O começo da discussão sobre saúde e contro-
le social necessita tomar distância da armadilha
"saúde-consumo", onde o controle é verificar se
a mercadoria está adequada conforme o rótulo.
Esta perspectiva supõe "naturalizar" a doença
e as carências como coisas que devem aconte-
cer, onde é "normal" ficar doente e consumir
um "comprimido de saúde".
O que se quer dizer é que direito à saúde é
mais do que direito ao consumo de saúde.
Portanto, direito à saúde é mais do que demo-
cratização do consumo da assistência médica,
embora esta lhe seja fundamental. Saúde é mais
do que "a cesta de serviços", mesmo que públi-
cos, ainda que estes sejam básicos à vida da
população.
Saúde, enquanto tal, não é uma necessidade
cujos contornos de sua satisfação estão plena-
mente dados de saída.
"Á saúde define-se no contexto histórico de
determinada sociedade e num dado momentode
seu desenvolvimento,devendo ser conquistada
pela população em suas lutas cotidianas".
(Brasil, 1986)
O "usuário/consumidor" é, ao mesmo tempo,
um sujeito/democrático virtual na construção
da política de saúde, e não um carente a ser
atendido por uma instituição transformada em
"ofertante de serviços", negadora, em sua
prática, dos direitos dos cidadãos.
"Instituir a eqüidade na saúde não se limita a
uma mera extensãoe distribuiçãomaisadequa-
da dos serviços, mas,igualmente,à sua confor-
mação em um direito". (Cohn, 1992)
No contexto da "Saúde-Projeto-Sociedade", a
noção de direito é conquista social. O desafio
fica em trabalhar a questão de saúde como
direito e como serviço.
Isto não significa tomar estas perspectivas
como excludentes. Serviço de saúde é um
direito do cidadão, embora saúde, como direito,
seja mais do que o serviço de saúde.
É de se ter clara a situação de profunda
desigualdade social brasileira e que nela a
ausência das atenções sociais é fator de empo-
brecimento da população. Estamos longe de
uma situação de igualdade de acesso a todos, e
muito mais longe da eqüidade de resultados dos
serviços. O que vivemos é uma situação de alta
seletividade e exclusão social.
Portanto, se, de um lado, não se pode afirmar
que o horizonte maior da saúde, como direito,
são os serviços de saúde, não se pode, porém,
pôr de lado tais serviços como constituintes,
também, dos direitos dos cidadãos.
Longe de uma situação de abundância e de
pleno atendimento em serviços de saúde, a qual
permitiria a "cidadania de vigilância", onde os
cidadãos vigiam o governo para garantir que os
serviços funcionem, Valla e Siqueira (1989)
dizem que temos uma "cidadania de escassez"
que põe para a população o risco de sobreviver.
O que é mais interessante, porém, é que este
consumidor (individual e/ou coletivo) sofre a
lógica de mercado às avessas: paga primeiro
pelos impostos, mas não tem o produto, só o
direito virtual de atenção e a necessidade efeti-
va para satisfazer.
Portanto, a participação popular na política e
nos serviços de saúde começa, na condição
virtual de usuário/cidadão, em participar de uma
idéia-projeto para atender a uma ou mais neces-
sidades, na medida em que a necessidade em
saúde, como as demais necessidades humanas,
é historicamente determinada. O "fornecedor"
tem que saber o que passa no plano simbólico
"da freguesia" e, nele, qual é a representação da
saúde-doença e suas demandas por serviços de
saúde.
SAÚDE E DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS
O arcabouço jurídico-legal que institui o
direito à saúde em nosso país, composto da
promulgação da nova Constituição, da Consti-
tuição Estadual, da Lei Orgânica de cada muni-
cípio e da Lei No
8080 (Brasil, 1990) e da Lei
No
8142, demonstra um avanço no sentido de
uma nova concepção da saúde, compreendida
como um produto social e histórico condiciona-
do pelas circunstâncias de vida e de trabalho
das pessoas.
Convém, aqui,abrir um breve parêntese sobre
a Lei no
8142, de 28 de dezembro de 1990, que
estabelece as instâncias colegiadas e participati-
vas no campo da saúde: A Conferência de
Saúde, que deve se reunir a cada quatro anos,
a nível nacional, para avaliar e propor as reade-
quações na política de saúde, e cuja composição
envolve diferentes representações sociais; o
Conselho de Saúde, como órgão gestor de
caráter permanente, com representação dos
vários segmentos envolvidos na produção,
gestão e usufruto da saúde; o Conass — Con-
selho Nacional de Secretarias de Saúde; e o
Conasems —Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde.
A Constituição Estadual do Estado de São
Paulo (São Paulo, 1989), no artigo 221, afirma
a presença popular nos conselhos estaduais e
municipais de saúde.
No âmbito de toda a legislação, estão conti-
dos dispositivos relacionados à vigilância em
saúde, à saúde do trabalhador, à descentrali-
zação do comando do sistema, ao nível do
território delimitado, e à participação popular e
sindical na gestão do sistema, em seus vários
níveis.
Apesar de não refletir o conjunto das reivindi-
cações dos movimentos sociais organizados, a
atual legislação sanitária está além do que se
pratica hoje no sistema de saúde. O legal está
mais avançado do que o real, neste aspecto
específico.
Em muitos municípios, trava-se a luta pela
formação do Conselho Municipal de Saúde e,
nela, o confronto com prefeitos que designam a
"representação popular" de acordo com o seu
interesse. O conceito de paridade é ainda
palco de discussões enquanto deva preservar os,
no mínimo, 50% de presença popular.
Mesmo reconhecendo que há um avanço, é
inegável que há um grande espaço a ocupar, há
um vasto campo de ação muito pouco explora-
do. Particularmente no campo da vigilância em
saúde, que engloba as diversas vigilâncias
(sanitária, epidemiológica e do trabalhador),há
uma defasagem entre o que já está estabelecido
como possibilidade de ação e o que se concreti-
za ao nível de funcionamento do conjunto do
sistema de saúde.
Grande parte das demandas locais pela ação
das unidades básicas é quanto à vigilância
sanitária, que termina por se transformar em
conflito de vizinhos, onde o conselho de saúde
se vê na situação de júri popular, ou, então, o
assunto vai parar na delegacia do bairro.
A Constituição de 08 de outubro de 1988
(Brasil, 1988), que já tem três anos, não foi
ainda regulamentada.Assim, boa parte dos seus
artigos não produz efeito imediato na vida dos
brasileiros. Pior ainda é que, antes mesmo de
ser experimentada, a Constituição é acusada,
por alguns, de inflacionaria. Cúmplice de
construir a utopia de um horizonte melhor para
os brasileiros, hoje a Constituição está sendo
colocada no banco dos réus, sob a acusação do
Governo de que ela "entrava odesenvolvimento
nacional".
Apesar destas questões e mesmo sem uma
regulamentação específica para a saúde, a
Constituição conta com dispositivos que já
podem e devem ser acionados nas lutas de
saúde, bem como em outras lutas de cidadania.
Os instrumentos constitucionais dos quais a
população pode se valer se dão nas três esferas
de poder: o Legislativo, o Executivo e o Judi-
ciário.
PODER LEGISLATIVO
Os representantes eleitos podem propor projetos
de lei no legislativo (Artigo 61, Parágrafo 2o
).
Quem os elegeu pode:
• Participar de audiências para debatê-las (Arti-
go 58, parágrafo 2o
, inciso II).
• Referendar uma lei ou manifestar, em plebis-
cito, sobre assuntos considerados relevantes
pelo Congresso Nacional (Artigo 49,XV).
• Quando organizadas em confederação sindi-
cal, entidades de classe ou partido político
podem pedir a retirada de uma lei que contra-
rie o que ficou estabelecido na Constituição
(Artigo 103, VIII e IX).
PODER EXECUTIVO
No chamado Estado de Direito, a Administração
Pública está vinculada às estritas previsões
legais. Escrava da lei, pode se supor que o povo
comanda a Administração.
• Possibilidades de participação direta no
Executivo, através de órgãos populares com
funções de direção administrativa, como no
caso da saúde (Artigo 198, III).
• Legitima a capacidade do cidadão, dos parti-
dos políticos, das associações e dos sindicatos
para, fiscalizando a contabilidade, os financia-
mentos, o orçamento das entidades adminis-
trativas, denunciar irregularidades aos Tribu-
nais de Contas (Artigo 74, parágrafo 2o
).
• Para não deixar dúvida sobre a obrigação
constitucional do encarregado da Adminis-
tração Pública, define como crime de respon-
sabilidade do Presidente da República os atos
que atentem contra o "exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais" (Artigo 85,III).
PODER JUDICIÁRIO
Mandado de injunção
• Qualquer pessoa pode pedir ao Juiz para que
faça valer o direito criado pelo legislador e
não aplicado pelo Administrador (Artigo 5o
,
LXXI).
Mandado de Segurança
Impetrado pelo indivíduo ofendido ou pelo
partido político,organização sindical, entidade
de classe ou associação na defesa de seus
membros ou associados (Artigo 5o
, LXIX e
LXX).
Habeas data
Garantir ao indivíduo o acesso à informação
e sua veracidade.
Dentre as poucas leis que foram produzidas,
regulamentadoras da Constituição, está o Códi-
go de Defesa do Consumidor — o CDC.
Todavia, poucos utilizam o CDC, embora ele
estabeleça normas de ordem pública e de inte-
resse social. Portanto, suas regras prevalecem
sobre a vontade das partes. A saúde é tratada
como prioridade no CDC, quer na perspectiva
de relações de consumo, quer na vigilância
sanitária (Lazzarini, 1991).
O Código da Defesa do Consumidor é um
instrumento que visa garantir as efetivas pre-
caução e reparação de danos patrimoniais e
morais, no plano individual, coletivo ou difuso.
Nesta perspectiva, defende a saúde como
proteção à vida e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento de
produtos considerados perigosos ou nocivos.
Com isto, ele possibilita:
Pelo Artigo 4o
— quanto às relações de consu-
mo
- a abrangência do conceito de fornecedor
significa que qualquer vício (defeito) de quali-
dade, segurança, quantidade ou inadequação de
um produto ou serviço ofertado por um forne-
cedor público ou privado está sob a mira do
CDC;
- racionalização e melhoria dos serviços públicos
"adequada e eficaz prestação dos serviços públi-
cos";
- assegura como direito do consumidor oacesso
aos órgãos judiciários e administrativos,através
da Curadoria de Garantia dos Direitos Cons-
titucionais;
- cria uma série de dispositivos para facilitar
esse acesso, entre os quais a facilitação dos seus
direitos com a inversão do ônus da prova, a seu
favor.
Pelo Artigo 2o
— quanto à qualidade do pro-
duto
- os órgãos públicos, por si ou por suas empre-
sas, concessionárias,permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, efi-
cientes, seguros e, quanto aos essenciais, contí-
nuos;
- nos casos de descumprimento, total ou par-
cial, das obrigações referidas neste artigo, serão
as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e
reparar os danos causados;
- os consumidores, através de suas associações,
têm legitimidade para representar os direitos
dos consumidores perante o poder judiciário.
Devem, para tanto, estar constituídos há pelo
menos um ano;
- nas ações coletivas, não haverá, o adiantamen-
to de custas, emolumentos, honorários periciais
e quaisquer outras despesas, nem condenação
da associação autora, salvo comprovada má-fé
em honorários de advogados, custas e despesas
processuais. Desta forma, fica facilitado o acesso
à Justiça para as associações.
