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Clarice Cohn
CIÊNCIASSOCIAIS PASSO-A-PASSO
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L
Antropologia da criança
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Jorge ZAHAR Editor
Rio de Janeiro
Antropologia da criança
Sumário
Copyright © 2005, Clarice Cohn
Copyright desta edição © 2005:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua léxico 31 sobreloja
20031
-144RiodeJaneiro,
RJ
tel.:(21) 2240-0226/ fax:(21) 226215123
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Todos os direitos reservados.
A reprodução nã'o-autorizada destapublicação, no todo
arte,constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Composição eletrânica: TopTextos EdiçõesGráficas Ltda.
Impressão:Cromosete Gráfica eEditora
Capa: Sérvio Campante.
Introdução
Estudos pioneiros em antropologia
Uma nova antropologia da criança
A criança e a infância
A criança atuante
A criança produtora de cult
Educação e aprendizagem
Uma palavrasobreinterdisciplinaridade
eaplicação da pesquisa
Metodologias e técnicas de pesquisa
Conclusões: as crianças daqui e de lá
Referênciasefontes
Leituras recomendada
Sobrea autora
ura
S
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58
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Cohn, Clarice
C629a Antropologia da criança / Clarice Cohn. -- Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
(Passo-a-passo;
57)
Incluibibliografia
ISBN 85-7110-855-2
1. Crianças -- Pesquisa.2. Educaçãode crianças.-
Pesquisa. 3. Aprendizagem - Pesquisa.1. Título. 11. Série.
CDD657
CDU657
05-1475
Introdução
O que éacriança? O que éser criança? Como vivem e pensam
as crianças? O que significa a infância? Quando ela acaba?
PergLultasnada simples de responder. Pelo contrário,
elas podem esconder ullaa armadilha. Afinal, as crianças
estãoem toda parte,todos fomos criançasum dia, todos
temos, desejamos ou não desejamos ter crianças. A literatu-
ra nosoferecetextosde autoresfamososque nos contam
suainfância, poetas românticos falam com nostalgia de seu
tempo de criança. É como setudo já fossesabido, como se
não houvesseFspaço para dúvidas.
Mas não é bem assim.Mesmo sefâsselnosrecolher
todas essasinformações sobre a infância eascrianças, Vería-
mos que um punhado de idéias diferentes seapresentam. A
criança pode ser a tábula rasa a ser instruída e formada
moralmente, ou o lugar do paraísoperdido, quando somos
plenamente o que jamais seremos de novo. Ela pode ser a
inocência(e por issoanostalgia de um tempo quejá passou)
ou um demoniozinho aser domesticado (quantas vezes não
ouvimos dizer que "ascriançassãocruéis"?). Sejacomo for,
en] todas essasidéias o que transpareceé uma ínzízgenz
e/n
7
8 Clarice Cohn Antropologia da criança 9
negativo dà criança: quando falamos assim, estamos usan-
do-a como.um contraponto para falar de outras coisas,
.como âvida em sociedadeou asresponsabilidadesda idade
adulta. E,pior,.com isso afirmamos uma cisão,uma grande
divisão entre d mundo adulto e o das crianças.
Portanto, se quisermos realmente responder àquelas
questões,precisamos nos desvencilhar das imagenspre'
concebidas eabordar esseuniverso eessarealidade tentando
entender o que há neles,e não o que esperamos que nos ofe-
I'eçam. Precisamos nos fazer capazes de entender acriança e
seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. E é por
isso que uma antropologia da criança.é importante. Ela não
éaúnica disciplina cientí6lca que elegeesseobjeto de estudo:
apsicologia, a psicanálise.e a pedagogia têm lidado com es-
sasquestões há muito tempo. Mas é aquela que, desde seu
nascimento, sededica a entender o ponto de vista daqueles
sobre quem e com quem fala, seusobjetos de estudo.
A antropologia se firma como um ral-no do conheci-
mentoem fins do séculoXIX e começodo XX, como a
ciência social responsávelpelo estudo de outras sociedades
e culturas. Ao longo do século, essasua definição é cada vez
menos precisa, e antropólogos passam a se interessar (tam-
bém) pelo estudo de nossa própria sociedade.Sem deixar
de estudar outros modos de viver em sociedade,cada vez
mais sededicam afenânaenos sociais que nos sãopróximos.
Hoje,portanto, uma antropologiadacriançapodeserdesde
aquelaque analisao que significa ser.criançaein outras
culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em
um grandecentro urbano.Seaantropologiaampliou assim
seushorizontes de estudo,não deixou de se definir como
uma ciência social com certas particularidades.
Fazerantropologia étentar entender um fenómeno em
seucontexto sociale cultural. É tentar entendê-loen] seus
próprios termos. Desdecedo,os antropólogos têm insistido
na necessidadede abordar asculturas e associedadescomo
sistemas,o que significa dizer que qualquer evento, fenóme-
no ou categoria simbólica e social a ser estudado deve ser
compreendido
por seuvalor no interior do sistema,
no
contexto simbólico esocialem que égerado.Por isso,não
podemos falar de criançasde um povo indígena sementen-
der como essepovo pensao que ésercriança esem entender
o lugar que elas ocupam naquela sociedade-- e o mesmo
vale para as cri.onças nas escolas de uma metrópole. E aí está
a grandecontribuição que a antropologia pode dar aos
estudos das crianças: adefornecer um modelo analítico que
permite enteQdê-laspor si mesmas;a de permitir escapar
daquela imagem em negativo,pelaqual falamos menos das
criançase mais de outras coisas,como a corrupção do
homem pela sociedade
ou o valor davida em sociedade.
A antropologia oferece ainda outra coisa: uma meto-
dologia de colegade dados.Atualmente, diversos estudiosos
dascriançastêm utilizado o método daantropologia,espe-
cialmente aquele conhecido como etnografia, entendendo
ser esseo melhor meio de entendê-las
em seuspróprios
termos porque permite uma observação
direta, delase de
seusafazeres,e uma compreensão
de seuponto de vista
sobreo mundo em que seinserem.
10 Clarice Cohn Antropologia da criança 1 1
A etnografia,parafalarmuito brevemente,
é'um mé-
todo em que o pesquisador participa ativamente da vida e
do mundo social que estuda,compartilhando seusvários
momentos, o que ficou conhecido como obter açãoparfící-
pa/lfe. Ele também ouve o que aspessoasque vivem nesse
mundo têm a dizer sobreele,preocupando-se em entender
o que ficou conhecido como o ponto de l,ísfa do /hfív'o, ou
seja, o modo como as pessoas que vivem nesse;universo
social o entendem. Portanto, usando-seda etnografia, um
estudioso dascrianças pode observar diretamente o que elas
fazem e ouvir delaso que têm a dizer sobre o Inundo.
Mas estudar as criançastem sido um desafiopara a
antropologia.As razõessãomuitas,ea principal pareceser
justanaente a dificuldade em reconhecer na criança um
objeto legítimo deestudo. Aâlnal, em várias esferas,que vão
do sensocomum àsabordagensdo desenvolvimento infan-
til, pensa-Éenelas como seresincompletos aserem formados
e socializados. Por diversas vezes foram propostas aborda-
gensantropológicasdas crianças.No entanto, os esforços
pareciammorrer esefecharein simesmos,eelasforam por
longos períodos abandonadas pelos estudos antropológi-
cos.Até que,nasúltimas décadas,aconteceuma reviravolta,
e elas ganham espaço e legitimidade ein uma variedade de
estudos.
Essamudança diz respeito aosconceitos epressupostos
da própria antropologia como disciplina. É como seaan-
tropologia, revendo-se, tornasse possível aabordagem deste
universo em seus próprios termos. Desde a década de 1960,
conceitosfundamentais da antropologia, como cultura e
sociedade ou estrutura e agência, são revistos e reformula-
dos.Além disso,algo que não émenosimportante: come-
çou-sea perceberna criança um sugeito
soda/. A partirdegsa
reformulação, que apresentaremosa seguir, novos estudos
vêm sendo propostos e realizados, e com elesnovas desco-
bertas sobre o mundo das crianças têm surgido. Estelivro
traz um mapeamento dasvárias abordagensantropológicas
sobreo tema,além de uma discussão.
sobreoslimites eas
possibilidades de uma antropologia da criança.
Estudospioneiros em antropologia
Osestudosmais famosos na antropologia que têm ascrian-
çascomo foco principal são,ainda hoje, os realizadosnas
décadasde 1920 e 30 por antropólogos norte-americanos
ligados à Escola de Cultura e Personalidade,especialmente
os de Margaret Mead. Essesantropólogos, formados na
escolaculturalista ft)ndada por Franz.Boas,preocupavam-
seem entender o que significa ser criança e adolescenteem
outras realidades socioculturais, tomando freqüentemente
a sociedade norte-americana da época como um contra-
ponto. Definindo acultura como aquilo queé transmitido
entre asgeraçõese aprendido pelos membros da sociedade,
essesantropólogos se vêem caiu a questão de delimitar o
que é propriamente cultural, e portanto particular, e o que
é natural, e portanto universal, no comportamento huma-
no. Essassão asbasesde um debate famoso, o que diferencia
nafzzre e nurfure, ou o que é inato e o que é adquirido.
