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Sobre a autora
Barbara Rogoff é professora de Psicologia do Departamento de Psicologia da Fundação Universi-
dade da Califórnia Santa Cruz (UCFC). É membro do Center for Advanced Study in the Behaáoral
Sciences de Stanford, Kellog Fellow, e Osher Fellow do Exploratorium. Foi editora da revista Human
Development e recebeu o Prémio Scribner da American Educational Research Association, por seu
livro Apprenticeship in Thinking (OUÇ 1990). Trabalhou em uma comunidade maia da Guatemala por
quase três décadas.
R E S P E I T E O A U T O R
NAO F A Ç A C 6 P I A
www.abpdea.org.br
R735n Rogoff, Barbara.
A natureza cultural do desenvolvimento humano / Barbara Rogoff;
trad. Roberto Cataldo Costa. - Porto Alegre : Artmed, 2005.
1. Psicologia do desenvolvimento - Cultura. I. Título.
CDU 159.92:008
Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023
ISBN 85-353-0312-3
A NATUREZA
CULTURAL
DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO
BARBARA ROGOFF
Tradução:
Roberto Cataldo Costa
Constiltoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Marlon Xavier
Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS.
Professor de Psicologia na UNESC.
ARliVED
2005
Obra originalmente publicada sob o título
The Cultural Nature of Human Development
ISBN 0-19-513133-9
© 2003, Barbara Rogoff
A tradução de The Cultural Nature of Human Development, originalmente publicada
em língua inglesa em 2003 por Oxford University Press, Inc., é publicada
por contrato firmado com Oxford University Press, Estados Unidos da América
Capa
Gustavo Demarchi
Preparação do original
Maria Lúcia Barbará
Leitiu-a final
Simone Dias Marques
Supervisão editorial
Mônica Ballejo Canto
Projeto gráfico
Editoração eletrônica
e d i t o g r á f i c a
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Orneias, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070
E proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletronico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
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PRINTED IN BRAZIL
Para Salem, Luisa, Valerie e David,
com gratidão por seu companheirismo e apoio em todos os momentos.
14 Sumário
Algumas regularidades 292
Concluindo com um retomo aos conceitos orientadores 293
Créditos 295
Referências 297
índice 335
1
Conceitos orientadores e formas
de compreender a natureza cultural
do desenvolvimento humano
o desenvolvimento humano é um proces-
so cultural. Como uma espécie biológica, nós,
os seres humanos, somos definidos em termos
de nossa participação cultural. Somos prepara-
dos por nossa herança cultural e biológica para
usar a linguagem e outras ferramentas culturais
e para aprender uns com os outros. Utilizando
meios como a língua e a alfabetização*, pode-
mos conhecer, de forma coletiva, eventos que
não vivenciamos pessoalmente, envolvendo-nos
indiretamente na experiência de outras pessoas
durante muitas gerações.
O fato de sermos humanos implica limites
e possibilidades provenientes de longas históri-
as das práticas humanas. Ao mesmo tempo, cada
geração continua a revisar e a adaptar sua he-
rança cultural e biológica em face das circunstân-
cias em que vive.
Meu objetivo neste livro é contribuir para
a compreensão dos padrões culturais do desen-
volvimento humano através do exame das regu-
laridades que descrevem diferenças e semelhan-
ças nas práticas e tradições das comunidades.
Ao me referir a processos culturais, quero cha-
mar a atenção para as configurações das formas
cotidianas de fazer as coisas, no enfoque que
cada comunidade dá à vida. Concentro-me na
participação das pessoas nas práticas e tradições
culturais de suas comunidades, em lugar de equi-
parar a cultura à nacionalidade ou à etnicidade
dos indivíduos.
Para compreender os aspectos culturais do
desenvolvimento humano, uma meta básica des-
te livro é desenvolver a ideia de que os pessoas
se desenvolvem como participantes das comuni-
dades culturais. Seu desenvolvimento só pode ser
compreendido à luz das práticas e das circunstân-
cias culturais de suas comunidades, as quais tam-
bém mudam.
Até o momento, o estudo do desenvolvi-
mento humano tem se baseado, em grande par-
te, nas pesquisas e nas teorias oriundas das co-
munidades de classe média da Europa e da Amé-
rica do Norte, as quais têm sido utilizadas, mui-
tas vezes, para se fazerem generalizações sobre
todas as pessoas. Muitos pesquisadores chegam
a tirar conclusões extremamente gerais a partir
de trabalhos realizados em um único grupo, afir-
mando que "a criança faz isso ou aquilo" em vez
de "essa criança fez isso ou aquilo."
Por exemplo, grande parte da pesquisa tem
tentado determinar em que idade se deve espe-
*N. de T. A palavra Uteraíy designa a "condição do ser letrado". No Brasil, a palavra é muitas vezes traduzida por
"letramento", ou seja, o processo de aprendizagem de escrita e leitura dentro de uma cultura letrada, influenciado por
suas práticas e demandas sociais. Optamos por "alfabetização" para tornar mais fácil a leitura; no entanto, pedimos ao
leitor que considere tal termo também como "letramento", pois tais processos não são separáveis, uma vez que o proces-
so de aprendizagem de leitura e escrita está sempre influenciado pelas práticas sociais relacionadas à linguagem escrita.
16 Barbara Rogoff
rar que "a criança" tenha determinadas habili-
dades. Em sua maioria, as afirmações têm sido
genéricas, com relação à idade na qual as crian-
ças entram em uma etapa ou deveriam ter de-
terminadas habilidades.
Uma abordagem cultural observa que co-
munidades culturais distintas podem esperar que
as crianças desenvolvam atividades em momen-
tos muito diferentes durante a infância e se sur-
preender com os "calendários" de desenvolvi-
mento de outras comunidades, ou mesmo
considerá-los perigosos. Examine essas questões
sobre quando as crianças podem começar a fa-
zer certas coisas e relatos sobre variações cultu-
rais de quando elas começam:
Quando o desenvolvimento intelectual das
crianças permite que elas sejam responsáveis
por outras? Quando se pode confiar nelas
para que tomem conta de um bebé?
Nas famílias de classe média dos Estados
Unidos, as crianças não costumam ser conside-
radas capazes de tomar conta de si mesmas ou
de outra criança até, talvez, os 10 anos de idade
(ou mais tarde, em algumas regiões). No Reino
Unido, é contra a lei deixar uma criança de me-
nos de 14 anos sem supervisão de adultos
(Subbotsky, 1995). Entretanto, em muitas ou-
tras comunidades no mundo todo, as crianças
começam a assumir responsabilidades pelo cui-
dado de outras em idades que variam dos 5 aos
7 anos (Rogoff et al., 1975, veja a Figura 1.1), e,
em alguns lugares, crianças ainda mais novas
começam a assumir essa responsabilidade. Por
exemplo, entre os kwara'aes, da Oceania,
Crianças de 3 anos trabalham habilmente em
jardins e casas, são excelentes cuidadoras de
seus irmãos menores e habilidosas na interação
social. Embora as crianças pequenas também
tenham tempo para brincar, muitas de suas
funções dessa natureza parecem ser cumpri-
das pelo trabalho. Tanto para crianças quanto
para adultos, o trabalho é acompanhado por
cantos, piadas, brincadeiras verbais e conver-
sas interessantes. Em vez de brincar com bo-
necas, elas tomam conta de bebés de verdade.
Além de trabalhar nos jardins da família, as
crianças pequenas têm os seus próprios. Essa
Figura 1.1
Esta menina maia (Guatemala), de seis anos de ida-
de, é uma cuidadora habilidosa de sua prima, ainda
bebê.
A natureza cultural do desenvolvimento humano 17
atividade pode parecer um brinquedo, mas, aos
3 ou 4 anos, muitas crianças levam produtos
cultivados por elas mesmas para vender nas
feiras, dando assim uma contribuição signifi-
cativa e valiosa à renda familiar. (Watson-
Gegeo, 1990, p. 87)
Em que momento a capacidade de
discernimento e a coordenação das
crianças lhes permitem manusear
facas afiadas com segurança?
Embora os adultos de classe média nos Es-
tados Unidos não costumem confiar em crian-
ças com menos de 5 anos para manusear facas,
entre os efes, da República Democrática do
Congo, os bebés utilizam rotineiramente mache-
tes com segurança (Wilkie, comunicação pesso-
al, 1989; veja a Figura 1.2). Da mesma forma,
bebés fore (Nova Guiné) lidam com facas e fogo
com segurança, já na época em que aprendem a
caminhar (Sotenson, 1979). Pais akas, da África
Central, ensinam bebés de 8 a 10 meses a usar
pequenas lanças, arpões e machados em minia-
tura, com lâminas de metal afiadas.
A formação para a autonomia começa no iní-
cio da infância. Permite-se que os bebés en-
gatinhem ou caminhem para onde quiserem
no acampamento e utilizem suas facas, ma-
cheies, bastões para cavar e potes de argila
dentro do acampamento. Apenas se um bebê
começar a engatinhar em direção ao fogo ou
bater em outra criança é que os pais ou ou-
tros interferirão em sua atividade. Por exem-
plo, não é incomum ver uma criança de 8
meses com uma faca de 20 centímetros cor-
tando os galhos a serem utilizados na estru-
tura da casa de sua família. Aos 3 ou 4 anos
de idade, as crianças akas podem preparar
suas próprias refeições no fogo, e aos 10 anos
têm habilidades de subsistência suficientes
para viver na floresta por conta própria, caso
seja necessário. (Hewlett, 1991, p. 34)
Figura 1.2
Um bebê efe de 11 meses corta uma fruta com habi-
lidade, utilizando um machete, sob o olhar atento
de um parente (naflorestaIturi, República Demo-
crática do Congo).
18 Barbara Rogoff
Assim sendo, em que idade as crianças de-
senvolvem a responsabilidade por outras ou ad-
quirem habilidades e capacidade de discerni-
mento suficientes para lidar com instrumentos
perigosos? "Ah! Claro, depende", poderão dizer
os leitores, depois de fazer algumas suposições
baseadas em sua própria experiência cultural.
De fato, depende.
As variações nas expectativas com relação
às crianças passam a fazer sentido uma vez que
tenhamos levado em conta diferentes circuns-
tâncias e tradições. Elas fazem sentido no con-
texto das diferenças do que está envolvido na
preparação de "uma refeição" ou em "tomar con-
ta" de um bebê, quais as fontes de apoio e os
perigos que são comuns, quem mais está próxi-
mo, qual é o papel dos adultos naquele lugar e
de que forma eles vivem, quais as instituições
que as pessoas utilizam para organizar suas vi-
das, e quais os objetivos da comunidade com
relação ao desenvolvimento até o funcionamen-
to adulto nessas instituições e práticas culturais.
Seja em uma tarefa cotidiana, seja na par-
ticipação em um teste ou experimento de labo-
ratório, o desempenho das pessoas depende
muito das circunstâncias que fazem parte da ro-
tina em sua comunidade e das práticas culturais
às quais elas estão acostumadas. O que elas fa-
zem depende, em aspectos importantes, do sig-
nificado cultural atribuído aos eventos e dos
apoios sociais e institucionais proporcionados em
suas comunidades para aprender e cumprir de-
terminados papéis nas atividades.
A pesquisa cultural tem contribuído com
os estudiosos no exame das teorias baseadas nas
observações em comunidades europeias e euro-
americanas com relação à sua aplicabilidade a
outras circunstâncias. Parte desse trabalho tem
proporcionado contra-exemplos fundamentais,
demonstrando as limitações ou questionando
pressupostos básicos de uma teoria supostamente
capaz de ser aplicada a todas as pessoas, em qual-
quer parte. Entre os exemplos, estão a pesquisa
de Bronislaw Mahnowski (1927), questionando
o complexo de Édipo na teoria de Sigmund
Freud, e os testes interculturais de desenvolvi-
mento cognitivo que levaram Jean Piaget (1972)
a abandonar sua afirmação de que os adolescen-
tes atingem universalmente um estágio "formal
operacional" quando são capazes de testar hipó-
teses sistematicamente (veja Dasen e Heron,
1981).
A importância de se compreenderem pro-
cessos culturais tem ficado clara nos últimos
anos, e foi incentivada pelas transformações
demográficas em toda a América do Norte e na
Europa, que colocam todas as pessoas em maior
contato com tradições culturais diferentes das
suas. Os estudiosos reconhecem agora que com-
preender os aspectos culturais do desenvolvi-
mento humano é importante para resolver pro-
blemas práticos urgentes, bem como para avan-
çarmos no entendimento da natureza do desen-
volvimento humano em termos mundiais. A pes-
quisa cultural é necessária para que se possa
superar generalizações que supõem que o de-
senvolvimento humano funciona em todos os lu-
gares de modo similar ao das comunidades dos
próprios pesquisadores, e para que se possa en-
tender tanto as semelhanças quanto as diferen-
ças entre comunidades.
Compreender as regularidades na nature-
za cultural do desenvolvimento humano é um
objetivo básico deste livro. Observações feitas em
Bora Bora ou Cincinnati podem formar retratos
culturais interessantes e revelar intrigantes di-
ferenças de costumes, mas, mais importante,
podem nos ajudar a discernir regularidades nos
padrões diversificados do desenvolvimento hu-
mano nas diferentes comunidades.
Em busca de regularidades culturais
Para além de demonstrar que "a cultura é
importante", meu objetivo neste livro é integrar
as ideias e pesquisas disponíveis, com vistas a
contribuir para uma compreensão mais ampla
de como a cultura é importante para o desenvol-
vimento humano. Quais regularidades podem
nos ajudar a entender os aspectos culturais do
desenvolvimento? Para entender os processos
que caracterizam o desenvolvimento dinâmico
de indivíduos, bem como suas comunidades cul-
turais em processo de mudança, precisamos iden-
A natureza cultural do desenvolvimento humano 19
tificar regularidades que descrevem as variações
entre comunidades, bem como os impressionan-
tes pontos comuns entre nossa espécie humana.
Embora a pesquisa sobre os aspectos culturais
do desenvolvimento humano ainda seja relati-
vamente esparsa, é hora de irmos além de dizer
simplesmente que "depende", passando a siste-
matizar padrões nas variações e semelhanças das
práticas culturais.
O processo de observar as tradições cultu-
rais pode contribuir para nos conscientizarmos
das regularidades culturais, tanto em nossas pró-
prias vidas quanto nas de outras pessoas, não
importando quais comunidades nos são mais fa-
miliares. A pesquisa cultural pode ajudar-nos a
entender aspectos culturais de nossas vidas, os
quais costumamos considerar naturais, bem
como aqueles que nos surpreendem em outros
contextos.
Por exemplo, a atenção prestada à idade
cronológica e à idade em que se dão os marcos
do desenvolvimento não é questionada por mui-
tos estudiosos do desenvolvimento humano. Con-
tudo, as próprias questões acerca da idade das
transições são baseadas em uma perspectiva cul-
tural, e estão de acordo com instituições cultu-
rais que utilizam o tempo transcorrido desde o
nascimento como medida do desenvolvimento.
Um conjunto de padrões: a classificação
das crianças por idade e sua segregação
dos empreendimentos da comunidade
ou da participação em atividades adultas
Somente após a última metade do século
XIX, nos Estados Unidos e em algumas outras
nações, a idade passou a ser um critério para
organizar as vidas, o que se intensificou no iní-
cio do século XX (Chudacoff, 1989). Com o
surgimento da industrialização e os esforços
para sistematizar serviços como educação e
atendimento médico, a idade se tornou uma
medida de desenvolvimento e um critério para
classificar as pessoas. Instituições especializadas
foram projetadas em função de grupos etários.
A psicologia do desenvolvimento e a pediatria
tiveram início nessa época, junto com as insti-
tuições para idosos e as escolas organizadas por
idade.
Antes disso, nos Estados Unidos (e, mais
uma vez, em muitos lugares), as pessoas rara-
mente sabiam sua idade, e os estudantes avan-
çavam em sua educação à medida que apren-
diam. Tanto os escritos especializados quanto os
populares nos Estados Unidos raramente se re-
feriam a idades específicas, embora, obviamen-
te, houvesse distinção entre primeira infância,
infância e idade adulta. No decorrer do último
século e meio, o conceito cultural de idade e as
práticas associadas à classificação etária passa-
ram a cumprir um papel central, embora muitas
vezes despercebido, na organização das vidas em
algumas comunidades culturais, às quais perten-
cem quase todos os leitores contemporâneos
deste livro.
•A classificação etária acompanhou a cres-
cente segregação das crianças do conjunto das
atividades em sua comunidade, à medida que a
escola se tornou compulsória e que a industria-
lização separou o local de trabalho do lar. Em
vez de se juntar ao mundo adulto, as crianças
passaram a se envolver mais em instituições e
prátícas especializadas estritamente em crianças,
que as preparam para uma inserção posterior na
comunidade.
Posso afirmar que os ambientes voltados
às crianças e as formas nas quais os pais de clas-
se média interagem atualmente com seus filhos
estão intimamente ligados à classificação etária
e à segregação das crianças. Tais ambientes e
práticas de criação de filhos típicos da classe
média também são predominantes na psicolo-
gia do desenvolvimento, conectando-se com idei-
as sobre etapas da vida, processos de pensamento
e aprendizagem, motivação, relações com pares
e pais, práticas disciplinares em casa e na esco-
la, competição e cooperação. Examino essas re-
gularidades culturais ao longo deste livro, por
serem fundamentais para compreender o desen-
volvimento em muitas comunidades.
Um padrão alternativo envolve a integração
das crianças nas atividades cotidianas de suas
comunidades, implicando conceitos e práticas
culturais muito diferentes no desenvolvimento
20 Barbara Rogoff
humano (Rogoff, Paradise, Mejia Arauz, Correa-
Chávez e Angelillo, 2003). As oportunidades
para observar e participar permitem que as crian-
ças aprendam por meio de atenção apurada a
atividades em andamento, em lugar de se basea-
rem em lições fora do contexto da utilização do
conhecimento e das habihdades ensinadas. Den-
tro desse padrão, os relacionamentos das crian-
ças envolvem muitas vezes uma colaboração
entre muitas partes, que se dá em grupos, em
lugar de interações com uma pessoa de cada vez.
Examino essas regularidades, e outras a elas re-
lacionadas, ao longo deste livro.
Outros padrões
Como a pesquisa cultural ainda é bastante
incipiente, o trabalho de descobrir quais as re-
gularidades que podem contribuir para que se
compreendam as semelhanças e as variações
entre diferentes comunidades ainda não está
muito avançado. Todavia, existem várias outras
áreas que parecem envolver regularidades im-
portantes nas práticas culturais.
Um conjunto dessas regularidades está re-
lacionado ao padrão pelo qual se supõe que as
relações humanas exijam organização hierárqui-
ca, com um responsável que controla os outros.
Um padrão alternativo a esse é mais horizontal
em termos de estrutura, com indivíduos sendo
conjuntamente responsáveis pelo grupo. Neste,
os indivíduos não são controlados por outros - a
autonomia individual para a tomada de decisões
é respeitada -, mas também se espera que funci-
onem em sintonia com a direção do grupo. Como
discuto em capítulos posteriores, as questões de
diferenças culturais nas formas de funcionamen-
to do sono, da disciplina, da cooperação, dos pa-
péis de género, do desenvolvimento moral e das
formas de assistência à aprendizagem estão to-
das ligadas a esse conjunto de padrões.
Outros padrões estão relacionados a estra-
tégias para lidar com a sobrevivência. Aspectos
da mortalidade adulta e infantil, escassez ou
abundância de comida e outros recursos, vida
sedentária ou nómade, parecem se vincular a
semelhanças e variações culturais no cuidado e
no víriculo com bebés, papéis familiares, etapas
e objetivos do desenvolvimento, responsabilida-
de das crianças, papéis de género, cooperação e
competição e prioridades intelectuais.
Desenvolvo essas sugestões de padrões de
regularidade e algumas outras no decorrer do U-
vro. Embora a busca das regularidades nos siste-
mas culturais mal tenha começado, ela promete
muito em termos de ajudar a entender as formas
surpreendentes, bem como as que tomamos como
dadas, das comunidades culturais em todo o mun-
do, incluindo a do próprio observador.
Para buscar padrões culturais, é importan-
te examinar como podemos pensar sobre os pa-
péis dos processos culturais e do desenvolvimen-
to individual. Nos primeiros três capítulos, trato
de como se podem conceituar os papéis inter-
relacionados dos processos individuais e cultu-
rais. Na parte seguinte deste capítulo, introduzo
alguns conceitos orientadores importantes sobre
como se pode refletir sobre os papéis dos pro-
cessos culturais no desenvolvimento humano.
Conceitos orientadores para
compreender os processos culturais
Os conceitos orientadores para compreen-
der processos culturais que desenvolvo neste li-
vro se originam na perspectiva sociocultural (ou
cultural-histórica). Essa abordagem ganhou des-
taque nas últimas décadas no estudo de como
as práticas culturais estão relacionadas ao de-
senvolvimento de formas de pensar, lembrar,
raciocinar e resolver problemas (Rogoff e
Chavajay, 1995). Lev Vygotsky, um Hder dessa
abordagem desde o início do século XX, apon-
tou o fato de que as crianças são participantes
culturais em todas as comunidades, vivendo em
uma determinada comunidade, em uma época
específica da história. Vygotsky (1987) afirmou
que, em vez de tentar "revelar a criança eterna",
o objetivo é descobrir "a criança histórica".
Para compreender o desenvolvimento a
partir de uma perspectiva sociocultural-históri-
ca, é necessário examinar a natureza cultural da
vida cotidiana, o que inclui estudar o uso e a
transformação que as pessoas fazem das ferra-
mentas e tecnologias culturais, e seu envolvi-
mento nas tradições culturais dentro das estru-
turas e instituições da vida familiar e nas práti-
cas de comunidade.
Uma compreensão coerente da natureza
cultural e histórica do desenvolvimento huma-
no está surgindo a partir de uma abordagem
interdisciplinar que envolve a psicologia, a an-
tropologia, a história, a sociolingiiística, a edu-
cação, a sociologia e outros campos. Ela se cons-
trói com base em diversas tradições de pesqui-
sa, incluindo a observação participante da vida
cotidiana a partir de uma perspectiva antropo-
lógica, a pesquisa psicológica em situações na-
turais ou restritas ("de laboratório"), os relatos
históricos e as análises detalhadas de eventos
gravados em vídeo. Juntas, a pesquisa e as tra-
dições académicas dos diferentes campos estão
dando à luz uma nova concepção de desenvolvi-
mento humano como um processo cultural.