Pelo Artigo 10o
, Parágrafo 3o
— quanto às
ações de vigilância sanitária
- obrigação de informar a população: "sempre
que tiverem conhecimento da periculosidade de
produtos ou serviços à saúde ou segurança dos
consumidores, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios deverão informá-los a
respeito."
As leis são instrumentos de luta e não só
dispositivos formais. Temos que dominá-las
para podermos ter mais munição na "bata-
lha da saúde".
A sociedade brasileira decidiu assumir seu
próprio governo quando elaborou a Constituição
de 1988. Assistiu-se, então, pela primeira vez
na história do Parlamento Nacional, à partici-
pação das organizações sociais na elaboração
das normas fundamentais do Estado.
A tomada da responsabilidade de organizar e
dirigir sua vida em sociedade revela-se no
artigo que inaugura a Constituição: é ao povo
que pertence todo o poder. É ele quem deve
exercitá-lo. Para tanto, pode ou eleger represen-
tantes ou agir em nome próprio. E as matérias
que devem fazer parte de qualquer constituição
que objetive reger uma sociedade no final do
século XX foram tratadas com essa diretriz.
Assim, tanto a organização do governo como o
controle do poder econômico e a garantia dos
direitos das pessoas, consideradas individual-
mente ou na coletividade, permitem, na ex-
pressão constitucional, a atuação imediata do
povo, fonte de todo o poder.
Diversos mecanismos foram indicados para
provocar a participação popular na gestão do
Brasil. Uma destas vias, mais tradicional, são os
mecanismos formais de democracia represen-
tativa, isto é, através dos representantes parla-
mentares — vereadores, deputados e senadores
—, uma vez que a Constituição ampliou o
poder do Legislativo face ao Executivo.
A segunda via, na qual a área de saúde teve
forte contribuição pela experiência, é a da
democracia participativae democraciadire-
ta, através da presença de órgãos populares
junto ao Executivo, operando o controle e a
fiscalização das ações do Governo, tarefa esta
que é estendida a sindicatos, partidos e demais
organismos sociais.
A terceira via, através do Judiciário, possibili-
ta, a princípio, que qualquer pessoa faça valer
o direito criado pela legislação e não aplicado
pela administração.
A presença da participação popular direta-
mente no Executivo tem levado, inclusive, à
construção da concepção de que o quarto
poder é o poder popular na ação de Governo
e de Gestão.
Sem dúvida, a Constituição amarrou a consa-
gração dos direitos ao que se pode denominar
''burocracia jurídica e do Judiciário". Todavia,
este segmento do Estado não passou ainda por
uma "reforma" capaz de pensá-lo e operá-lo
num ritmo compatível com o seu papel assegu-
rador da democracia. Isto não deve, porém,
intimidar a sociedade. Pelo contrário, é colocan-
do-se de frente a esta instância de poder que
conseguiremos alterá-la, vale dizer, desburocra-
tizá-la em defesa da democracia.
Saúde é direito de todos na norma constitu-
cional, todavia não tenha sido, ainda, direito
reclamado no tribunal: direito que não entra na
justiça é direito simbólico, e não direito de fato.
O Governo não está aprovando as leis de
regulamentação da Constituição. Portanto, o
controle social na saúde, como direito, tem
como primeiro ponto de pauta a própria regula-
mentação da Constituiçãoquanto ao direito à
saúde.
Isto significa entrar em rota de colisão com o
estilo tradicional de fazer política no Brasil,
onde as decisões não são tomadas na esfera
pública, ou onde não ocorre uma "regulação
social pública".
No Brasil, o estilo político tradicional é de
resolver as situações caso a caso e, de preferên-
cia, no interior dos gabinetes, e não de forma
clara, global, transparente e pública. Assim, a
efetiva universalização da saúde e, nela, a
eqüidade de resultados são alguns dos grandes
desafios que supõe muita luta democrática da
sociedade.
Embora o discurso constitucional ecoe na voz
de governantes e de dirigentes públicos e ex-
presse, sem dúvida, o avanço de uma vontade
política, esta vontade política não-regulamenta-
da se transveste em "vontade de políticos", onde
cada caso é um caso. Na ausência de lei federal
regulamentadora do direito à saúde, ocorre o
que Oliveira (1990) chama de "regulação tran-
cada", onde existe, simultaneamente, a ausência
de regras estáveis e a ausência de direitos.
Cabe aqui uma rápida indicação — já que
não é área de nossa especialidade profissional
— quanto à superação da concepção política de
direito, na direção de construção do direito
coletivo capaz, inclusive, de inaugurar a di-
mensão coletiva da cidadania. Seriam os direi-
tos de grupos sociais, o direito comunitário
gerando a defesa da responsabilidade social
pelas condições de vida construídas para a
população. A exemplo, uma auditoria da dívida
externa brasileira poderia culpabilizar responsa-
bilidades? De quem?
A ausência de uma explícita regulação na
direção da universalidade do direito — e não
mera isonomia que não capta a heterogeneidade
do real — faz com que a política do favor, da
clientela, prevaleça à política do direito, ou, em
outras palavras, com que não se tenha certeza
ou garantias prévias; tudo vai depender do
interesse de quem vai atender, não há padrões
antecipados. Quando se consegue entrar, não se
sabe em que condições de atendimento se vai
sair.
Mas não se trata só de "vigiar o serviço", pois
o trato do resultado é negócio a ser tratado
antes de começar o serviço: quem não diz o que
quer de começo acaba recebendo o que não
quer ao final.
Como depende do interesse e do estilo de
governar de quem está no governo e, sem
dúvida, da tecnoburocracia, o avanço político
da política de saúde, bem como das demais
políticas sociais, é uma "coisa que vai e vem",
não tem garantias de continuidade.
Neste quadro flutuante, o controle social
encontra um campo quase ilimitado de ação.
No estilo brasileiro pouco democrático de
construção das políticas e decisões, aregulação
do Estado é feita sem a esfera pública, isto
tanto nas políticas sociais como nas econômi-
cas. A ausência da esfera pública significa a
utilização do fundo público, do dinheiro públi-
co, de forma casuística — sem regras gerais,
sem um projeto transparente e sem a presença
dos interesses divergentes — ao serem toma-
das as decisões.
Em outras palavras, as decisões dos dirigentes
públicos — incluindo os técnicos — são toma-
das para atender aos interesses dos que têm
mais influência, na maioria das vezes favore-
cendo os interesses de quem está no poder.
As decisões se dão na base de "conchavo",
convocando apenas diretamente o interessado,
como diz Francisco de Oliveira: "é a regulação
ad hoc, que opera num vazio de alteridade".
Isto é, sem a presença do outro, ou dos outros
interesses e interessados (Oliveira, 1990).
Se o assunto é decidido em petit comitéentre
os mesmos, como pode ocorrer a vigilância do
controle social? Nesta situaçãonão-transparente,
o que acontece é a denúncia da exclusão, do
não estar presente, do não ser chamado; é a
denúncia do uso dos recursos para favorecer
alguns.
A democracia brasileira já permite, a nível
legal, o direito pelo menos da reclamação
pública, embora, em algumas cidades, como
Canapí, "quem fala leva tiro". A Constituição
garante estes direitos. A questãoagoraé coloca-
los em prática.
A cultura política brasileira ainda convive
com o fenômeno do coronelismo, que sujeita a
população ao poder dos proprietários, donos da
política local. Sob coação e medo, só é dito o
que se quer ouvir, é a anulação da vontade de
si. É a herança patrimonialista.
A barbárie antidemocrática também se trans-
veste de populismo, onde direitos se transfor-
mam em doações e favores. Em uma carga
cultural paternalista, as ações são bondades dos
governantes ou exercício de clientelismo. Nessa
situação, instaura-se uma espécie de negócio, de
troca, entre o eleitor (de fato ou potencial) e o
representante político, que busca salientar o
caráter individual da conquista. É uma cumpli-
cidade onde "eu lhe atendo porque você é um
dos meus".
Privatizado o Estado nos recursos, no fundo
público e na política, como se dão a presença
popular e o controle social?
SAÚDE, REPRESENTAÇÃO POPULAR E
CONTROLE SOCIAL
Estas rememorações da política brasileira
permitem colocar a discussão do controle social
não em um patamar burocrático, mas sim em
um patamar político.
Não se trata de "vigiar uma burocracia", ainda
que, imediatamente, a relação seja a do usuário
com o hospital, com a unidade básica, com a
fábrica, com uma diretoria. O que está em
questão é criar uma nova cultura política/demo-
crática que, ao democratizar as decisões, traga
aalteridade.
Este conceito de alteridade, ou da presença do
alter — o outro, emprestado da psicologia —
quer marcar a distinção das situações onde
estão presentes sempre os mesmos. Um e outro
são sujeitos, portanto,protagonistas de decisões
e de ações. O que se quer marcar é a presença
de um sujeito que se contrapõe, que tem força
e presença para pressionar e ter protagonismo,
isto é, ser sujeito, e não sujeitado. Não se trata
de simplesmente mais um, mas da presença de
um pólo de representação que tem capacidade,
pela sua posição histórica e social, de se contra-
por àqueles que detêm o poder institucional. E,
mais do que um adjetivo, como representante
"popular" ou uma "nova" representação, ter
uma inserção substantivana construçãocoletiva
do direito à saúde.
O conceito de alteridade,pelo seu caráter-
substantivo, permite o significado da oposição
em presença. Resta indagar como tomar parte
e partido nesse processo de construção do
direito à saúde.
A organização da representação popular em
conselhos é, sem dúvida, um avanço, mas um
avanço face ao autoritarismo do passado. É
necessário estender o poder da representação
popular à construção e gestão da política de
saúde.
A presença popular não é "estilo populista de
esquerda", ou ideário de sanitaristas ou de
assistentes sociais "que adoram uma reu-
niãozinha". É direito de tornar o Estado
efetivamente coisa pública. É desprivatizar
interesses. É introduzir "cenasde negociação
explícitas".
Todavia, a alteridade não é igual à presença
física das pessoas, dos representantes. Estes têm
que ter a capacidade de influir, de se contrapor,
o que significa ter informações, ter opinião, na
perspectiva da defesa de interesses coletivos.
Em outros termos, as representações têm que
dominar as condições, os instrumentos, para
serem de fato protagonistas, sujeitos da ação, e
não meros complementos.
Um dos efeitos nocivos da democracia parti-
cipativa vivida na Nova República foi a doença
do partipacionismo, que terminoutransforman-
do o "povo" em coisa que se põe na reunião, na
assembléia, etc. O "povo" virou munição para
os dirigentes conseguirem verbas nas lutas de
orçamento; o "povo" é a moeda para alguns
ganharem força. Em outras palavras, o "povo"
vira uma presença que preenche espaços, mas
que é congelada em sua capacidade de autoria
histórica.
Sem dúvida, ainda necessitamos de muitos
momentos de presença de massa para podermos
tocar a sensibilidade das pessoas. A exposição
pública e explícita da exclusão faz-se necessária
face à trivialização da questão social no Brasil,
embora hoje a sociedade-espetáculo já exija
manifestações mais elaboradas, como a dos
bancários, que, uniformizados ensaiaram uma
partida de futebol durante a sua greve. Ou a dos
ecologistas, que, em Angra dos Reis, criaram
cenas de acidentes automobilísticoscomo forma
de protesto.