12 Clarice Cohn Antropooga da cranca 3
É com essasquestõesque Mead, psicóloga e antropó-
loga em sua formação, parte pára fazerum estudo da ado-
lescênciaem Samoa, nas ilhas norte-americanas do Pacífico.
Tendo sido encaminhada por seuprofessor Franz Boaspara
verificar. seos dilemas ea rebeldia vividos pelos adolescentes
norte-americanos eram uma facetauniversal dessemomen-
to do ciclo devida, Mead analisaascondiçõeseaexperiência
da adolescênciaem Sam.oae conclui que os conflitos e as
rebeldiasjuvenis americanas sãodadosculturais, não expli-
cáveispor .iinlacondição biológica. Para éla, a própria idéia
de adolescência não éuniversalizável, edeveserde6lnida em
contexto. Além disso, demonstra que, em Samoa, esseé um
período de liberdade e que,vivendo em uma cultura homo-
gênea, asmen-mas precisam fazer menos encolhas, epor isso
vivem menosconflitos.
O livro em que publica seusachados,em 1928
Comi/zgafaga ín mamoa(ou, em uma tradução livre, "Vi-
rando adulto em Samoa") --, torna-se um best-se/Zer,
o que
elaexplica pelo fato de ter sido escrito "em inglês': ou seja,
sem grandes tecnicismos e debatesespecializados.No en-
tanto, recebe,décadasdepois,uma dura crítica deseuspares,
quando outro antropólogo, Derek Freeman,vai às ilhas e
não reconheceno que vê o que havia lido nos trabalhos de
Mead.Suacrítica pode ser resumidaem dois pontos: o
primeiro, de que ela estariatão ofuscadapelavontade de
demonstrar a particularidade cultural da adolescência e o
contraste coh os Estados Unidos que .teria exagerado na
liberdade e liberalidade das adolescentesde Samoa; o se-
gundo é metodológico, eafirma que elanão teria passado
tempo suficiente em Samoa e entre os adolescentes,e, pior,
teria levadosuasinformantes adizer o queelatanto queria
ouvir. Suacrítica Ihe dá notoriedade, einicia Lmlapolêmica,
pela qual seafirma que ele exagerou em suasconsiderações.
Justiça sejafeita: antesmesmo de sequersaber que rece-
beria essas
críticas, Mead foi refinando seusmétodos de co-
leta de dados, em trabalhos sobre ascrianças menu e bali-
nesas.Entre os Manu da Nova Guiné, Mead estudou as
criançasleo modo como vão aprendendo ascompetências
necessárias para a vida adulta. Em seu livro Growing aP in
New GuÍnea, ou "Crescendona Nova Guiné': elademonstra
uma fina capacidade de observar e descrever ascrianças
manu.
Em Bala,em companhiadeseumarido, oantropólogo
britânico Gregory Bateson,elaboraum métodofotográfico
de análise do cotidiano dascrianças e de suas interações.
Enquanto elatomava notas,Batesontirava fotos, que abran-
giam desdeasbrincadeiras dascriançasatéosmodos como
eram ca:rregadas por suas mães e asinterações com a antro-
póloga.Esse
trabalho saipublicado,em 1942,comoum livro
de fotografias chamado .BaZínese
C/zaracfer:A Photographíc
.Anal'sí$, ou."A personalidade balinesa: uma análise fotográ-
fica't Suasconclusões principais versavam sobre o modo de
aprendizado dos balineses,que o casalde antropólogos
definiu como visual (pela observação) ecinestético (porque
os movimentos de danças,por exemplo,eram aprendidos
com o professor-tutor movimentandoo corpo de seu
aprendiz), concluindo seresse
um tipo deaprendizadoque
ensinaria a passividade e uma consciência particular do
corpo.
14 Clarice Cohn Antropologia da criaríça
1 5
A ênfasena formação da personalidade expressabem
uma daspreocupaçõesdessaescola:a relação do indivíduo
com asociedadeein termos de suaformação como um tipo
especí6lco de personalidade. O estudo de Ruth Benedict,
Padrões de cuZzlura,
apresentava exatamente isso: como as
culturas conformam oscomportamentos humanos em ter-
mos de uln ideal,ilustrando-oa partir de três tipos de
personalidade encontrados em povos diversos. A própria
Mead fez também esseexercício em Sexoe temperamento,
discutindo os papéisde gêneroem três sociedades,
e de-
monstrando que todos elesdivergiam em pontos importan-
tesdaquelesencontradosnos EstadosUnidos. Outros an-
tropólogos dessaescolaabordaram a questão,cunhando o
termo "caráter nacional" para designar as personalidades
ideais e típicas àsnações, como o japonês "disciplinado" e o
russo "esquentado': É interessante que, com inspirações
psicanalistas, essesantropólogos estudam a primeira infân-
cia e, por exemplo, modos de ninar e embalar ascrianças,
de ensinar ahigiene pessoalede disciplinar os comporta-
mentos como definidores depadrõesculturais, como deter-
minantes na formação da personalidadeideal, adulta, de
suas sociedades.
Seesses
trabalhos têm a inegávelimportância de dar
visibilidade aos estudos da criança e sugerir métodos e
temasdeobservação,
colega
eanálisededados,demonstran-
do que a experiência das criançasé cultural e só pode ser
entendida em contexto, elesnão obstantesobem com al-
guns de seus pressupostos analíticos. Tomando a cultura
como aquilo que é adquirido e transmitido e o grande
diferencial cultural como a formação de padrõesde perso-
nalidades, essa corrente da antropologia corre o risco de
ssarosestudos na questãode como acriança éformada
ecomo adquire competências culturais esperadaspara avi-
da adulta. Essesestudos estão marcados pala cisão entre a
vida adulta ea da criança, e remetem a uMa idéia dé imatu-
ridade edesenvolvimento da personalidade madura. Assim,
supõem um fim último do processo de desenvolvimento,. o
adulto ideal da sociedade em questão, seja ela balinesa,
francesaou norte-americana =--adulto esse
que é,em últi-
ma instância, definido no epelo estudo científico.
Um segundomomento dostrabalhosnessa.
áreaédado
pelas pesquisas dos antropólogos britânicos marcados pelas
preocupações da escola estrutural-funcionalista fundada
por RadcliKe-Brown. Essavertente de análise sefirma em
contraposição àsamericanas,negando o psicologismo que,
como afirmam em suas críticas, as definiriam. A eles, não
interessa a formação da personalidade ideal, mas situ as
práticas e o processo de socializaçãodos indivíduos. Não é
uma questão de aquisição de cultura e competências,afir-
mam, mas de delimitação dos papéise relaçõessociais
envolvidas nessesprocessos eque embasam e realizam essas
práticas.
No estrutural-funcionalismo, aksociedades são enten-
didascomo um sistemade papéise relaçõessociaisque
podem ser observados, descritos e analisadospelo pesqui-
sador.Essespapéis definem o lugar do indivíduo na socie-
dade,e estãoligados a outros, conformando assimuma
totalidadesocial aserreproduzida inde6lnidamente.As ge-
16 Clarice Cohn Antropologia da criança
17
rações se sucedem, e cada qual vai assumindo um papel
social que Ihe antecedee de6lneseu status e posição na
sociedade.Com esses
pressupostos,a criança dos estudos
estrutural:funcionalistas sevê relegadaa protagonizar um
papel que nãodefine. Suasaçõeserepresentações simbólicas
nãoprecisam serestudadas, portanto, para que sedefina seu
lugar no sistema:sãodadasbelo próprio sistema.O que se
e.studa,
então,são os grupos de mesmafaixa etária (os
pares),ascategoriasde idade, aspassagensentre categorias
deidade estatus sociais,eseupapel funcional. As interações
sociais'estudadaslimitam-se àquelascom o que se define
como "agentesde socialização':sejam elesadultos ou mem-
bros mais Velhosde um grupo de jovens. Quando falam de
aquisição de competências, referem-se àquelas necessárias
para que.serealizeum determinado papel social. E,coeren-
tes com o pressupostoda sociedadecomo um sistema,
quando falam de socialização,
falam de práticasque têm
como objetivo a iíiserção dos indivíduos em categorias
sociais que conformam um sistema, o qual deve ser articu-
lado ênaliticamente pelo pesquisador.Recusa-se
àscrianças,
po.rtanto, uma parte atava na consolidação e definição de seu
lugar na sociedade: elas são vistas como um receptáculo de
papéisfuncionais que desempenham, ao longo do processo
desocialização,nosmomentos apropriados.
f''ara ilustrar essacorrente, vejamos como a socializa-
çãoé exploradano trabalhode uma antropólogafiliada a
ela. A escolhado tema não foi aleatória, mas sim para
permitir uma comparação com asanálisesque descrevemos
acima. Como a socialização é menos central a essacorrente,
os trabalhos desenvolvidossobre ela sãotambém menos
comuns. Mas a questãodo choro (ou da "birra") infantil e
daspráticas socializadorasa elerelativas,exploradasem um
estudo de BárbaraWard sobreHong Kong, pode ser bem
ilustrativa. A começar, porque, como diz a própria autora,
essaquestão foi incidental em suapesquisa, voltada que era
aosistemasocioeconómico. Mas,observando quando epor
que ascrianças choram, equal a reaçãodos mais velhos, ela
nos mostra como a agressividadee a falta de controle são
desencorajadas por essasociedade, e como o choro não é,
lá,e relativamente, uma estratégiabem-sucedida de chamar
a atenção e buscar cuidados. Sua explicação,porém, não é
dada pela formação da personalidade ideal em Hong Kong,
mas pela inserção da criança e do adolescenteno sistema
estrutural e pelo valor da agressividade
na definição de
papéissociais. O que ela nos diz é que o esvaziamento do
choro como um recursode garantiade cuidadospelas
crianças hão significa falta de cuidados em geral, edeve ser
entendida)em seucontexto social.Eesse
contexto éo deuma
inserção gradativa na sociedade(pouco problemática por-
que sem grandes rupturas e sem exigênciasde que sefaça
maisdo que seé capaz),de uma consciência
do papel
exercido e de uma valorização do autocontrole em detri-
mento dà agressividadenos papéisde liderança.