Para compreender as regularidades nas
variações e similaridades dos processos culturais
do desenvolvimento humano em comunidades
muitos difusas, é importante examinar como
pensamos sobre os processos culturais e sua re-
lação com o desenvolvimento individual. O que
queremos dizer com processos culturais? Como
as pessoas chegam a compreender suas próprias
práticas e tradições culturais, assim como as de
outros? Como podemos refletir sobre as formas
como os indivíduos participam e contribuem para
os processos culturais? De que forma abordamos
a compreensão da relação entre comunidades
culturais e como essas próprias comunidades se
transformam?
Esta parte do livro resume o que chamo de
conceitos orientadores para a compreensão dos
processos culturais, isto é, conceitos para servir
de guia à reflexão sobre como os processos cul-
turais contribuem para o desenvolvimento hu-
mano.
O conceito orientador geral para compre-
ender os processos culturais é minha versão da
perspectiva sociocultural-histórica;
Os seres humanos se desenvolvem por meio
de sua participação variável nas atividades
socioculturais de suas comunidades, as quais
também se transformam.
A natureza cultural do desenvolvimento humano 21
Esse conceito orientador geral oferece as
bases para outros conceitos orientadores visan-
do à compreensão dos processos culturais:
Cultura não é apenas aquilo que outras pessoas
fazem. É comum as pessoas considerarem
a si próprias sem cultura ("Quem, eu? Eu
não tenho!") ou tomar como naturais as
circunstâncias de seu período histórico, a
menos que tenham contato com diversas
comunidades culturais. A experiência cul-
tural ampla nos dá oportunidade de obser-
var a amplitude dos processos culturais nas
atividades e no desenvolvimento humanos
do dia-a-dia, os quais estão relacionados
às tecnologias que usamos, e a nossos va-
lores e tradições institucionais e de comu-
nidade. As práticas de pesquisadores, es-
tudantes, jornalistas e professores são cul-
turais, como o são as práticas de historia-
dores orais, parteiras e xamãs.
A compreensão da própria herança cultural, bem
como de outras comunidades culturais, exi-
ge assumir a perspectiva de pessoas com for-
mação diferente. Os processos culturais mais
difíceis de examinar são aqueles baseados
em pressupostos seguros e não-questiona-
dos, originários das práticas de nossa pró-
pria comunidade. Os processos culturais
cercam a todos nós e muitas vezes envol-
vem eventos e formas de agir sutis, tácitos
e tomados como naturais, que exigem
olhos, ouvidos e mentes abertas para se-
rem percebidos e compreendidos (as crian-
ças são muito atentas à aprendizagem a
partir dessas formas de agir tidas como na-
turais) .
As práticas culturais se ajustam e estão conectadas.
Cada uma delas precisa ser entendida em
relação a outros aspectos da abordagem
cultural. Os processos culturais envolvem
relações multifacetadas entre muitos aspec-
tos do funcionamento em comunidade. Eles
não são apenas um conjunto de variáveis
que operam de forma independente. Ao
contrário, variam juntos, de formas padro-
nizadas. Esses processos têm uma coerên-
22 Barbara Rogoff
cia para além de "elementos" como recur-
sos económicos, tamanho da família, mo-
dernização e urbanização. E impossível re-
duzir as diferenças entre comunidades a
uma ou duas variáveis (ou mesmo a uma
ou duas dúzias delas). Fazê-lo viria a des-
truir a coerência entre as constelações de
características que tornam útil fazer refe-
rências a processos culturais. O que se faz
de uma forma em uma comunidade pode
ser feito de modo diferente em outra, com
o mesmo efeito, e uma prática semelhante
em ambas poderá servir a finalidades dis-
tintas. É essencial compreender de que for-
ma as práticas culturais se ajustam.
As comunidades culturais continuam a se trans-
formar, assim como os indivíduos. A histó-
ria de uma comunidade e suas relações com
outras são parte dos processos culturais.
Além disso, é de se esperar que haja varia-
ções entre membros das comunidades, pois
os indivíduos se conectam de várias formas
com outras comunidades e experiências. A
variação entre comunidades ou no interior
delas é um recurso da humanidade, per-
mitindo que estejamos preparados para
futuros variados e imprevisíveis.
É improvável que exista uma "forma melhor".
Compreender práticas culturais diferentes
não exige a determinação de qual é a for-
ma "correta" (o que não significa que to-
das sejam adequadas). Compreendendo o
que se faz em diferentes circunstâncias,
pode-se estar aberto a possibilidades que
não se excluem necessariamente. Aprender
a considerar a cultura de outras comuni-
dades não exige abrir mão dos próprios há-
bitos; requer, sim, suspender temporaria-
mente os próprios pressupostos para que
se levem em consideração os outros, e se-
parar cuidadosamente as iniciativas para
entender fenómenos culturais daquelas vol-
tadas a julgar seu valor, E fundamental que
se façam algumas suposições sobre os pa-
drões, enquanto se continua a testá-las e
revisá-las com a mente aberta. Sempre há
mais para aprender.
O restante deste capítulo examina como
podemos ir além dos pressupostos que inevita-
velmente cada um de nós traz da própria expe-
riência, passando a ampliar a nossa compreen-
são do desenvolvimento humano para incluir
outras abordagens culturais. Esse processo en-
volve o desenvolvimentom baseado em perspec-
tivas locais, de ideias mais informadas sobre pa-
drões regulares, das seguintes maneiras:
• indo além do etnocentrismo para levar em
consideração perspectivas diferentes;
• refletindo sobre objetivos diversos do de-
senvolvimento;
• reconhecendo o valor do conhecimento,
tanto de membros quanto de não-mem-
bros de determinadas comunidades cul-
turais;
• revisando de forma sistemática e aberta
nossas convenções inevitavelmente locais,
de forma que elas se tornem mais abran-
gentes.
Os dois próximos capítulos tratam de ques-
tões associadas: as formas de conceber a relação
entre processos culturais e individuais, a relação
entre cultura e biologia (afirmando que os seres
humanos são biologicamente culturais) e a ma-
neira de pensar sobre a participação nas comuni-
dades culturais em processo de mudança.
Os capítulos restantes examinam as regu-
laridades na natureza cultural de aspectos do
desenvolvimento, como as relações das crianças
com outras e com seus pais, o desenvolvimento
das habilidades de pensar, lembrar-se e ler, os
papéis de género e as formas que as comunida-
des organizam para que as crianças aprendam.
A Uteratura de pesquisa na qual me baseio nes-
ses capítulos é abrangente, envolvendo métodos
da psicologia, da antropologia, da história e da
sociolinguística, da educação, da sociologia e de
outros campos relacionados. Os diferentes mé-
todos de pesquisa aprimoram-se uns aos outros,
ajudando-nos a adquirir visões mais amplas e
mais profundas acerca da natureza cultural do
desenvolvimento humano. Na escolha de qual
pesquisa incluir, privilegio investigações que
A natureza cultural do desenvolvimento humano 23
parecem estar baseadas em algum envolvimento
íntimo com a vida cotidiana nas comunidades
estudadas, para facilitar a compreensão dos fe-
nómenos à medida que se desenvolvem.
O capítulo que conclui o livro se concentra
na natureza permanentemente variável das tra-
dições culturais, bem como no envolvimento das
pessoas com elas e com sua criação. O capítulo
se dedica particularmente às transformações re-
lacionadas à formação escolar ocidental - que
cada vez permeiam mais as vidas de crianças e
adultos no mundo todo - para examinar proces-
sos culturais dinâmicos que constroem novas
formas, assim como se desenvolvem a partir de
tradições culturais.
Indo além dos pressupostos iniciais
Dificilmente os peixes descobririam a
existência da água.
(Kluckhohn, 1949, p. 11)
Da mesma forma que o peixe não tem cons-
ciência da água até que a tenha debcado, as pes-
soas muitas vezes tomam as formas de fazer as
coisas em sua comunidade como algo natural. O
envolvimento com pessoas cujas práticas diferem
daquelas de nossa própria comunidade pode nos
tornar cientes de aspectos do funcionamento hu-
mano que não são observáveis até que estejam
ausentes ou organizados de forma diferente
(LeVine, 1966). "A parte mais valiosa do trabalho
comparativo em outra cultura [é] a chance de ser
abalado por ela e a experiência de lutar para
compreendê-la" (Goldberg, 1977, p. 239).
As pessoas que se inserem em comunidades
diferentes das suas próprias muitas vezes vivenciam
o "choque cultural". Seus novos ambientes funcio-
nam de determinadas maneiras que entram em
conflito com aquilo que elas sempre supuseram, e
pode ser desconcertante refletir sobre as próprias
formas culturais como uma opção, em vez de algo
"natural". Um ensaio sobre o choque cultural ilus-
tra essa noção ao descrever a descoberta de pres-
supostos por parte de viajantes do hemisfério norte:
Pressupostos são aquelas coisas que você não
sabe que está fazendo, razão pela qual é tão
desconcertante a primeira vez em que você tira
a tampa de um ralo na Austrália e vê a água
descendo pelo buraco em uma espiral no sen-
tido inverso. As próprias leis da física estão lhe
dizendo o quanto você está longe de casa.
Na Nova Zelândia, mesmo os números no dis-
co telefónico estão no sentido anti-horário, o
que nada tem a ver com as leis da física: eles
simplesmente fazem diferente lá. O choque é
que nunca lhe havia ocorrido que houvesse ou-
tra forma de fazê-lo. Na verdade, você jamais
chegou a pensar sobre o assunto, e, de uma
hora'para a outra, aU está: diferente. O chão
escorrega de baixo dos seus pés. (Adams e
Carwardine, 1990, p. 141)
Mesmo sem estarmos imersos em outro sis-
tema cultural, as comparações dos hábitos cul-
turais podem criar desconforto entre pessoas que
nunca haviam refletido sobre os pressupostos de
suas próprias práticas culturais. Muitos indiví-
duos sentem que os hábitos de sua própria co-
munidade estão sendo questionados quando co-
meçam a aprender sobre os hábitos distintos de
outros grupos.
Um autor americano de origem indígena
afirmou que as comparações dos hábitos cultu-
rais - necessárias para que se possam compreen-
der os processos culturais - podem ser vivenciadas
como um desafio desconfortável por pessoas acos-
tumadas a apenas um sistema cultural:
Esses contrastes e essas comparações tendem
a polarizar as pessoas, fazendo-as sentir-se ata-
cadas ou excluídas, porque todos nós tende-
mos a considerar as comparações como julga-
mentos (...) As comparações são inevitáveis e,
portanto, também o é o viés cultural que todos
nós promovemos como parte de nossa heran-
ça. (Highwater, 1995, p. 214)
Um de meus objetivos neste livro é separar
os julgamentos de valor da compreensão das
várias formas pelas quais os processos culturais
funcionam no desenvolvimento humano. A ne-
cessidade de evitarmos conclusões precipitadas
sobre a adequação das atitudes de outras pesso-
as fica muito clara na pesquisa cultural, e é o
tema da próxima parte.
24 Barbara Rogoff
Muitas vezes, também é necessário suspen-
der o julgamento para compreendermos nossos
próprios hábitos culturais. As pessoas supõem,
por vezes, que o respeito pelos hábitos de outras
implica criticar ou entrar em conflito com os seus
próprios. Portanto, quero enfatizar que o objeti-
vo é compreender os padrões das diferentes co-
munidades culturais, separando a compreensão
dos padrões do julgamento de seu valor. Se os jul-
gamentos de valor são necessários, como é o caso
muitas vezes, eles serão, assim, muito melhor
informados se forem suspensos por tempo sufi-
ciente para que se adquira alguma compreen-
são dos padrões envolvidos em nossos próprios
hábitos, bem como nos de outras comunidades,
por vezes surpreendentes.
Para além do etnocentrismo
e dos modelos de déficit
As pessoas costumam considerar as práti-
cas de outras comunidades como bárbaras, su-
pondo que a perspectiva de sua comunidade so-
bre a reahdade é a única adequada, sensata ou
civilizada (Berger e Luckmann, 1966; Campbell
e LeVine, 1961; Jahoda e Krewer, 1997). Por
exemplo, os antigos gregos promoviam sua pró-
pria identidade cultural desvalorizando as pes-
soas de idiomas, costumes e concepções da natu-
reza humana diferentes (Riegel, 1973). Na ver-
dade, a palavra bárbaro deriva do termo grego
para "estrangeiro", "rude" e "ignorante" (Skeat,
1974). (E também é a origem do nome Barbara!)
O termo era aplicado a tribos vizinhas que fala-
vam línguas ininteKgíveis para os gregos, que es-
cutavam apenas "bar-bar" quando estes falavam:
Para além das áreas civilizadas fundamentais,
ficavam as terras dos bárbaros, vestidos com pe-
les, de maneiras rudes, glutões, imprevisíveis e
de disposição agressiva, não aceitando seguir a
lei, as regras e a religião(...) não totalmente hu-
manos, porque não habitavam as cidades, onde
a única vida verdadeira e maravilhosa poderia
ser vivida, e porque pareciam não dispor de lin-
guagem articulada. Eles eram barbaraphonoi, fa-
lantes de bar-bar (Homero, Ilíada, 2.867) e, na
visão de Aristóteles, isso os tomava escravos e
marginais naturais. (Wolf, 1994, p. 2)
Impor o julgamento de valor da própria
comunidade sobre as práticas culturais de ou-
tra, sem compreender de que forma essas práti-
cas fazem sentido naquela comunidade, é
etnocêntrico. O etnocentrismo diz respeito a fa-
zer julgamentos segundo os quais os hábitos de
uma outra comunidade cultural são imorais, não-
inteligentes ou inadequados, com base na pró-
pria origem cultural, sem levar em conta o senti-
do e as circunstâncias dos eventos naquela comu-
nidade. As práticas e as crenças de outra comu-
nidade são avaliadas como inferiores, sem se
considerarem suas origens, seu sentido e suas
funções a partir da perspectiva daquela comuni-
dade. É uma questão de prejulgar sem conheci-
mento adequado.
Por exemplo, é comum considerar a boa
paternidade/maternidade em termos oriundos
das práticas da própria comunidade cultural do
observador. Carolyn Edwards (1994) caracteri-
zou os valores contemporâneos da classe média
dos Estados Unidos com relação à educação de
filhos (tanto de pais quanto de especialistas no
assunto) nos seguintes termos:
A hierarquia é anátema; enfaticamente, não
se deve permitir que crianças mais velhas do-
minem as mais novas, o raciocínio e a negoci-
ação verbais devem prevalecer, sempre se de-
vem apresentar escolhas às crianças e a puni-
ção física é considerada como o primeiro pas-
so para o abuso infantil. Todas as ideias
entrelaçadas representam um sistema de sig-
nificados (Edwards, 1994, p. 6).
Edwards indicou que, em outras comuni-
dades, nem todos os componentes desse siste-
ma de significados são encontrados. Se uma mãe
no Quénia diz: "pare com isso ou vou bater em
você", isso não significa a mesma coisa que se a
declaração viesse de uma mãe norte-americana
de classe média, de origem europeia. Em um
ambiente no qual as pessoas precisam de uma
certa rusticidade física e mental para ter êxito
(em função dp trabalho físico pesado, da pronti-
dão para a guerra, das longas marchas com ci-
clos de fome), o uso ocasional de castigos físicos
tem um significado bastante diferente do que
A natureza cultural do desenvolvimento humano 25
em um ambiente no qual o conforto físico é
muitas vezes tido como natural. Em compara-
ção, uma mãe queniana não cogitaria negar a
comida a seus filhos como punição: "para ela, o
que as mães americanas fazem (no melhor inte-
resse de seus filhos), a saber, limitar a ingestão
de comida dos filhos e os privar da comida deli-
ciosa, disponível e desejada, seria terrível,
impensável, quase um abuso infantil!" (Edwards,
1994, p. 6-7). Vistos de fora de cada sistema de
significados, ambos os conjuntos de práticas po-
dem ser julgados como inadequados, ao passo
que, se vistos de dentro, fazem sentido.
Desde o século XVIII, os estudiosos têm os-
cilado entre o modelo de déficit - os "selvagens"
não possuem razão nem ordem social - e uma
visão romântica do "nobre selvagem" vivendo no
estado natural harmonioso, não degradado pelas
restrições da sociedade (Jahoda e Krewer, 1997).
Ambos os extremos tratam as pessoas de comuni-
dades culturais que não aquelas do observador
como estranhos a ser repreendidos (ou de quem
se deve ter compaixão), por um lado, ou a ser
venerados intensamente, por outro.
Tais modelos ainda vigoram entre nós. Um
exemplo do modelo de déficit surge em um re-
latório baseado em uma semana de trabalho de
campo entre os yolngus, uma comunidade aborí-
gine da Austrália, o qual chegou à seguinte con-
clusão:
Os seres humanos podem continuar existindo
i'.m níveis muito reduzidos de desenvolvimen-
to cognitivo. Tildo o que precisam fazer é re-
rroduzir-se. Os yolngus não são, evidentemen-
te, em minha opinião, um grupo extremamen-
te avançado.
Mas não se questiona muito o fato de que a
cultura euro-americana é amplamente superi-
or em sua flexibilidade, sua tolerância à varie-
dade, seu pensamento científico e seu interes-
se nas possibilidades emergentes a qualquer
sociedade primitiva existente. (Hippler, citado
e criticado por Reser, 1982, p. 403)
Por muitos anos, os pesquisadores têm com-
parado pessoas negras nos Estados Unidos com
euro-americanos, utihzando um modelo de dé-
ficit no qual a forma de educação e as habilida-
des destes têm sido consideradas como "nor-
mais". As variações de outras comunidades têm
sido consideradas aberrações ou déficits, e se têm
projetado programas de intervenção para com-
pensar as "privações culturais" das crianças. (Ver
as discussões dessas questões em Cole e Bruner,
1971; Cole e Means, 1981; Deyhle e Swisher,
1997; Garcia Coll, Lamberty, Jenkins, McAdoo,
Crnic, Wasik e Garcia, 1996; Hays e Mindel,
1973; HiUiard e Vaughn-Scott, 1982; Howard e
Scott, 1981; McLoyd e Randolph, 1985;
McShane e Berry, 1986; Moreno, 1991; Ogbu,
1982; Valentine, 1971.)
Crianças e adolescentes negros têm sido retra-
tados, muitas vezes, como "problemas" que dis-
secamos e analisamos com os instrumentos pre-
tensiosamente objetivos e imparciais de nosso
ofício (...) Utilizando uma amostra de brancos
como "controle", [a pesquisa] passa a conduzir
análises comparativas (...) Começando pelo
pressuposto de imi problema, buscamos as di-
ferenças, as quais, concluímos, servem como
prova de que o problema existe. (Cauce e
Gonzales, 1993, p. 8)
Separando os julgamentos
de valor das explicações
Para compreender o desenvolvimento, é
útil separarmos os julgamentos de valor das ob-
servações dos eventos. E importante que se exa-
minem o significado e as funções dos eventos
para a estrutura cultural e os objetivos locais,
evitando deliberadamente a imposição arbitrá-
ria dos próprios valores a um outro grupo.
A interpretação da atividade das pessoas sem
levar em consideração seu sistema de significa-
dos e objetivos toma as observações desprovidas
de sentido. Precisamos compreender a coerência
daquUo que as pessoas de outras comunidades
fazem, em lugar de simplesmente determinar que
alguns gmpos de pessoas não fazem o que "nós"
fazemos, ou não o fazem tão bem, ou da forma
que fazemos, ou tirar conclusões precipitadas de
que suas práticas são bárbaras.
Para reduzir o etnocentrismo, não é neces-
sário evitar julgamentos de valor (informados)
ou esforços para realizar transformações. Não
26 Barbara Rogoff
precisamos abrir mão de nossos hábitos para nos
tornarmos mais semelhantes a pessoas de outra
comunidade, e tampouco proteger as comuni-
dades da mudança. Se quisermos ir além da ideia
de que uma forma de agir é necessariamente
melhor, podemos considerar as possibilidades de
outras, buscando compreender como funcionam
e as respeitando em seu tempo e espaço. Isso
não significa que todas as formas sejam boas -
muitas práticas de comunidade são objetáveis.
Meu argumento é que os julgamentos de valor
devem ser bem-informados.
As pessoas comuns estão constantemente
tomando decisões que têm impacto sobre outras;
se elas vêm de comunidades diferentes, é essen-
cial que os julgamentos sejam informados pelo
significado das ações das pessoas dentro dos
objetivos e práticas de sua própria comunidade.
Um exemplo trágico das consequências da
incompreensão etnocêntrica - fazer julgamen-
tos não-informados - é a descrição do problema
médico enfrentado por uma criança hmong na
Califórnia, quando os pressupostos e os padrões
de comunicação do sistema de saúde dos Esta-
dos Unidos eram incompatíveis com os de sua
família e de sua comunidade familiar (Fadiman,
1997). Os pressupostos culturais não-questiona-
dos dos trabalhadores em saúde contribuíram
para a deterioração do tratamento da criança.
A diversidade das formas culturais em um
país e no mundo constitui um recurso para a
criatividade e o futuro da humanidade. Assim
como ocorre com a importância de apoiarmos a
diversidade das espécies para continuar a adap-
tação da vida à mudança nas circunstâncias, a
diversidade das formas culturais é um recurso
que protege a humanidade da rigidez das práti-
cas que poderiam ameaçar as espécies no futuro
(veja Cajete, 1994). Somos incapazes de prever
as questões que a humanidade deverá enfren-
tar, de forma que não podemos ter certeza de
que qualquer forma de abordar as questões hu-
manas continuará a ser eficaz. Nas práticas e vi-
sões de mundo de diferentes comunidades, es-
tão ideias e práticas que podem ser importantes
para lidar com os desafios que nos esperam. Uma
cultura humana uniforme limitaria as possibili-
dades de tratarmos com eficácia as necessida-
des futuras. Assim como a cura para alguma
doença fatal pode estar em uma mistura feita
com folhas em uma floresta tropical, o conheci-
mento e as habilidades de uma pequena comu-
nidade distante (ou vizinha à nossa) podem pro-
porcionar a solução para outras enfermidades
do presente ou do futuro. Embora as burocraci-
as sejam desafiadas pela variedade e se sintam
confortáveis com a uniformidade, a vida e a
aprendizagem dependem da presença de impro-
visações diversas.