O que se quer salientar é a compreensão da
presença popular na política de saúde, na con-
dição de uma exercício de democracia direta. O
controle social é, a princípio, uma forma de
interlocução regulada e institucionalizada quejá
tem um considerável grau de aceitação de
legitimidade.
As novas questões se colocam, portanto, em
como se dá esse controle ou em quanto ele se
tem tornado um efetivo exercício democrático.
Não basta indagar se o controle social melhora
os serviços de saúde.
Esta maneira de colocar a questão transforma
a relação social que se estabelece entre as
representações do Estado e da sociedade civil,
como espaço de controle social, em um ajuste
funcional e burocrático. Talvez uma pergunta
melhor fosse: qual o grau de apropriação popu-
lar das políticas e ações de saúde a partir do
controle social?
É interessante, por exemplo, darmo-nos conta
do domínio da política de saúde por alguns
antigos militantes dos movimentos de saúde.
Seguramente, muitos são interlocutores bem
mais capacitados do que vários dirigentes.
O espaço do controle social, ainda que institu-
cionalizado, não é meramente administrativo; é
um espaço político que põe em cena interes-
ses, imaginários,representações. Este espaço
é uma situação de partida, e não de chegada.
É neste contexto que se entende que, a prin-
cípio, o exercício do controle social é espaço de
criação de uma cultura política democrática.
Todavia, esta intenção, ou "idéia perspectiva",
se defronta não só com a cultura elitista e
burocrática dos "animais institucionais", mas
também com a tradicional cultura casuística e
tutelar, que busca reduzir cada situação a um
caso particular.
O conceito, que se levantava há pouco, de
alteridade, enquanto capacidade de exercício
do protagonismo na defesa de interesses que se
contrapõem ao estabelecido, passa a ser útil
mais para mostrar a sua negação do que a sua
afirmação em nossa realidade.
Controle Social e a Alteridade Negada
O controlesocial, como uma operação quími-
ca que mistura vontades e interesses, vai apre-
sentar resultados dos mais explosivos aos mais
insossos.
A alteridade cooptada é um deles e ocorre
em dois sentidos: primeiro pela fragilidade da
representação que não possui informação e
capacidade argumentativa, e, portanto, pouco
opina; segundo, pela prática da cumplicidade,
que ao incluir o interesse restrito e imediato dos
representantes populares, afasta-os da luta pela
atenção mais ampla dos representados. Esta
questão abre a necessidade de se instalar uma
política de informação que não seja mera
transmissora, mas polemizadora de questões,
equivale dizer, capaz de problematizar, argu-
mentar e formar opinião.
A alteridade subalternizada, onde a relação
é de deferência de quem tem o poder pela
"visita que chega". O espaço não é do alter,
mas dos "donos do poder". O grande risco é a
infantilização, tratando os representantes popu-
lares como crianças do pré-primário. Reduzem-
-se os assuntos, é retirada a sua complexidade,
desproblematizam-se as questões, pois " o povo
não iria entender". Na verdade, é a reiteração
da cultura elitista, onde o "povo" é visto como
ignorante, digno de comiseração. É claro que
isto não significa o domínio popular da lingua-
gem técnica dos "entendidos". Supõe esta
perspectiva a decodificação dos temas em um
modo de falar que não provoque o ocultamento
das questões. Enfim, ter um programa que
traduza para todos entenderem.
A alteridade tutelada, uma variante da
subalternidade. Esta forma é, em geral, exercida
pela tecnoburocracia. Muitos segmentos técni-
cos que se entendem identificados com os
interesses populares terminam por ocupar o
espaço da interlocução para si, criando um
vazio de alteridade popular por "advogar a
causa" e tomar o lugar do "alter popular".
Francisco de Oliveira (1990) salienta que os
segmentos médios, através de suas organizações
ou de ocupação de espaços nas organizações
sindicais e sociais, tendem a se transformar no
"superego", ou em um falso alter, do Estado,
transformando a oposição menos ideológica e
mais programática. Nesta redução burocrática,
a vigilância é empobrecida para o controle do
"cumprimento de medidas mensuradas pelo
metro da competência técnica dos agentes
técnicos da não-esfera pública".
Estes estilos de relação acabam por consagrar
uma democracia conservadora onde os "álteres"
ficam numa condição de "quase-sujeitos políti-
cos" e não alteram a forma de "regulação
truncada", ou caso a caso. Aumenta o número
dos que se sentam à mesa, mas ainda não
repercute aquilo que se discute à mesa para os
representados.
Alguns dirigentes consideram ofensivas as
reuniões de portas abertas, gravadas, com
presença da imprensa, etc. O estilo Juruna,
motivo de múltiplas piadas, é, na verdade, a
tentativa de proteção ao conchavo, na perspecti-
va da direção da regulação caminhar para a
esfera pública.
A direção de "democracia avançada", no
campo do controle social, é, portanto, a intro-
dução de mecanismos, estilos e relações que
rompam com a cultura casuística.
Por sua vez, esta ruptura toca na questão do
compromisso com o decidido, como também da
garantia de continuidade das decisões. Isto põe
dois problemas: a institucionalidade e a com-
plexidade das questões.
Saúde e Novas Exigências para o
Controle Social
A luta dos movimentos de saúde, no princípio
dos anos 80, marcava a discussão da clara
autonomia popular dos conselhos de saúde
frente à organização estatal. A questão do
reconhecimento do movimento popular como
um interlocutor legítimo, devidamente identifi-
cado e reconhecido, exigia a presença de um
médico, do chefe, nas reuniões do conselho. Era
buscado um vínculo na burocracia do Estado
que, todavia, não subordinasse a representação
popular e a distinguisse dos organismos trans-
classistas, como clubes de serviços, lideranças
tradicionais instituídas, etc.
Conquistado o patamarde interlocutor privile-
giado de saúde, o movimento social teve me-
lhor caracterizada a sua autonomia. Todavia, o
processo decisório interno dos organismos do
Estado, das burocracias de saúde, introduziu
outras questões, como a democracia interna e a
participação de funcionários nas decisões sobre
a gestão de saúde.
A questão do envolvimento dos trabalhadores
de saúde evidentemente traz outros elementos,
como, o interesse das corporações, o ponto de
vista de quem opera os serviços de saúde, e não
só o de quem os dirige. É fato, também, que a
produção de serviços de saúde, na perspectiva
democrática e de consagração de direitos, passa
não só pela cultura política autoritária, tutelar e
clientelista de dirigentes, mas dos próprios
trabalhadores de saúde.
Não basta o avanço virtual da norma em
considerar a saúde como direito. A cabeça, o
modo de pensar, as representações, o imaginá-
rio dos trabalhadores de saúde — estes são os
que dão forma a tais direitos à população ao
atendê-la no balcão, na consulta ou na portaria.
Como prefigurando um "Estado paralelo", é
na dinâmica do funcionamento dos serviços
que, concretamente, a população vive a relação
governo-população e constrói o seu conceito de
direito — ou não — à saúde. O direito não se
realiza de imediato. A representação do traba-
lhador da saúde e de seus interesses é uma
mediação que circula na realização concreta do
direito.
Portanto, a forma de regularização e de
normalização da presença popular na gestão de
saúde indicou o caminho tripartite, envolvendo
os trabalhadores de saúde, os dirigentes e a
representação popular.
Se, no começo da década de 80, as represen-
tações dos movimentos lutavam pelo seu reco-
nhecimento como interlocutores das necessida-
des populares, ao final da mesma esta luta foi
legitimada e "normalizada". Como tal, não é
mais inusitada, ou não é uma presença clandes-
tina devido à adesão deste ou daquele chefe
mais progressista ou mais democrático.
Todavia, a indagação é se esta legitimidade
deve ser legalizada e institucionalizada e como
trabalhar as questões decorrentes de uma possí-
vel institucionalização.
Uma questão se refere à relação instituído-
-instituinte. O movimento social não deve se
transformar em uma "personalidade jurídica",
sob pena de reduzir sua particularidade e sua
capacidade de interlocução a mais uma das
"entidades ou organizações sociais". É próprio
do movimento a sua capacidade instituinte.
Todavia, o Conselho de Saúde, que não é,
nem pode ser, o movimento, ainda que deva
com ele manter uma relação orgânica, necessita
ser institucionalizado a fim de constituir "uma
regularidade" no fluxo decisório da instituição.
Em outras palavras, necessita constituir um
sujeito coletivo regular ou contínuo, com dele-
gação de autoridade para poder influir na gestão
e produção das políticas de saúde.
Esta situação de regularidade traz mudanças
nas relações, pois o Conselho, em ação, deve
ser a própria construção do espaço democrático,
do espaço de influência.
O funcionário, que, às vezes, era um "interlo-
cutor clandestino", virou "interlocutor oficial".
Podemos dizer que o Conselho de Saúde, que
era oposição, virou situação. O grande risco
nesta nova institucionalidade é o de se transfor-
mar em mais uma burocracia.
Outra questão da "prova de institucionalidade"
poderia ser simplificada destacando-se o seu
caráter adjetivo ou substantivo. Em outras
palavras, o que se põe em questão é a manipu-
lação dos dirigentes em fazer do "espaço de
construção democráticopalco dejogos de cenas
populistas", e não de efetivos espaços de in-
fluência democrática.
Não basta criar conselhos, comissões, comi-
tês; é necessário estabelecer a forma pela qual
estes influenciam as decisões institucionais.
Isto significa dizer que o controle social, para
ser exercido de fato, precisa não só de infor-
mações, mas de regularidades organizacio-
nais.
Através destas regularidades organizacio-
nais, pretende-se colocar em questão o grau de
democratização interno das organizações de
saúde, que demarca o fluxo do processo decisó-
rio e o grau de influência de cada instância ou
unidade de organização na gestão institucional.
Os momentos de reunião dos conselhos não
podem ser simples conversas que não penetram
a instituição. É necessário ter claro o canal, ou
canais, pelo qual ocorre a interferência na
dinâmica da instituição, seja um hospital, uma
unidade básica, uma diretoria, uma empresa,
etc.
Para que o controle social seja, de fato, um
espaço de alteridade, é necessário que o
espaço institucional onde ele interfere seja, de
fato, um espaço de regulação, e, ainda mais,
exige-se que a instituição defina sua política de
regulação; caso contrário, teremos uma "íntima
regulação ad hoc". Um exemplo disto são as
situações em que só alguns assuntos é que vão
para o Conselho, ou para o território da alteri-
dade. Ou, ainda, no difuso sistema decisório da
instituição, não fica claro quem é que vai dar
conta, na divisão do trabalho institucional, de
fazer acontecer aquilo que foi decidido. Afinal,
quem faz acontecer o que se discute?
O que se quer assinalar é que o controle
social, ao provocar a democratização da insti-
tuição, provoca, ao mesmo tempo, a necessida-
de de que esta torne claro o campo da sua
organização interna, sua divisão de trabalho,
seus responsáveis.
A democracia exige a introdução do planeja-
mento. A gestão coletiva e democrática se
confronta com a "gestão happening" e casuísti-
ca. Ainda que possa parecer aparentementeuma
contradição, democracia não combina com
laissez-faire. Ela supõe organização, definição
de atribuições e de responsabilidades.
É possível que tenha ficado mais claro ao
movimento discutir e cobrar as ações quando
o Estado estava sob governos autoritários, que
demarcavam com quem estava o poder, em
geral centralizado, do que nos estilos de gestão
soft, ou pretensamente democráticos, que, ao
diluir a autoridade, por entendê-la autoritária,
constróem uma fluidez que não demarca os
territórios de decisão. Esta é a falsa descentrali-
zação, que desconcentra ações, mas não pode-
res.