Os É)ressupostos
e as técnicas de pesquisa que vimos
nessas
duascorrentes,aculturalista eaestrutural-funciona-
lista, estão presentes também nas análises feitas no Brasil
nesse
mesmo período.Elasdizem respeitoàeducação,como
chamam os autores,em sociedadesindígenas brasileiras, e
18 Clarice Cohn Antropologia da criança
19
versam sobre a inserção dos indivíduos na sociedade e a
formação de uma personalidade ideal. Nos estudospionei-
ros de Egon Schaden (sobre ascrianças guarani) e Florestan
Fernandes (sobre a socialização entre os Tupinambá), esses
pressupostosculturalistas e funcionalistas são reencontra-
dos.Ambos falam de uma personalidade ideal, do valor da
repetição,da homogeneização cultural e da certezasobre o
papel social que ocupam como sendo determinantes para
entender o lugar dos "imaturos" nessassociedades.
As contribuições de todos esses
estudos para a análise
dascriançasem seu contexto sociocultural sãoinúmeras, e
certamente seria um erro renega-los como um todo. Porém,
seus pressupostos limitavam seu alcance. Dentre eles, o de
que àscrianças é inculcada a cultura, ou o de que elassão
socializadas, ou seja, inseridas por agentes e práticas socia-
lizadorasna sociedademais ampla.Enfatizando ora a cul-
tura, a aquisição de competências ea formação de persona-
lidades,ora a inserção na estrutura social, essasanálises
pressupunhamum fim último e uma imutabilidade do
processoestudado e conhecido pelo pesquisador,marcado
que estavapela reprodução sociale transmissãocultural.
Era necessário dar um passo adiante, e sé fazer capaz de
abordar as crianças e suas práticas em si mesmas.
Novas formulações para conceitos centrais ao debate antro-
pológico surgem, permitindo (jue se estudea.criança de
maneirasinovadoras.Dentre eles,o conceitodecultura, de
sociedade e de agência, ou de ação social. Essasrevisões
serãoapresentadasaqui de modo sistemático, ecertamente
não exaustivo, apenas para que possamos entender avirada
que aconteceunessecampo dos estudos antropológicos.
Na revisãodo conceito de cultura, osantropólogos, ao
invésde toma-la como algo empiricamenteobservávele
delimitado, cadavez mais abdicam de falar em costumes,
valores ou crenças para frisar que o quede fato interessaestá
mais embaixo. Ou seja, não sãoos valores ou ascrenças que
são os dados culturais, mas aquilo que os confonna. E o que
osconforma éuma lógicaparticular, uin sistemasimbólico
acionado pelos atires sociais al.cadamomento para dar
sentido asuasexperiências.Ele não é mensurável, portanto,
e nem detectável em um lugar apenas é aquilo que .faz
com que aspessoaspossam viver em sociedadecomparti-
Ihando sentidos,porque elessãoformados a partir de um
mesmo sistema simbólico. Sequisermos .tentar uma analo-
gia, pensemos os valores como as palavras em uma frase, e
a cultura como o sistemalingüístico que .permiteque as
pessoasarticulem as palavras, as frases e as idéias de um
modo que faça sentido para si e para os outros. Utilizamo-
nos dessesistema simbólico todos os dias,embora não o
conheçamos por inteiro, nem tenhamos consciência de o
fazer.É como a gramática que permite que articulemos uma
fala pode ser conhecida; mas não precisa ser retomada
conscientemente pelo falante.
Uma nova antropologia da criança
A partir da década de 1960, os antropólogos engâjaram-se
em un] grande esforço de avaliar e rever seusconceitos.
a
20 Clarice Cohn Antropologia da criança
21
Tomando a cultura dessemodo, entendemosmelhor
seu funcionamento e também gua mudança. Isso porque a
cultura não estános artéfatos nem nas frases,mas na sim-
bologia e nas relações sociais que os conformam e lhes dão
sentido.Assim, um texto, uma crença ou o valor da vida em
família podem mudar, semque issosignifique que acultura
mudou ou se corrompeu. A cultura continuará existindo
enquanto consistir essesistemasimbólico. Nessesentido,
estásempre ein formação e mudança.
O mesmo ocorre com asociedade. O contexto cultural
de que falamos.até aqui, e que é imprescindívelpara se
entender o lugar da criança segundo os novos estudos, deve
sertomado como sendo essesistema simbólico. Ele éestru-
turado e consistente,e por isso permite que.sentidose
significadossejamformadose reconhecidos.
O contexto
social legue o mesmo percurso: sem abdicar de suacondi-
ção estruturada, o conceito de sociedade seabre para dar
conta deuma produção contínua dasrelaçõesque aformam.
Não setrata .mais de pensar uma totalidade a ser reprodu-
zida, masde um conjunto estruturado em constante produ-
ção de relaçõese interações.
Rever'a sociedade
implica revertambémo papel do
indivíduo dentro dela.' Se a sociedade é constantemente
produzida, ela não poderá sê-lo senão pelos indivíduos que
a'constituem. Portanto, ao invés de receptáculosde papéis
e funções, os indivíduos passam a ser vistos como atores
sociais.Seanteseleseram atires no sentido de atuar em um
papel,agora eleso são no sentido de atuar na sociedade
recriando-aa todo momento. Sãoatoresnão por serem
intérpretes de um papel que não criaram, mas por criarem
seuspapéis enquanto vivem em sociedade.
Essassão revisões de conceitos-chave da antropologia.
E, por isso, permitem que se vejam as crianças de uma
maneira inteiramente nova. Ao contrário de seresincom-
pletos, treinando para a vida adulta, encenandopapéisso-
ciais enquanto são socializados ou adquirindo competên-
cias e formando sua personalidade social, passam a ter um
papel ativo na definição de sua própria coíidição. Seres
sociaisplenos, ganham legitimidade como su)eltos nos es-
tudos que sãofeitos sobreelas.Vejamoscomo essas
mudan-
çasafetam os estudosantropológicos em três aspectos:a
criança como ator social, a criança como produtor de cul-
tura, e a definição da condição social da criança.
A criança e a infância
Falamosaqui de uma antropologia da criança e não da
infância. Isso porque a infância é um modo particular, enão
universal, de pensar a criança. O estudo histórico de Phi-
lippe Ariês sobre .Acriança ea vídajamiZÍar no .Anfigo Regime
mostra que a idéia de infância é uma construção sociale
histórica do Ocidente. Ela não existedesdesempre,e o que
hoje entendemos por infância foi sendoelaborado aolongo
do tempo na Europa, simultaneamente com mudanças na
composição familiar, nas noções de maternidade e paterni-
dade, élno cotidiano e na vida das crianças, inclusive por sua
institucionalização pela educação escolar.O que Ariês nos
22 Clarice Cohn Antropologia da criança 23
mostra é a construção histórica do que denomina um sen-
f;mento dzzínl/anciã. Estenão deveser entendido, vale dizer,
como uma sensibilidademaior àinfância, como um sen-
timento que nasceonde era ausente,mas como uma for-
mulação sobre a particularidade da infância em relação ao
mundo dos adultos, como o estabelecimentode uma cisão
entre essasduas experiências sociais. Portanto, contem-
poraneanlente, os direitos das crianças e a própria idéia de
menoridade não podem serentendidos senão a partir dessa
formaçãode um sentimentoe deuma concepçãode in-
fância.
Em outrasculturas e sociedades,
a idéia de infância
pode não existir, ou ser formulada de outros modos. O que
éser criança, ou quando acabaa infância, pode ser pensado
de maneira muito diversaem diferentescontextos sociocul-
turais, e uma antropologia da criança deve ser capazde
apreenderessas
diferenças.
Para isso, a análise antropológica deve abranger outros
campos que, a cada caso,serão fundamentais para ie enten-
der o que significa ser-- e deixar de ser -- criança nesses
contextos. Por exemp]o, a concepçãoda pessoa]lumana e
de sua construção pode ser imprescindível para entender
como secompreende e vivenda o período da vida em que
se é criança. Podemos ilustrar essa afirmação com o caso dos
Xikrin, ui-naetnia indígena de língua jê que mora no Parae
seautodenomina À4ebengokré,
para quem o corpo de um
novo ser humano vai sendo criado durante a gestação,
gradativamente, por meio das relaçõessexuais; não há,
portanto, um momento único deconcepção,
seguidoda
formação do corpo, Idas situ uma formação contínua.