Os objetivos variados
do desenvolvimento
Para ir além do próprio sistema de pressu-
postos, é fundamental reconhecer que os objeti-
vos do desenvolvimento humano - aquilo que
se considera como maduro ou desejável - vari-
am consideravelmente segundo as tradições e
as circunstâncias culturais das diferentes comu-
nidades.
As teorias e a pesquisa sobre desenvolvi-
mento humano costumam revelar um pressupos-
to de que ele avança (e deveria avançar) rumo a
um único ponto final de maturidade desejável.
Quase todas as "grandes teorias" conhecidas do
desenvolvimento especificam uma única traje-
tória evolutiva, rumo a um ápice semelhante aos
valores da comunidade dos próprios teóricos ou,
mais ainda, de sua própria trajetória de vida. Por
exemplo, os teóricos que são extremamente le-
trados e passaram muitos anos na escola costu-
mam considerar essa cultura e as formas de pen-
sar e agir ligadas à escola euro-americana como
sendo centrais para os objetivos do desenvolvi-
mento bem-sucedido, e mesmo como definidores
de uma evolução cultural "superior" de socieda-
des inteiras.
Ideias de evolução cultural linear
A ideia de que as sociedades se desenvol-
vem ao longo de uma dimensão que vai do pri-
mitivo até "nós" infesta, há muito tempo, o pen-
samento relacionado aos processos culturais. Um
exemplo claro aparece numa carta a um amigo.
A natureza culmral do desenvolvimento humano 27
escrita por Thomas Jefferson, no início do sécu-
lo XIX:
Que um observador filosófico dê início a uma
jornada, partindo dos selvagens das Montanhas
Rochosas, rrnno ao nosso litoral, no sentido les-
te. A estes, ele observaria no estágio primeiro
da associação, vivendo sem qualquer lei que
não a da natureza, subsistindo e se cobrindo
com a carne e a pele de bestas selvagens. A
seguir, encontraria aqueles que vivem em nos-
sas fronteiras no estado pastoral, criando ani-
mais domésticos para suprir as deficiências da
caça. Então viriam nossos próprios cidadãos
semibárbaros, os pioneiros do avanço da civi-
lização e, sucessivamente, ele encontraria as
matizes graduais do homem em processo de
aperfeiçoamento, até que atingisse o seu esta-
do mais avançado, até agora, em nossas cida-
des portuárias.. Isso, na verdade, equivale a
uma pesquisa, no tempo, sobre o progresso do
homem, da infância da criação até os dias de
hoje. (Pearce, citado em Adams, 1996, p. 41)
O pressuposto de que a evolução social pro-
gride rumo a uma diferenciação crescente da vida
social - a partir da simplicidade "atrasada" dos
povos "primitivos" - é o legado do pensamento
intelectual do final do século XIX e início do sé-
culo XX (Cole, 1996; Jahoda, 2000; Shore,
1996). Por exemplo, em 1877, o evolucionista
cultural Lewis Henry Morgan propôs sete está-
gios de progresso humano: selvageria inferior,
selvageria média, selvageria superior, barbaris-
mo inferior, barbarismo médio, barbarismo su-
perior e civihzação. A sociedades eram situadas
na escala segundo uma série de atributos. A
monogamia e a família nuclear, a agricultura e a
propriedade privada eram especialmente impor-
tantes a essa ideia de caminho rumo à civiliza-
ção, como base da organização económica e so-
cial (Adams,1996).
A elaboração académica da ideia de evolu-
ção cultural linear ocorreu durante a mesma
época em que surgiram as disciplinas da psico-
logia, da antropologia, da sociologia e da histó-
ria, subdividindo os tópicos da investigação mais
ampla. Como observou Michael Cole (1996), era
também o período em que as grandes estruturas
burocráticas cresciam para dar conta da educa-
ção (nas escolas) e da atividade económica (nas
fábricas e organizações industriais). Também
durante essa época, a influência europeia atin-
gia seu pico na Áfi-ica, na Ásia e na América do
Sul; na América do Norte, grandes fluxos de
imigrantes da Europa inundavam as crescentes
cidades, fugindo da pobreza em seus países de
origem e se juntando a americanos da zona ru-
ral em busca de promessas nas cidades dos Esta-
dos Unidos.
O sistema da escola formal "ocidental," de
base europeia, era considerado como um instru-
mento fundamental para civilizar aqueles que
ainda não haviam "avançado para essa etapa".
Os políticos falavam da escola como forma de
acelerar o processo evolutivo (Adams, 1996). Nas
palavras do comissário de educação dos Estados
Unidos, William Torrey Harris, na década de
1890:
Será que deveríamos dizer aos povos tribais que
eles não devem atingir essas coisas mais eleva-
das, a menos que passem por todas as etapas
intermediárias, ou podemos lhes ensinar dire-
tamente essas coisas superiores, e os salvar do
lento avanço das eras? À luz da educação cris-
tã, dizemos que há um método de avanço rápi-
do, A educação assumiu um grande poder em
nossas mãos, e acreditamos que podemos ago-
ra, em seu nome, salvar-lhes de muito daquilo
por que a raça branca teve de passar, Observem
o feudalismo. Observem a etapa da comunida-
de de aldeia (,..) Tivemos nossas atribulações
com elas. Mas dizemos para as raças inferiores:
podemos ajudá-los a sair disso. Podemos ajudá-
los a evitar as etapas imperfeitas que se suce-
dem rumo ao nosso nível. Dêem a nós vossos
filhos e os educaremos no jardim de infância e
em nossas escolas. Dar-lhes-emos as letras e os
tornaremos conhecedores da página impressa.
(Citado em Adams, 1996, p. 43)
O pressuposto de que as sociedades se de-
senvolvem de forma linear, do primitivo ao avan-
çado, sobreviveu até a segunda metade do sécu-
lo XX (Cole, 1996; veja, também, Latouche,
1996). Quando, após a Segunda Guerra Mundial,
a ONU planejou o "desenvolvimento" econômi-
28 Barbara Rogoff
CO e político para os impérios coloniais que ha-
viam ganhado a independência, o objetivo era
tomá-los mais "desenvolvidos" (em um sentido
unidirecional, semelhante às tentativas anterio-
res de tomá-los mais "civilizados"). O sistema
escolar formal foi uma ferramenta fundamen-
tal. Modelado segundo as escolas europeias ou
norte-americanas, espalhou-se por todos os an-
tigos impérios coloniais para "resgatar" as pes-
soas da pobreza e da ignorância e trazê-las para
maneiras de viver "modernas".
Para além dos pressupostos de um único
objetivo para o desenvolvimento humano
Pressupostos sobre o que é desejável para o
desenvolvimento humano com base em nossa
própria vida são muito difíceis de ser detectados
por parte de pesquisadores e teóricos, em função
da semelhança em suas origens (sendo, até re-
centemente, quase que exclusivamente homens
com alto nível de escolaridade da Europa e Amé-
rica do norte). Como apontou Ulric Neisser
(1976), definições autocentradas de inteligência
formam a base dos testes de intehgência:
Os académicos estão entre os mais vigorosos
defensores da noção de inteligência (...) Os tes-
tes parecem tão obviamente válidos para nós,
que somos membros da comunidade académi-
ca (...) Não há dúvida de que a Intehgência
Académica é realmente importante para o tipo
de trabalho que fazemos. Escorregamos com
facilidade para a crença de que é importante
para todo o tipo de trabalho significativo (...)
Dessa forma, os académicos acabam concen-
trando suas atividades profissionais em uma
determinada qualidade pessoal, como exempli-
ficado em um certo conjunto de habilidades. A
seguir, avançamos para definir a qualidade em
termos desse conjunto de habilidades e finali-
zamos afirmando que as pessoas que carecem
dessas habilidades especiais são ignorantes em
absoluto.
Hordas de pesquisadores e teóricos fora de
suas próprias comunidades culturais e uma cres-
cente comunicação entre indivíduos que cresce-
ram entre as tradições de mais de uma comuni-
dade têm ajudado os estudos a avançarem para
além desses pressupostos etnocêntricos. A pes-
quisa e a teoria atualmente prestam mais aten-
ção às formas como os objetivos de diferentes
comunidades se relacionam aos ideais de desen-
volvimento das crianças (veja Super e Harkness,
1997).
Por exemplo, a pesquisa cultural tem cha-
mado a atenção para as variações na relevância
de habihdades de alfabetização ou pré-alfabeti-
zação em diferentes comunidades. Em uma co-
munidade na qual essa habilidade é fundamen-
tal para a comunicação e o sucesso económico
na idade adulta, estudantes em nível de pré-es-
cola podem precisar apreender a distinguir en-
tre cores e formas de pequenas marcas de tinta.
Entretanto, se a alfabetização não for central às
práticas de uma comunidade, a habilidade das
crianças pequenas para detectar variações em
rabiscos de tinta pode ter pouca relevância.
Da mesma forma, se a alfabetização cum-
pre funções religiosas importantes, os adultos
poderão inculcar sua relevância em crianças pe-
quenas (veja a Figura 1.3). Por exemplo, nas
comunidades judaicas da Europa no início do
século XX, o primeiro dia de escola de um meni-
no envolvia uma grande cerimónia que transmi-
tia o caráter sagrado e atrativo do estudo
(Wozniak, 1993). O pai do menino o levava até
a escola coberto por um xale de oração para que
ele não visse qualquer coisa profana no cami-
nho, e, na escola, o rabino escrevia o alfabeto
em mel sobre uma lousa, enquanto outros adul-
tos jogavam doces sobre a criança, dizendo que
os anjos o haviam feito, para que ele gostasse de
estudar.
Formas de falar associadas à escola são
valorizadas em algumas comunidades, mas não
em outras, e as crianças adquirem habilidade no
uso do estilo narrativo valorizado por sua comu-
nidade (Minami e McCabe, 1995; Mistry, 1993a;
ScoUon e ScoUon, 1981; Wolf e Headr, 1992).
Por exemplo, o estilo narrativo utilizado nas ati-
vidades chamadas de "compartilhar o tempo"
(mostrar algo e contar uma história) por crianças
afro-americanas envolve muitas vezes a elabo-
ração de temas em episódios conectados, ao pas-
so que o estilo narrativo utilizado por crianças
euro-americanas poderá empregar descrições ri-
gidamente estraturadas, centradas em um único
tópico, que se aproximam mais dos estilos literá-
rios que os professores dos Estados Unidos que-
rem estúnular (Michaels e Cazden, 1986). Quan-
do se apresentam a adultos euro-americanos nar-
rativas das quais foram suprimidas as informa-
ções relacionadas aos grupos a que as crianças
pertencem, eles avaliam o estilo das crianças euro-
americanas como sendo mais habilidoso e
indicativo de uma maior chance de sucesso na
leitura. Em comparação, os adultos afro-ameri-
canos consideram as narrativas das crianças afro-
americanas mais bem-informadas e indicadoras
das habilidades de linguagem e probabilidade de
sucesso na leitura. O julgamento dos adultos re-
fletia sua apreciação do uso, pelas crianças, de
roteiros culturais compartilhados que especificam
aquilo que é interessante de ser contado e como
estmturá-lo (Michaels e Cazden, 1986).
Um foco na alfabetização ou nos estilos
discursivos promovidos nas escolas pode não ter
tal importância em alguns ambientes culturais
em que talvez seja mais relevante para as crian-
ças aprender a prestar atenção às nuanças dos
A natureza cultural do desenvolvimento humano 29
m
i
padrões do clima ou indicações sociais com re-
lação às pessoas ao seu redor, usar palavras de
forma inteligente em duelos verbais, ou compre-
ender a relação entre eventos humanos e sobre-
naturais. A resposta dos índios das Cinco Nações
da Liga dos Iroqueses a um convite feito, em
1744, pelos Comissários do estado norte-ameri-
cano da Virgínia, para que enviassem meninos
ao William and Mary CoUege, ilustra as diferen-
ças entre seus objetivos:
Os senhores, que são sábios, devem saber que
nações diferentes têm concepções distintas a
respeito das coisas e, portanto, não levarão a
mal se nossas ideias acerca desse tipo de edu-
cação não forem iguais às suas. Tivemos algu-
mas experiências com isso; vários de nossos
jovens foram educados no passado em facul-
dades nas províncias do norte; eles foram ins-
truídos em todas as suas ciências, mas quando
voltaram a nós (...) [eram] ignorantes com re-
lação a todas as formas de viver na floresta
(...) não estavam preparados para ser caçado-
res, guerreiros ou conselheiros; eram totalmen-
te inúteis. Contudo somos muito gratos por sua
generosa oferta (...) e para demonstrar nossa
gratidão, se os cavaleiros da Virgínia quiserem
30 Barbara Rogoff
enviar uma dúzia de seus filhos, cuidaremos
muito bem de sua educação e os instruiremos
em tudo o que sabemos e faremos deles ho-
mens. (Citado em Drake, 1834)
Um exemplo mais contemporâneo das di-
ferenças nos objetivos vem de mães da Africa
Ocidental que haviam emigrado há pouco tem-
po para Paris. Elas criticavam o uso que os fran-
ceses faziam de brinquedos para ensinar algo aos
bebés sobre o futuro, dizendo que isso os cansa-
va e preferiam apenas deixar que os bebés brin-
cassem, sem fatigá-los (Rabain Jamin, 1994).
Parte de sua crítica também estava relacionada
a uma preocupação de que esse foco nos objetos
causasse empobrecimento da comunicação e iso-
lamento (de forma muito semelhante aos pais
de classe média nos Estados Unidos que expres-
sam preocupação sobre o impacto negativo dos
videogames). Essas mães africanas pareciam
priorizar a inteligência social sobre a tecnológica
(Rabain Jamin, 1994). Elas respondiam mais
frequentemente à ação social de seus bebés de
10 a 15 meses, e menos às iniciativas com rela-
ção aos objetos, que as mães francesas. As afri-
canas muitas vezes estruturavam a interação com
seus bebés em tomo de outras pessoas, ao passo
que as francesas concentravam a interação na
exploração de objetos inanimados (veja, tam-
bém, Seymour, 1999). Quando acontecia de a
interação se concentrar nos objetos, as mães afri-
canas enfatizavam suas funções sociais, tais como
o aprimoramento dos relacionamentos sociais
por meio do compartilhamento, em lugar do uso
de objetos ou de esquemas de ação.
A priorização dos relacionamentos sociais
também acontece nas comunidades dos Apalaclies,
nos Estados Unidos, nas quais os compromissos
com outras pessoas costumam prevalecer sobre a
finalização da escola. Quando membros da famí-
lia ou vizinhos passam por tempos difíceis, os
jovens dos Apalaches muitas vezes deixam o
ensino médio para ajudar a resolver as coisas
(Timm e Borman, 1997). A solidariedade social
é valorizada acima da realização individual. A
demanda de parentes e vizinhos geralmente pre-
valece, e assim tem sido durante gerações.
Em cada comunidade, o desenvolvimento
humano é orientado por objetivos locais, que
priorizam aprender a funcionar no âmbito das
instituições e tecnologias culturais da comuni-
dade. Os adultos priorizam os papéis e as práti-
cas adultas de suas comunidades, ou das comu-
nidades que visuaUzam para o futuro, e as ca-
racterísticas pessoais consideradas como apro-
priadas a papéis adultos (Ogbu, 1982) (obvia-
mente, grupos diferentes podem se beneficiar da
aprendizagem com outros, e muitas vezes as pes-
soas participam de mais de uma comunidade cul-
tural - assuntos que serão abordados posterior-
mente neste livro).
Embora se deva reconhecer a variação cul-
tural nos objetivos de desenvolvimento, isso não
significa que cada comunidade tenha um con-
junto único de valores e objetivos. Existem re-
gularidades entre as variações. Meu argumento
é o de que a ideia de um único "resultado" dese-
jável de desenvolvimento precisa ser descartada
por ser etnocêntrica.
Na verdade, a ideia de um "resultado" de
desenvolvimento é originária de uma forma es-
pecífica de enxergar a infância: como prepara-
ção para a vida. Ela pode estar relacionada à se-
paração das crianças de atividades importantes
em sua comunidade, que aconteceu a partir da
industrialização em algumas sociedades (discu-
tida em capítulos posteriores). O tratamento da
infância como uma época de preparação para a
vida difere do modo de vida das comunidades
nas quais as crianças participam de atividades
adultas locais, não sendo segregadas da vida dos
mais velhos e situadas em ambientes preparató-
rios especializados, tais como as escolas.
Para aprendermos a partir de comunida-
des que não as nossas, e acerca delas, precisa-
mos ir além dos pressupostos etnocêntricos dos
quais cada um de nós parte. Muitas vezes, o pas-
so inicial mais difícil é reconhecer que nossas
visões originais são geralmente uma decorrên-
cia de nossa própria experiência cultural e não a
única forma correta ou possível. Tal compreen-
são pode ser desconfortável, porque as pessoas
às vezes supõem que, para compreender respei-
tosamente os modos de vida de outros, devem
A natureza cultural do desenvolvimento humano 31
criticar os seus próprios. Uma postura voltada à
aprendizagem, que suspenda o julgamento tan-
to a respeito dos próprios modos de vida quanto
dos de outros, é necessária para chegarmos a
entender como as pessoas que vivem conosco e
em outros lugares funcionam em suas tradições
e circunstâncias locais, bem como para desen-
volvermos uma compreensão geral do desenvol-
vimento humano, com características universais
construídas a partir de variações locais. As pers-
pectivas de aprendizagem na pesquisa cultural
são aumentadas pela comunicação entre mem-
bros de comunidades específicas e não-membros,
do que trataremos na próxima parte.
Aprendendo por meio da comunicação entre
membros e não-membros
Para que nossa compreensão do desenvol-
vimento humano vá além dos pressupostos e in-
clua a perspectiva de outras comunidades, é es-
sencial a comunicação entre "membros" e "não-
membros" da comunidade. Não é uma questão
a respeito de qual perspectiva está correta: ambas
têm um ponto de vista sobre os fenómenos que
ajuda a construir o conhecimento.
Entretanto, as discussões nas ciências soci-
ais muitas vezes questionam se a perspectiva dos
membros ou dos não-membros deveria ser to-
mada como a representação da verdade (veja
Clifford, 1988; LeVine, 1966). Os argumentos
envolvem a discussão sobre se membros ou não-
membros de determinadas comunidades têm
acesso exclusivo ao conhecimento, ou se as vi-
sões de uns ou de outros são mais dignas de cré-
dito (Merton, 1972; Paul, 1953; Wilson, 1974).
Alguns já argumentaram que, dada a varie-
dade de perspectivas, não existe uma verdade,
de modo que devemos abrir mão do esforço para
compreender a vida social. Mas essa visão me
parece pessimista demais. Se a adotássemos, fi-
caríamos paralisados não apenas na pesquisa em
ciências sociais, mas também na vida cotidiana,
porque tal compreensão é exigida o tempo todo.
O argumento de que apenas os membros
de uma comunidade têm acesso ao significado
real dos eventos que ocorrem nela, de modo que
as opiniões dos não-membros devem ser descar-
tadas, não se sustenta quando se observam as
grandes variações de opinião entre os próprios
membros da comunidade e as dificuldades em
determinar quem está qualificado para represen-
tar o grupo. Além disso, os membros costumam
ter dificuldades para prestar atenção a suas pró-
prias práticas, já que tomam suas maneiras de
agir como naturais, como o peixe que.não tem
consciência da água.
Mais além, como discuto mais integralmen-
te no Capítulo 3, os indivíduos costumam parti-
cipar simultaneamente de várias comunidades
diferentes. Cada vez mais, os limites entre estar
dentro e fora se confundem à medida que as
pessoas convivem em várias comunidades (veja
Clifford, 1997; Walker, 2001). Por exemplo, pes-
soas de ascendência mexicana que moram no
que agora são os Estados Unidos não são total-
mente não-membros de comunidades euro-ame-
ricanas, pois as práticas e políticas das duas co-
munidades são inter-relacionadas. Da mesma
forma, um antropólogo que passa 10 ou 50 anos
trabalhando em uma comunidade participa dela
de alguma maneira e adquire uma certa visão
local. Os jovens que crescem em uma família com
várias origens culturais, como é cada vez mais
comum, têm algumas visões de dentro e algu-
mas de fora com relação a cada uma dessas co-
munidades. As sobreposições que perpassam as
comunidades também vêm da mídia, dos conta-
tos cotidianos e dos empreendimentos compar-
tilhados, sejam conjuntos, complementares ou
contestados (veja a Figura 1.4).
Sendo assim, referir-se a indivíduos como
estando às vezes "dentro" ou "fora" de determi-
nadas comunidades é muitas vezes uma simpli-
ficação; muitas comunidades não têm fronteiras
rígidas ou homogeneidade que permitam clara-
mente a determinação do que significa estar
"dentro" ou "fora" delas (no Capítulo 3, afirmo
que precisamos ir além de pensar somente na
condição de membro de um único grupo estático,
e, em lugar disso, na participação das pessoas
em práticas culturais de comunidades dinami-
camente relacionadas, cuja ênfase para os parti-
cipantes poderá variar).
32 Barbara Rogoff
Figura 1.4
Leonor, Virgínia e Angélica Lozano (da esquerda para a direita), sentadas ao redor da primeira televisão da família
em sua casa, por volta de 1953 (méxico-americanas).
Para chegar a uma maior compreensão do
funcionamento humano, as pessoas que estão
famiUarizadas com diferentes comunidades pre-
cisam combinar suas observações distintas. O que
chamam de "verdade" é simplesmente nosso
acordo momentâneo sobre o que parece ser uma
forma útil de compreender as coisas, e está sem-
pre passando por revisões, que se dão a partir
de intercâmbios construtivos entre pessoas com
perspectivas diferentes, O avanço na compreen-
são, portanto, é uma questão de tentar perma-
nentemente entender as diferentes perspectivas,
levando em conta as origens e as posições dos
observadores.
As diferenças de perspectiva são necessárias
para ver e para compreender, A percepção visual
exige movimentos imperceptíveis dos olhos com
relação à imagem. Se a imagem se move de for-
ma coordenada com os movimentos dos oUios, a
uniformidade de posições resultante faz com que
ela não possa ser vista. Da mesma forma, se fe-
charmos um olho, perdendo o segundo ponto de
vista proporcionado pela visão binocular, nossa
percepção de profundidade se reduz muito. De
maneira semelhante, tanto as pessoas com iden-
tificações profundas dentro de uma comunidade
(membros) e aquelas com pouco contato nela
(não-membros) enfrentam dificuldades para fa-
zer e interpretar observações. Entretanto, traba-
lhando juntos, umas e outras podem contribuir
para uma descrição mais construtiva do que cada
perspectiva permithria por conta própria.