A construção democrática é mais palco de
uma relação de conflito do que de consenso, o
que não é fácil nem de se admitir nem de se
enfrentar.
Estas considerações, ainda que pontuais e
simplificadas, sobre a institucionalização do
controle social já mostram elementos do segun-
do problema, posto na ruptura da cultura casuís-
tica das organizações prestadoras de serviços
públicos: acomplexidade.
O que se pretende delinear com o conceito de
complexidade é o convívio de múltiplos sujei-
tos e interlocutores na construção democrática.
Esta interlocução coletiva supõe uma pedago-
gia de trabalho pautada no conflito, nos jogos
de negociação.
Por outro lado, esta complexidade também
advém dos múltiplos sujeitos - estatais que
operam o sistema de saúde.
Uma das decorrências negativas desta multi-
plicidade é a prática do jogo do alheio: "isto
não é comigo, é com ele", ou com o outro, em
geral, o ausente.
Compõem este jogo do alheio as outrasduas
usuais saídas: mas o "buraco está mais em
baixo", ou "é muito complicado". As expli-
cações que levam a um grande conformismo e
sentimento de incapacidade de mudar.
Sem dúvida, as questões conjunturais são
reflexos de uma estrutura econômica fundada na
profunda e perversa desigualdade econômica e
social da realidade brasileira. Todavia, o segre-
do está em como tocar a estrutura pela conjun-
tura, que é a sua forma concreta, ainda que
aparente, onde se pode atuar no cotidiano.
No "jogo do empurra"de uma instituição para
outra, termina sendo reproduzido o jogo dos
guichês da burocracia, que vai irresponsabili-
zando os funcionários, um a um.
O que se quer chamar a atenção é que o
"jogo do alheio" pode ser uma tática de oculta-
mento das próprias responsabilidades.
A complexidade da construção democrática
não pode, todavia, ser uma barreira que acabe
por sustentar "o ocultismo" como "religião do
poder".
O Controle Social em Questão
Esta reflexão buscou demarcar alguns pontos
sobre o controle social.
• Primeiro,o controle social supõe um padrão
de representatividade na construção, ope-
ração e gestão das políticas sociais, em espe-
cifico as de saúde.
A representatividade deve ter a capacidade de
se contrapor, influir ou assumir efetivamente
seu poder de alter. Num jogo de palavras, essa
alteridade deve ter poder de fazer alteração,
entendida desde barulho até mudança.
• Segundo, o controle social deve corrigir as
lacunas da democracia representativa, introdu-
zindo novos sujeitos democráticos/populares,
ampliando, ao mesmo tempo, a democracia
política e a democracia social.
A forma coletiva como se organizam os
movimentos e as representações de saúde
permite construir a "idéia — possibilidade" de
se superar o exercício da democracia represen-
tativa nos limites do Estado de Direito para
formas de democracia direta, exercitando a
construção popular da democracia, que é uma
exigência à sociedade brasileira, tradicionalmen-
te autoritária, elitista, paternalista e clientelista
no seu estilo de fazer política.
• Terceiro, o controle social é a possibilidade
de ruptura da "regulação truncada" e espaço
possível da constituição dos caminhos da "regu-
lação na esfera pública".
O controle social é a possibilidade de romper
com o caráter privatista, de favorecimento a
alguns. É um exercício de trazer as questões e
as decisões para mais interlocutores, como já
foi dito, para cenas explícitas de negociação.
Assim, o controle social, mais do que fiscali-
zação, pode constituir espaço de "câmaras de
negociação".
• Quarto, a relação social fundadora dos espa-
ços de controle social deve estabelecer regras
— até para serem modificadas no avanço da
experiência — que definam espaços de influên-
cia.
Não se pode ser conivente com a transfor-
mação do espaço do controle social em uma
continuidade burocrática de reuniões, onde não
se tem compromisso com os resultados e efei-
tos. O exercício da alteridade supõe, como já
dito, causar alteração.
• Quinto, o controle social necessita ser institu-
cionalizado, tornar-se visível, de modo que
alterações em sua continuidade possam tornar-
-se públicas.
As práticas de tornar públicas as ações e de-
cisões para os representados, para a instituição,
são fundamentais para ampliar a própria força
deste controle.
• Sexto, o controle social deve incidir não
somente sobre a eqüidade dos resultados, mas
também sobre a igualdade do acesso.
Como se disse no princípio, o grande risco é
transformar a saúde como serviço,esquecendo-
se da saúde como direito. Ou transformar o
controle social em mecanismo de regulação
para os serviços existentes, isolando-o do
horizonte do que ainda deve ser feito para
garantia do direito à saúde a todos.
• Sétimo, o controle social deve dizer respeito
aos serviços públicos e privados, como também,
e principalmente, às atenções não só aos servi-
ços básicos, mas à política de saúde do traba-
lhador.
Ainda que se traga maior experiência da
presença popular nos serviços públicos de
saúde, como exigência das lutas sociais, com
isto secundarizando as lutas sindicais de saúde
do trabalhador e a relação de controle dos
serviços privados de saúde, o que, aliás, este
documento não conseguiu superar, é necessário
abrir este campo de integração de lutas e de
experiências de controle social.
Postas estas questões, cabem os encaminha-
mentos ou a indicação dos aliados possíveis
neste processo de ruptura da regulação truncada
das políticas sociais, efetivando o direito de
fato, ou, como diz Amélia Cohn, a "cidadania
ativa na democracia social brasileira" (Cohn,
1991).
Alianças e Encaminhamentos
Uma das alianças é a que provém do próprio
acúmulo do conhecimento, da análise das
práticas e das experiências. Aqui, um desta-
que para o núcleo Participação e Saúde/
CEDEC, que vem emitindo boletins regulares
sobre as conclusões parciais da pesquisa "Cida-
dania e Políticas Públicas", que tem por base o
caso de São Paulo na gestão 89/92.
Outra aliança é a de somar os avanços do
controle sindical na luta pela saúde do trabalha-
dor com as formas de controle da política de
saúde pública.
A aliança entre as formas institucionais de
controle do governo e de gestão com os movi-
mentos sociais, não permitindo a burocratização
das questões pelas representações populares
instituídas.
A aliança da política de saúde com questões
mais gerais, tanto no que se refere ao padrão de
proteção social do cidadão brasileiro como ao
projeto de reforma do Estado, na busca de uma
ordem democrática e de uma sociedade justa,
pressupõe que se transforme a lógica de regu-
lação própria das políticas sociais em mecanis-
mos de emancipação de uma ordem social
predadora.
RESUMO
SPOSATI, A. & LOBO, E. Controle Social e
Políticas de Saúde. Cad. Saúde Públ., Rio de
Janeiro, 8 (4): 366-378, out/dez, 1992.
Na história de democratização das políticas de
saúde, um dos campos que construiu
visibilidade aos movimentos de saúde, quer
pela denúncia das "ausências e omissões" dos
serviços instalados, quer pela luta no sentido
de construir um espaço regular para o
exercício do controle nos serviços e nas
burocracias da gestão da saúde, foi o controle
social da coisa pública.
No início da década de 80, a experiência
marcante na região leste da cidade de São
Paulo foi a de criar os conselhos de saúde
como representação popular no controle do
Estado.
Nesta reflexão, as autoras não pretendem
discutir a composição da representação, mas
sim avançar para novos problemas.
Na conjuntura pós Constituição de 1988,
vivemos um novo momento democrático. As
leis, a princípio, amparam a participação da
população nas políticas de saúde e são
defensoras dos direitos sociais. Como, então,
é entendido o campo do controle social? Este
restringe-se aos serviços de saúde ou é mais
ampliado, englobando a política de saúde?
Como é que as leis passam da sua formulação
para a sua aplicação?
Busca-se, no texto, mapear questões que se
colocam quando o controle social se orienta
para constituir uma pressão pela
mudança/alteração da situação.
Palavras-Chave: Controle Social; Direito à
Saúde; Representação Popular; Dispositivos
Constitucionais; Alteridade Negada
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, 1986. Conferência Nacional de Saúde, 8o
Relatório Final. Brasília: Ministério da Saúde.
, 1988. Constituição, 1988. Constituição
da República Federativa do Brasil Brasília:
Senado Federal.
, 1990. Lei no
8080 de 19 de setembro
de 1990. Dispõe sobre as condições para a pro-
moção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. (Lei
que se refere à organização enquanto atribuições
e competências das várias instâncias no Sistema
Único de Saúde). Diário Oficial, Brasília, 20 de
setembro de 1990, p. 18.005-9.
COHN, A., 1991. Condições políticas, projetos
políticos e construção de estratégia em saúde.
Cedec. (Mimeo)
, 1982. Pesquisa "Cidadania e Políticas
Públicas". Boletins l, 2, 3, 4. Cedec. (Mimeo)
COHN, A.; NUNES, E.; JACOBI, P. & KARSCH,
U., 1991. A Saúde comoDireito e como Serviço.
São Paulo: Cortez.
LAZZARINI, M., 1991. Mecanismos de controle
social no Código de Defesa do Consumidor.
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
(Mimeo.)
OLIVEIRA, F., 1990. Os protagonistas do drama:
Estado e Sociedade no Brasil. In: Classes e
movimentos Sociais na América Latina, (S.
Laranjeiras, org.), São Paulo: Hucitec.
SÃO PAULO, 1987. Constituição, 1989. Consti-
tuição do Estado de São Paulo, 1989.São Paulo:
Assembléia Legislativa.
VALLA, V. V. & SIQUEIRA, S. A. V., 1989. O
centro municipalde saúde e a participação popu-
lar. In: DemandasPopulares,PolíticasPúblicas
e Saúde, (N. R. Costa; M. C. S. Minayo; C. L.
Ramos & E. N. Stotz, orgs.), vol I, pp. 91-115,
Petrópolis: Vozes.

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Controle social e problemas de saude

  • 1. ANÁLISE / ANALYSIS Controle Social e Políticas de Saúde1 Social Control over Health Policies Aldaíza Sposati2 Elza Lobo3 SPOSATI, A. & LOBO, E. Social Control over Health Policies. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (4): 366-378, oct/dec, 1992. As the democratization of health policies develops, social control over public interests has been of help in providing health movements with prominence, not only by denouncing cases of "negligence and omission" by established services, but also by struggling to create regular, favourable conditions by which to exercise control over services and governmental management of public health policies. In the early 1980s, a remarkable experience occurred in the "Zona Leste" or eastern burrough of the city of São Paulo, consisting of the emergence of Health Councils as a means of popular representation in the control over the state. Through their analysis of these issues, the authors' intent is to proceed to new problems rather than discussing the make-up of that representation. Within the political context in the aftermath of the 1988 Constitution, as we are experiencing a new democratic moment and legislation which (in principle) supports people's participation in health policies and defends social rights, then how is the field of social control to be understood? Is it limited to health services or extended to health policy? How do laws move from elaboration to practice ? The text aims to follow issues which arise as social control pushes current conditions towards change. Keywords: Social Control; Health Rights; Popular Representation; Legal Rights; No Alter 1 O presente trabalho — "Controle Social e Políticas de Saúde" —foi apresentado em uma primeira versão reduzida como subsídio à Conferência Estadual de Saúde do Estado de São Paulo. 2 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Monte Alegre, 984, 05014-001, São Paulo, SP, Brasil. 3 Núcleo de Investigação dos Sistemas Locais de Saúde do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Rua São Antônio, 590/4o andar, 01314- 000, São Paulo, SP, Brasil. O controle social é, na história de democrati- zação das políticas de saúde, um dos campos que construiu visibilidade aos movimentos de saúde, quer pela denúncia das "ausências e omissões" dos serviços instalados, quer pela luta em construir um espaço regular para o exercício do controle nos serviços e nas buro- cracias da gestão da saúde. Foi uma experiência marcante, no início da década de 80, a de criar os conselhos de saúde enquanto representação popular no controle do Estado. Sem dúvida, pode-se afirmar que esta expe- riência contrapôs democracia participativa e democracia direta, na região leste da cidade de São Paulo, quando o povo ia às urnas votar em seus representantes no conselho. É interessante notar que até hoje é prática do movimento saber, a cada eleição, quantos votos mobilizou para formar os conselhos. A partir da Constituição de 1988 e da consti- tuição do Sistema Único de Saúde, a presença da população já deveria ser uma situação posta de saída. Todavia, o processo de democrati- zação não se apresenta do mesmo modo em cada um dos municípios. Permanece a luta pela constituição dos conselhos, pela legitimidade, como da representação popular, pela discussão de sua formação paritária entre população, trabalhadores de saúde e dirigentes.