Como maisde um homem podecontribuir para essafor-
mação,o bebê pode ter mais de uln pai, quê seráreco-
nhecido ereconhecerá sua paternidade, participando de um
ritual público quando donascimentodo bebê.A fonnação
do corpo durante a gestação cria .um laço corpóreo entre o
bebê eseusgenitores que não seencerra com o nascimen-
to; pelo contrário, durará a vida toda. Quando o bebêtem
ainda o corpo em formação, "mole': como elesdizem, os
genitores devem respeitar cuidados com seupróprio corpo
que, se infringidos, causariam mal ao corpo do bebê; essaé
uma fasecruclial, mas aligação fundada nagestaçãoperdura,
e se revelará com toda força em situações.de crise, como
doenças.
Mas a formação do corpo não basta para gerar uma
nova pessoaxikrin. Para eles, o serhumano éconstruído por
outros elementos, um dos quais éo karon,-algo imaterial que
normalmente glosamos por "alma" ou "duplo': Como ne-
nhuma dessas glosas é adequada, continuarei aqui a usar a
palavra na língua mebengokré,tentando porém descrever
seu sentido. O karon parece já estar presente desde a gesta-
ção,e é a parte da pessoaque perdurará após a morte.
Durante a vida, ele transita, deixando o corpo eretornando
a ele é issoque permite àspessoas
sonhar,e o que se
sonha, dizem os Xikrin, são as experiências do karon en-
quanto deixa o corpo adormecido e passeia. Porém, essas
ausênciastrazem um grande risco: o do karon não retornar
aocorpo, o que significará suamorte. Esserisco é tão maior
quanto maisvulnerável estáo corpo eéparticularmente
24 Clarice Cohn Antropologia da criança 25
grandepara criançaspequenas,que têm um corpo menos
capaz de reter o karon. Por isso,os Xikrin tomam cuidado
em não deixar ascriançassezangaram:uma criança embur-
rada estávulnerável, seu karon pode sair vogando e não
voltar mais. A situação é complexa, e combina uma maior
vulnerabilidade corpórea, do próprio kízron,ainda pouco
conhecedor dos caminhos esujeito a seperder,euma maior
probabilidade de atender aos chamados dos outros karon,
os daqueles que morreram e, saudosos dos vivos, buscam
trazê-los cara perto.de si.Vê-seque,em uma situação assim
complexa, os cuidados.devem ser redobrados e, caso uma
criança se zangue e seafaste chorando, os Xikrin se desdo-
bram em mantê-la atentaao mundo dos vivos, falando com
ela,evitando assim que o karon seausenteem definitivo.
Corpo ekaron, porém, não esgotam aformação de uma
nova pessoa:ela deve receber nomes e prerrogativas que Ihe
forneçam umaidentidade social,aserexpostanosmomen-
tos do ritual. Essesnomes e essasprerrogativas são-lhe
dados por pessoasque não contribuíram com a formação
de seu corpo, ampliando assim sua rede de relações sociais
para além daquelas
pessoas
com quem estáligadapelo
corpo. A importância dos nomes e dasprerrogativas pode
servista em um momento dramático,o da morte de um
bebê:apenasaquelesque receberamnomes terão um trata-
mento ftlnerário digno deuma pessoa
plena.Vê-se,
assim,
que a plenitude da pessoasó é alcançadaquando ela é
compbÉta por corpo, karon e nomes/prerrogativas rituais.
Não obstante, issovai fazer do novo bebê uma pessoa
xikrin. Resta-nossaber até quando ela serácriança, e como
esseperíodo é marcado. Isso pode ser visto, literalmente,
pela ornamentação corporal, algo muito sério para os Xikrin.
Realizado continuamente, comunica sobre asituação social
daquele que épintado eornado: faseda vida, gênero, situa-
ção cotidiana ou ritual, nascimento de filhos ou de netos,
saúde ou doença, tranqüilidade ou luto, paz ou guerra...
Algumas fasespor que passamacriança sãoassim marcadas,
como por exemplo o momento em que conquista uma
primeira autonomização, quando começa a falar e a andar,
locomovendo-se sozinha. E a modalidade de pintura que
passaareceber nessemomento, feita por suamãeou irmãs,
seráa mesma até uma derradeira vez, quando gestarpor si
umacriança.Desdeentão,amulher sepintara conamotivos
do gênero e da idade, junto às outras mulheres, e o homem
passaráaser pintado por sua esposa,usando também novos
motivos. Poderíamos, portanto, concluir que um ou uma
Xikrin serácriança até o momento em que pensaa ter uma
criança queésua equeéo momento em queocasamento
éconsolidado, em que o casalganhaum espaçopróprio na
casa,faz sua própria roça e caçae pescao que irá comer e
compartilhar, ganhandotambémum lugar na produção
economica.
Desde cedo, a criança participará de grup.os formados
pelo que os antropólogos chamam de categoriasde idade;
quando ganha seuprimeiro filho, continuará a fazerparte
dessesgrupos, mas agora daquele que é denominado "pais
de um único 6llho'l Será a quantidade de filhos .quelevará
esses
novos adultos a mudar de categoria de idade, até a ve-
lhice, que os Xikrin dizem sero momento em que não setem
27
26 Clarice Cohn
Antropologia da criança
mais filhos ou, de uln modo poético que lhes é peculiar,
quando seus filhos (e netos) passam a ter filhos por eles
Essailustração,mesmo que breve,teve como intuito
revelar a complexidade envolvida em compreender essafase
davida em outros contextos socioculturais,na qual elemen-
tos aparentementetão dísparesquanto a construção de um
novo corpo, a relação com o choro da criança e ossonhos,
a íntima ligação de corpo e karon que sedesenvolvem
correlacionados --, a pintura corporal e as categorias de
idade têm que ser trazidas àtona eesmiuçadaspata que se
comecea compreender o que significa, para um Xikrin, ser
criança.
Porém, tTãodevemos esquecerque, mesmo nRSsocie-
dadesde tradição ocidental, a história continua, e essaidéia
de infância tem sofrido modi6lcações. Ariês nos apresenta
como essaidéia surge;outros estudostêm tentado entender
asmudanças contemporâneasda experiência e da concep'
çãode infância no Ocidente. Portanto, mesmo umaantro-
pologia da criança que sejafeita emuma realidade sociocul-
tural muito próximaàdo antropólogonãopodeprescindir
de uma reflexão sobreo que é ser criança nessecontexto, e
deque infância seestáfalando.Afinal, como já dizia Mar-
garet Mead; crianças existem em toda parte, e por isso
podenaosestuda-las comparando suasexperiências evivên-
cias;mas essasexperiências e vivênciassão diferentes para
cadalugar, epor issotemos que entendê-las em seucontexto
sociocultural.
Como exercício, pensemos em um caso impactante,
rico para nos lembrar que asdefiniçõesde quando começa
e
avida humana podem ser diversasIÚesmonos nossosarre-
dores.Muitos seespantam com casoscomo infanticídio, ou,
para aproveitarmos o exemplo acima, o tratamento funerá-
rio diferenciado para os bebêsxikrin que não receberam
nomes. Pensemos,porém, nas polêinicas contemporâneas
sobre o aborto. Muitas são as posições, e aqueles que são
contrários ou favoráveis aoaborto podem sê-lo pelasrazões
mais diversas. Há as posições baseadasem argumentos
religiosos,como a vertente católica que pregaque a criança
já tem alma desdeaconcepção; há asbaseadaseh argumen
;" s biológicos, ou biomédicos, que tentam inferir
desde
quando o bebê sente dor, negando o aborto a part:.desse
momento; há a discussão jurídica, do direito de nascer e do
direito àvida.Não falamosaquidaquelesquesefundamen-
tam na liberdade de escolhaou no risco à mãe:estamos, e
apenas como um exercício, elencando algumas postçoes
gene'ricasqtiéíocam no feto para basear adecisão contrária
ou favorável. Por eles,podemos !er que o quê sedebate,no
fundo, é o estatutode uma novovida humana --. é
uln
debatede quando avida seforma, edesdêquando ó feto é
su)eito pleno, sejaem alma, corpo ou direitos. Exemplo forte
que demonstra que, embora sepossapensarqie haja lama
q'-' ição ocidental de6inidora da infância, seu eitatulo pode
ser um debate contemporâneo e.às vezes acirrado.
l
A criança atuante
A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na
constituição das relações sociais em que se engata, nao
28 Clarice Cohn Antropologia da criança
29
sendo,portanto, passivana incorporação depapéisecom-
portamentos sociais.Reconhecê-lo é assumir que ela não é
um "adulto em miniatura': ou alguém que treina para avida
adulta. É entenderque, onde quer que esteja,ela interage
ativamente cóm os adultos e as outras crianças, com o
mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis
que assumee de suasrelações.