A natureza cultural do desenvolvimento humano 33
A posição dos não-membros
Ao buscar compreender as práticas de uma
comunidade, os que não são membros dela en-
contram dificuldades devido às reações das pes-
soas à sua presença (medo, interesse, cortesia)
bem como de sua própria falta de familiaridade
com a rede local de significados dos eventos. Os
não-membros são recém-chegados ao sistema de
significados, com uma compreensão limitada de
como as práticas se relacionam e como se de-
senvolveram a partir de eventos anteriores. Ao
mesmo tempo, enfrentam os pressupostos dos
membros da comunidade que, invariavelmente,
tentam compreender qual é o papel do não-mem-
bro na comunidade, utihzando suas categorias
cotidianas sobre como tratar o recém-chegado.
A identidade do não-membro não é neutra,
possibilitando acesso apenas a algumas situações,
e gerando reações específicas quando ele está
presente. Por exemplo, entre os zinacantecas, um
grupo maia do México, Berry Brazelton (1977)
observou o medo de observadores, tanto em adul-
tos quanto em crianças, em seu estudo do desen-
volvimento infantil:
O "olho grande" nos é atribuído automatica-
mente (...) Os efeitos da ansiedade com rela-
ção a estranhos sobre o bebê são reforçados
em muito pela constante ansiedade dos pais
com relação à nossa presença. Não tínhamos
condições de nos relacionar com bebés de mais
de 9 meses de idade, porque o efeito era mui-
to poderoso. (Brazelton, 1977, p, 174)
Por outro lado, um observador pode gerar
interesse e hospitalidade, que podem ser mais
confortáveis, mas também se tornam parte dos
eventos observados, Ruth Munroe e Lee Munroe
(1971) relataram que, em domicílios logohs na
África, assim que um observador chegava para
estudar práticas de cuidado cotidiano de bebés,
o bebê era aprontado para ser mostrado. As mães
logolis cooperavam bastante, juntando seus fi-
lhos e os trazendo para que o observador inspe-
cionasse. Em tais circunstâncias, as observações
teriam de ser interpretadas como um aspecto de
uma saudação pública. Da mesma forma, Mary
Ainsworth (1977) relatou que foi classificada
como visitante entre os gandas, de Uganda; as
mães insistiram para que ela observasse duran-
te a tarde, um tempo geralmente destinado ao
lazer e a receber visitas.
Em um estudo sobre quatro comunidades
diferentes, os pais variaram em sua perspectiva
sobre o propósito de uma visita com entrevista e
observação de interações mãe-bebê (Rogoff,
Mistry, Gõncú e Mosier, 1993), Em algumas co-
munidades, eles consideraram o fato como uma
visita amigável de um conhecido interessado no
desenvolvimento e habilidades de crianças; em
outras, foi uma obrigação social agradável aju-
dar o professor da escola local ou pesquisador
respondendo perguntas, ou uma oportunidade
para exibir as habilidades e as roupas novas de
seus filhos. Com humor em seu tom de voz, uma
mulher turca perguntou à pesquisadora, que
havia crescido no local, mas estudou no exterior:
"esse é um concurso internacional,,, não é?".
As questões sobre como mterpretar as ob-
servações estão vinculadas a restrições ao aces-
so dos não-membros. Por exemplo:
Entre as mães hausas, o costume não é demons-
trar afeição por seus bebés em público, Atual-
mente, os psicólogos preocupados com criação
e dependência se perderão em suas contagens
de frequência caso não compreendam esse as-
pecto. Um [observador] casual provavelmen-
te irá testemunhar apenas a interação pública;
somente quando se faz uma investigação mui-,
to mais profunda, a ausência do evento é colo-
cada na perspectiva adequada, (Price-Williams,
1975, p, 17)
Existem poucas situações nas quais a pre-
sença do observador não-membro não transfor-
ma eventos contínuos em eventos públicos: se o
evento já é público, se sua presença não é detec-
tada, ou se ele é tão famiUar que ela passa des-
percebida. Obviamente, sua presença como mem-
bro conhecido de um domicílio demandaria in-
terpretação nesse contexto, da mesma forma que
a presença de outras pessoas conhecidas deveria
ser considerada na interpretação da cena.
34 Barbara Rogoff
A posição dos membros
As questões enfrentadas por membros e
não-membros estão relacionadas ao fato de que
as pessoas estão sempre funcionando em um
contexto sociocultural. A interpretação que uma
pessoa tem da situação é necessariamente a de
alguém de um determinado tempo e de uma
constelação de experiências específica. E, se a
presença da pessoa é detectada em uma situa-
ção, ela é participante desta. Não há como esca-
par da interpretação e da apresentação social.
As diferenças na forma como as pessoas
agem quando pensam estarem ou não sendo
observadas ilustram a maneira como a simples
presença de um observador (ou de uma câmera
de vídeo) influencia o comportamento. Por exem-
plo, as mães de classe média nos Estados Uni-
dos têm interações diferentes com seus bebés
quando pensam que estão sendo observadas em
um estudo de pesquisa (o equipamento de vídeo
estava funcionando abertamente) em relação a
quando pensavam que estavam simplesmente
esperando em uma sala de observações (o equi-
pamento de vídeo estava sendo consertado, mas
havia observadores por de trás de um vidro
espelhado). O comportamento das mães quan-
do pensavam que estavam sendo observadas re-
fletia os conceitos da classe média dos Estados
Unidos sobre o que é ser uma "boa mãe" (Gra-
ves e Glick, 1978). O quanto falavam com seus
filhos dobrou, e elas utilizaram mais solicitações
indiretas, desenvolveram mais atividades de
aprendizagem de nomes de objetos e ações e fi-
zeram mais perguntas que quando pensavam que
não estavam sendo observadas.
Os membros também podem ter acesso li-
mitado a situações em função de sua identidade
social. Por exemplo, a posição de sua família na
comunidade e sua reputação pessoal não são
questões que se possam suspender com facilida-
de. Quando entram nas casas dos outros, os
membros levam com eles os papéis que eles pró-
prios e sua família costumam cumprir. Pode ser
difícil para pessoas de um género entrar em si-
tuações costumeiras para o outro, sem levantar
suspeitas. O estado civil de uma pessoa costuma
ser importante para as situações e a forma pela
qual ela interage com outras. Por exemplo, po-
deria ser difícil para um jovem local entrevistar
uma família caso ele fosse um dos pretendentes
de uma das filhas da família, ou se o avô da fa-
mília tivesse sido acusado, muito tempo atrás,
de enganar o avô do jovem em uma questão re-
lativa à propriedade. Um membro do grupo, as-
sim como um não-membro, está longe de ter uma
posição neutra na comunidade.
Além disso, é pouco provável que um mem-
bro de uma comunidade relativamente homo-
génea tenha refletido sobre fenómenos que seri-
am do interesse de um não-membro. Como foi
mencionado na parte sobre etnocentrismo, as
pessoas com experiência em apenas uma comu-
nidade costumam supor que a maneira como as
coisas são feitas ali é a mais razoável. Tal pres-
suposto é tão profundo que muitas vezes não
temos ciência de nossas próprias práticas, a me-
nos que tenhamos a oportunidade de verificar
que outros fazem as coisas de forma diferencia-
da. Mesmo que práticas distintas tomem os mem-
bros de uma comunidade cientes de suas própri-
as práticas, eles ainda podem interpretá-las de
maneiras que se ajustem a pressupostos
incontestados:
Raramente reconhecemos o quanto nossas esti-
mativas conscientes sobre o que vale a pena e o
que não vale se devem a padrões dos quais não
temos qualquer consciência. Mas, em geral,
pode-se dizer que as coisas que tomamos como
naturais, sem questionar ou refletir, são preci-
samente aquelas que determinam o nosso pen-
samento consciente e decidem nossas conclu-
sões. E esses hábitos que estão abaixo do mVel
de reflexão são exatamente aqueles que foram
formados no intercâmbio constante do relacio-
namento com outros. (Dewey, 1915, p. 22)
A seguir, examina-se de que forma as in-
terpretações distintas podem ser utilizadas e,
após, modificadas, no esforço para chegarmos a
descrições mais satisfatórias do desenvolvimen-
to humano em diferentes comunidades culturais.
A compreensão que transcende grupos culturais
exige a adoção de
A natureza cultural do desenvolvimento humano
uma forma de encontro que chamo de apren-
dizagem para a autotransformação, ou seja, si-
tuar a si próprio e ao outro em um espaço pri-
vilegiado de aprendizagem, onde o desejo não
[seja] apenas adquirir "informação" ou "repre-
sentar", e sim reconhecer e acolher a transfor-
mação no interior de si próprio, por meio do
encontro. Embora Geertz afirme não ser ne-
cessário (ou mesmo possível) adotar a visão
de mundo do outro para que se a compreenda
(...) também acho que a verdadeira compre-
ensão deve ser baseada no sentido de humil-
dade verdadeira, necessário para que se apren-
da: o sentido de que aquilo que está aconte-
cendo com outra pessoa tem, talvez, algumas
lições a me dar (Hoffman, 1997, p. 17)
Movendo-se entre as
compreensões local e global
Os pesquisadores que trabalham como não-
membros da comunidade que estão estudando
têm enfrentado as dificuldades de fazer infe-
rências com base naquilo que observam (os con-
ceitos que os pesquisadores culturais desenvol-
veram são importantes para qualquer pesquisa na
qual um investigador esteja tentando compreen-
der pessoas diferentes de si próprio, incluindo o
trabalho com pessoas de idade ou género dife-
rentes). O dilema está no valor da pesquisa: ela
precisa refletir os fenómenos a partir de uma pers-
pectiva que faça sentido do ponto de vista local e,
ao mesmo tempo, ir além da simples apresenta-
ção dos detalhes de um local de referência espe-
cífico. A questão diz respeito à combinação eficaz
da profundidade de compreensão sobre as pesso-
as e os ambientes estudados e a ir além das parti-
cularidades para se obter uma descrição mais
geral sobre os fenómenos. Duas abordagens para
ir além das compreensões mais locais às mais glo-
bais são discutidas a seguir. A primeira diferencia
ciclos de mterpretação que buscam o aprimora-
mento da compreensão com uma postura de men-
te aberta. A segunda examina o papel do signifi-
cado nas tentativas de comparar situações "se-
melhantes" entre diferentes comunidades.
Revisando a compreensão nas
abordagens éticas* derivadas
O processo de testar cuidadosamente os
pressupostos e revisar com a mente aberta as
próprias visões à luz de novas informações é es-
sencial para a aprendizagem com relação às for-
mas culturais. As distinções apresentadas por
John Berry (1969; 1999) sobre abordagens
êmicas, éticas impostas e éticas derivadas da pes-
quisa cultural são úteis para pensarmos sobre
esse processo de revisão.
Em uma abordagem êmica, o investigador
tenta representar a perspectiva cultural que os
membros da comunidade têm sobre ela, geral-
mente por intermédio de uma ampla observa-
ção e participação nas atividades da própria co-
munidade. A pesquisa êmica produz análises em
profundidade acerca de uma comunidade, e as-
sim pode muitas vezes ser útil.
As abordagens éticas imposta e derivada
tentam generalizar ou comparar para além de
um grupo, e diferem em sua sensibilidade à in-
formação êmica. A abordagem ética imposta
pode ser considerada como um passo prelimi-
nar rumo a uma compreensão ética derivada
mais adequada.
Em uma abordagem ética imposta, o inves-
tigador produz enunciados sobre o funcionamento
humano entre diferentes comunidades, cora base
na imposição de uma compreensão culturalmen-
te inadequada. Isso envolve a aplicação acrítica
da teoria, dos pressupostos e das avaliações oriun-
das da pesquisa ou da vida cotidiana da comuni-
dade do próprio pesquisador As ideias e os pro-
cedimentos não são suficientemente adaptados à
comunidade ou ao fenómeno que está sendo es-
tudado e, embora o pesquisador possa "obter da-
dos", os resultados não são interpretados de for-
ma suficientemente congruente com a situação
na comunidade estudada.
Por exemplo, uma abordagem ética impos-
ta poderia envolver a utilização de questionários,
a codificação do comportamento ou a testagem
das pessoas, sem levar em consideração a ne-
*N. de T. O termo "éticas" é utilizado neste livro no sentido antropológico, ou seja, para as categorias propostas pelo
pesquisador, ao passo que "êmicas" são as categorias existentes entre os pesquisadores.
36 Barbara Rogoff
cessidade de modificar procedimentos ou inter-
pretações para se adequar à perspectiva dos par-
ticipantes da pesquisa. Uma abordagem dessa
natureza se dá sem evidências suficientes de que
o fenómeno esteja sendo interpretado da forma
suposta pelo pesquisador. Mesmo quando este
está interessado no estudo de algo que parece
muito concreto e envolve pouca inferência
(como, por exemplo, se as pessoas estão se to-
cando), é necessária alguma compreensão das
práticas e dos significados locais para decidir
quando e onde observar e como interpretar um
comportamento (por exemplo, considerar ou não
o toque como evidência de estímulo ou sensibi-
lidade a um bebê). Mary Ainsworth (1977, p.
145) criticou o uso de variáveis preconcebidas
na pesquisa ética imposta: "não fechemos nos-
sos olhos para as características incomuns da
sociedade desconhecida, limitando-nos às vari-
áveis ou aos procedimentos baseados na socie-
dade conhecida, ou seja, a nossa própria".
Em uma abordagem ética derivada, o pes-
quisador adapta as formas de questionar, obser-
var e interpretar para se ajustar à perspectiva
dos participantes. A pesquisa resultante é infor-
mada por abordagens êmicas em cada grupo es-
tudado e pela tentativa de compreender o signi-
ficado dos fenómenos para os participantes da
pesquisa.
Os pesquisadores culturais costumam as-
pirar ao uso de abordagens tanto êmicas quanto
éticas derivadas, buscando compreender as co-
munidades estudadas, adaptar procedimentos e
interpretações à luz do que aprenderam e modi-
ficar as teorias para refletir as semelhanças e
variações observadas por meio dos sentidos. A
abordagem ética derivada é essencial para
discernir os padrões culturais na diversidade de
práticas e tradições humanas.
Pode ser útil pensarmos que qualquer ten-
tativa de compreender algo novo parte de uma
abordagem ética imposta. Todos começamos com
o que já sabemos. Se isso é informado por ob-
servações êmicas, acompanhadas por esforços
para ir além dos pressupostos iniciais, podemos
aproximar-nos mais da compreensão ética deri-
vada. Mas esta é um alvo em movimento cons-
tante: a nova compreensão se transforma na
compreensão ética imposta atualmente e cons-
titui o ponto de partida da próxima linha de es-
tudo, em um processo de refinamento e revisão
constantes.
Como a observação jamais pode ser isenta
de pressupostos, interesses e perspectivas do
observador, alguns estudiosos concluem que não
se deveria fazer qualquer tentativa de compre-
ender regularidades de fenómenos entre diferen-
tes comunidades. Contudo, com a observação e
a interpretação sensível, podemos chegar a uma
compreensão mais satisfatória dos fenómenos
que nos interessam, o que pode ajudar a orien-
tar nossas ações uns para com os outros. O fato
de que esse processo de aprendizagem nunca
termina não é razão para evitá-lo.
Na verdade, o processo de tentar compre-
ender outras pessoas é essencial para o funcio-
namento cotidiano, bem como para o trabalho
académico. As diferentes perspectivas trazidas
para a interpretação dos fenómenos por parte
de observadores distintos são interessantes por
si sós, especialmente agora que os participantes
de pesquisas em muitas partes do mundo con-
tribuem para o seu formato e para a sua inter-
pretação, não apenas respondendo a questioná-
rios ou testes de visitantes de fora.
A pesquisa sobre as questões da cultura
inerentemente exige um esforço para examinar
o significado de um sistema nos termos de ou-
tro. Algumas pesquisas são abertamente compa-
rativas entre comunidades culturais, mas, mes-
mo na pesquisa êmica, na qiial a meta é descre-
ver os hábitos de uma comunidade cultural em
seus próprios termos, uma descrição que faça
sentido para as pessoas da comunidade precisa
começar em termos que também façam sentido
fora do sistema. Muitas vezes, as descrições se
dão em uma linguagem diferente daquela dos
membros da comunidade, seja entre um idioma
nacional e outro, ou entre termos populares e
termos académicos. Todas as linguagens se refe-
rem a conceitos de importância local, de formas
um pouco diferentes das outras, refletindo con-
ceitos culturais, em um esforço para se comuni-
car. Sendo assim, a questão da "tradução" - e a
A natureza cultural do desenvolvimento humano 37
consideração do significado e a comparabilidade
das situações e das ideias entre diferentes co-
munidades - é inescapável.
O significado da "mesma" situação
entre diferentes comunidades
Uma questão importante para qualquer
comparação ou discussão entre diferentes co-
munidades é a semelhança de significado ou a
comparabilidade das situações observadas (Cole
e Means, 1981). A simples garantia de que as
mesmas categorias de pessoas estejam presen-
tes, ou as mesmas instruções sejam utilizadas,
não assegura a comparabilidade, porque o sig-
nificado do conjunto específico de atributos ou
instruções provavelmente irá variar entre dife-
rentes comunidades.
Por exemplo, ao coletar dados com cuida-
dores e bebés norte-americanos e micronésios, os
pesquisadores se depararam com uma escolha
difícil: poderiam exammaras interações entre uns
e outros no contexto social mais predominante,
no qual ambos são encontrados em cada comuni-
dade - os cuidadores e as crianças norte-ameri-
canos costumavam estar a sós uns com os outros,
já os cuidadores e os bebés micronésios estavam
geralmente na presença de um grupo - ou pode-
riam manter o contexto social constante nas duas
comunidades (Sostek et al., 1981). Os pesquisa-
dores decidiram fazer observações em ambas as
circunstâncias e comparar os resultados: concluí-
ram que o contexto social de suas observações
diferenciava a interação entre cuidador e bebê
em cada comunidade.
Procedimentos idênticos nas duas comuni-
dades, tais como limitar a observação a momen-
tos em que as mães e os bebés estejam juntos a
sós, claramente não garantem a comparabilidade
de observações. Os estudos que examinam a
interação mãe-bebé entre diferentes comunida-
des precisam refletir a predominância variável
dessa situação. Por exemplo, muitas décadas atrás,
em um estudo realizado nos Estados Unidos, 92%
das mães geralmente ou sempre cuidavam de seus
bebés, ao passo que em uma sociedade agrícola
da Africa Oriental, 38% das mães costumavam
ser as cuidadoras (Leiderman e Leiderman, 1974).
Um estudo que comparasse a interação mãe-bebé
nessas duas comunidades culturais precisaria m-
terpretar as conclusões à luz dos diferentes pro-
pósitos e da predominância da interação mãe-bebê
em cada uma delas.
Além de considerar quem está presente, as
comparações precisam prestar atenção àquilo
que as pessoas estão fazendo juntas, quais são
os propósitos, e de que forma sua atividade se
ajusta às práticas e às tradições de sua comuni-
dade. Inevitavelmente, o significado do que é
observado deve ser levado em conta.
Já se levantaram sérias dúvidas sobre se as
situações podem ser comparadas estritamente na
pesquisa intercultural, já que a ideia de
comparabilidade pode pressupor que tudo, com
exceção do aspecto de interesse, mantém-se
constante. Em uma avaliação de pesquisas so-
bre personalidade, Rick Shweder (1979) con-
cluiu que as situações não são comparáveis en-
tre diferentes comunidades culturais:
Para falar de diferenças de personalidade, de-
vem-se observar diferenças de comportamento
em situações equivalentes (...) A questão funda-
mental, então, passa a ser a de como decidimos
que as respostas distintivas que observamos são
realmente respostas distintivas a um conjunto
equivalentes de estímulos (...) A quais compo-
nentes descritivos específicos os estímulos (ações,
contextos, ambientes) devem ser demonstrados
equivalentes? (...) Uma situação (contexto, meio,
ambiente) é mais que suas propriedades físicas,
da forma como as define um observador exter-
no. É uma atividade situada, defmida, em parte,
por seu objetivo doponto de vista do ator. 'Aquilo
que qualquer pessoa racional faria nessas circuns-
tâncias" depende do que ela está tentando reali-
zar (Shweder, 1979, p. 282-284)
Shweder afirmou que, como as normas lo-
cais para os meios adequados de se atingir um
objetivo devem estar inscritas na própria defini-
ção da situação comportamental, "dois atores es-
tarão em situações 'comparáveis' ou 'equivalen-
tes' somente quando forem membros da mesma
cultura!" (p. 285).
Talvez o ponto mais fundamental na ques-
tão da comparabilidade seja decidir como inter-
38 Barbara Rogoff
pretar aquilo que se observa. Não se pode pressu-
por que o mesmo comportamento tenha signifi-
cados idênticos em comunidades distintas. Por
exemplo, observou-se que as crianças nativas
havaianas fazem menos solicitações verbais de
auxílio que as de origem branca nas salas de aula
do Havaí (Gallimore, Boggs e Jordan, 1974; cita-
do em Price-Williams, 1975). Contudo, antes de
concluir que esse grupo fazia menos sohcitações
de auxílio, os pesquisadores consideraram a pos-
sibilidade de que as crianças fizessem tais solici-
tações de forma diferente. Na verdade, descobri-
ram que as crianças havaianas estavam solicitan-
do auxílio de forma não-verbal: olhando firme-
mente para a professora à distância ou se aproxi-
mando, permanecendo perto ou tocando-a leve-
mente. Tais solicitações não-verbais podem estar
relacionadas dhetamente à formação cultural das
crianças, na qual as solicitações formais de ajuda
para os adultos são consideradas inadequadas,
mas as solicitações não-verbais são aceitáveis.
Comportamentos idênticos podem ter
conotações e funções diferentes em comunida-
des distintas CFrijda e Jahoda, 1966). Alguns pes-
quisadores propuseram que os fenómenos fos-
sem comparados em termos daquilo que as pes-
soas estão tentando realizar, em lugar de seus
comportamentos específicos. Robert Sears
(1961) defendeu a distinção entre objetivos ou
motivações (como a busca de ajuda no estudo
havaiano) e os meios instrumentais utilizados
para atingir esses objetivos (por exemplo, se as
crianças solicitam assistência de forma verbal ou
não-verbal). Nessa visão, embora os meios ins-
trumentais variem entre comunidades, os obje-
tivos em si podem ser considerados transcul-
turais. John Berry (1969, p.l22) propôs que as-
pectos do comportamento fossem comparados
"somente quando se pudesse demonstrar sua
equivalência funcional, no sentido de que um
aspecto do comportamento em questão é uma
tentativa de solução" para um problema recor-
rente compartilhado pelos diferentes grupos
(veja a Figura 1.5).