  • 2. Não se pretende, nesta reflexão, um balanço da situação atual, no sentido de voltar a discutir a composição da representação. Busca-se avan- çar para novos problemas. O primeiro problema seria quanto à con- cepção sobre a incidência do controle social: se restrita aos serviços de saúde ou ampliada à política de saúde. O que é entendido como campo do controle social? Na conjuntura pós-Constituição de 1988, vivemos um novo momento democrático, isto é, hoje, as leis, a princípio, amparam a partici- pação da população nas políticas de saúde e são, a princípio,defensoras dos direitos sociais. Todavia temos um novo problema, que é o de fazer com que as leis deixem de ser apenas instrumentos formais, passando à aplicação das mesmas. Esta conjuntura supõe uma nova instrumentação das lutas democráticasepopula- res, no sentido de se prepararem para a apli- cação da lei. Por terceiro, busca-se mapear questões que se põem quando o controle social se orienta para constituir uma pressão pela mudança/alte- ração da situação. Em outras palavras, indicam- -se as dificuldades, frente ao estilo político brasileiro de exercer a autoridadee fazer políti- ca, em se criar um espaço democrático. A intenção é, portanto, de criar condições para a leitura crítica do controle social, contra- pondo a sua versão burocrática a um novo patamar político, como espaço de exercício do protagonismo de sujeitos democráticos popula- res. SAÚDE COMO DIREITO E COMO SERVIÇO O direito à saúde, defendido na Reforma Sanitária, traz, intrinsecamente à sua consti- tuição, o apoio, a participação e a pressão dos setores populares. Em outras palavras, o direito social de ter garantida a condição de saúde de uma popu- lação supõe o próprio movimento dessa popu- lação em conseguir o reconhecimento e a efetivação desse direito. Num tom provocativo, cabe perguntarse esta afirmação não contém, em si, uma perversidade, uma vez que exige do sujeito/usuário e, por- tanto, detentor da necessidade, um duplo ônus: além de possuir a necessidade, deve gastar um sobreesforço em criar a solução para atendê-la. No limite do raciocínio da sociedade de livre- mercado, onde opera o princípio da auto-regu- lação "fornecedor-consumidor", esta exigência do consumidor seria a demonstração da incom- petência da "pesquisa de mercado" em estabele- cer as características do produto "aos moldes do freguês". A questão, porém, é muito mais complexa pois, para funcionar na plena lógica de merca- do, o "produto saúde" deveria ser uma necessi- dade de consumo individual, cuja satisfação seria uma questão de gosto e de estilo, e não só de necessidade. Porém, saúde, que é uma questão de vidaindividual e coletiva, exige um padrão público e social. Isto supõe entendê-la não como um produto a ser consumido, mas, sobretudo, delinear o projeto que se quer como padrão de qualidade de vida de uma sociedade e, nela, de cada um dos cidadãos. Por mais que queiram transmutar a saúde em produtos consumíveis — sejam medicamentos e/ou tratamentos — ou em mercadorias a compor o imaginário das pessoas,transforman- do-a em símbolos de consumo, ela é, mesmo que virtualmente, mais do que isso, quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista coletivo. Saúde é mais do que "uma coisa"; ela é um valor e uma perspectiva: "ter saúde é o melhor remédio", segundo o dito popular. Saúde é direito. O começo da discussão sobre saúde e contro- le social necessita tomar distância da armadilha "saúde-consumo", onde o controle é verificar se a mercadoria está adequada conforme o rótulo. Esta perspectiva supõe "naturalizar" a doença e as carências como coisas que devem aconte- cer, onde é "normal" ficar doente e consumir um "comprimido de saúde". O que se quer dizer é que direito à saúde é mais do que direito ao consumo de saúde. Portanto, direito à saúde é mais do que demo- cratização do consumo da assistência médica, embora esta lhe seja fundamental. Saúde é mais do que "a cesta de serviços", mesmo que públi- cos, ainda que estes sejam básicos à vida da população.
  • 3. Saúde, enquanto tal, não é uma necessidade cujos contornos de sua satisfação estão plena- mente dados de saída. "Á saúde define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momentode seu desenvolvimento,devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas". (Brasil, 1986) O "usuário/consumidor" é, ao mesmo tempo, um sujeito/democrático virtual na construção da política de saúde, e não um carente a ser atendido por uma instituição transformada em "ofertante de serviços", negadora, em sua prática, dos direitos dos cidadãos. "Instituir a eqüidade na saúde não se limita a uma mera extensãoe distribuiçãomaisadequa- da dos serviços, mas,igualmente,à sua confor- mação em um direito". (Cohn, 1992) No contexto da "Saúde-Projeto-Sociedade", a noção de direito é conquista social. O desafio fica em trabalhar a questão de saúde como direito e como serviço. Isto não significa tomar estas perspectivas como excludentes. Serviço de saúde é um direito do cidadão, embora saúde, como direito, seja mais do que o serviço de saúde. É de se ter clara a situação de profunda desigualdade social brasileira e que nela a ausência das atenções sociais é fator de empo- brecimento da população. Estamos longe de uma situação de igualdade de acesso a todos, e muito mais longe da eqüidade de resultados dos serviços. O que vivemos é uma situação de alta seletividade e exclusão social. Portanto, se, de um lado, não se pode afirmar que o horizonte maior da saúde, como direito, são os serviços de saúde, não se pode, porém, pôr de lado tais serviços como constituintes, também, dos direitos dos cidadãos. Longe de uma situação de abundância e de pleno atendimento em serviços de saúde, a qual permitiria a "cidadania de vigilância", onde os cidadãos vigiam o governo para garantir que os serviços funcionem, Valla e Siqueira (1989) dizem que temos uma "cidadania de escassez" que põe para a população o risco de sobreviver. O que é mais interessante, porém, é que este consumidor (individual e/ou coletivo) sofre a lógica de mercado às avessas: paga primeiro pelos impostos, mas não tem o produto, só o direito virtual de atenção e a necessidade efeti- va para satisfazer. Portanto, a participação popular na política e nos serviços de saúde começa, na condição virtual de usuário/cidadão, em participar de uma idéia-projeto para atender a uma ou mais neces- sidades, na medida em que a necessidade em saúde, como as demais necessidades humanas, é historicamente determinada. O "fornecedor" tem que saber o que passa no plano simbólico "da freguesia" e, nele, qual é a representação da saúde-doença e suas demandas por serviços de saúde. SAÚDE E DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS O arcabouço jurídico-legal que institui o direito à saúde em nosso país, composto da promulgação da nova Constituição, da Consti- tuição Estadual, da Lei Orgânica de cada muni- cípio e da Lei No 8080 (Brasil, 1990) e da Lei No 8142, demonstra um avanço no sentido de uma nova concepção da saúde, compreendida como um produto social e histórico condiciona- do pelas circunstâncias de vida e de trabalho das pessoas. Convém, aqui,abrir um breve parêntese sobre a Lei no 8142, de 28 de dezembro de 1990, que estabelece as instâncias colegiadas e participati- vas no campo da saúde: A Conferência de Saúde, que deve se reunir a cada quatro anos, a nível nacional, para avaliar e propor as reade- quações na política de saúde, e cuja composição envolve diferentes representações sociais; o Conselho de Saúde, como órgão gestor de caráter permanente, com representação dos vários segmentos envolvidos na produção, gestão e usufruto da saúde; o Conass — Con- selho Nacional de Secretarias de Saúde; e o Conasems —Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. A Constituição Estadual do Estado de São Paulo (São Paulo, 1989), no artigo 221, afirma a presença popular nos conselhos estaduais e municipais de saúde. No âmbito de toda a legislação, estão conti- dos dispositivos relacionados à vigilância em
  • 4. saúde, à saúde do trabalhador, à descentrali- zação do comando do sistema, ao nível do território delimitado, e à participação popular e sindical na gestão do sistema, em seus vários níveis. Apesar de não refletir o conjunto das reivindi- cações dos movimentos sociais organizados, a atual legislação sanitária está além do que se pratica hoje no sistema de saúde. O legal está mais avançado do que o real, neste aspecto específico. Em muitos municípios, trava-se a luta pela formação do Conselho Municipal de Saúde e, nela, o confronto com prefeitos que designam a "representação popular" de acordo com o seu interesse. O conceito de paridade é ainda palco de discussões enquanto deva preservar os, no mínimo, 50% de presença popular. Mesmo reconhecendo que há um avanço, é inegável que há um grande espaço a ocupar, há um vasto campo de ação muito pouco explora- do. Particularmente no campo da vigilância em saúde, que engloba as diversas vigilâncias (sanitária, epidemiológica e do trabalhador),há uma defasagem entre o que já está estabelecido como possibilidade de ação e o que se concreti- za ao nível de funcionamento do conjunto do sistema de saúde. Grande parte das demandas locais pela ação das unidades básicas é quanto à vigilância sanitária, que termina por se transformar em conflito de vizinhos, onde o conselho de saúde se vê na situação de júri popular, ou, então, o assunto vai parar na delegacia do bairro. A Constituição de 08 de outubro de 1988 (Brasil, 1988), que já tem três anos, não foi ainda regulamentada.Assim, boa parte dos seus artigos não produz efeito imediato na vida dos brasileiros. Pior ainda é que, antes mesmo de ser experimentada, a Constituição é acusada, por alguns, de inflacionaria. Cúmplice de construir a utopia de um horizonte melhor para os brasileiros, hoje a Constituição está sendo colocada no banco dos réus, sob a acusação do Governo de que ela "entrava odesenvolvimento nacional". Apesar destas questões e mesmo sem uma regulamentação específica para a saúde, a Constituição conta com dispositivos que já podem e devem ser acionados nas lutas de saúde, bem como em outras lutas de cidadania. Os instrumentos constitucionais dos quais a população pode se valer se dão nas três esferas de poder: o Legislativo, o Executivo e o Judi- ciário. PODER LEGISLATIVO Os representantes eleitos podem propor projetos de lei no legislativo (Artigo 61, Parágrafo 2o ). Quem os elegeu pode: • Participar de audiências para debatê-las (Arti- go 58, parágrafo 2o , inciso II). • Referendar uma lei ou manifestar, em plebis- cito, sobre assuntos considerados relevantes pelo Congresso Nacional (Artigo 49,XV). • Quando organizadas em confederação sindi- cal, entidades de classe ou partido político podem pedir a retirada de uma lei que contra- rie o que ficou estabelecido na Constituição (Artigo 103, VIII e IX). PODER EXECUTIVO No chamado Estado de Direito, a Administração Pública está vinculada às estritas previsões legais. Escrava da lei, pode se supor que o povo comanda a Administração. • Possibilidades de participação direta no Executivo, através de órgãos populares com funções de direção administrativa, como no caso da saúde (Artigo 198, III). • Legitima a capacidade do cidadão, dos parti- dos políticos, das associações e dos sindicatos para, fiscalizando a contabilidade, os financia- mentos, o orçamento das entidades adminis- trativas, denunciar irregularidades aos Tribu- nais de Contas (Artigo 74, parágrafo 2o ). • Para não deixar dúvida sobre a obrigação constitucional do encarregado da Adminis- tração Pública, define como crime de respon- sabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra o "exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" (Artigo 85,III). PODER JUDICIÁRIO Mandado de injunção • Qualquer pessoa pode pedir ao Juiz para que faça valer o direito criado pelo legislador e não aplicado pelo Administrador (Artigo 5o , LXXI).