Em meus estudos sobre as crianças xikrin, tento de-
monstrar que elasnão simplesmente aprendem asrelações
sociais em que têm eterão que se engajar ao longo da vida,
magatuam emsua configuração. Vejamos que issoé feito,
como tudo que temosapontado aqui,.com uma relativa
autonomia. Certamente, haverá relações possíveis a elas,
outras impossíveis; umas dadas e inevitáveis, outras mais
abertas à construção. No entanto, e de acordo com a mar-
gem de manobra que lhes é dada culturalmente, ascrianças
xikrin constroem grande parte das relaçõessociais em que
seengajarão durante a vida. Deve-seentender que falamos
en] margem de manobra não como uma subversãoou
manipulação do sistema,mas como algo que é inerentea
ele; a6lnal, como dissemos acima, a criança não é apenas
alocada efn um sistema de relações que é anterior a ela e
reproduzido eternamente,masatua para o estabelecimento
ea efetivação de algumas das relaçõessociais dentre aquelas
que o sistema Ihe abre epossibilita.
Para entendê-lo, temos antes que entender o sistema de
parentescoxikrin. Outras .culturas,outras noçõesde paren'
tes e parentesco.Os Xikrin têm um sistema de parentesco
classificatório que faz com que várias pessoas,de acordo
com sua posição genealógica,sejam enquadradasem um
mesmo tipo de categoria de parentesco. Assim, para dar
apenas um exemplo, os Xikrin estendem aos 'irmãos (ho-
mens)doipai o usodo termo equivalentea pai; àsirmãs
(mulheres) da mãe o uso do termo equivalente a"mãe': Isso
não queridizer que elesconfundam os papéis,e muito
menos que não saibamquem de fato os concebeu-- quer
dizer que elesclassiâcamdo mesmomodo o pai e seus
irmãos. De fato,a todos a que chama "pai" a criança deverá
reservar um certo tipo de tratamento considerado adequa-
do aessarelação,oqueostorna,aparentemente,
indistintos.
Mas seráque todos osirmãos do pai de uma criança serão
tidos por ela como sefossem pais e portanto terão a mesma
importância em sua vida? Não necessariamente, e é aí que
a margem de manobra de que falamosacima semanifesta.
Como, além de tudo, depois do casamento o homem
vai morar na casada família de suaesposa,essesirmãos do
pai que podem sermaispróximos ou maisdistantesna
genealogia (porque o pai também chama de irmão várias
pessoas
que não sãoseusirmãos uterinos, criando uma
espéciede efeito dominó) -- provavelmentemorarão em
outra casaque não aquelaonde crescea criança.Sendo
assim, a relação social é apenas potencialmente próxima --
mas ela o será, ou não, de acordo com a relação que efetiva-
mente se cria entre essaspessoas.Ou seja,ela poderá se
conformar como uma relaçãopróxima, masisto vai depen-
der dos laçosque sevão criando entre essehomem e essa
criança. Isso quer dizer que,embora a relação sejapossível,
30 Clarice Cohn Antropologia da criança 31
ela só será realizada de fato na prática, e de acordo com o
tipo de laços criados e mantidos ao longo da vi(ja. E, por-
tanto, de acordo com uma atuaçãoda criançano sentido de
fortalecer ou não esses
laços.A criançanão apenasaprende
como sedeve tratar uin pai classificatório; ao lado. disso,
dentre asvárias pessoasque elachamaráde pai, algumas se
tornarão mais próximas e importantesna sua vida que
outras. Portanto, cadacriança criará para si uma rede de
relações que não está apenas dada, mas deverá ser colocada
em prática e cultivada.Elasnão "ganham"ou "herdam"
simplesmente uma posição no sistemade relaçõessociaise
de parentesco, mas amuamna criação dessasrelações.
Uma o.utra modalidade de relação social, aduela com
as irmãs, é uma ilustração interessante disso. Pela mesma
lógica do sistemade parentescoque vimos acima, um me-
nino pode chamam de "irmã" uma pluralidade de pessoas,
mais próximas ou mesmo distantes na genealogia, e que
podena crescer mais ou menos junto com ele. Sãositas irmãs
não só aquelasque compartilham dos mesmosgenitores,
mas todas as filhas daqueles a que o menino chama de mãe
e pai. De novo, porém, arelação com essasmeninas pode se
tornar mais ou menos afetiva, próxima e de cumplicidade,
de acordo com os laços que cria com elas.Vejamos como.
As vezes,grupos de meninos saempelos arredores da
aldeia para caçar passarinhos.Brincadeira,sim, mas que
ganha aresde seriedade quando, retornando à aldeia, eles
oferecena .ospassarinhos às meninas, como os homens en-
tregam àsmulheres o produto da caça.Podemos interpretar
isso de diversas maneiras: esvaziando seusigniâcado e di-
zendo que é só uma brincadeira, ou atribuindo-lhe um
significado e dizendo que essesmeninos estãotreinando
para avida adulta, colho um ensaioparao momento em
que trarão caça às suas esposas. Gostaria de sugerir aqui,
como fiz em outro trabalho, que elesestãofazendoalgo
muito mais sério: estabelecendo relaçõessociais que valerão
para a vida toda. Não estão tratando suasirmãs, reaisou
classificatórias, como sefossem esposas;tratam-nas.como-
irmãs, eassim efetivam uma relaçãosocial que perdurará
pela vida, eque consiste em uma modalidade importante de
troca. Afinal, nãa são só as esposas
asbene6lciáriasde sua
caça, mas as irmãs também. Com''algumas,. essa relação de-
troca pode serefetivada desdequando crianças, ea mulher
adulta receberá seü irmão para comer a carne processada
assimcomo o fez quando criança, quando tratou o passari-
nho que eleIhe ofereceu. Parte dabrincadeira, sim; mas unla
brincadeiracom consequência,ç queinaugura uma relação
de troca que será importante para toda a Vida. Ê a criação
de uma relação social onde antes havia só a promessa, ou a
possibilidade dessa criação.
Podemos ilustrar essepapel ativo das crianças deoutro
modo,tomando como exemploos"meninos derua'lde São
Paulo. Sabemosque a própria idéia de menino de rua
como aquela,anterior, de menor abandonadoou delin-
qüente, e a mais contemporânea de crianças em situação de
risco é socialmente construída. Uma pesquisa etnográfi-
ca realizada em São Paulo por Mana Filomena Gregori, ob-
servando e entrevistando essascrianças nas ruas, nas insti-
f
32 Clarice Cohn Antropologia da criança 33
tuições, enas suas relações com afamília e com outros amores
da realidade urbana comerciantes, policiais, traficantes
-- demonstrouque elastêm um papel ativo não só nacons-
tii:uição de.laçose relaçõessociais como 'na elaboração de
uma imagem, uma identidade, para si e para os outros.
O livro queresultoudessa
pesquisa
é rico ecomplexo.
Dentre outras coisas,demonstra que, ao seatentar mais de
perto para as.relações dessas crianças com suas famílias,
descobre-se qüe elas são muito mais diversas ediversificadas
do que dita o sensocomum, ou o discursosobreelas;na
realidade,muitas vezes as crianças mantêm um vínculo
familiar,e a família constitui um dos vertentesde uma
"circulação"que tem a rua e asinstituições como outros
pontos de paradas temporárias etransit(árias. O que define
essas
crianças não é necessariamente a falta de família ou de
vínculo familiar, mas a circulação,o não seluar em lugar
nenhum. Isso não deve diminuir a gravidade de algumas
experiências familiares traumáticas, mas significa que,antes
de seassumia
que estãonasruasporque não têm família
(ou: "elas.nãopodem ter família, ou suafamília édesestru-
tura'da,porque senão não estariam nas ruas..."), deve-se ver
de perto, e a partir da criança, que relação estabelece
ou
deixa de estabelecer com sua família, ecomo êla seconstitui.
Pode-se
descobrirque o vínculo nem sempreé quebrado,
mas àsvezesde6lnido a.partir de uma lógica da circulação
que,lembra aautora, pode pautar a família mesmo,e não
apenasa criança.
Por essapesquisa, vê-se que essascrianças engatam-se
ativamente na constituição de laços afetivos e de relações
sociais em todos os espaços pelos quais circulam. Isso inclui
desde a constituição de "agrupamentos" de composição
diversa eparticular mas que obedecem a códigos e regras
e estabelecem
para si um local definido e deâlnidor ,
passando pela família eas instituições nas quais buscam
alguns recursos e que freqüentemente usam colmo "bases
para depositar documentos, por exemplo , até osoutros
atoresda realidade urbana em que se inserem.Mais: não
sendo, em termos absolutos, nem vítimas nem algozes,
fazem, no entanto, uso dessasimagens estereotipadaspara
estabelecer
um discursoque funda uma identidadetão
fluida como ésuacirculação.
))
A criança produtora de cultura
Quando a cultura passaa ser entendida como um sistema
simbólico, a idéia de que as criançasvão incorporando-a
gradativamente ao aprender "coisas" pode ser revista.A
questãodeixa de ser apenascomo e quando a cultura é
transmitida em seusartefatos (sejam elesobjetos, relatosou
crenças),mas como acriança formula um sentido ao mun-
do que a rodeia. Portanto, a diferença entre ascriançase os
adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não
sabemenos,sabeoutra coisa.Isso não quer dizer que a
antropologia da criança recente se confunda com análises
do desenvolvimentocognitivo; ao contrário, dialoga com
elas.A questão, para a antropologia, não é saber em que
34 Clarice Cohn Antropologia da criança
35
condição cognitiva acriança elaborasentidos esignificados,
esim a partir de que sistema simbólico o faz.