O foco na função (ou propósito, ou objeti-
vo) no comportamento das pessoas facilita a com-
preensão a respeito de como formas diferentes
de fazer as coisas podem ser utilizadas para se
atingir objetivos semelhantes e como formas se-
melhantes podem ser usadas para se chegar a
objetivos distintos. Embora todas as comunida-
des culturais partam de questões que são comuns
para o desenvolvimento humano no mundo todo,
em função de nosso patrimônio cultural e bioló-
gico como espécie, diferentes comunidades po-
dem aplicar meios semelhantes para chegar a
objetivos diferenciados e meios diferentes para
os mesmos objetivos.
Os próximos dois capítulos aprofundam a
questão sobre como podemos conceber a natu-
reza cultural do desenvolvimento humano. Eles
examinam a ideia de que o desenvolvimento hu-
mano é biologicamente cultural e discutem for-
mas de pensar sobre semelhanças e diferenças
entre comunidades culturais distintas, no que diz
respeito ao modo como as pessoas aprendem e
se desenvolvem.
Eles discutem os conceitos para se estabe-
lecerem relações entre processos individuais e
culturais, expandindo o conceito orientador ge-
ral: o de que os seres humanos se desenvolvem
por meio de sua participação variável nas ativi-
dades socioculturais de suas comunidades, as
quais também se transformam.
A natureza cultural do desenvolvimento humano 39
FIGURA 1.5
John Colher e Malcolm Collier sugeriram que
os horários de refeições das famílias pode-
riam servir de base para comparações que
ajudassem a definir os relacionamentos den-
tro delas, em diferentes comunidades. A pri-
meira fotografia mostra uma refeição notur-
na em uma casa em Viços, no Peru; a segun-
da apresenta um jantar em uma casa hispano-
americana no Novo México; a terceira, um café
da manhã na casa da família de um executivo
da propaganda no estado norte-americano de
Connectícut.

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  • 1. Sobre a autora Barbara Rogoff é professora de Psicologia do Departamento de Psicologia da Fundação Universi- dade da Califórnia Santa Cruz (UCFC). É membro do Center for Advanced Study in the Behaáoral Sciences de Stanford, Kellog Fellow, e Osher Fellow do Exploratorium. Foi editora da revista Human Development e recebeu o Prémio Scribner da American Educational Research Association, por seu livro Apprenticeship in Thinking (OUÇ 1990). Trabalhou em uma comunidade maia da Guatemala por quase três décadas. R E S P E I T E O A U T O R NAO F A Ç A C 6 P I A www.abpdea.org.br R735n Rogoff, Barbara. A natureza cultural do desenvolvimento humano / Barbara Rogoff; trad. Roberto Cataldo Costa. - Porto Alegre : Artmed, 2005. 1. Psicologia do desenvolvimento - Cultura. I. Título. CDU 159.92:008 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-353-0312-3 A NATUREZA CULTURAL DO DESENVOLVIMENTO HUMANO BARBARA ROGOFF Tradução: Roberto Cataldo Costa Constiltoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Marlon Xavier Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS. Professor de Psicologia na UNESC. ARliVED 2005
  • 2. Obra originalmente publicada sob o título The Cultural Nature of Human Development ISBN 0-19-513133-9 © 2003, Barbara Rogoff A tradução de The Cultural Nature of Human Development, originalmente publicada em língua inglesa em 2003 por Oxford University Press, Inc., é publicada por contrato firmado com Oxford University Press, Estados Unidos da América Capa Gustavo Demarchi Preparação do original Maria Lúcia Barbará Leitiu-a final Simone Dias Marques Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto gráfico Editoração eletrônica e d i t o g r á f i c a Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Orneias, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 E proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletronico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Angélica, 1091 - Higienópolis 01227-100 São Paulo SP Fone (11) 3667-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Para Salem, Luisa, Valerie e David, com gratidão por seu companheirismo e apoio em todos os momentos.
  • 3. 14 Sumário Algumas regularidades 292 Concluindo com um retomo aos conceitos orientadores 293 Créditos 295 Referências 297 índice 335 1 Conceitos orientadores e formas de compreender a natureza cultural do desenvolvimento humano o desenvolvimento humano é um proces- so cultural. Como uma espécie biológica, nós, os seres humanos, somos definidos em termos de nossa participação cultural. Somos prepara- dos por nossa herança cultural e biológica para usar a linguagem e outras ferramentas culturais e para aprender uns com os outros. Utilizando meios como a língua e a alfabetização*, pode- mos conhecer, de forma coletiva, eventos que não vivenciamos pessoalmente, envolvendo-nos indiretamente na experiência de outras pessoas durante muitas gerações. O fato de sermos humanos implica limites e possibilidades provenientes de longas históri- as das práticas humanas. Ao mesmo tempo, cada geração continua a revisar e a adaptar sua he- rança cultural e biológica em face das circunstân- cias em que vive. Meu objetivo neste livro é contribuir para a compreensão dos padrões culturais do desen- volvimento humano através do exame das regu- laridades que descrevem diferenças e semelhan- ças nas práticas e tradições das comunidades. Ao me referir a processos culturais, quero cha- mar a atenção para as configurações das formas cotidianas de fazer as coisas, no enfoque que cada comunidade dá à vida. Concentro-me na participação das pessoas nas práticas e tradições culturais de suas comunidades, em lugar de equi- parar a cultura à nacionalidade ou à etnicidade dos indivíduos. Para compreender os aspectos culturais do desenvolvimento humano, uma meta básica des- te livro é desenvolver a ideia de que os pessoas se desenvolvem como participantes das comuni- dades culturais. Seu desenvolvimento só pode ser compreendido à luz das práticas e das circunstân- cias culturais de suas comunidades, as quais tam- bém mudam. Até o momento, o estudo do desenvolvi- mento humano tem se baseado, em grande par- te, nas pesquisas e nas teorias oriundas das co- munidades de classe média da Europa e da Amé- rica do Norte, as quais têm sido utilizadas, mui- tas vezes, para se fazerem generalizações sobre todas as pessoas. Muitos pesquisadores chegam a tirar conclusões extremamente gerais a partir de trabalhos realizados em um único grupo, afir- mando que "a criança faz isso ou aquilo" em vez de "essa criança fez isso ou aquilo." Por exemplo, grande parte da pesquisa tem tentado determinar em que idade se deve espe- *N. de T. A palavra Uteraíy designa a "condição do ser letrado". No Brasil, a palavra é muitas vezes traduzida por "letramento", ou seja, o processo de aprendizagem de escrita e leitura dentro de uma cultura letrada, influenciado por suas práticas e demandas sociais. Optamos por "alfabetização" para tornar mais fácil a leitura; no entanto, pedimos ao leitor que considere tal termo também como "letramento", pois tais processos não são separáveis, uma vez que o proces- so de aprendizagem de leitura e escrita está sempre influenciado pelas práticas sociais relacionadas à linguagem escrita.
  • 4. 16 Barbara Rogoff rar que "a criança" tenha determinadas habili- dades. Em sua maioria, as afirmações têm sido genéricas, com relação à idade na qual as crian- ças entram em uma etapa ou deveriam ter de- terminadas habilidades. Uma abordagem cultural observa que co- munidades culturais distintas podem esperar que as crianças desenvolvam atividades em momen- tos muito diferentes durante a infância e se sur- preender com os "calendários" de desenvolvi- mento de outras comunidades, ou mesmo considerá-los perigosos. Examine essas questões sobre quando as crianças podem começar a fa- zer certas coisas e relatos sobre variações cultu- rais de quando elas começam: Quando o desenvolvimento intelectual das crianças permite que elas sejam responsáveis por outras? Quando se pode confiar nelas para que tomem conta de um bebé? Nas famílias de classe média dos Estados Unidos, as crianças não costumam ser conside- radas capazes de tomar conta de si mesmas ou de outra criança até, talvez, os 10 anos de idade (ou mais tarde, em algumas regiões). No Reino Unido, é contra a lei deixar uma criança de me- nos de 14 anos sem supervisão de adultos (Subbotsky, 1995). Entretanto, em muitas ou- tras comunidades no mundo todo, as crianças começam a assumir responsabilidades pelo cui- dado de outras em idades que variam dos 5 aos 7 anos (Rogoff et al., 1975, veja a Figura 1.1), e, em alguns lugares, crianças ainda mais novas começam a assumir essa responsabilidade. Por exemplo, entre os kwara'aes, da Oceania, Crianças de 3 anos trabalham habilmente em jardins e casas, são excelentes cuidadoras de seus irmãos menores e habilidosas na interação social. Embora as crianças pequenas também tenham tempo para brincar, muitas de suas funções dessa natureza parecem ser cumpri- das pelo trabalho. Tanto para crianças quanto para adultos, o trabalho é acompanhado por cantos, piadas, brincadeiras verbais e conver- sas interessantes. Em vez de brincar com bo- necas, elas tomam conta de bebés de verdade. Além de trabalhar nos jardins da família, as crianças pequenas têm os seus próprios. Essa Figura 1.1 Esta menina maia (Guatemala), de seis anos de ida- de, é uma cuidadora habilidosa de sua prima, ainda bebê. A natureza cultural do desenvolvimento humano 17 atividade pode parecer um brinquedo, mas, aos 3 ou 4 anos, muitas crianças levam produtos cultivados por elas mesmas para vender nas feiras, dando assim uma contribuição signifi- cativa e valiosa à renda familiar. (Watson- Gegeo, 1990, p. 87) Em que momento a capacidade de discernimento e a coordenação das crianças lhes permitem manusear facas afiadas com segurança? Embora os adultos de classe média nos Es- tados Unidos não costumem confiar em crian- ças com menos de 5 anos para manusear facas, entre os efes, da República Democrática do Congo, os bebés utilizam rotineiramente mache- tes com segurança (Wilkie, comunicação pesso- al, 1989; veja a Figura 1.2). Da mesma forma, bebés fore (Nova Guiné) lidam com facas e fogo com segurança, já na época em que aprendem a caminhar (Sotenson, 1979). Pais akas, da África Central, ensinam bebés de 8 a 10 meses a usar pequenas lanças, arpões e machados em minia- tura, com lâminas de metal afiadas. A formação para a autonomia começa no iní- cio da infância. Permite-se que os bebés en- gatinhem ou caminhem para onde quiserem no acampamento e utilizem suas facas, ma- cheies, bastões para cavar e potes de argila dentro do acampamento. Apenas se um bebê começar a engatinhar em direção ao fogo ou bater em outra criança é que os pais ou ou- tros interferirão em sua atividade. Por exem- plo, não é incomum ver uma criança de 8 meses com uma faca de 20 centímetros cor- tando os galhos a serem utilizados na estru- tura da casa de sua família. Aos 3 ou 4 anos de idade, as crianças akas podem preparar suas próprias refeições no fogo, e aos 10 anos têm habilidades de subsistência suficientes para viver na floresta por conta própria, caso seja necessário. (Hewlett, 1991, p. 34) Figura 1.2 Um bebê efe de 11 meses corta uma fruta com habi- lidade, utilizando um machete, sob o olhar atento de um parente (naflorestaIturi, República Demo- crática do Congo).
  • 5. 18 Barbara Rogoff Assim sendo, em que idade as crianças de- senvolvem a responsabilidade por outras ou ad- quirem habilidades e capacidade de discerni- mento suficientes para lidar com instrumentos perigosos? "Ah! Claro, depende", poderão dizer os leitores, depois de fazer algumas suposições baseadas em sua própria experiência cultural. De fato, depende. As variações nas expectativas com relação às crianças passam a fazer sentido uma vez que tenhamos levado em conta diferentes circuns- tâncias e tradições. Elas fazem sentido no con- texto das diferenças do que está envolvido na preparação de "uma refeição" ou em "tomar con- ta" de um bebê, quais as fontes de apoio e os perigos que são comuns, quem mais está próxi- mo, qual é o papel dos adultos naquele lugar e de que forma eles vivem, quais as instituições que as pessoas utilizam para organizar suas vi- das, e quais os objetivos da comunidade com relação ao desenvolvimento até o funcionamen- to adulto nessas instituições e práticas culturais. Seja em uma tarefa cotidiana, seja na par- ticipação em um teste ou experimento de labo- ratório, o desempenho das pessoas depende muito das circunstâncias que fazem parte da ro- tina em sua comunidade e das práticas culturais às quais elas estão acostumadas. O que elas fa- zem depende, em aspectos importantes, do sig- nificado cultural atribuído aos eventos e dos apoios sociais e institucionais proporcionados em suas comunidades para aprender e cumprir de- terminados papéis nas atividades. A pesquisa cultural tem contribuído com os estudiosos no exame das teorias baseadas nas observações em comunidades europeias e euro- americanas com relação à sua aplicabilidade a outras circunstâncias. Parte desse trabalho tem proporcionado contra-exemplos fundamentais, demonstrando as limitações ou questionando pressupostos básicos de uma teoria supostamente capaz de ser aplicada a todas as pessoas, em qual- quer parte. Entre os exemplos, estão a pesquisa de Bronislaw Mahnowski (1927), questionando o complexo de Édipo na teoria de Sigmund Freud, e os testes interculturais de desenvolvi- mento cognitivo que levaram Jean Piaget (1972) a abandonar sua afirmação de que os adolescen- tes atingem universalmente um estágio "formal operacional" quando são capazes de testar hipó- teses sistematicamente (veja Dasen e Heron, 1981). A importância de se compreenderem pro- cessos culturais tem ficado clara nos últimos anos, e foi incentivada pelas transformações demográficas em toda a América do Norte e na Europa, que colocam todas as pessoas em maior contato com tradições culturais diferentes das suas. Os estudiosos reconhecem agora que com- preender os aspectos culturais do desenvolvi- mento humano é importante para resolver pro- blemas práticos urgentes, bem como para avan- çarmos no entendimento da natureza do desen- volvimento humano em termos mundiais. A pes- quisa cultural é necessária para que se possa superar generalizações que supõem que o de- senvolvimento humano funciona em todos os lu- gares de modo similar ao das comunidades dos próprios pesquisadores, e para que se possa en- tender tanto as semelhanças quanto as diferen- ças entre comunidades. Compreender as regularidades na nature- za cultural do desenvolvimento humano é um objetivo básico deste livro. Observações feitas em Bora Bora ou Cincinnati podem formar retratos culturais interessantes e revelar intrigantes di- ferenças de costumes, mas, mais importante, podem nos ajudar a discernir regularidades nos padrões diversificados do desenvolvimento hu- mano nas diferentes comunidades. Em busca de regularidades culturais Para além de demonstrar que "a cultura é importante", meu objetivo neste livro é integrar as ideias e pesquisas disponíveis, com vistas a contribuir para uma compreensão mais ampla de como a cultura é importante para o desenvol- vimento humano. Quais regularidades podem nos ajudar a entender os aspectos culturais do desenvolvimento? Para entender os processos que caracterizam o desenvolvimento dinâmico de indivíduos, bem como suas comunidades cul- turais em processo de mudança, precisamos iden- A natureza cultural do desenvolvimento humano 19 tificar regularidades que descrevem as variações entre comunidades, bem como os impressionan- tes pontos comuns entre nossa espécie humana. Embora a pesquisa sobre os aspectos culturais do desenvolvimento humano ainda seja relati- vamente esparsa, é hora de irmos além de dizer simplesmente que "depende", passando a siste- matizar padrões nas variações e semelhanças das práticas culturais. O processo de observar as tradições cultu- rais pode contribuir para nos conscientizarmos das regularidades culturais, tanto em nossas pró- prias vidas quanto nas de outras pessoas, não importando quais comunidades nos são mais fa- miliares. A pesquisa cultural pode ajudar-nos a entender aspectos culturais de nossas vidas, os quais costumamos considerar naturais, bem como aqueles que nos surpreendem em outros contextos. Por exemplo, a atenção prestada à idade cronológica e à idade em que se dão os marcos do desenvolvimento não é questionada por mui- tos estudiosos do desenvolvimento humano. Con- tudo, as próprias questões acerca da idade das transições são baseadas em uma perspectiva cul- tural, e estão de acordo com instituições cultu- rais que utilizam o tempo transcorrido desde o nascimento como medida do desenvolvimento. Um conjunto de padrões: a classificação das crianças por idade e sua segregação dos empreendimentos da comunidade ou da participação em atividades adultas Somente após a última metade do século XIX, nos Estados Unidos e em algumas outras nações, a idade passou a ser um critério para organizar as vidas, o que se intensificou no iní- cio do século XX (Chudacoff, 1989). Com o surgimento da industrialização e os esforços para sistematizar serviços como educação e atendimento médico, a idade se tornou uma medida de desenvolvimento e um critério para classificar as pessoas. Instituições especializadas foram projetadas em função de grupos etários. A psicologia do desenvolvimento e a pediatria tiveram início nessa época, junto com as insti- tuições para idosos e as escolas organizadas por idade. Antes disso, nos Estados Unidos (e, mais uma vez, em muitos lugares), as pessoas rara- mente sabiam sua idade, e os estudantes avan- çavam em sua educação à medida que apren- diam. Tanto os escritos especializados quanto os populares nos Estados Unidos raramente se re- feriam a idades específicas, embora, obviamen- te, houvesse distinção entre primeira infância, infância e idade adulta. No decorrer do último século e meio, o conceito cultural de idade e as práticas associadas à classificação etária passa- ram a cumprir um papel central, embora muitas vezes despercebido, na organização das vidas em algumas comunidades culturais, às quais perten- cem quase todos os leitores contemporâneos deste livro. •A classificação etária acompanhou a cres- cente segregação das crianças do conjunto das atividades em sua comunidade, à medida que a escola se tornou compulsória e que a industria- lização separou o local de trabalho do lar. Em vez de se juntar ao mundo adulto, as crianças passaram a se envolver mais em instituições e prátícas especializadas estritamente em crianças, que as preparam para uma inserção posterior na comunidade. Posso afirmar que os ambientes voltados às crianças e as formas nas quais os pais de clas- se média interagem atualmente com seus filhos estão intimamente ligados à classificação etária e à segregação das crianças. Tais ambientes e práticas de criação de filhos típicos da classe média também são predominantes na psicolo- gia do desenvolvimento, conectando-se com idei- as sobre etapas da vida, processos de pensamento e aprendizagem, motivação, relações com pares e pais, práticas disciplinares em casa e na esco- la, competição e cooperação. Examino essas re- gularidades culturais ao longo deste livro, por serem fundamentais para compreender o desen- volvimento em muitas comunidades. Um padrão alternativo envolve a integração das crianças nas atividades cotidianas de suas comunidades, implicando conceitos e práticas culturais muito diferentes no desenvolvimento