  • 5. Mandado de Segurança Impetrado pelo indivíduo ofendido ou pelo partido político,organização sindical, entidade de classe ou associação na defesa de seus membros ou associados (Artigo 5o , LXIX e LXX). Habeas data Garantir ao indivíduo o acesso à informação e sua veracidade. Dentre as poucas leis que foram produzidas, regulamentadoras da Constituição, está o Códi- go de Defesa do Consumidor — o CDC. Todavia, poucos utilizam o CDC, embora ele estabeleça normas de ordem pública e de inte- resse social. Portanto, suas regras prevalecem sobre a vontade das partes. A saúde é tratada como prioridade no CDC, quer na perspectiva de relações de consumo, quer na vigilância sanitária (Lazzarini, 1991). O Código da Defesa do Consumidor é um instrumento que visa garantir as efetivas pre- caução e reparação de danos patrimoniais e morais, no plano individual, coletivo ou difuso. Nesta perspectiva, defende a saúde como proteção à vida e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos considerados perigosos ou nocivos. Com isto, ele possibilita: Pelo Artigo 4o — quanto às relações de consu- mo - a abrangência do conceito de fornecedor significa que qualquer vício (defeito) de quali- dade, segurança, quantidade ou inadequação de um produto ou serviço ofertado por um forne- cedor público ou privado está sob a mira do CDC; - racionalização e melhoria dos serviços públicos "adequada e eficaz prestação dos serviços públi- cos"; - assegura como direito do consumidor oacesso aos órgãos judiciários e administrativos,através da Curadoria de Garantia dos Direitos Cons- titucionais; - cria uma série de dispositivos para facilitar esse acesso, entre os quais a facilitação dos seus direitos com a inversão do ônus da prova, a seu favor. Pelo Artigo 2o — quanto à qualidade do pro- duto - os órgãos públicos, por si ou por suas empre- sas, concessionárias,permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, efi- cientes, seguros e, quanto aos essenciais, contí- nuos; - nos casos de descumprimento, total ou par- cial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados; - os consumidores, através de suas associações, têm legitimidade para representar os direitos dos consumidores perante o poder judiciário. Devem, para tanto, estar constituídos há pelo menos um ano; - nas ações coletivas, não haverá, o adiantamen- to de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé em honorários de advogados, custas e despesas processuais. Desta forma, fica facilitado o acesso à Justiça para as associações. Pelo Artigo 10o , Parágrafo 3o — quanto às ações de vigilância sanitária - obrigação de informar a população: "sempre que tiverem conhecimento da periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito." As leis são instrumentos de luta e não só dispositivos formais. Temos que dominá-las para podermos ter mais munição na "bata- lha da saúde". A sociedade brasileira decidiu assumir seu próprio governo quando elaborou a Constituição de 1988. Assistiu-se, então, pela primeira vez na história do Parlamento Nacional, à partici- pação das organizações sociais na elaboração das normas fundamentais do Estado. A tomada da responsabilidade de organizar e dirigir sua vida em sociedade revela-se no artigo que inaugura a Constituição: é ao povo que pertence todo o poder. É ele quem deve exercitá-lo. Para tanto, pode ou eleger represen- tantes ou agir em nome próprio. E as matérias que devem fazer parte de qualquer constituição que objetive reger uma sociedade no final do
  • 6. século XX foram tratadas com essa diretriz. Assim, tanto a organização do governo como o controle do poder econômico e a garantia dos direitos das pessoas, consideradas individual- mente ou na coletividade, permitem, na ex- pressão constitucional, a atuação imediata do povo, fonte de todo o poder. Diversos mecanismos foram indicados para provocar a participação popular na gestão do Brasil. Uma destas vias, mais tradicional, são os mecanismos formais de democracia represen- tativa, isto é, através dos representantes parla- mentares — vereadores, deputados e senadores —, uma vez que a Constituição ampliou o poder do Legislativo face ao Executivo. A segunda via, na qual a área de saúde teve forte contribuição pela experiência, é a da democracia participativae democraciadire- ta, através da presença de órgãos populares junto ao Executivo, operando o controle e a fiscalização das ações do Governo, tarefa esta que é estendida a sindicatos, partidos e demais organismos sociais. A terceira via, através do Judiciário, possibili- ta, a princípio, que qualquer pessoa faça valer o direito criado pela legislação e não aplicado pela administração. A presença da participação popular direta- mente no Executivo tem levado, inclusive, à construção da concepção de que o quarto poder é o poder popular na ação de Governo e de Gestão. Sem dúvida, a Constituição amarrou a consa- gração dos direitos ao que se pode denominar ''burocracia jurídica e do Judiciário". Todavia, este segmento do Estado não passou ainda por uma "reforma" capaz de pensá-lo e operá-lo num ritmo compatível com o seu papel assegu- rador da democracia. Isto não deve, porém, intimidar a sociedade. Pelo contrário, é colocan- do-se de frente a esta instância de poder que conseguiremos alterá-la, vale dizer, desburocra- tizá-la em defesa da democracia. Saúde é direito de todos na norma constitu- cional, todavia não tenha sido, ainda, direito reclamado no tribunal: direito que não entra na justiça é direito simbólico, e não direito de fato. O Governo não está aprovando as leis de regulamentação da Constituição. Portanto, o controle social na saúde, como direito, tem como primeiro ponto de pauta a própria regula- mentação da Constituiçãoquanto ao direito à saúde. Isto significa entrar em rota de colisão com o estilo tradicional de fazer política no Brasil, onde as decisões não são tomadas na esfera pública, ou onde não ocorre uma "regulação social pública". No Brasil, o estilo político tradicional é de resolver as situações caso a caso e, de preferên- cia, no interior dos gabinetes, e não de forma clara, global, transparente e pública. Assim, a efetiva universalização da saúde e, nela, a eqüidade de resultados são alguns dos grandes desafios que supõe muita luta democrática da sociedade. Embora o discurso constitucional ecoe na voz de governantes e de dirigentes públicos e ex- presse, sem dúvida, o avanço de uma vontade política, esta vontade política não-regulamenta- da se transveste em "vontade de políticos", onde cada caso é um caso. Na ausência de lei federal regulamentadora do direito à saúde, ocorre o que Oliveira (1990) chama de "regulação tran- cada", onde existe, simultaneamente, a ausência de regras estáveis e a ausência de direitos. Cabe aqui uma rápida indicação — já que não é área de nossa especialidade profissional — quanto à superação da concepção política de direito, na direção de construção do direito coletivo capaz, inclusive, de inaugurar a di- mensão coletiva da cidadania. Seriam os direi- tos de grupos sociais, o direito comunitário gerando a defesa da responsabilidade social pelas condições de vida construídas para a população. A exemplo, uma auditoria da dívida externa brasileira poderia culpabilizar responsa- bilidades? De quem? A ausência de uma explícita regulação na direção da universalidade do direito — e não mera isonomia que não capta a heterogeneidade do real — faz com que a política do favor, da clientela, prevaleça à política do direito, ou, em outras palavras, com que não se tenha certeza ou garantias prévias; tudo vai depender do interesse de quem vai atender, não há padrões antecipados. Quando se consegue entrar, não se sabe em que condições de atendimento se vai sair. Mas não se trata só de "vigiar o serviço", pois o trato do resultado é negócio a ser tratado antes de começar o serviço: quem não diz o que
  • 7. quer de começo acaba recebendo o que não quer ao final. Como depende do interesse e do estilo de governar de quem está no governo e, sem dúvida, da tecnoburocracia, o avanço político da política de saúde, bem como das demais políticas sociais, é uma "coisa que vai e vem", não tem garantias de continuidade. Neste quadro flutuante, o controle social encontra um campo quase ilimitado de ação. No estilo brasileiro pouco democrático de construção das políticas e decisões, aregulação do Estado é feita sem a esfera pública, isto tanto nas políticas sociais como nas econômi- cas. A ausência da esfera pública significa a utilização do fundo público, do dinheiro públi- co, de forma casuística — sem regras gerais, sem um projeto transparente e sem a presença dos interesses divergentes — ao serem toma- das as decisões. Em outras palavras, as decisões dos dirigentes públicos — incluindo os técnicos — são toma- das para atender aos interesses dos que têm mais influência, na maioria das vezes favore- cendo os interesses de quem está no poder. As decisões se dão na base de "conchavo", convocando apenas diretamente o interessado, como diz Francisco de Oliveira: "é a regulação ad hoc, que opera num vazio de alteridade". Isto é, sem a presença do outro, ou dos outros interesses e interessados (Oliveira, 1990). Se o assunto é decidido em petit comitéentre os mesmos, como pode ocorrer a vigilância do controle social? Nesta situaçãonão-transparente, o que acontece é a denúncia da exclusão, do não estar presente, do não ser chamado; é a denúncia do uso dos recursos para favorecer alguns. A democracia brasileira já permite, a nível legal, o direito pelo menos da reclamação pública, embora, em algumas cidades, como Canapí, "quem fala leva tiro". A Constituição garante estes direitos. A questãoagoraé coloca- los em prática. A cultura política brasileira ainda convive com o fenômeno do coronelismo, que sujeita a população ao poder dos proprietários, donos da política local. Sob coação e medo, só é dito o que se quer ouvir, é a anulação da vontade de si. É a herança patrimonialista. A barbárie antidemocrática também se trans- veste de populismo, onde direitos se transfor- mam em doações e favores. Em uma carga cultural paternalista, as ações são bondades dos governantes ou exercício de clientelismo. Nessa situação, instaura-se uma espécie de negócio, de troca, entre o eleitor (de fato ou potencial) e o representante político, que busca salientar o caráter individual da conquista. É uma cumpli- cidade onde "eu lhe atendo porque você é um dos meus". Privatizado o Estado nos recursos, no fundo público e na política, como se dão a presença popular e o controle social? SAÚDE, REPRESENTAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL Estas rememorações da política brasileira permitem colocar a discussão do controle social não em um patamar burocrático, mas sim em um patamar político. Não se trata de "vigiar uma burocracia", ainda que, imediatamente, a relação seja a do usuário com o hospital, com a unidade básica, com a fábrica, com uma diretoria. O que está em questão é criar uma nova cultura política/demo- crática que, ao democratizar as decisões, traga aalteridade. Este conceito de alteridade, ou da presença do alter — o outro, emprestado da psicologia — quer marcar a distinção das situações onde estão presentes sempre os mesmos. Um e outro são sujeitos, portanto,protagonistas de decisões e de ações. O que se quer marcar é a presença de um sujeito que se contrapõe, que tem força e presença para pressionar e ter protagonismo, isto é, ser sujeito, e não sujeitado. Não se trata de simplesmente mais um, mas da presença de um pólo de representação que tem capacidade, pela sua posição histórica e social, de se contra- por àqueles que detêm o poder institucional. E, mais do que um adjetivo, como representante "popular" ou uma "nova" representação, ter uma inserção substantivana construçãocoletiva do direito à saúde. O conceito de alteridade,pelo seu caráter- substantivo, permite o significado da oposição em presença. Resta indagar como tomar parte e partido nesse processo de construção do direito à saúde.