Os estudosmais interessantes
sobre issosão os da
antropólogabritânica Christine Toren.Psicólogaãe forma-
ção,ela é capaz como poucos de fazer dialogar essesdois
campos de conhecimento para entender o modo colllo as
criançasnlji,com quem trabalha, atribuem sentido ao inun-
do. Toren utiliza-se mesmo de instrumentos da psicologia,
como a confecção de desenhos temáticos pelas crianças, ao
lado dos métodos antropológicos. E sua análisedemonstra
aquilo que dizíamos acima: que ossignificados elaborados
pelas crianças são qualitativamente diferentes dos adultos,
sem por isso serem menos elaboradosou erróneos e par-
ciais. Elas não elltendem menos, mas,como afirma, explici-
tam o que osadultos também sabemmas não expressam.
Tomemos um exemplo disso para entendermos me-
lhor. Toren nos l-mostraque, em Piji, há um sistema hierár-
quico que perpassatodas asesferasde sociabilidade, e que
éexpresso principalmente pela ocupação do espaço: pessoas
de status maisalto sentam acima,mesmo que esseacima
nem sempresejasituado en] uln eixo vertical, masfreqüen-
temente simbólico. O que ascrianças deFiji fazem éinverter
a formulação dos adultos: enquanto eles dizem "fulano
senta acima porque é superior hierarquicamente': elas di-
zem "fulano é destatus superior porque senta acima': Toren
nos dirá que issonão é uma percepçãofalha ou incompleta
dascrianças, mas um modo diferente de falar amesma coisa.
A formulação da criança é completa,eexplicita com acui-
dadea relação entre a ocupação do espaçofísico e o status
social,expressandoo que osadultos não verbalizam. Toren
sugere mesmo que estudar as crianças é mais do que um -
novo ramo da antropologia é importante nãó sõ.para
entendê-las, mas também fundamental paramelhor e.nten:
der asculturas que os antropólogosestudam.
Estudos desse. tipo nos mostram, portanto, que as
crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas tam-
bém produtoras de cultura. Elaselaboram sentidospara o
mundo esuasexperiências compartilhando plenamente de
uma cultura. Essessentidos têm uma particularidade, enão
seconfundem enem podem ser reduzidos àqueleselabora-
dos pelos adultos; ascrianças têl-nautonomia cultural em
relaçãoao adulto. Essaautonomia deveser
reconhecida,
' . .;
mas também relativizada: digamos, portanto, que elas têm
uma relativa autonomia cultural. Os sentidos que elaborada
partem de um sistemasimbólico compartilhado com.os
adultos.Nega-lo seria ir de um extremo ao outro; seria
afirmar aparticularidade daexperiência infantil sob o custo
de cunhar uma nova, e dessavez irredLltívêl, cisão entre os
mundos. Seria tornar essesmundos incomunicáveis
Alguns estudosatuais falam deuma cultura infantil, ou
culturas infantis. Sugiro que esses
termos sejam entendi-
dos eadotados tendo em vista asressalvasque fiz acima. Ou,
mais propriamente, que reconheçamosque falar de
üma
cultura infantil é um retrocessoem todo o esforço de fazer
uma antropologia dacriança:é universalizar,negandoas
particularidades socioculturais. Mais ainda: é refazeracisão
entre o mundo dos adultos e o dascrianças, e,dessavez, de
modo mais radical. Lembremos mais uma veza máxima da
36 Clarice Cohn
Antropologia da criança 37
antropologia: entender .os fenómenos sociais em seu con-
texto. Falar de culturas infantis, portanto, é mais adequado;
Ras devemos,ainda assim,fazê-locom c'uidado,para não
incompatibilizar o que ascriançasfazeme pensamcom
aquilo que outros, que compartilham com elauma cultura
mas não sãocrianças, fazem e pensam.
É verdade que muitos estudos têm mostrado a impor-
tância da transmissão cultural entre crianças. Isso acontece,
por exemplo, com brincadeiras infantis, aprendidas não
com osadultos, mas com outras crianças.Acontece mesmo
na escola, nas brincadeiras no pátio, fora das salasde aulas,
em que cançõese brincadeiras -- às vezesdesconhecidas
dos .adultos que com elas convivem -- se fazem e refazem.
Embora objeto interessantede observttçãoe análise,isso
também não deveserentendidocomo uma áreacultural
exclusivamenteocupada pelascrianças,mas uma das mo-
dalidades de produção cultural empreendida por elas.Sere-
mos menos capazesde entender o que elasfazem nessas
brincadeiras senão entendermosasimbologia que asem-
basam,.e essasimbologia extrapola o mundo das crianças.
são asmodalidades, os lugares easrelações envolvidas nesse
processo; como seinsere e éinserida nele acriança; ede que
criança se trata.
Obviamente, há uma diversidade de experiências cul-
turais de ensino e aprendizagem.Freqüentemente, elassão
diferenciadas em sua formalização: haveria o "ensino for-
mal" e o:«informal': distinguindo-se assim espaços mais
ou mentis segregados
de instrução e conhecimentosmais ou
menos abstratos e aplicáveis em contextos descoladosda-
quele em que foram aprendidos. Seem alguns casosessa
distinção pode serinteressanteeanaliticamenteprodutiva,
sua abrangência deve ser relativizada,sob o risco de se
estabelecerque alguns conhecimentos podem ser transmi-
tidos em situação,enquanto outros, por suaqualidade in-
trínseca, necessitam de uma formalização para serem
aprendidos que seestendeao processo]nesmo de aprendi-
zagem. Isso seria deixar de reconhecer na escola, ou na
instituição escolareno modelo pedagógicoque ela traz,seu
caráter histórico e de construção social. Afinal, espaços
especializados de aprendizagem podem ser encontrados ao
redor do mundo, transmitindo conhecimentos os mais di-
versos,êm modalidades asmais diversas. '
Dolmesmo modo, faz-seàsvezesuma distinçãoentre
transmissão oral eescrita,como seelasignificasse,por si só,
uma modalidade de conhecimento ou (re)produção. Nova-
mente, gostaria de lembrar que estudos realizados em so-
ciedadesorais revelamuma ênfaseora em criatividadee
inventividade,.ora em reprodução e memorização,assim
como sepode esperaruma maior 6ldelidadeao texto escrito
Educaçãoe aprendizagem
Parasefazer uma boa antropologia da criança enfocando a
educação e os processos de aprendizagem, devemos, nova-
mente, começar do começo-- ou seja,.nosperguntando o
que significa educar eaprender nos casosque pesquisamos;
como se.concebeo conhecimento e sua transmissão; quais
38 Clarice Cohn
Antropologia da criança
39
ou, inversamente, valorizar as competências de ..elaborar
sobre o texto. Sendo assim, o caráter de oralidade (iu escrita
não implica direta e necessariamente
em uma maior habi-
lidade ou ênfasena criatividade ou memorização;o que
fundará essadiferença são asênfasesculturais eos processos
específicosque elasengendram, independente de sea cul-
tura ein questão, ou o conhecimento, é gravado.
Indo além, devemos lembrar que alguns estudos têm
sededicado ainda a demonstrar que,em sociedadesasmais
diversas,ascrianças podem ser concebidascomo mais ou
nlellos atuantes na elaboração dos conhecimentos de que se
apropriam, numa distinção que,de novo, não pode ser
tipologizada em termos de sociedades ágrafas versus da
escrita, ou "complexas" versus "simples': "primitivas" ou
"tradicionais'l El-n diversas esferas, essas tipologias já se
provaram menosprodutivas edefinidoras do que seespe'
uva que fossem,quando de suaformulação. Aqui também,
no que diz respeitoà produção desentidossobre o que se
aprende, são mais enganadoras do que úteis, já que nos
fazem pressupor que umas sociedadesestariam fadadas a
transmitir um corpodeconhecimentofechado,sobreoqual
o "aprendiz" não tem papel ativo, enquanto outras, ao
contrário, produziriam sujeitos críticos e inventivos. Análi-
sesde sociedadesconsideradas"tradicionais" revelam que
ascrianças eosjovens podem sermais que meros receptores
de conhecimentos, sendo ativos na construção de sentidos
ede conhecimentos no processode aprendizagem.
O que sesugereaqui é que, ao invés de seestabelecer
uma apreciação generalizantee universalizantesobre os
conhecimentose os modelos de ensino e aprendizagem,
devemos observar contextualizadamente concepçoes,
meios eprocessos: em cada caso,uma concepção de pessoa,
criança,eaprendizagemconformara um modelo específico
de transmissão e apropriação de conhecimentos.