  • 6. 20 Barbara Rogoff humano (Rogoff, Paradise, Mejia Arauz, Correa- Chávez e Angelillo, 2003). As oportunidades para observar e participar permitem que as crian- ças aprendam por meio de atenção apurada a atividades em andamento, em lugar de se basea- rem em lições fora do contexto da utilização do conhecimento e das habihdades ensinadas. Den- tro desse padrão, os relacionamentos das crian- ças envolvem muitas vezes uma colaboração entre muitas partes, que se dá em grupos, em lugar de interações com uma pessoa de cada vez. Examino essas regularidades, e outras a elas re- lacionadas, ao longo deste livro. Outros padrões Como a pesquisa cultural ainda é bastante incipiente, o trabalho de descobrir quais as re- gularidades que podem contribuir para que se compreendam as semelhanças e as variações entre diferentes comunidades ainda não está muito avançado. Todavia, existem várias outras áreas que parecem envolver regularidades im- portantes nas práticas culturais. Um conjunto dessas regularidades está re- lacionado ao padrão pelo qual se supõe que as relações humanas exijam organização hierárqui- ca, com um responsável que controla os outros. Um padrão alternativo a esse é mais horizontal em termos de estrutura, com indivíduos sendo conjuntamente responsáveis pelo grupo. Neste, os indivíduos não são controlados por outros - a autonomia individual para a tomada de decisões é respeitada -, mas também se espera que funci- onem em sintonia com a direção do grupo. Como discuto em capítulos posteriores, as questões de diferenças culturais nas formas de funcionamen- to do sono, da disciplina, da cooperação, dos pa- péis de género, do desenvolvimento moral e das formas de assistência à aprendizagem estão to- das ligadas a esse conjunto de padrões. Outros padrões estão relacionados a estra- tégias para lidar com a sobrevivência. Aspectos da mortalidade adulta e infantil, escassez ou abundância de comida e outros recursos, vida sedentária ou nómade, parecem se vincular a semelhanças e variações culturais no cuidado e no víriculo com bebés, papéis familiares, etapas e objetivos do desenvolvimento, responsabilida- de das crianças, papéis de género, cooperação e competição e prioridades intelectuais. Desenvolvo essas sugestões de padrões de regularidade e algumas outras no decorrer do U- vro. Embora a busca das regularidades nos siste- mas culturais mal tenha começado, ela promete muito em termos de ajudar a entender as formas surpreendentes, bem como as que tomamos como dadas, das comunidades culturais em todo o mun- do, incluindo a do próprio observador. Para buscar padrões culturais, é importan- te examinar como podemos pensar sobre os pa- péis dos processos culturais e do desenvolvimen- to individual. Nos primeiros três capítulos, trato de como se podem conceituar os papéis inter- relacionados dos processos individuais e cultu- rais. Na parte seguinte deste capítulo, introduzo alguns conceitos orientadores importantes sobre como se pode refletir sobre os papéis dos pro- cessos culturais no desenvolvimento humano. Conceitos orientadores para compreender os processos culturais Os conceitos orientadores para compreen- der processos culturais que desenvolvo neste li- vro se originam na perspectiva sociocultural (ou cultural-histórica). Essa abordagem ganhou des- taque nas últimas décadas no estudo de como as práticas culturais estão relacionadas ao de- senvolvimento de formas de pensar, lembrar, raciocinar e resolver problemas (Rogoff e Chavajay, 1995). Lev Vygotsky, um Hder dessa abordagem desde o início do século XX, apon- tou o fato de que as crianças são participantes culturais em todas as comunidades, vivendo em uma determinada comunidade, em uma época específica da história. Vygotsky (1987) afirmou que, em vez de tentar "revelar a criança eterna", o objetivo é descobrir "a criança histórica". Para compreender o desenvolvimento a partir de uma perspectiva sociocultural-históri- ca, é necessário examinar a natureza cultural da vida cotidiana, o que inclui estudar o uso e a transformação que as pessoas fazem das ferra- mentas e tecnologias culturais, e seu envolvi- mento nas tradições culturais dentro das estru- turas e instituições da vida familiar e nas práti- cas de comunidade. Uma compreensão coerente da natureza cultural e histórica do desenvolvimento huma- no está surgindo a partir de uma abordagem interdisciplinar que envolve a psicologia, a an- tropologia, a história, a sociolingiiística, a edu- cação, a sociologia e outros campos. Ela se cons- trói com base em diversas tradições de pesqui- sa, incluindo a observação participante da vida cotidiana a partir de uma perspectiva antropo- lógica, a pesquisa psicológica em situações na- turais ou restritas ("de laboratório"), os relatos históricos e as análises detalhadas de eventos gravados em vídeo. Juntas, a pesquisa e as tra- dições académicas dos diferentes campos estão dando à luz uma nova concepção de desenvolvi- mento humano como um processo cultural. Para compreender as regularidades nas variações e similaridades dos processos culturais do desenvolvimento humano em comunidades muitos difusas, é importante examinar como pensamos sobre os processos culturais e sua re- lação com o desenvolvimento individual. O que queremos dizer com processos culturais? Como as pessoas chegam a compreender suas próprias práticas e tradições culturais, assim como as de outros? Como podemos refletir sobre as formas como os indivíduos participam e contribuem para os processos culturais? De que forma abordamos a compreensão da relação entre comunidades culturais e como essas próprias comunidades se transformam? Esta parte do livro resume o que chamo de conceitos orientadores para a compreensão dos processos culturais, isto é, conceitos para servir de guia à reflexão sobre como os processos cul- turais contribuem para o desenvolvimento hu- mano. O conceito orientador geral para compre- ender os processos culturais é minha versão da perspectiva sociocultural-histórica; Os seres humanos se desenvolvem por meio de sua participação variável nas atividades socioculturais de suas comunidades, as quais também se transformam. A natureza cultural do desenvolvimento humano 21 Esse conceito orientador geral oferece as bases para outros conceitos orientadores visan- do à compreensão dos processos culturais: Cultura não é apenas aquilo que outras pessoas fazem. É comum as pessoas considerarem a si próprias sem cultura ("Quem, eu? Eu não tenho!") ou tomar como naturais as circunstâncias de seu período histórico, a menos que tenham contato com diversas comunidades culturais. A experiência cul- tural ampla nos dá oportunidade de obser- var a amplitude dos processos culturais nas atividades e no desenvolvimento humanos do dia-a-dia, os quais estão relacionados às tecnologias que usamos, e a nossos va- lores e tradições institucionais e de comu- nidade. As práticas de pesquisadores, es- tudantes, jornalistas e professores são cul- turais, como o são as práticas de historia- dores orais, parteiras e xamãs. A compreensão da própria herança cultural, bem como de outras comunidades culturais, exi- ge assumir a perspectiva de pessoas com for- mação diferente. Os processos culturais mais difíceis de examinar são aqueles baseados em pressupostos seguros e não-questiona- dos, originários das práticas de nossa pró- pria comunidade. Os processos culturais cercam a todos nós e muitas vezes envol- vem eventos e formas de agir sutis, tácitos e tomados como naturais, que exigem olhos, ouvidos e mentes abertas para se- rem percebidos e compreendidos (as crian- ças são muito atentas à aprendizagem a partir dessas formas de agir tidas como na- turais) . As práticas culturais se ajustam e estão conectadas. Cada uma delas precisa ser entendida em relação a outros aspectos da abordagem cultural. Os processos culturais envolvem relações multifacetadas entre muitos aspec- tos do funcionamento em comunidade. Eles não são apenas um conjunto de variáveis que operam de forma independente. Ao contrário, variam juntos, de formas padro- nizadas. Esses processos têm uma coerên-
  • 7. 22 Barbara Rogoff cia para além de "elementos" como recur- sos económicos, tamanho da família, mo- dernização e urbanização. E impossível re- duzir as diferenças entre comunidades a uma ou duas variáveis (ou mesmo a uma ou duas dúzias delas). Fazê-lo viria a des- truir a coerência entre as constelações de características que tornam útil fazer refe- rências a processos culturais. O que se faz de uma forma em uma comunidade pode ser feito de modo diferente em outra, com o mesmo efeito, e uma prática semelhante em ambas poderá servir a finalidades dis- tintas. É essencial compreender de que for- ma as práticas culturais se ajustam. As comunidades culturais continuam a se trans- formar, assim como os indivíduos. A histó- ria de uma comunidade e suas relações com outras são parte dos processos culturais. Além disso, é de se esperar que haja varia- ções entre membros das comunidades, pois os indivíduos se conectam de várias formas com outras comunidades e experiências. A variação entre comunidades ou no interior delas é um recurso da humanidade, per- mitindo que estejamos preparados para futuros variados e imprevisíveis. É improvável que exista uma "forma melhor". Compreender práticas culturais diferentes não exige a determinação de qual é a for- ma "correta" (o que não significa que to- das sejam adequadas). Compreendendo o que se faz em diferentes circunstâncias, pode-se estar aberto a possibilidades que não se excluem necessariamente. Aprender a considerar a cultura de outras comuni- dades não exige abrir mão dos próprios há- bitos; requer, sim, suspender temporaria- mente os próprios pressupostos para que se levem em consideração os outros, e se- parar cuidadosamente as iniciativas para entender fenómenos culturais daquelas vol- tadas a julgar seu valor, E fundamental que se façam algumas suposições sobre os pa- drões, enquanto se continua a testá-las e revisá-las com a mente aberta. Sempre há mais para aprender. O restante deste capítulo examina como podemos ir além dos pressupostos que inevita- velmente cada um de nós traz da própria expe- riência, passando a ampliar a nossa compreen- são do desenvolvimento humano para incluir outras abordagens culturais. Esse processo en- volve o desenvolvimentom baseado em perspec- tivas locais, de ideias mais informadas sobre pa- drões regulares, das seguintes maneiras: • indo além do etnocentrismo para levar em consideração perspectivas diferentes; • refletindo sobre objetivos diversos do de- senvolvimento; • reconhecendo o valor do conhecimento, tanto de membros quanto de não-mem- bros de determinadas comunidades cul- turais; • revisando de forma sistemática e aberta nossas convenções inevitavelmente locais, de forma que elas se tornem mais abran- gentes. Os dois próximos capítulos tratam de ques- tões associadas: as formas de conceber a relação entre processos culturais e individuais, a relação entre cultura e biologia (afirmando que os seres humanos são biologicamente culturais) e a ma- neira de pensar sobre a participação nas comuni- dades culturais em processo de mudança. Os capítulos restantes examinam as regu- laridades na natureza cultural de aspectos do desenvolvimento, como as relações das crianças com outras e com seus pais, o desenvolvimento das habilidades de pensar, lembrar-se e ler, os papéis de género e as formas que as comunida- des organizam para que as crianças aprendam. A Uteratura de pesquisa na qual me baseio nes- ses capítulos é abrangente, envolvendo métodos da psicologia, da antropologia, da história e da sociolinguística, da educação, da sociologia e de outros campos relacionados. Os diferentes mé- todos de pesquisa aprimoram-se uns aos outros, ajudando-nos a adquirir visões mais amplas e mais profundas acerca da natureza cultural do desenvolvimento humano. Na escolha de qual pesquisa incluir, privilegio investigações que A natureza cultural do desenvolvimento humano 23 parecem estar baseadas em algum envolvimento íntimo com a vida cotidiana nas comunidades estudadas, para facilitar a compreensão dos fe- nómenos à medida que se desenvolvem. O capítulo que conclui o livro se concentra na natureza permanentemente variável das tra- dições culturais, bem como no envolvimento das pessoas com elas e com sua criação. O capítulo se dedica particularmente às transformações re- lacionadas à formação escolar ocidental - que cada vez permeiam mais as vidas de crianças e adultos no mundo todo - para examinar proces- sos culturais dinâmicos que constroem novas formas, assim como se desenvolvem a partir de tradições culturais. Indo além dos pressupostos iniciais Dificilmente os peixes descobririam a existência da água. (Kluckhohn, 1949, p. 11) Da mesma forma que o peixe não tem cons- ciência da água até que a tenha debcado, as pes- soas muitas vezes tomam as formas de fazer as coisas em sua comunidade como algo natural. O envolvimento com pessoas cujas práticas diferem daquelas de nossa própria comunidade pode nos tornar cientes de aspectos do funcionamento hu- mano que não são observáveis até que estejam ausentes ou organizados de forma diferente (LeVine, 1966). "A parte mais valiosa do trabalho comparativo em outra cultura [é] a chance de ser abalado por ela e a experiência de lutar para compreendê-la" (Goldberg, 1977, p. 239). As pessoas que se inserem em comunidades diferentes das suas próprias muitas vezes vivenciam o "choque cultural". Seus novos ambientes funcio- nam de determinadas maneiras que entram em conflito com aquilo que elas sempre supuseram, e pode ser desconcertante refletir sobre as próprias formas culturais como uma opção, em vez de algo "natural". Um ensaio sobre o choque cultural ilus- tra essa noção ao descrever a descoberta de pres- supostos por parte de viajantes do hemisfério norte: Pressupostos são aquelas coisas que você não sabe que está fazendo, razão pela qual é tão desconcertante a primeira vez em que você tira a tampa de um ralo na Austrália e vê a água descendo pelo buraco em uma espiral no sen- tido inverso. As próprias leis da física estão lhe dizendo o quanto você está longe de casa. Na Nova Zelândia, mesmo os números no dis- co telefónico estão no sentido anti-horário, o que nada tem a ver com as leis da física: eles simplesmente fazem diferente lá. O choque é que nunca lhe havia ocorrido que houvesse ou- tra forma de fazê-lo. Na verdade, você jamais chegou a pensar sobre o assunto, e, de uma hora'para a outra, aU está: diferente. O chão escorrega de baixo dos seus pés. (Adams e Carwardine, 1990, p. 141) Mesmo sem estarmos imersos em outro sis- tema cultural, as comparações dos hábitos cul- turais podem criar desconforto entre pessoas que nunca haviam refletido sobre os pressupostos de suas próprias práticas culturais. Muitos indiví- duos sentem que os hábitos de sua própria co- munidade estão sendo questionados quando co- meçam a aprender sobre os hábitos distintos de outros grupos. Um autor americano de origem indígena afirmou que as comparações dos hábitos cultu- rais - necessárias para que se possam compreen- der os processos culturais - podem ser vivenciadas como um desafio desconfortável por pessoas acos- tumadas a apenas um sistema cultural: Esses contrastes e essas comparações tendem a polarizar as pessoas, fazendo-as sentir-se ata- cadas ou excluídas, porque todos nós tende- mos a considerar as comparações como julga- mentos (...) As comparações são inevitáveis e, portanto, também o é o viés cultural que todos nós promovemos como parte de nossa heran- ça. (Highwater, 1995, p. 214) Um de meus objetivos neste livro é separar os julgamentos de valor da compreensão das várias formas pelas quais os processos culturais funcionam no desenvolvimento humano. A ne- cessidade de evitarmos conclusões precipitadas sobre a adequação das atitudes de outras pesso- as fica muito clara na pesquisa cultural, e é o tema da próxima parte.
  • 8. 24 Barbara Rogoff Muitas vezes, também é necessário suspen- der o julgamento para compreendermos nossos próprios hábitos culturais. As pessoas supõem, por vezes, que o respeito pelos hábitos de outras implica criticar ou entrar em conflito com os seus próprios. Portanto, quero enfatizar que o objeti- vo é compreender os padrões das diferentes co- munidades culturais, separando a compreensão dos padrões do julgamento de seu valor. Se os jul- gamentos de valor são necessários, como é o caso muitas vezes, eles serão, assim, muito melhor informados se forem suspensos por tempo sufi- ciente para que se adquira alguma compreen- são dos padrões envolvidos em nossos próprios hábitos, bem como nos de outras comunidades, por vezes surpreendentes. Para além do etnocentrismo e dos modelos de déficit As pessoas costumam considerar as práti- cas de outras comunidades como bárbaras, su- pondo que a perspectiva de sua comunidade so- bre a reahdade é a única adequada, sensata ou civilizada (Berger e Luckmann, 1966; Campbell e LeVine, 1961; Jahoda e Krewer, 1997). Por exemplo, os antigos gregos promoviam sua pró- pria identidade cultural desvalorizando as pes- soas de idiomas, costumes e concepções da natu- reza humana diferentes (Riegel, 1973). Na ver- dade, a palavra bárbaro deriva do termo grego para "estrangeiro", "rude" e "ignorante" (Skeat, 1974). (E também é a origem do nome Barbara!) O termo era aplicado a tribos vizinhas que fala- vam línguas ininteKgíveis para os gregos, que es- cutavam apenas "bar-bar" quando estes falavam: Para além das áreas civilizadas fundamentais, ficavam as terras dos bárbaros, vestidos com pe- les, de maneiras rudes, glutões, imprevisíveis e de disposição agressiva, não aceitando seguir a lei, as regras e a religião(...) não totalmente hu- manos, porque não habitavam as cidades, onde a única vida verdadeira e maravilhosa poderia ser vivida, e porque pareciam não dispor de lin- guagem articulada. Eles eram barbaraphonoi, fa- lantes de bar-bar (Homero, Ilíada, 2.867) e, na visão de Aristóteles, isso os tomava escravos e marginais naturais. (Wolf, 1994, p. 2) Impor o julgamento de valor da própria comunidade sobre as práticas culturais de ou- tra, sem compreender de que forma essas práti- cas fazem sentido naquela comunidade, é etnocêntrico. O etnocentrismo diz respeito a fa- zer julgamentos segundo os quais os hábitos de uma outra comunidade cultural são imorais, não- inteligentes ou inadequados, com base na pró- pria origem cultural, sem levar em conta o senti- do e as circunstâncias dos eventos naquela comu- nidade. As práticas e as crenças de outra comu- nidade são avaliadas como inferiores, sem se considerarem suas origens, seu sentido e suas funções a partir da perspectiva daquela comuni- dade. É uma questão de prejulgar sem conheci- mento adequado. Por exemplo, é comum considerar a boa paternidade/maternidade em termos oriundos das práticas da própria comunidade cultural do observador. Carolyn Edwards (1994) caracteri- zou os valores contemporâneos da classe média dos Estados Unidos com relação à educação de filhos (tanto de pais quanto de especialistas no assunto) nos seguintes termos: A hierarquia é anátema; enfaticamente, não se deve permitir que crianças mais velhas do- minem as mais novas, o raciocínio e a negoci- ação verbais devem prevalecer, sempre se de- vem apresentar escolhas às crianças e a puni- ção física é considerada como o primeiro pas- so para o abuso infantil. Todas as ideias entrelaçadas representam um sistema de sig- nificados (Edwards, 1994, p. 6). Edwards indicou que, em outras comuni- dades, nem todos os componentes desse siste- ma de significados são encontrados. Se uma mãe no Quénia diz: "pare com isso ou vou bater em você", isso não significa a mesma coisa que se a declaração viesse de uma mãe norte-americana de classe média, de origem europeia. Em um ambiente no qual as pessoas precisam de uma certa rusticidade física e mental para ter êxito (em função dp trabalho físico pesado, da pronti- dão para a guerra, das longas marchas com ci- clos de fome), o uso ocasional de castigos físicos tem um significado bastante diferente do que A natureza cultural do desenvolvimento humano 25 em um ambiente no qual o conforto físico é muitas vezes tido como natural. Em compara- ção, uma mãe queniana não cogitaria negar a comida a seus filhos como punição: "para ela, o que as mães americanas fazem (no melhor inte- resse de seus filhos), a saber, limitar a ingestão de comida dos filhos e os privar da comida deli- ciosa, disponível e desejada, seria terrível, impensável, quase um abuso infantil!" (Edwards, 1994, p. 6-7). Vistos de fora de cada sistema de significados, ambos os conjuntos de práticas po- dem ser julgados como inadequados, ao passo que, se vistos de dentro, fazem sentido. Desde o século XVIII, os estudiosos têm os- cilado entre o modelo de déficit - os "selvagens" não possuem razão nem ordem social - e uma visão romântica do "nobre selvagem" vivendo no estado natural harmonioso, não degradado pelas restrições da sociedade (Jahoda e Krewer, 1997). Ambos os extremos tratam as pessoas de comuni- dades culturais que não aquelas do observador como estranhos a ser repreendidos (ou de quem se deve ter compaixão), por um lado, ou a ser venerados intensamente, por outro. Tais modelos ainda vigoram entre nós. Um exemplo do modelo de déficit surge em um re- latório baseado em uma semana de trabalho de campo entre os yolngus, uma comunidade aborí- gine da Austrália, o qual chegou à seguinte con- clusão: Os seres humanos podem continuar existindo i'.m níveis muito reduzidos de desenvolvimen- to cognitivo. Tildo o que precisam fazer é re- rroduzir-se. Os yolngus não são, evidentemen- te, em minha opinião, um grupo extremamen- te avançado. Mas não se questiona muito o fato de que a cultura euro-americana é amplamente superi- or em sua flexibilidade, sua tolerância à varie- dade, seu pensamento científico e seu interes- se nas possibilidades emergentes a qualquer sociedade primitiva existente. (Hippler, citado e criticado por Reser, 1982, p. 403) Por muitos anos, os pesquisadores têm com- parado pessoas negras nos Estados Unidos com euro-americanos, utihzando um modelo de dé- ficit no qual a forma de educação e as habilida- des destes têm sido consideradas como "nor- mais". As variações de outras comunidades têm sido consideradas aberrações ou déficits, e se têm projetado programas de intervenção para com- pensar as "privações culturais" das crianças. (Ver as discussões dessas questões em Cole e Bruner, 1971; Cole e Means, 1981; Deyhle e Swisher, 1997; Garcia Coll, Lamberty, Jenkins, McAdoo, Crnic, Wasik e Garcia, 1996; Hays e Mindel, 1973; HiUiard e Vaughn-Scott, 1982; Howard e Scott, 1981; McLoyd e Randolph, 1985; McShane e Berry, 1986; Moreno, 1991; Ogbu, 1982; Valentine, 1971.) Crianças e adolescentes negros têm sido retra- tados, muitas vezes, como "problemas" que dis- secamos e analisamos com os instrumentos pre- tensiosamente objetivos e imparciais de nosso ofício (...) Utilizando uma amostra de brancos como "controle", [a pesquisa] passa a conduzir análises comparativas (...) Começando pelo pressuposto de imi problema, buscamos as di- ferenças, as quais, concluímos, servem como prova de que o problema existe. (Cauce e Gonzales, 1993, p. 8) Separando os julgamentos de valor das explicações Para compreender o desenvolvimento, é útil separarmos os julgamentos de valor das ob- servações dos eventos. E importante que se exa- minem o significado e as funções dos eventos para a estrutura cultural e os objetivos locais, evitando deliberadamente a imposição arbitrá- ria dos próprios valores a um outro grupo. A interpretação da atividade das pessoas sem levar em consideração seu sistema de significa- dos e objetivos toma as observações desprovidas de sentido. Precisamos compreender a coerência daquUo que as pessoas de outras comunidades fazem, em lugar de simplesmente determinar que alguns gmpos de pessoas não fazem o que "nós" fazemos, ou não o fazem tão bem, ou da forma que fazemos, ou tirar conclusões precipitadas de que suas práticas são bárbaras. Para reduzir o etnocentrismo, não é neces- sário evitar julgamentos de valor (informados) ou esforços para realizar transformações. Não