  • 8. A organização da representação popular em conselhos é, sem dúvida, um avanço, mas um avanço face ao autoritarismo do passado. É necessário estender o poder da representação popular à construção e gestão da política de saúde. A presença popular não é "estilo populista de esquerda", ou ideário de sanitaristas ou de assistentes sociais "que adoram uma reu- niãozinha". É direito de tornar o Estado efetivamente coisa pública. É desprivatizar interesses. É introduzir "cenasde negociação explícitas". Todavia, a alteridade não é igual à presença física das pessoas, dos representantes. Estes têm que ter a capacidade de influir, de se contrapor, o que significa ter informações, ter opinião, na perspectiva da defesa de interesses coletivos. Em outros termos, as representações têm que dominar as condições, os instrumentos, para serem de fato protagonistas, sujeitos da ação, e não meros complementos. Um dos efeitos nocivos da democracia parti- cipativa vivida na Nova República foi a doença do partipacionismo, que terminoutransforman- do o "povo" em coisa que se põe na reunião, na assembléia, etc. O "povo" virou munição para os dirigentes conseguirem verbas nas lutas de orçamento; o "povo" é a moeda para alguns ganharem força. Em outras palavras, o "povo" vira uma presença que preenche espaços, mas que é congelada em sua capacidade de autoria histórica. Sem dúvida, ainda necessitamos de muitos momentos de presença de massa para podermos tocar a sensibilidade das pessoas. A exposição pública e explícita da exclusão faz-se necessária face à trivialização da questão social no Brasil, embora hoje a sociedade-espetáculo já exija manifestações mais elaboradas, como a dos bancários, que, uniformizados ensaiaram uma partida de futebol durante a sua greve. Ou a dos ecologistas, que, em Angra dos Reis, criaram cenas de acidentes automobilísticoscomo forma de protesto. O que se quer salientar é a compreensão da presença popular na política de saúde, na con- dição de uma exercício de democracia direta. O controle social é, a princípio, uma forma de interlocução regulada e institucionalizada quejá tem um considerável grau de aceitação de legitimidade. As novas questões se colocam, portanto, em como se dá esse controle ou em quanto ele se tem tornado um efetivo exercício democrático. Não basta indagar se o controle social melhora os serviços de saúde. Esta maneira de colocar a questão transforma a relação social que se estabelece entre as representações do Estado e da sociedade civil, como espaço de controle social, em um ajuste funcional e burocrático. Talvez uma pergunta melhor fosse: qual o grau de apropriação popu- lar das políticas e ações de saúde a partir do controle social? É interessante, por exemplo, darmo-nos conta do domínio da política de saúde por alguns antigos militantes dos movimentos de saúde. Seguramente, muitos são interlocutores bem mais capacitados do que vários dirigentes. O espaço do controle social, ainda que institu- cionalizado, não é meramente administrativo; é um espaço político que põe em cena interes- ses, imaginários,representações. Este espaço é uma situação de partida, e não de chegada. É neste contexto que se entende que, a prin- cípio, o exercício do controle social é espaço de criação de uma cultura política democrática. Todavia, esta intenção, ou "idéia perspectiva", se defronta não só com a cultura elitista e burocrática dos "animais institucionais", mas também com a tradicional cultura casuística e tutelar, que busca reduzir cada situação a um caso particular. O conceito, que se levantava há pouco, de alteridade, enquanto capacidade de exercício do protagonismo na defesa de interesses que se contrapõem ao estabelecido, passa a ser útil mais para mostrar a sua negação do que a sua afirmação em nossa realidade. Controle Social e a Alteridade Negada O controlesocial, como uma operação quími- ca que mistura vontades e interesses, vai apre- sentar resultados dos mais explosivos aos mais insossos. A alteridade cooptada é um deles e ocorre em dois sentidos: primeiro pela fragilidade da representação que não possui informação e
  • 9. capacidade argumentativa, e, portanto, pouco opina; segundo, pela prática da cumplicidade, que ao incluir o interesse restrito e imediato dos representantes populares, afasta-os da luta pela atenção mais ampla dos representados. Esta questão abre a necessidade de se instalar uma política de informação que não seja mera transmissora, mas polemizadora de questões, equivale dizer, capaz de problematizar, argu- mentar e formar opinião. A alteridade subalternizada, onde a relação é de deferência de quem tem o poder pela "visita que chega". O espaço não é do alter, mas dos "donos do poder". O grande risco é a infantilização, tratando os representantes popu- lares como crianças do pré-primário. Reduzem- -se os assuntos, é retirada a sua complexidade, desproblematizam-se as questões, pois " o povo não iria entender". Na verdade, é a reiteração da cultura elitista, onde o "povo" é visto como ignorante, digno de comiseração. É claro que isto não significa o domínio popular da lingua- gem técnica dos "entendidos". Supõe esta perspectiva a decodificação dos temas em um modo de falar que não provoque o ocultamento das questões. Enfim, ter um programa que traduza para todos entenderem. A alteridade tutelada, uma variante da subalternidade. Esta forma é, em geral, exercida pela tecnoburocracia. Muitos segmentos técni- cos que se entendem identificados com os interesses populares terminam por ocupar o espaço da interlocução para si, criando um vazio de alteridade popular por "advogar a causa" e tomar o lugar do "alter popular". Francisco de Oliveira (1990) salienta que os segmentos médios, através de suas organizações ou de ocupação de espaços nas organizações sindicais e sociais, tendem a se transformar no "superego", ou em um falso alter, do Estado, transformando a oposição menos ideológica e mais programática. Nesta redução burocrática, a vigilância é empobrecida para o controle do "cumprimento de medidas mensuradas pelo metro da competência técnica dos agentes técnicos da não-esfera pública". Estes estilos de relação acabam por consagrar uma democracia conservadora onde os "álteres" ficam numa condição de "quase-sujeitos políti- cos" e não alteram a forma de "regulação truncada", ou caso a caso. Aumenta o número dos que se sentam à mesa, mas ainda não repercute aquilo que se discute à mesa para os representados. Alguns dirigentes consideram ofensivas as reuniões de portas abertas, gravadas, com presença da imprensa, etc. O estilo Juruna, motivo de múltiplas piadas, é, na verdade, a tentativa de proteção ao conchavo, na perspecti- va da direção da regulação caminhar para a esfera pública. A direção de "democracia avançada", no campo do controle social, é, portanto, a intro- dução de mecanismos, estilos e relações que rompam com a cultura casuística. Por sua vez, esta ruptura toca na questão do compromisso com o decidido, como também da garantia de continuidade das decisões. Isto põe dois problemas: a institucionalidade e a com- plexidade das questões. Saúde e Novas Exigências para o Controle Social A luta dos movimentos de saúde, no princípio dos anos 80, marcava a discussão da clara autonomia popular dos conselhos de saúde frente à organização estatal. A questão do reconhecimento do movimento popular como um interlocutor legítimo, devidamente identifi- cado e reconhecido, exigia a presença de um médico, do chefe, nas reuniões do conselho. Era buscado um vínculo na burocracia do Estado que, todavia, não subordinasse a representação popular e a distinguisse dos organismos trans- classistas, como clubes de serviços, lideranças tradicionais instituídas, etc. Conquistado o patamarde interlocutor privile- giado de saúde, o movimento social teve me- lhor caracterizada a sua autonomia. Todavia, o processo decisório interno dos organismos do Estado, das burocracias de saúde, introduziu outras questões, como a democracia interna e a participação de funcionários nas decisões sobre a gestão de saúde. A questão do envolvimento dos trabalhadores de saúde evidentemente traz outros elementos, como, o interesse das corporações, o ponto de vista de quem opera os serviços de saúde, e não só o de quem os dirige. É fato, também, que a produção de serviços de saúde, na perspectiva democrática e de consagração de direitos, passa
  • 10. não só pela cultura política autoritária, tutelar e clientelista de dirigentes, mas dos próprios trabalhadores de saúde. Não basta o avanço virtual da norma em considerar a saúde como direito. A cabeça, o modo de pensar, as representações, o imaginá- rio dos trabalhadores de saúde — estes são os que dão forma a tais direitos à população ao atendê-la no balcão, na consulta ou na portaria. Como prefigurando um "Estado paralelo", é na dinâmica do funcionamento dos serviços que, concretamente, a população vive a relação governo-população e constrói o seu conceito de direito — ou não — à saúde. O direito não se realiza de imediato. A representação do traba- lhador da saúde e de seus interesses é uma mediação que circula na realização concreta do direito. Portanto, a forma de regularização e de normalização da presença popular na gestão de saúde indicou o caminho tripartite, envolvendo os trabalhadores de saúde, os dirigentes e a representação popular. Se, no começo da década de 80, as represen- tações dos movimentos lutavam pelo seu reco- nhecimento como interlocutores das necessida- des populares, ao final da mesma esta luta foi legitimada e "normalizada". Como tal, não é mais inusitada, ou não é uma presença clandes- tina devido à adesão deste ou daquele chefe mais progressista ou mais democrático. Todavia, a indagação é se esta legitimidade deve ser legalizada e institucionalizada e como trabalhar as questões decorrentes de uma possí- vel institucionalização. Uma questão se refere à relação instituído- -instituinte. O movimento social não deve se transformar em uma "personalidade jurídica", sob pena de reduzir sua particularidade e sua capacidade de interlocução a mais uma das "entidades ou organizações sociais". É próprio do movimento a sua capacidade instituinte. Todavia, o Conselho de Saúde, que não é, nem pode ser, o movimento, ainda que deva com ele manter uma relação orgânica, necessita ser institucionalizado a fim de constituir "uma regularidade" no fluxo decisório da instituição. Em outras palavras, necessita constituir um sujeito coletivo regular ou contínuo, com dele- gação de autoridade para poder influir na gestão e produção das políticas de saúde. Esta situação de regularidade traz mudanças nas relações, pois o Conselho, em ação, deve ser a própria construção do espaço democrático, do espaço de influência. O funcionário, que, às vezes, era um "interlo- cutor clandestino", virou "interlocutor oficial". Podemos dizer que o Conselho de Saúde, que era oposição, virou situação. O grande risco nesta nova institucionalidade é o de se transfor- mar em mais uma burocracia. Outra questão da "prova de institucionalidade" poderia ser simplificada destacando-se o seu caráter adjetivo ou substantivo. Em outras palavras, o que se põe em questão é a manipu- lação dos dirigentes em fazer do "espaço de construção democráticopalco dejogos de cenas populistas", e não de efetivos espaços de in- fluência democrática. Não basta criar conselhos, comissões, comi- tês; é necessário estabelecer a forma pela qual estes influenciam as decisões institucionais. Isto significa dizer que o controle social, para ser exercido de fato, precisa não só de infor- mações, mas de regularidades organizacio- nais. Através destas regularidades organizacio- nais, pretende-se colocar em questão o grau de democratização interno das organizações de saúde, que demarca o fluxo do processo decisó- rio e o grau de influência de cada instância ou unidade de organização na gestão institucional. Os momentos de reunião dos conselhos não podem ser simples conversas que não penetram a instituição. É necessário ter claro o canal, ou canais, pelo qual ocorre a interferência na dinâmica da instituição, seja um hospital, uma unidade básica, uma diretoria, uma empresa, etc. Para que o controle social seja, de fato, um espaço de alteridade, é necessário que o espaço institucional onde ele interfere seja, de fato, um espaço de regulação, e, ainda mais, exige-se que a instituição defina sua política de regulação; caso contrário, teremos uma "íntima regulação ad hoc". Um exemplo disto são as situações em que só alguns assuntos é que vão para o Conselho, ou para o território da alteri- dade. Ou, ainda, no difuso sistema decisório da instituição, não fica claro quem é que vai dar