Concepções'de transmissão e permanência, por exem-
plo, Podem ser asmais variadas.O .antropólogo americano
Richard Preceapresenta, para os Saramaka, um povo do
Suriname, a importância do conhecimento do First Filme,
ou dos temposprimordiais, para a constituiçãode uma
memória euma identidade. Assim,o aprendizadodashis-
tórias que tratam dessetempo émuito valorizado, e deveser
buscada por todo saramaka -- mas,como elenos conta, isso
deveserrealizadopor cadaum individualmente, formando,
aofinal,um campo deconhecimentomúltiplo.e diferencia-
do, e não uma memória canónica e igualmente dominada
por todos. Embora haja momentos e relaçõesem que se
pode aprender sobre essetempo, cadasaramakadevecons-
truir seu conhecimento sobre ele; dessamaneira, o que se
enfatiza nessecaso, ensina-nos Price, é uma "transmissão
fragmentada': como estratégia mesmo de produção do co-
nhecimentoedamemória do grupo Ou seja,aocontrario
do que poderia parecer, a fragmentação das informações e
aconstituição de um conhecimento múltiplo evariado são
condiçõesda reprodução da memória histórica e da cons-
trução daidentidade do grupo.
Concepções de conhecimento também podem ser
muito diversas. Para os Piaroa, povo indígena da Venezuela
segundo nos conta JoannaOvering --, o conhecimento
.i
i
40 Clarlce Cohn Antropologia da criança 41
deveser adquirido e armazenado como "contas de conhe-
cimento' tornando-se parte constitutiva da pessoa.Sendo
para eleso ãutocontrolevalorizado, e os conhecimentos
potencialmente perigosos, cada pessoadeve tomar para si
tantas "contas"quanto for capazde dominar. Com isso,
cohstittii-se lml processo em que o domínio pessoal dita sua
extensão e abrangência.
Assim também, apreciações
culturais sobreascapaci-
dades de aprendizagem e as competências são diversas e
devem serlevadas em conta. Os Xikrin dizem que seadquire
conhecimento por meio dos sentidos da visão e da audição,
ou seja,dos olhos edos ouvidos. Por isso,a6irmanaque suas
criançaspodem sabertudo, uma vezque podem testemu-
nhar as mais variadas esferas da sociabilidade;-porém, res-
guardara a elas o direito de nada saber,já que essascapa'
cidadesdevem ser desenvolvidasem consonância com o
desenvolvimento dos órgãossensoriaisque aspossibilitam.
Cona isso,abrem àscrianças apossibilidade ampla de apren-
dizagem, sem implicar uma expectativa de domínio, que
lhes pareceria precoce,de tudo o que podem testemunhar.
Por outro lado, valorizam avontade e a iniciativa de apren-
der,enfatizando o pedido paraque outros lhesensinem algo
que dominam como um motor do aprendizado. Portanto,
ecom osvários exemplos xikrin, vemos que concepçõesdo
que é ger criança, do desenvolvimento e da capacidade de
aprender devem ser enteirdidas de maneira interligada. S6
assimsepode compreender o que significa para elesapren-
der e aaprendizagem, eosprocessos pelos quais os realizam.
Uma palavra sobre interdisciplinaridade
e aplicação da pesquisa
A criançae a infânciatêm sido foco deanálisede vários
campos do conhecimento. Sendoassim,devemos nos per-
guntar sobre os possíveis diálogos das pesquisas antropoló-
gicas com essasdiversas áreas. Há bons exemplos de tra-
balhos antropológicos que dialogam com a psicanálise,a
psicologia especialmenteaquela voltada ao desenvolvi-
mento infantil , apedagogia e asciências da educação.No
primeiro caso, como nos trabalhos de Toren, técnicas e
teorias sobre ascrianças podem informar aspesquisasdos
antropólogos, eprover um bom campo de diálogo edebate.
No segundo,pesquisas
antropológicastêm auxiliado aen-
tender o:engajamento (ou a falta dele) das crianças em
propostas pedagógicas,dando àrevisão contemporânea dos
modelos pedagógicosnova luz e novosparâmetros,tanto
em experiênciasde reflexão sobre a educaçãocomo na
aplicação de resultados de pesquisa.
A escola,portanto, também deveserabordada em umtt
pesquisatantropológica tendo acriança como utn ator social
importante e relevante.Afinal, e pelo que vimos até agora,
ascrianças não apenassesubmetem ao ensino, mesmo em
suas faces mais disciplinadoras e normatizadoras, como
criam constantemente sentidos e atuam sobre o que viven-
ciam. Dessemodo, análisesdo que as crianças fazem e
pensam que estão fazendo, do sentido que elaboram sobre
a escola,das atividades que nela desenvolvem,das relações
que estabelecemcom colegas,professorese outros proas'
42 Clarice Cohn Antropologia da criança
43
sionais do ensino, e da aprendizagempodem ser muito
enriquecedoras para melhor compreender as escolas e as
pedagogias.
Dessemodo ganha-se, como recentemente a própria
antropologia ganhou, com o reconhecimentoda criança
como sujeitosocialativo e atuante,produtor mais que
receptor dé cultura. Porém, temos que reconhecer alguns
limites. Serelativizarmos em excesso,
podemos chegarao
ponto de estabelecerque processoscognitivos e de desen-
volvimento infantil são culturalmente dados, tomando di-
ferenças culturais como desigualdades internas à humani-
dade.Portanto, devemossemprelembrar que estáno campo
da cultura a'diversidadede elaboraçãoe utilização de capa-
cidades humanas universais ou seja,que, secada cultura
pensao desenvolvimento da criança a partir de seuspró-
prios termos, issonão quer dizer queacriançasedesenvolva
diferentemente, mais ou menos,mais rapidamente ou com
maior vagar a depender de onde cresce.Por outro lado, se
universalizarmos demais, tornamo-nos incapazes de perce-
ber asespecificidades dadas pelos contextos socioculturais.
Ê como se coubesse à psicologia estabelecer se os modelos
de Piagetou Vygotski valem para além da Europa de seu
tempo, eaosantropólogos, dado o pressupostoda unidade
humana,identificar osmodos deelaboraçãocultural ehis-
toricizada dessascapacidades e competências.
O mesmo vale para asciências da educação,centradas
que estãona pedagogia escolar. Muitos de seuspesquisado-
restêm tido quesehavercom adiversidadecultural interna
à escola, e tem-se cada vez mais discutido a implantação de
uma educação escolar em sociedades que delas prescindi-
ram. Uma abordagemantropológica pode iluminar razões
para seenganarevalorizar a aprendizagem estiolar, de modo
a se entender inclusive o insucesso escolar contanto,
novamente,que secuide para.não deslizarpara um argu-
mento biologizante, de desigualdade ein ca15acidadese
competências.
Também para asciências da saúde a antropologia da
criança pode contribuir. Afinal, diagnósticos e tratalaaentos
de doençasque acometem a criança estão embasados,como
tudo o mais, em concepções de infância, criança, corpo e
corporalidade, relações e comportamentos "saudáveis" e
"normais': família... Abre-se aqui um rico campo de pesqui-
sa,que pode abranger desdeas concepçõesculturais que
fundamentam diagnósticos e procedimentos até processos
de anamnese-etratamento.
Um outro ramo de diálogo interdisciplinar épossível
com pesquisasinauguradas pelo livro de Ariês, comentado
anteriormente, e que florescem hoje no Brasil: a chamada
"história da infância': Por ela,torna-se possívelexplorar a
variação de uma concepção de infância no tempo, correla-
cionando-a avariações históricas nosmodos de tratar, de se
relacionar e de vivenciar a infância. Tais mudanças podem
ser observadasem textos sobre a criança ou voltados para
ela, nas artes plásticas, nos tratados de educação e pedago-
gia. Nestemomento da ciência, em que sevaloriza a inter-
disciplinaridade, essesestudos, realizados por historiadores
de formação,revelam-sefreqüentemente uma antropologia
voltada para tempos passados,e são extremamente valiosos
44 Clarice Cohn Antropologia da criança 45
no debate dasimagens sobre as crianças e sua atuação no
mundo.
Por fim, não podemos esquecerque freqüentemente
um diálogocom asciênciasjurídicas podeserfrutífero ao
estudo antropológico. Como já se apontou, só podemos
entender o Estatuto da Criança e do Adolescentevigente
hoje no Brasil, assim como aspolêmicas que o rodeiam, se
compreendermos a concepção de criança e infância que o
embasa.Por outro lado, aslegislaçõesafetam,em maior ou
menor grau, as crianças, e uma boa compreensão desse
contexto jur.ídico como do institucional que Ihe é corre-
lato, sejaescolar, de assistência ou punitivo -- pode freqüen-
temente ser revelador na pesquisaque tem como foco as
crianças.
Uma análiseantropológicada criançapôde,por Rim,
ter uin valor'propositivo aoelucidar facetas
da relaçãodas
políticas públicas.e das práticas educativas, auxiliando na
compreensão dé falhas. Essaé uma questão polêmica, e são
diversas as'opiniões sobre o valor da pesquisa na formulação
de políticas voltadas àscrianças; freqüentemente, os antro-
pólogos sãocriticados porque fariam estadosque em nada
colaborariam para modificar assituaçõesque analisam. Se
é certo que a pesquisa antropológica, como toda pesquisa
científica, não deve l;er unicamente pautada pelasquestões
sociais,ela no entanto pode ser realizada para dar conta de
problemas específicos ou mesmo, tendo respondido a
suasinquietações deconhecimento, informar remodelações
de políticas e atendimento à criança: Afinal, costumam
revelar aquilo que é o maior nó nessas relações e.as razões
dele: a incapacidade de secomunicar com ascrianças, de
vê-las como sujeitos sociais.