  • 9. 26 Barbara Rogoff precisamos abrir mão de nossos hábitos para nos tornarmos mais semelhantes a pessoas de outra comunidade, e tampouco proteger as comuni- dades da mudança. Se quisermos ir além da ideia de que uma forma de agir é necessariamente melhor, podemos considerar as possibilidades de outras, buscando compreender como funcionam e as respeitando em seu tempo e espaço. Isso não significa que todas as formas sejam boas - muitas práticas de comunidade são objetáveis. Meu argumento é que os julgamentos de valor devem ser bem-informados. As pessoas comuns estão constantemente tomando decisões que têm impacto sobre outras; se elas vêm de comunidades diferentes, é essen- cial que os julgamentos sejam informados pelo significado das ações das pessoas dentro dos objetivos e práticas de sua própria comunidade. Um exemplo trágico das consequências da incompreensão etnocêntrica - fazer julgamen- tos não-informados - é a descrição do problema médico enfrentado por uma criança hmong na Califórnia, quando os pressupostos e os padrões de comunicação do sistema de saúde dos Esta- dos Unidos eram incompatíveis com os de sua família e de sua comunidade familiar (Fadiman, 1997). Os pressupostos culturais não-questiona- dos dos trabalhadores em saúde contribuíram para a deterioração do tratamento da criança. A diversidade das formas culturais em um país e no mundo constitui um recurso para a criatividade e o futuro da humanidade. Assim como ocorre com a importância de apoiarmos a diversidade das espécies para continuar a adap- tação da vida à mudança nas circunstâncias, a diversidade das formas culturais é um recurso que protege a humanidade da rigidez das práti- cas que poderiam ameaçar as espécies no futuro (veja Cajete, 1994). Somos incapazes de prever as questões que a humanidade deverá enfren- tar, de forma que não podemos ter certeza de que qualquer forma de abordar as questões hu- manas continuará a ser eficaz. Nas práticas e vi- sões de mundo de diferentes comunidades, es- tão ideias e práticas que podem ser importantes para lidar com os desafios que nos esperam. Uma cultura humana uniforme limitaria as possibili- dades de tratarmos com eficácia as necessida- des futuras. Assim como a cura para alguma doença fatal pode estar em uma mistura feita com folhas em uma floresta tropical, o conheci- mento e as habilidades de uma pequena comu- nidade distante (ou vizinha à nossa) podem pro- porcionar a solução para outras enfermidades do presente ou do futuro. Embora as burocraci- as sejam desafiadas pela variedade e se sintam confortáveis com a uniformidade, a vida e a aprendizagem dependem da presença de impro- visações diversas. Os objetivos variados do desenvolvimento Para ir além do próprio sistema de pressu- postos, é fundamental reconhecer que os objeti- vos do desenvolvimento humano - aquilo que se considera como maduro ou desejável - vari- am consideravelmente segundo as tradições e as circunstâncias culturais das diferentes comu- nidades. As teorias e a pesquisa sobre desenvolvi- mento humano costumam revelar um pressupos- to de que ele avança (e deveria avançar) rumo a um único ponto final de maturidade desejável. Quase todas as "grandes teorias" conhecidas do desenvolvimento especificam uma única traje- tória evolutiva, rumo a um ápice semelhante aos valores da comunidade dos próprios teóricos ou, mais ainda, de sua própria trajetória de vida. Por exemplo, os teóricos que são extremamente le- trados e passaram muitos anos na escola costu- mam considerar essa cultura e as formas de pen- sar e agir ligadas à escola euro-americana como sendo centrais para os objetivos do desenvolvi- mento bem-sucedido, e mesmo como definidores de uma evolução cultural "superior" de socieda- des inteiras. Ideias de evolução cultural linear A ideia de que as sociedades se desenvol- vem ao longo de uma dimensão que vai do pri- mitivo até "nós" infesta, há muito tempo, o pen- samento relacionado aos processos culturais. Um exemplo claro aparece numa carta a um amigo. A natureza culmral do desenvolvimento humano 27 escrita por Thomas Jefferson, no início do sécu- lo XIX: Que um observador filosófico dê início a uma jornada, partindo dos selvagens das Montanhas Rochosas, rrnno ao nosso litoral, no sentido les- te. A estes, ele observaria no estágio primeiro da associação, vivendo sem qualquer lei que não a da natureza, subsistindo e se cobrindo com a carne e a pele de bestas selvagens. A seguir, encontraria aqueles que vivem em nos- sas fronteiras no estado pastoral, criando ani- mais domésticos para suprir as deficiências da caça. Então viriam nossos próprios cidadãos semibárbaros, os pioneiros do avanço da civi- lização e, sucessivamente, ele encontraria as matizes graduais do homem em processo de aperfeiçoamento, até que atingisse o seu esta- do mais avançado, até agora, em nossas cida- des portuárias.. Isso, na verdade, equivale a uma pesquisa, no tempo, sobre o progresso do homem, da infância da criação até os dias de hoje. (Pearce, citado em Adams, 1996, p. 41) O pressuposto de que a evolução social pro- gride rumo a uma diferenciação crescente da vida social - a partir da simplicidade "atrasada" dos povos "primitivos" - é o legado do pensamento intelectual do final do século XIX e início do sé- culo XX (Cole, 1996; Jahoda, 2000; Shore, 1996). Por exemplo, em 1877, o evolucionista cultural Lewis Henry Morgan propôs sete está- gios de progresso humano: selvageria inferior, selvageria média, selvageria superior, barbaris- mo inferior, barbarismo médio, barbarismo su- perior e civihzação. A sociedades eram situadas na escala segundo uma série de atributos. A monogamia e a família nuclear, a agricultura e a propriedade privada eram especialmente impor- tantes a essa ideia de caminho rumo à civiliza- ção, como base da organização económica e so- cial (Adams,1996). A elaboração académica da ideia de evolu- ção cultural linear ocorreu durante a mesma época em que surgiram as disciplinas da psico- logia, da antropologia, da sociologia e da histó- ria, subdividindo os tópicos da investigação mais ampla. Como observou Michael Cole (1996), era também o período em que as grandes estruturas burocráticas cresciam para dar conta da educa- ção (nas escolas) e da atividade económica (nas fábricas e organizações industriais). Também durante essa época, a influência europeia atin- gia seu pico na Áfi-ica, na Ásia e na América do Sul; na América do Norte, grandes fluxos de imigrantes da Europa inundavam as crescentes cidades, fugindo da pobreza em seus países de origem e se juntando a americanos da zona ru- ral em busca de promessas nas cidades dos Esta- dos Unidos. O sistema da escola formal "ocidental," de base europeia, era considerado como um instru- mento fundamental para civilizar aqueles que ainda não haviam "avançado para essa etapa". Os políticos falavam da escola como forma de acelerar o processo evolutivo (Adams, 1996). Nas palavras do comissário de educação dos Estados Unidos, William Torrey Harris, na década de 1890: Será que deveríamos dizer aos povos tribais que eles não devem atingir essas coisas mais eleva- das, a menos que passem por todas as etapas intermediárias, ou podemos lhes ensinar dire- tamente essas coisas superiores, e os salvar do lento avanço das eras? À luz da educação cris- tã, dizemos que há um método de avanço rápi- do, A educação assumiu um grande poder em nossas mãos, e acreditamos que podemos ago- ra, em seu nome, salvar-lhes de muito daquilo por que a raça branca teve de passar, Observem o feudalismo. Observem a etapa da comunida- de de aldeia (,..) Tivemos nossas atribulações com elas. Mas dizemos para as raças inferiores: podemos ajudá-los a sair disso. Podemos ajudá- los a evitar as etapas imperfeitas que se suce- dem rumo ao nosso nível. Dêem a nós vossos filhos e os educaremos no jardim de infância e em nossas escolas. Dar-lhes-emos as letras e os tornaremos conhecedores da página impressa. (Citado em Adams, 1996, p. 43) O pressuposto de que as sociedades se de- senvolvem de forma linear, do primitivo ao avan- çado, sobreviveu até a segunda metade do sécu- lo XX (Cole, 1996; veja, também, Latouche, 1996). Quando, após a Segunda Guerra Mundial, a ONU planejou o "desenvolvimento" econômi-
  • 10. 28 Barbara Rogoff CO e político para os impérios coloniais que ha- viam ganhado a independência, o objetivo era tomá-los mais "desenvolvidos" (em um sentido unidirecional, semelhante às tentativas anterio- res de tomá-los mais "civilizados"). O sistema escolar formal foi uma ferramenta fundamen- tal. Modelado segundo as escolas europeias ou norte-americanas, espalhou-se por todos os an- tigos impérios coloniais para "resgatar" as pes- soas da pobreza e da ignorância e trazê-las para maneiras de viver "modernas". Para além dos pressupostos de um único objetivo para o desenvolvimento humano Pressupostos sobre o que é desejável para o desenvolvimento humano com base em nossa própria vida são muito difíceis de ser detectados por parte de pesquisadores e teóricos, em função da semelhança em suas origens (sendo, até re- centemente, quase que exclusivamente homens com alto nível de escolaridade da Europa e Amé- rica do norte). Como apontou Ulric Neisser (1976), definições autocentradas de inteligência formam a base dos testes de intehgência: Os académicos estão entre os mais vigorosos defensores da noção de inteligência (...) Os tes- tes parecem tão obviamente válidos para nós, que somos membros da comunidade académi- ca (...) Não há dúvida de que a Intehgência Académica é realmente importante para o tipo de trabalho que fazemos. Escorregamos com facilidade para a crença de que é importante para todo o tipo de trabalho significativo (...) Dessa forma, os académicos acabam concen- trando suas atividades profissionais em uma determinada qualidade pessoal, como exempli- ficado em um certo conjunto de habilidades. A seguir, avançamos para definir a qualidade em termos desse conjunto de habilidades e finali- zamos afirmando que as pessoas que carecem dessas habilidades especiais são ignorantes em absoluto. Hordas de pesquisadores e teóricos fora de suas próprias comunidades culturais e uma cres- cente comunicação entre indivíduos que cresce- ram entre as tradições de mais de uma comuni- dade têm ajudado os estudos a avançarem para além desses pressupostos etnocêntricos. A pes- quisa e a teoria atualmente prestam mais aten- ção às formas como os objetivos de diferentes comunidades se relacionam aos ideais de desen- volvimento das crianças (veja Super e Harkness, 1997). Por exemplo, a pesquisa cultural tem cha- mado a atenção para as variações na relevância de habihdades de alfabetização ou pré-alfabeti- zação em diferentes comunidades. Em uma co- munidade na qual essa habilidade é fundamen- tal para a comunicação e o sucesso económico na idade adulta, estudantes em nível de pré-es- cola podem precisar apreender a distinguir en- tre cores e formas de pequenas marcas de tinta. Entretanto, se a alfabetização não for central às práticas de uma comunidade, a habilidade das crianças pequenas para detectar variações em rabiscos de tinta pode ter pouca relevância. Da mesma forma, se a alfabetização cum- pre funções religiosas importantes, os adultos poderão inculcar sua relevância em crianças pe- quenas (veja a Figura 1.3). Por exemplo, nas comunidades judaicas da Europa no início do século XX, o primeiro dia de escola de um meni- no envolvia uma grande cerimónia que transmi- tia o caráter sagrado e atrativo do estudo (Wozniak, 1993). O pai do menino o levava até a escola coberto por um xale de oração para que ele não visse qualquer coisa profana no cami- nho, e, na escola, o rabino escrevia o alfabeto em mel sobre uma lousa, enquanto outros adul- tos jogavam doces sobre a criança, dizendo que os anjos o haviam feito, para que ele gostasse de estudar. Formas de falar associadas à escola são valorizadas em algumas comunidades, mas não em outras, e as crianças adquirem habilidade no uso do estilo narrativo valorizado por sua comu- nidade (Minami e McCabe, 1995; Mistry, 1993a; ScoUon e ScoUon, 1981; Wolf e Headr, 1992). Por exemplo, o estilo narrativo utilizado nas ati- vidades chamadas de "compartilhar o tempo" (mostrar algo e contar uma história) por crianças afro-americanas envolve muitas vezes a elabo- ração de temas em episódios conectados, ao pas- so que o estilo narrativo utilizado por crianças euro-americanas poderá empregar descrições ri- gidamente estraturadas, centradas em um único tópico, que se aproximam mais dos estilos literá- rios que os professores dos Estados Unidos que- rem estúnular (Michaels e Cazden, 1986). Quan- do se apresentam a adultos euro-americanos nar- rativas das quais foram suprimidas as informa- ções relacionadas aos grupos a que as crianças pertencem, eles avaliam o estilo das crianças euro- americanas como sendo mais habilidoso e indicativo de uma maior chance de sucesso na leitura. Em comparação, os adultos afro-ameri- canos consideram as narrativas das crianças afro- americanas mais bem-informadas e indicadoras das habilidades de linguagem e probabilidade de sucesso na leitura. O julgamento dos adultos re- fletia sua apreciação do uso, pelas crianças, de roteiros culturais compartilhados que especificam aquilo que é interessante de ser contado e como estmturá-lo (Michaels e Cazden, 1986). Um foco na alfabetização ou nos estilos discursivos promovidos nas escolas pode não ter tal importância em alguns ambientes culturais em que talvez seja mais relevante para as crian- ças aprender a prestar atenção às nuanças dos A natureza cultural do desenvolvimento humano 29 m i padrões do clima ou indicações sociais com re- lação às pessoas ao seu redor, usar palavras de forma inteligente em duelos verbais, ou compre- ender a relação entre eventos humanos e sobre- naturais. A resposta dos índios das Cinco Nações da Liga dos Iroqueses a um convite feito, em 1744, pelos Comissários do estado norte-ameri- cano da Virgínia, para que enviassem meninos ao William and Mary CoUege, ilustra as diferen- ças entre seus objetivos: Os senhores, que são sábios, devem saber que nações diferentes têm concepções distintas a respeito das coisas e, portanto, não levarão a mal se nossas ideias acerca desse tipo de edu- cação não forem iguais às suas. Tivemos algu- mas experiências com isso; vários de nossos jovens foram educados no passado em facul- dades nas províncias do norte; eles foram ins- truídos em todas as suas ciências, mas quando voltaram a nós (...) [eram] ignorantes com re- lação a todas as formas de viver na floresta (...) não estavam preparados para ser caçado- res, guerreiros ou conselheiros; eram totalmen- te inúteis. Contudo somos muito gratos por sua generosa oferta (...) e para demonstrar nossa gratidão, se os cavaleiros da Virgínia quiserem
  • 11. 30 Barbara Rogoff enviar uma dúzia de seus filhos, cuidaremos muito bem de sua educação e os instruiremos em tudo o que sabemos e faremos deles ho- mens. (Citado em Drake, 1834) Um exemplo mais contemporâneo das di- ferenças nos objetivos vem de mães da Africa Ocidental que haviam emigrado há pouco tem- po para Paris. Elas criticavam o uso que os fran- ceses faziam de brinquedos para ensinar algo aos bebés sobre o futuro, dizendo que isso os cansa- va e preferiam apenas deixar que os bebés brin- cassem, sem fatigá-los (Rabain Jamin, 1994). Parte de sua crítica também estava relacionada a uma preocupação de que esse foco nos objetos causasse empobrecimento da comunicação e iso- lamento (de forma muito semelhante aos pais de classe média nos Estados Unidos que expres- sam preocupação sobre o impacto negativo dos videogames). Essas mães africanas pareciam priorizar a inteligência social sobre a tecnológica (Rabain Jamin, 1994). Elas respondiam mais frequentemente à ação social de seus bebés de 10 a 15 meses, e menos às iniciativas com rela- ção aos objetos, que as mães francesas. As afri- canas muitas vezes estruturavam a interação com seus bebés em tomo de outras pessoas, ao passo que as francesas concentravam a interação na exploração de objetos inanimados (veja, tam- bém, Seymour, 1999). Quando acontecia de a interação se concentrar nos objetos, as mães afri- canas enfatizavam suas funções sociais, tais como o aprimoramento dos relacionamentos sociais por meio do compartilhamento, em lugar do uso de objetos ou de esquemas de ação. A priorização dos relacionamentos sociais também acontece nas comunidades dos Apalaclies, nos Estados Unidos, nas quais os compromissos com outras pessoas costumam prevalecer sobre a finalização da escola. Quando membros da famí- lia ou vizinhos passam por tempos difíceis, os jovens dos Apalaches muitas vezes deixam o ensino médio para ajudar a resolver as coisas (Timm e Borman, 1997). A solidariedade social é valorizada acima da realização individual. A demanda de parentes e vizinhos geralmente pre- valece, e assim tem sido durante gerações. Em cada comunidade, o desenvolvimento humano é orientado por objetivos locais, que priorizam aprender a funcionar no âmbito das instituições e tecnologias culturais da comuni- dade. Os adultos priorizam os papéis e as práti- cas adultas de suas comunidades, ou das comu- nidades que visuaUzam para o futuro, e as ca- racterísticas pessoais consideradas como apro- priadas a papéis adultos (Ogbu, 1982) (obvia- mente, grupos diferentes podem se beneficiar da aprendizagem com outros, e muitas vezes as pes- soas participam de mais de uma comunidade cul- tural - assuntos que serão abordados posterior- mente neste livro). Embora se deva reconhecer a variação cul- tural nos objetivos de desenvolvimento, isso não significa que cada comunidade tenha um con- junto único de valores e objetivos. Existem re- gularidades entre as variações. Meu argumento é o de que a ideia de um único "resultado" dese- jável de desenvolvimento precisa ser descartada por ser etnocêntrica. Na verdade, a ideia de um "resultado" de desenvolvimento é originária de uma forma es- pecífica de enxergar a infância: como prepara- ção para a vida. Ela pode estar relacionada à se- paração das crianças de atividades importantes em sua comunidade, que aconteceu a partir da industrialização em algumas sociedades (discu- tida em capítulos posteriores). O tratamento da infância como uma época de preparação para a vida difere do modo de vida das comunidades nas quais as crianças participam de atividades adultas locais, não sendo segregadas da vida dos mais velhos e situadas em ambientes preparató- rios especializados, tais como as escolas. Para aprendermos a partir de comunida- des que não as nossas, e acerca delas, precisa- mos ir além dos pressupostos etnocêntricos dos quais cada um de nós parte. Muitas vezes, o pas- so inicial mais difícil é reconhecer que nossas visões originais são geralmente uma decorrên- cia de nossa própria experiência cultural e não a única forma correta ou possível. Tal compreen- são pode ser desconfortável, porque as pessoas às vezes supõem que, para compreender respei- tosamente os modos de vida de outros, devem A natureza cultural do desenvolvimento humano 31 criticar os seus próprios. Uma postura voltada à aprendizagem, que suspenda o julgamento tan- to a respeito dos próprios modos de vida quanto dos de outros, é necessária para chegarmos a entender como as pessoas que vivem conosco e em outros lugares funcionam em suas tradições e circunstâncias locais, bem como para desen- volvermos uma compreensão geral do desenvol- vimento humano, com características universais construídas a partir de variações locais. As pers- pectivas de aprendizagem na pesquisa cultural são aumentadas pela comunicação entre mem- bros de comunidades específicas e não-membros, do que trataremos na próxima parte. Aprendendo por meio da comunicação entre membros e não-membros Para que nossa compreensão do desenvol- vimento humano vá além dos pressupostos e in- clua a perspectiva de outras comunidades, é es- sencial a comunicação entre "membros" e "não- membros" da comunidade. Não é uma questão a respeito de qual perspectiva está correta: ambas têm um ponto de vista sobre os fenómenos que ajuda a construir o conhecimento. Entretanto, as discussões nas ciências soci- ais muitas vezes questionam se a perspectiva dos membros ou dos não-membros deveria ser to- mada como a representação da verdade (veja Clifford, 1988; LeVine, 1966). Os argumentos envolvem a discussão sobre se membros ou não- membros de determinadas comunidades têm acesso exclusivo ao conhecimento, ou se as vi- sões de uns ou de outros são mais dignas de cré- dito (Merton, 1972; Paul, 1953; Wilson, 1974). Alguns já argumentaram que, dada a varie- dade de perspectivas, não existe uma verdade, de modo que devemos abrir mão do esforço para compreender a vida social. Mas essa visão me parece pessimista demais. Se a adotássemos, fi- caríamos paralisados não apenas na pesquisa em ciências sociais, mas também na vida cotidiana, porque tal compreensão é exigida o tempo todo. O argumento de que apenas os membros de uma comunidade têm acesso ao significado real dos eventos que ocorrem nela, de modo que as opiniões dos não-membros devem ser descar- tadas, não se sustenta quando se observam as grandes variações de opinião entre os próprios membros da comunidade e as dificuldades em determinar quem está qualificado para represen- tar o grupo. Além disso, os membros costumam ter dificuldades para prestar atenção a suas pró- prias práticas, já que tomam suas maneiras de agir como naturais, como o peixe que.não tem consciência da água. Mais além, como discuto mais integralmen- te no Capítulo 3, os indivíduos costumam parti- cipar simultaneamente de várias comunidades diferentes. Cada vez mais, os limites entre estar dentro e fora se confundem à medida que as pessoas convivem em várias comunidades (veja Clifford, 1997; Walker, 2001). Por exemplo, pes- soas de ascendência mexicana que moram no que agora são os Estados Unidos não são total- mente não-membros de comunidades euro-ame- ricanas, pois as práticas e políticas das duas co- munidades são inter-relacionadas. Da mesma forma, um antropólogo que passa 10 ou 50 anos trabalhando em uma comunidade participa dela de alguma maneira e adquire uma certa visão local. Os jovens que crescem em uma família com várias origens culturais, como é cada vez mais comum, têm algumas visões de dentro e algu- mas de fora com relação a cada uma dessas co- munidades. As sobreposições que perpassam as comunidades também vêm da mídia, dos conta- tos cotidianos e dos empreendimentos compar- tilhados, sejam conjuntos, complementares ou contestados (veja a Figura 1.4). Sendo assim, referir-se a indivíduos como estando às vezes "dentro" ou "fora" de determi- nadas comunidades é muitas vezes uma simpli- ficação; muitas comunidades não têm fronteiras rígidas ou homogeneidade que permitam clara- mente a determinação do que significa estar "dentro" ou "fora" delas (no Capítulo 3, afirmo que precisamos ir além de pensar somente na condição de membro de um único grupo estático, e, em lugar disso, na participação das pessoas em práticas culturais de comunidades dinami- camente relacionadas, cuja ênfase para os parti- cipantes poderá variar).