  • 11. conta, na divisão do trabalho institucional, de fazer acontecer aquilo que foi decidido. Afinal, quem faz acontecer o que se discute? O que se quer assinalar é que o controle social, ao provocar a democratização da insti- tuição, provoca, ao mesmo tempo, a necessida- de de que esta torne claro o campo da sua organização interna, sua divisão de trabalho, seus responsáveis. A democracia exige a introdução do planeja- mento. A gestão coletiva e democrática se confronta com a "gestão happening" e casuísti- ca. Ainda que possa parecer aparentementeuma contradição, democracia não combina com laissez-faire. Ela supõe organização, definição de atribuições e de responsabilidades. É possível que tenha ficado mais claro ao movimento discutir e cobrar as ações quando o Estado estava sob governos autoritários, que demarcavam com quem estava o poder, em geral centralizado, do que nos estilos de gestão soft, ou pretensamente democráticos, que, ao diluir a autoridade, por entendê-la autoritária, constróem uma fluidez que não demarca os territórios de decisão. Esta é a falsa descentrali- zação, que desconcentra ações, mas não pode- res. A construção democrática é mais palco de uma relação de conflito do que de consenso, o que não é fácil nem de se admitir nem de se enfrentar. Estas considerações, ainda que pontuais e simplificadas, sobre a institucionalização do controle social já mostram elementos do segun- do problema, posto na ruptura da cultura casuís- tica das organizações prestadoras de serviços públicos: acomplexidade. O que se pretende delinear com o conceito de complexidade é o convívio de múltiplos sujei- tos e interlocutores na construção democrática. Esta interlocução coletiva supõe uma pedago- gia de trabalho pautada no conflito, nos jogos de negociação. Por outro lado, esta complexidade também advém dos múltiplos sujeitos - estatais que operam o sistema de saúde. Uma das decorrências negativas desta multi- plicidade é a prática do jogo do alheio: "isto não é comigo, é com ele", ou com o outro, em geral, o ausente. Compõem este jogo do alheio as outrasduas usuais saídas: mas o "buraco está mais em baixo", ou "é muito complicado". As expli- cações que levam a um grande conformismo e sentimento de incapacidade de mudar. Sem dúvida, as questões conjunturais são reflexos de uma estrutura econômica fundada na profunda e perversa desigualdade econômica e social da realidade brasileira. Todavia, o segre- do está em como tocar a estrutura pela conjun- tura, que é a sua forma concreta, ainda que aparente, onde se pode atuar no cotidiano. No "jogo do empurra"de uma instituição para outra, termina sendo reproduzido o jogo dos guichês da burocracia, que vai irresponsabili- zando os funcionários, um a um. O que se quer chamar a atenção é que o "jogo do alheio" pode ser uma tática de oculta- mento das próprias responsabilidades. A complexidade da construção democrática não pode, todavia, ser uma barreira que acabe por sustentar "o ocultismo" como "religião do poder". O Controle Social em Questão Esta reflexão buscou demarcar alguns pontos sobre o controle social. • Primeiro,o controle social supõe um padrão de representatividade na construção, ope- ração e gestão das políticas sociais, em espe- cifico as de saúde. A representatividade deve ter a capacidade de se contrapor, influir ou assumir efetivamente seu poder de alter. Num jogo de palavras, essa alteridade deve ter poder de fazer alteração, entendida desde barulho até mudança. • Segundo, o controle social deve corrigir as lacunas da democracia representativa, introdu- zindo novos sujeitos democráticos/populares, ampliando, ao mesmo tempo, a democracia política e a democracia social. A forma coletiva como se organizam os movimentos e as representações de saúde permite construir a "idéia — possibilidade" de se superar o exercício da democracia represen- tativa nos limites do Estado de Direito para formas de democracia direta, exercitando a
  • 12. construção popular da democracia, que é uma exigência à sociedade brasileira, tradicionalmen- te autoritária, elitista, paternalista e clientelista no seu estilo de fazer política. • Terceiro, o controle social é a possibilidade de ruptura da "regulação truncada" e espaço possível da constituição dos caminhos da "regu- lação na esfera pública". O controle social é a possibilidade de romper com o caráter privatista, de favorecimento a alguns. É um exercício de trazer as questões e as decisões para mais interlocutores, como já foi dito, para cenas explícitas de negociação. Assim, o controle social, mais do que fiscali- zação, pode constituir espaço de "câmaras de negociação". • Quarto, a relação social fundadora dos espa- ços de controle social deve estabelecer regras — até para serem modificadas no avanço da experiência — que definam espaços de influên- cia. Não se pode ser conivente com a transfor- mação do espaço do controle social em uma continuidade burocrática de reuniões, onde não se tem compromisso com os resultados e efei- tos. O exercício da alteridade supõe, como já dito, causar alteração. • Quinto, o controle social necessita ser institu- cionalizado, tornar-se visível, de modo que alterações em sua continuidade possam tornar- -se públicas. As práticas de tornar públicas as ações e de- cisões para os representados, para a instituição, são fundamentais para ampliar a própria força deste controle. • Sexto, o controle social deve incidir não somente sobre a eqüidade dos resultados, mas também sobre a igualdade do acesso. Como se disse no princípio, o grande risco é transformar a saúde como serviço,esquecendo- se da saúde como direito. Ou transformar o controle social em mecanismo de regulação para os serviços existentes, isolando-o do horizonte do que ainda deve ser feito para garantia do direito à saúde a todos. • Sétimo, o controle social deve dizer respeito aos serviços públicos e privados, como também, e principalmente, às atenções não só aos servi- ços básicos, mas à política de saúde do traba- lhador. Ainda que se traga maior experiência da presença popular nos serviços públicos de saúde, como exigência das lutas sociais, com isto secundarizando as lutas sindicais de saúde do trabalhador e a relação de controle dos serviços privados de saúde, o que, aliás, este documento não conseguiu superar, é necessário abrir este campo de integração de lutas e de experiências de controle social. Postas estas questões, cabem os encaminha- mentos ou a indicação dos aliados possíveis neste processo de ruptura da regulação truncada das políticas sociais, efetivando o direito de fato, ou, como diz Amélia Cohn, a "cidadania ativa na democracia social brasileira" (Cohn, 1991). Alianças e Encaminhamentos Uma das alianças é a que provém do próprio acúmulo do conhecimento, da análise das práticas e das experiências. Aqui, um desta- que para o núcleo Participação e Saúde/ CEDEC, que vem emitindo boletins regulares sobre as conclusões parciais da pesquisa "Cida- dania e Políticas Públicas", que tem por base o caso de São Paulo na gestão 89/92. Outra aliança é a de somar os avanços do controle sindical na luta pela saúde do trabalha- dor com as formas de controle da política de saúde pública. A aliança entre as formas institucionais de controle do governo e de gestão com os movi- mentos sociais, não permitindo a burocratização das questões pelas representações populares instituídas. A aliança da política de saúde com questões mais gerais, tanto no que se refere ao padrão de proteção social do cidadão brasileiro como ao projeto de reforma do Estado, na busca de uma
  • 13. ordem democrática e de uma sociedade justa, pressupõe que se transforme a lógica de regu- lação própria das políticas sociais em mecanis- mos de emancipação de uma ordem social predadora. RESUMO SPOSATI, A. & LOBO, E. Controle Social e Políticas de Saúde. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (4): 366-378, out/dez, 1992. Na história de democratização das políticas de saúde, um dos campos que construiu visibilidade aos movimentos de saúde, quer pela denúncia das "ausências e omissões" dos serviços instalados, quer pela luta no sentido de construir um espaço regular para o exercício do controle nos serviços e nas burocracias da gestão da saúde, foi o controle social da coisa pública. No início da década de 80, a experiência marcante na região leste da cidade de São Paulo foi a de criar os conselhos de saúde como representação popular no controle do Estado. Nesta reflexão, as autoras não pretendem discutir a composição da representação, mas sim avançar para novos problemas. Na conjuntura pós Constituição de 1988, vivemos um novo momento democrático. As leis, a princípio, amparam a participação da população nas políticas de saúde e são defensoras dos direitos sociais. Como, então, é entendido o campo do controle social? Este restringe-se aos serviços de saúde ou é mais ampliado, englobando a política de saúde? Como é que as leis passam da sua formulação para a sua aplicação? Busca-se, no texto, mapear questões que se colocam quando o controle social se orienta para constituir uma pressão pela mudança/alteração da situação. Palavras-Chave: Controle Social; Direito à Saúde; Representação Popular; Dispositivos Constitucionais; Alteridade Negada REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, 1986. Conferência Nacional de Saúde, 8o Relatório Final. Brasília: Ministério da Saúde. , 1988. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil Brasília: Senado Federal. , 1990. Lei no 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a pro- moção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. (Lei que se refere à organização enquanto atribuições e competências das várias instâncias no Sistema Único de Saúde). Diário Oficial, Brasília, 20 de setembro de 1990, p. 18.005-9. COHN, A., 1991. Condições políticas, projetos políticos e construção de estratégia em saúde. Cedec. (Mimeo) , 1982. Pesquisa "Cidadania e Políticas Públicas". Boletins l, 2, 3, 4. Cedec. (Mimeo) COHN, A.; NUNES, E.; JACOBI, P. & KARSCH, U., 1991. A Saúde comoDireito e como Serviço. São Paulo: Cortez. LAZZARINI, M., 1991. Mecanismos de controle social no Código de Defesa do Consumidor. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. (Mimeo.) OLIVEIRA, F., 1990. Os protagonistas do drama: Estado e Sociedade no Brasil. In: Classes e movimentos Sociais na América Latina, (S. Laranjeiras, org.), São Paulo: Hucitec. SÃO PAULO, 1987. Constituição, 1989. Consti- tuição do Estado de São Paulo, 1989.São Paulo: Assembléia Legislativa. VALLA, V. V. & SIQUEIRA, S. A. V., 1989. O centro municipalde saúde e a participação popu- lar. In: DemandasPopulares,PolíticasPúblicas e Saúde, (N. R. Costa; M. C. S. Minayo; C. L. Ramos & E. N. Stotz, orgs.), vol I, pp. 91-115, Petrópolis: Vozes.