  • 12. 32 Barbara Rogoff Figura 1.4 Leonor, Virgínia e Angélica Lozano (da esquerda para a direita), sentadas ao redor da primeira televisão da família em sua casa, por volta de 1953 (méxico-americanas). Para chegar a uma maior compreensão do funcionamento humano, as pessoas que estão famiUarizadas com diferentes comunidades pre- cisam combinar suas observações distintas. O que chamam de "verdade" é simplesmente nosso acordo momentâneo sobre o que parece ser uma forma útil de compreender as coisas, e está sem- pre passando por revisões, que se dão a partir de intercâmbios construtivos entre pessoas com perspectivas diferentes, O avanço na compreen- são, portanto, é uma questão de tentar perma- nentemente entender as diferentes perspectivas, levando em conta as origens e as posições dos observadores. As diferenças de perspectiva são necessárias para ver e para compreender, A percepção visual exige movimentos imperceptíveis dos olhos com relação à imagem. Se a imagem se move de for- ma coordenada com os movimentos dos oUios, a uniformidade de posições resultante faz com que ela não possa ser vista. Da mesma forma, se fe- charmos um olho, perdendo o segundo ponto de vista proporcionado pela visão binocular, nossa percepção de profundidade se reduz muito. De maneira semelhante, tanto as pessoas com iden- tificações profundas dentro de uma comunidade (membros) e aquelas com pouco contato nela (não-membros) enfrentam dificuldades para fa- zer e interpretar observações. Entretanto, traba- lhando juntos, umas e outras podem contribuir para uma descrição mais construtiva do que cada perspectiva permithria por conta própria. A natureza cultural do desenvolvimento humano 33 A posição dos não-membros Ao buscar compreender as práticas de uma comunidade, os que não são membros dela en- contram dificuldades devido às reações das pes- soas à sua presença (medo, interesse, cortesia) bem como de sua própria falta de familiaridade com a rede local de significados dos eventos. Os não-membros são recém-chegados ao sistema de significados, com uma compreensão limitada de como as práticas se relacionam e como se de- senvolveram a partir de eventos anteriores. Ao mesmo tempo, enfrentam os pressupostos dos membros da comunidade que, invariavelmente, tentam compreender qual é o papel do não-mem- bro na comunidade, utihzando suas categorias cotidianas sobre como tratar o recém-chegado. A identidade do não-membro não é neutra, possibilitando acesso apenas a algumas situações, e gerando reações específicas quando ele está presente. Por exemplo, entre os zinacantecas, um grupo maia do México, Berry Brazelton (1977) observou o medo de observadores, tanto em adul- tos quanto em crianças, em seu estudo do desen- volvimento infantil: O "olho grande" nos é atribuído automatica- mente (...) Os efeitos da ansiedade com rela- ção a estranhos sobre o bebê são reforçados em muito pela constante ansiedade dos pais com relação à nossa presença. Não tínhamos condições de nos relacionar com bebés de mais de 9 meses de idade, porque o efeito era mui- to poderoso. (Brazelton, 1977, p, 174) Por outro lado, um observador pode gerar interesse e hospitalidade, que podem ser mais confortáveis, mas também se tornam parte dos eventos observados, Ruth Munroe e Lee Munroe (1971) relataram que, em domicílios logohs na África, assim que um observador chegava para estudar práticas de cuidado cotidiano de bebés, o bebê era aprontado para ser mostrado. As mães logolis cooperavam bastante, juntando seus fi- lhos e os trazendo para que o observador inspe- cionasse. Em tais circunstâncias, as observações teriam de ser interpretadas como um aspecto de uma saudação pública. Da mesma forma, Mary Ainsworth (1977) relatou que foi classificada como visitante entre os gandas, de Uganda; as mães insistiram para que ela observasse duran- te a tarde, um tempo geralmente destinado ao lazer e a receber visitas. Em um estudo sobre quatro comunidades diferentes, os pais variaram em sua perspectiva sobre o propósito de uma visita com entrevista e observação de interações mãe-bebê (Rogoff, Mistry, Gõncú e Mosier, 1993), Em algumas co- munidades, eles consideraram o fato como uma visita amigável de um conhecido interessado no desenvolvimento e habilidades de crianças; em outras, foi uma obrigação social agradável aju- dar o professor da escola local ou pesquisador respondendo perguntas, ou uma oportunidade para exibir as habilidades e as roupas novas de seus filhos. Com humor em seu tom de voz, uma mulher turca perguntou à pesquisadora, que havia crescido no local, mas estudou no exterior: "esse é um concurso internacional,,, não é?". As questões sobre como mterpretar as ob- servações estão vinculadas a restrições ao aces- so dos não-membros. Por exemplo: Entre as mães hausas, o costume não é demons- trar afeição por seus bebés em público, Atual- mente, os psicólogos preocupados com criação e dependência se perderão em suas contagens de frequência caso não compreendam esse as- pecto. Um [observador] casual provavelmen- te irá testemunhar apenas a interação pública; somente quando se faz uma investigação mui-, to mais profunda, a ausência do evento é colo- cada na perspectiva adequada, (Price-Williams, 1975, p, 17) Existem poucas situações nas quais a pre- sença do observador não-membro não transfor- ma eventos contínuos em eventos públicos: se o evento já é público, se sua presença não é detec- tada, ou se ele é tão famiUar que ela passa des- percebida. Obviamente, sua presença como mem- bro conhecido de um domicílio demandaria in- terpretação nesse contexto, da mesma forma que a presença de outras pessoas conhecidas deveria ser considerada na interpretação da cena.
  • 13. 34 Barbara Rogoff A posição dos membros As questões enfrentadas por membros e não-membros estão relacionadas ao fato de que as pessoas estão sempre funcionando em um contexto sociocultural. A interpretação que uma pessoa tem da situação é necessariamente a de alguém de um determinado tempo e de uma constelação de experiências específica. E, se a presença da pessoa é detectada em uma situa- ção, ela é participante desta. Não há como esca- par da interpretação e da apresentação social. As diferenças na forma como as pessoas agem quando pensam estarem ou não sendo observadas ilustram a maneira como a simples presença de um observador (ou de uma câmera de vídeo) influencia o comportamento. Por exem- plo, as mães de classe média nos Estados Uni- dos têm interações diferentes com seus bebés quando pensam que estão sendo observadas em um estudo de pesquisa (o equipamento de vídeo estava funcionando abertamente) em relação a quando pensavam que estavam simplesmente esperando em uma sala de observações (o equi- pamento de vídeo estava sendo consertado, mas havia observadores por de trás de um vidro espelhado). O comportamento das mães quan- do pensavam que estavam sendo observadas re- fletia os conceitos da classe média dos Estados Unidos sobre o que é ser uma "boa mãe" (Gra- ves e Glick, 1978). O quanto falavam com seus filhos dobrou, e elas utilizaram mais solicitações indiretas, desenvolveram mais atividades de aprendizagem de nomes de objetos e ações e fi- zeram mais perguntas que quando pensavam que não estavam sendo observadas. Os membros também podem ter acesso li- mitado a situações em função de sua identidade social. Por exemplo, a posição de sua família na comunidade e sua reputação pessoal não são questões que se possam suspender com facilida- de. Quando entram nas casas dos outros, os membros levam com eles os papéis que eles pró- prios e sua família costumam cumprir. Pode ser difícil para pessoas de um género entrar em si- tuações costumeiras para o outro, sem levantar suspeitas. O estado civil de uma pessoa costuma ser importante para as situações e a forma pela qual ela interage com outras. Por exemplo, po- deria ser difícil para um jovem local entrevistar uma família caso ele fosse um dos pretendentes de uma das filhas da família, ou se o avô da fa- mília tivesse sido acusado, muito tempo atrás, de enganar o avô do jovem em uma questão re- lativa à propriedade. Um membro do grupo, as- sim como um não-membro, está longe de ter uma posição neutra na comunidade. Além disso, é pouco provável que um mem- bro de uma comunidade relativamente homo- génea tenha refletido sobre fenómenos que seri- am do interesse de um não-membro. Como foi mencionado na parte sobre etnocentrismo, as pessoas com experiência em apenas uma comu- nidade costumam supor que a maneira como as coisas são feitas ali é a mais razoável. Tal pres- suposto é tão profundo que muitas vezes não temos ciência de nossas próprias práticas, a me- nos que tenhamos a oportunidade de verificar que outros fazem as coisas de forma diferencia- da. Mesmo que práticas distintas tomem os mem- bros de uma comunidade cientes de suas própri- as práticas, eles ainda podem interpretá-las de maneiras que se ajustem a pressupostos incontestados: Raramente reconhecemos o quanto nossas esti- mativas conscientes sobre o que vale a pena e o que não vale se devem a padrões dos quais não temos qualquer consciência. Mas, em geral, pode-se dizer que as coisas que tomamos como naturais, sem questionar ou refletir, são preci- samente aquelas que determinam o nosso pen- samento consciente e decidem nossas conclu- sões. E esses hábitos que estão abaixo do mVel de reflexão são exatamente aqueles que foram formados no intercâmbio constante do relacio- namento com outros. (Dewey, 1915, p. 22) A seguir, examina-se de que forma as in- terpretações distintas podem ser utilizadas e, após, modificadas, no esforço para chegarmos a descrições mais satisfatórias do desenvolvimen- to humano em diferentes comunidades culturais. A compreensão que transcende grupos culturais exige a adoção de A natureza cultural do desenvolvimento humano uma forma de encontro que chamo de apren- dizagem para a autotransformação, ou seja, si- tuar a si próprio e ao outro em um espaço pri- vilegiado de aprendizagem, onde o desejo não [seja] apenas adquirir "informação" ou "repre- sentar", e sim reconhecer e acolher a transfor- mação no interior de si próprio, por meio do encontro. Embora Geertz afirme não ser ne- cessário (ou mesmo possível) adotar a visão de mundo do outro para que se a compreenda (...) também acho que a verdadeira compre- ensão deve ser baseada no sentido de humil- dade verdadeira, necessário para que se apren- da: o sentido de que aquilo que está aconte- cendo com outra pessoa tem, talvez, algumas lições a me dar (Hoffman, 1997, p. 17) Movendo-se entre as compreensões local e global Os pesquisadores que trabalham como não- membros da comunidade que estão estudando têm enfrentado as dificuldades de fazer infe- rências com base naquilo que observam (os con- ceitos que os pesquisadores culturais desenvol- veram são importantes para qualquer pesquisa na qual um investigador esteja tentando compreen- der pessoas diferentes de si próprio, incluindo o trabalho com pessoas de idade ou género dife- rentes). O dilema está no valor da pesquisa: ela precisa refletir os fenómenos a partir de uma pers- pectiva que faça sentido do ponto de vista local e, ao mesmo tempo, ir além da simples apresenta- ção dos detalhes de um local de referência espe- cífico. A questão diz respeito à combinação eficaz da profundidade de compreensão sobre as pesso- as e os ambientes estudados e a ir além das parti- cularidades para se obter uma descrição mais geral sobre os fenómenos. Duas abordagens para ir além das compreensões mais locais às mais glo- bais são discutidas a seguir. A primeira diferencia ciclos de mterpretação que buscam o aprimora- mento da compreensão com uma postura de men- te aberta. A segunda examina o papel do signifi- cado nas tentativas de comparar situações "se- melhantes" entre diferentes comunidades. Revisando a compreensão nas abordagens éticas* derivadas O processo de testar cuidadosamente os pressupostos e revisar com a mente aberta as próprias visões à luz de novas informações é es- sencial para a aprendizagem com relação às for- mas culturais. As distinções apresentadas por John Berry (1969; 1999) sobre abordagens êmicas, éticas impostas e éticas derivadas da pes- quisa cultural são úteis para pensarmos sobre esse processo de revisão. Em uma abordagem êmica, o investigador tenta representar a perspectiva cultural que os membros da comunidade têm sobre ela, geral- mente por intermédio de uma ampla observa- ção e participação nas atividades da própria co- munidade. A pesquisa êmica produz análises em profundidade acerca de uma comunidade, e as- sim pode muitas vezes ser útil. As abordagens éticas imposta e derivada tentam generalizar ou comparar para além de um grupo, e diferem em sua sensibilidade à in- formação êmica. A abordagem ética imposta pode ser considerada como um passo prelimi- nar rumo a uma compreensão ética derivada mais adequada. Em uma abordagem ética imposta, o inves- tigador produz enunciados sobre o funcionamento humano entre diferentes comunidades, cora base na imposição de uma compreensão culturalmen- te inadequada. Isso envolve a aplicação acrítica da teoria, dos pressupostos e das avaliações oriun- das da pesquisa ou da vida cotidiana da comuni- dade do próprio pesquisador As ideias e os pro- cedimentos não são suficientemente adaptados à comunidade ou ao fenómeno que está sendo es- tudado e, embora o pesquisador possa "obter da- dos", os resultados não são interpretados de for- ma suficientemente congruente com a situação na comunidade estudada. Por exemplo, uma abordagem ética impos- ta poderia envolver a utilização de questionários, a codificação do comportamento ou a testagem das pessoas, sem levar em consideração a ne- *N. de T. O termo "éticas" é utilizado neste livro no sentido antropológico, ou seja, para as categorias propostas pelo pesquisador, ao passo que "êmicas" são as categorias existentes entre os pesquisadores.
  • 14. 36 Barbara Rogoff cessidade de modificar procedimentos ou inter- pretações para se adequar à perspectiva dos par- ticipantes da pesquisa. Uma abordagem dessa natureza se dá sem evidências suficientes de que o fenómeno esteja sendo interpretado da forma suposta pelo pesquisador. Mesmo quando este está interessado no estudo de algo que parece muito concreto e envolve pouca inferência (como, por exemplo, se as pessoas estão se to- cando), é necessária alguma compreensão das práticas e dos significados locais para decidir quando e onde observar e como interpretar um comportamento (por exemplo, considerar ou não o toque como evidência de estímulo ou sensibi- lidade a um bebê). Mary Ainsworth (1977, p. 145) criticou o uso de variáveis preconcebidas na pesquisa ética imposta: "não fechemos nos- sos olhos para as características incomuns da sociedade desconhecida, limitando-nos às vari- áveis ou aos procedimentos baseados na socie- dade conhecida, ou seja, a nossa própria". Em uma abordagem ética derivada, o pes- quisador adapta as formas de questionar, obser- var e interpretar para se ajustar à perspectiva dos participantes. A pesquisa resultante é infor- mada por abordagens êmicas em cada grupo es- tudado e pela tentativa de compreender o signi- ficado dos fenómenos para os participantes da pesquisa. Os pesquisadores culturais costumam as- pirar ao uso de abordagens tanto êmicas quanto éticas derivadas, buscando compreender as co- munidades estudadas, adaptar procedimentos e interpretações à luz do que aprenderam e modi- ficar as teorias para refletir as semelhanças e variações observadas por meio dos sentidos. A abordagem ética derivada é essencial para discernir os padrões culturais na diversidade de práticas e tradições humanas. Pode ser útil pensarmos que qualquer ten- tativa de compreender algo novo parte de uma abordagem ética imposta. Todos começamos com o que já sabemos. Se isso é informado por ob- servações êmicas, acompanhadas por esforços para ir além dos pressupostos iniciais, podemos aproximar-nos mais da compreensão ética deri- vada. Mas esta é um alvo em movimento cons- tante: a nova compreensão se transforma na compreensão ética imposta atualmente e cons- titui o ponto de partida da próxima linha de es- tudo, em um processo de refinamento e revisão constantes. Como a observação jamais pode ser isenta de pressupostos, interesses e perspectivas do observador, alguns estudiosos concluem que não se deveria fazer qualquer tentativa de compre- ender regularidades de fenómenos entre diferen- tes comunidades. Contudo, com a observação e a interpretação sensível, podemos chegar a uma compreensão mais satisfatória dos fenómenos que nos interessam, o que pode ajudar a orien- tar nossas ações uns para com os outros. O fato de que esse processo de aprendizagem nunca termina não é razão para evitá-lo. Na verdade, o processo de tentar compre- ender outras pessoas é essencial para o funcio- namento cotidiano, bem como para o trabalho académico. As diferentes perspectivas trazidas para a interpretação dos fenómenos por parte de observadores distintos são interessantes por si sós, especialmente agora que os participantes de pesquisas em muitas partes do mundo con- tribuem para o seu formato e para a sua inter- pretação, não apenas respondendo a questioná- rios ou testes de visitantes de fora. A pesquisa sobre as questões da cultura inerentemente exige um esforço para examinar o significado de um sistema nos termos de ou- tro. Algumas pesquisas são abertamente compa- rativas entre comunidades culturais, mas, mes- mo na pesquisa êmica, na qiial a meta é descre- ver os hábitos de uma comunidade cultural em seus próprios termos, uma descrição que faça sentido para as pessoas da comunidade precisa começar em termos que também façam sentido fora do sistema. Muitas vezes, as descrições se dão em uma linguagem diferente daquela dos membros da comunidade, seja entre um idioma nacional e outro, ou entre termos populares e termos académicos. Todas as linguagens se refe- rem a conceitos de importância local, de formas um pouco diferentes das outras, refletindo con- ceitos culturais, em um esforço para se comuni- car. Sendo assim, a questão da "tradução" - e a A natureza cultural do desenvolvimento humano 37 consideração do significado e a comparabilidade das situações e das ideias entre diferentes co- munidades - é inescapável. O significado da "mesma" situação entre diferentes comunidades Uma questão importante para qualquer comparação ou discussão entre diferentes co- munidades é a semelhança de significado ou a comparabilidade das situações observadas (Cole e Means, 1981). A simples garantia de que as mesmas categorias de pessoas estejam presen- tes, ou as mesmas instruções sejam utilizadas, não assegura a comparabilidade, porque o sig- nificado do conjunto específico de atributos ou instruções provavelmente irá variar entre dife- rentes comunidades. Por exemplo, ao coletar dados com cuida- dores e bebés norte-americanos e micronésios, os pesquisadores se depararam com uma escolha difícil: poderiam exammaras interações entre uns e outros no contexto social mais predominante, no qual ambos são encontrados em cada comuni- dade - os cuidadores e as crianças norte-ameri- canos costumavam estar a sós uns com os outros, já os cuidadores e os bebés micronésios estavam geralmente na presença de um grupo - ou pode- riam manter o contexto social constante nas duas comunidades (Sostek et al., 1981). Os pesquisa- dores decidiram fazer observações em ambas as circunstâncias e comparar os resultados: concluí- ram que o contexto social de suas observações diferenciava a interação entre cuidador e bebê em cada comunidade. Procedimentos idênticos nas duas comuni- dades, tais como limitar a observação a momen- tos em que as mães e os bebés estejam juntos a sós, claramente não garantem a comparabilidade de observações. Os estudos que examinam a interação mãe-bebé entre diferentes comunida- des precisam refletir a predominância variável dessa situação. Por exemplo, muitas décadas atrás, em um estudo realizado nos Estados Unidos, 92% das mães geralmente ou sempre cuidavam de seus bebés, ao passo que em uma sociedade agrícola da Africa Oriental, 38% das mães costumavam ser as cuidadoras (Leiderman e Leiderman, 1974). Um estudo que comparasse a interação mãe-bebé nessas duas comunidades culturais precisaria m- terpretar as conclusões à luz dos diferentes pro- pósitos e da predominância da interação mãe-bebê em cada uma delas. Além de considerar quem está presente, as comparações precisam prestar atenção àquilo que as pessoas estão fazendo juntas, quais são os propósitos, e de que forma sua atividade se ajusta às práticas e às tradições de sua comuni- dade. Inevitavelmente, o significado do que é observado deve ser levado em conta. Já se levantaram sérias dúvidas sobre se as situações podem ser comparadas estritamente na pesquisa intercultural, já que a ideia de comparabilidade pode pressupor que tudo, com exceção do aspecto de interesse, mantém-se constante. Em uma avaliação de pesquisas so- bre personalidade, Rick Shweder (1979) con- cluiu que as situações não são comparáveis en- tre diferentes comunidades culturais: Para falar de diferenças de personalidade, de- vem-se observar diferenças de comportamento em situações equivalentes (...) A questão funda- mental, então, passa a ser a de como decidimos que as respostas distintivas que observamos são realmente respostas distintivas a um conjunto equivalentes de estímulos (...) A quais compo- nentes descritivos específicos os estímulos (ações, contextos, ambientes) devem ser demonstrados equivalentes? (...) Uma situação (contexto, meio, ambiente) é mais que suas propriedades físicas, da forma como as define um observador exter- no. É uma atividade situada, defmida, em parte, por seu objetivo doponto de vista do ator. 'Aquilo que qualquer pessoa racional faria nessas circuns- tâncias" depende do que ela está tentando reali- zar (Shweder, 1979, p. 282-284) Shweder afirmou que, como as normas lo- cais para os meios adequados de se atingir um objetivo devem estar inscritas na própria defini- ção da situação comportamental, "dois atores es- tarão em situações 'comparáveis' ou 'equivalen- tes' somente quando forem membros da mesma cultura!" (p. 285). Talvez o ponto mais fundamental na ques- tão da comparabilidade seja decidir como inter-
  • 15. 38 Barbara Rogoff pretar aquilo que se observa. Não se pode pressu- por que o mesmo comportamento tenha signifi- cados idênticos em comunidades distintas. Por exemplo, observou-se que as crianças nativas havaianas fazem menos solicitações verbais de auxílio que as de origem branca nas salas de aula do Havaí (Gallimore, Boggs e Jordan, 1974; cita- do em Price-Williams, 1975). Contudo, antes de concluir que esse grupo fazia menos sohcitações de auxílio, os pesquisadores consideraram a pos- sibilidade de que as crianças fizessem tais solici- tações de forma diferente. Na verdade, descobri- ram que as crianças havaianas estavam solicitan- do auxílio de forma não-verbal: olhando firme- mente para a professora à distância ou se aproxi- mando, permanecendo perto ou tocando-a leve- mente. Tais solicitações não-verbais podem estar relacionadas dhetamente à formação cultural das crianças, na qual as solicitações formais de ajuda para os adultos são consideradas inadequadas, mas as solicitações não-verbais são aceitáveis. Comportamentos idênticos podem ter conotações e funções diferentes em comunida- des distintas CFrijda e Jahoda, 1966). Alguns pes- quisadores propuseram que os fenómenos fos- sem comparados em termos daquilo que as pes- soas estão tentando realizar, em lugar de seus comportamentos específicos. Robert Sears (1961) defendeu a distinção entre objetivos ou motivações (como a busca de ajuda no estudo havaiano) e os meios instrumentais utilizados para atingir esses objetivos (por exemplo, se as crianças solicitam assistência de forma verbal ou não-verbal). Nessa visão, embora os meios ins- trumentais variem entre comunidades, os obje- tivos em si podem ser considerados transcul- turais. John Berry (1969, p.l22) propôs que as- pectos do comportamento fossem comparados "somente quando se pudesse demonstrar sua equivalência funcional, no sentido de que um aspecto do comportamento em questão é uma tentativa de solução" para um problema recor- rente compartilhado pelos diferentes grupos (veja a Figura 1.5). O foco na função (ou propósito, ou objeti- vo) no comportamento das pessoas facilita a com- preensão a respeito de como formas diferentes de fazer as coisas podem ser utilizadas para se atingir objetivos semelhantes e como formas se- melhantes podem ser usadas para se chegar a objetivos distintos. Embora todas as comunida- des culturais partam de questões que são comuns para o desenvolvimento humano no mundo todo, em função de nosso patrimônio cultural e bioló- gico como espécie, diferentes comunidades po- dem aplicar meios semelhantes para chegar a objetivos diferenciados e meios diferentes para os mesmos objetivos. Os próximos dois capítulos aprofundam a questão sobre como podemos conceber a natu- reza cultural do desenvolvimento humano. Eles examinam a ideia de que o desenvolvimento hu- mano é biologicamente cultural e discutem for- mas de pensar sobre semelhanças e diferenças entre comunidades culturais distintas, no que diz respeito ao modo como as pessoas aprendem e se desenvolvem. Eles discutem os conceitos para se estabe- lecerem relações entre processos individuais e culturais, expandindo o conceito orientador ge- ral: o de que os seres humanos se desenvolvem por meio de sua participação variável nas ativi- dades socioculturais de suas comunidades, as quais também se transformam. A natureza cultural do desenvolvimento humano 39 FIGURA 1.5 John Colher e Malcolm Collier sugeriram que os horários de refeições das famílias pode- riam servir de base para comparações que ajudassem a definir os relacionamentos den- tro delas, em diferentes comunidades. A pri- meira fotografia mostra uma refeição notur- na em uma casa em Viços, no Peru; a segun- da apresenta um jantar em uma casa hispano- americana no Novo México; a terceira, um café da manhã na casa da família de um executivo da propaganda no estado norte-americano de Connectícut.