Metodologias e técnicas de pesquisa
Como seviu, o campo daéanálises antropológicas que têm
a criança como foco é amplo e variado. Sendo assim, cada
pesquisaparticular terá que sedecidir por uma metodolo-
gia.A observaçãoparticipante, que tanto marcou a antro-
pologia, e que consiste em uma interação direta e contínua
de quem pesquisa com quem é pesquisado, é certamente
uma alternativa rica e enriquecedora,que permite uma
abordagem dos universos dascrianças em si. Para tanto, seu
caráter dialógico, de interação, terá que ser enfatizado, per-
mitindo ao pesquisador tratar ascrianças em condiçõesde
igualdade e ouvir delas o que fazem e o que pensam sobre
o que fazem,sobre o mundo que as rodeia e sobre ser
criança, e evitando que imagens "adultocêntricas" enviesem
suas observações e reflexões. Significa lembrar, desde a rea-
lização da pesquisa (e não apenasna análise dos dados), que
a criança é um sujeito social pleno, e como tal deve ser
considerado e tratado. Evita-se assim que o reconhecimento
da criançacomo um sujeito ativo e produtor de sentido
sobre o mundo seja apenasum postulado, esvaziando-lhe
seusignificado.
A observaçãoparticipante pode ainda sercomplemen-
tada com outros recursos,tais como coletasde desenhose
histórias elaboradaspelascrianças e registros audiovisuais.
46 Clarice Cohn Antropologia da criança
47
As opções são muitas, eabrem-se àcriatividade, aos interes-
sese recursos do pesquisador, além das necessidadesespe-
cíficasda pesquisa.Pode-se,por exemplo,optar por coletar
desenhosrealizados pelas crianças com um mínimo de
intervenção, seja nos materiais, no local de realização, no
conteúdo; pode-se, ao contrário, pedir que ascrianças fa-
çam desenhosapartir de um determinado tema de interesse
da pesquisa,como, digamos, a família ou a escola.Ou ainda
fornecer material, como recortesde imagens de revistas,
para uma colagem. Pode-se,ainda, trabalhar alguns dese-
nhosesquemáticose temáticos com ascrianças, de modo a
melhor entender uma questão específica como, por
exemplo, fezToren, quando buscou entender a relaçãoque
ascrianças de Fiji faziam entre hierarquia e espacialização,
pedindo a elasque comentassemalgunsesquemasde posi-
cionamento de pessoaselaboradospela pesquisadora.
Tendo os desenhos em mãos, o pesquisador pode pedir
às criançasque os comentem,ou mesmo que:elaborem
histórias a seu respeito. Assim, terá em mãos;materiais
diversos,mascorrelacionados, com osquais trabalhar. His-
tórias elaboradas pelascrianças edramatização desituações,
mais ou menosdirigidas, têm tambémsido utilizadas por
antropólogos que buscam entendero ponto de vista das
crianças.
Os registrosaudiovisuaistêm-seprovado de grande
valia para a pesquisa, desde os estudos pioneiros de Marga-
ret Mead e Gregory Bateson.Como sempre, os interessese
pressupostos da pesquisa ditam, dealguma forma, os regis-
tros tomados esuainterpretação. Valelembrar que elesnão
sãogarantia de uma maior objetividade ou imparcialidade:
de um lado, a escolha do que .registrar é informada pelos
interesses e pelo foco do pesquisador; de outro, as crianças
de algum modo irão interagir com câmeras e gravadores,.
tornando esta uma das modalidades possíveis dé exercício
de sua fala e ação. Feita essaressalva,tais registros podem
ser muito produtivos e ricos, e podem, como foi o caso
daqueleestud(i pioneiro, fornecer uma narrativa própria'
mentevisual, relativamente autónoma ao texto e àsexplica-
ções analíticas.
Ascombinações tornam esseelencode metodologias e
técnicas potencialmente infinito. Podemosdar asasà ima-
ginação,e pensar no registro audiovisual realizado pelas
criançassobre o seumundo, eM atividadesescolhidaspor
elas...O essencial, em todos essescasos,é aproveitar desses
meios e dessastécnicas o que elas podem oferecer do conto
de vista das crianças sobre o mundo eSuainserção nele.
Uma antropologia que trata dascrianças,porém, não
precisa ser feita apenas ao toma-las. como sujeitos privile-
giadosde interlocução. Por exemplo, un] estudo feito em
uma escola,ou em um abrigo para criançasem situação de
risco, pode ganhar muito ao se debruçar sobre o que os
profissionais que lidam com ascrianças pensam sôbre elas
e sobre sua atividade, assim como sobre o quç elespróprios
(e também elas) fazem,deixam de fazer ou deveriam fazer.
Mais que isso, a pesquisapode .ser realizada sem o
advento da observação participante eda interlocução direta
com ascrianças. Retomando as provocações do início do
texto,podemos pensarem uma pesquisarealizadaa partir
48 Clarice Cohn Antropologia da criança 49
dé textos literários sobre asmemórias "dos tempos de me-
nino' discutindo a partir deles a imagem de infância que
criam. Literatura, cinema, textosjurídicos e legislação,do-
cumentos de instituições de assistênciaà criança, e muitos
mais, podem ser fontes ri'caspara a reflexão sobre o que é
ser criança e sobre sua ação no mundo em contextos es-
pecíficos.
Tampouco astécnicas de pesquisa são definidoras, por
si só, de um estudo antropológico. Como já afirmamos
acima, uma pesquisa pode ser realizada por meio de análises
dedocumentos ou deum conjunto defilmes, continuando
aserantropologia apesarde prescindir da observação
par-
ticipante, tão freqüentementeconsideradadefinidora da
inserção de uma pesquisa nesseramo do conhecimento.
Uma análise de fenómenos localizados na história, ou em
um tempo passado,pode resultar em uma reflexão mais
antropológica que histórica ou historiográfica, a depender
das questõesque levanta, do debateque efetua,do campo
de conhecimento em que se insere.
Por 6lm: a antropologia da criançanãÓselimita ao
estudo dascrianças "de lá'! de outras culturas e sociedades.
Como no que diz respeito a diversos outros temas, os an-
tropólogos têm realizado pesquisassobre fenómenos e te-
mas próximos de seu próprio meio social, e com sucesso.
Elestêm, porém, de lidar com uma dificuldade que aqueles
que viajam para terras distantes e culturas a êlesestranhas
não enfrentam. Na realidade, é como se as dificuldades
fossemsimetricamente opostas:seao setransportar a ou-
tros mundos eculturas o antropólogo tem que reaprender
tudo, do modo de se sentar à mesa ao valor definidor da
humanidade, aquele que pesquisa em suasvizinhanças tem
de evitar a ilusão do conhecimento prévio, do pré-conheci-
do. Para um, tudo éestranho edeveser aprendido e apreen-
dido de modo amplo para começar a fazer sentido; para
outro, tudo parece normal e conhecido, e ele deve ser capaz
de rever e re-aprender o que Ihe parecetão natural.
Conclusões: as crianças daqui e de lá
Seos campos de interesses etemas de uma antropologia da
criança são muitos e variados, devemosconcluir refletindo
sobreo que fazde um estudo que tenha acriança como foco
"antropologia': Porque, como dissemosjá de início, são
muitas as especialidadesacadêmicase científicas que têm
refletido sobre a criança, sobre a infância e sobre suas ações
einterações.
Podemos começar a responder a essaquestão negati-
vamente: nãb serãoos métodos ou astécnicas e instrumen-
tos de pesquisaque tornarão um estudo sobrea criança
pfopiiámente antropológico. Por exemplo, um pedagogo
pode se utili;ár da observação participante e da interação
com ascriançaspara realizar um estudo que épautado pelos
interessese pelo campo de conhecimentos das ciências da
educação.Paraque sejaantropologia, portanto, esseestudo
deverá se inserir no campo de conhecimento, nos prfssu'
stos analíticos e no arcabouço conceitqal próprio a essa
disciplina o campo quetemos apresentadoaqui.
50 Clarice Cohn
Ambas as situações apareceramdiversas vezes neste
livro, tendo sido pontuadasmais ou menos diretamente.
Como vimos, para responderauma questãoaparentemente
simples, como o que é ser criança para os Xikrin;jtivemos
que lançar m.ãodeelementos que leãosaberíamos relevantes
de antemão, como a pintura corporal e sua expressãodo
encerramento do período devida quepudemos reconhecer
como relativo à criança.Mas já sesugeriutambém que só
podemos entender os códigos legaisrelativos à infância se
nos referirmos à concepção de infância que a baseia.É essa
concepção,decorrente do advento do "sentimento da infân-
cia': que leva à idéia difundida nas leis e no senso comum
de que cabeà criançabrincar e sedivertir, em oposição
direta ao trabalho. Obviamente, nãosetrata de afirmar que
as crianças devem ser inseridas no mercado de trabalho
desde cedo, ou desconhecer a importância das conquistas
legais relativas a elas. Cabe apenas,como uma provocação,
mostrar que algo já naturalizado, ou seja, tomado sem
maiores reflexõescomo um dado da natureza essaidéia
de que cab.eà criança brincar, sedivertir e aprender é na
realidade construído social e historicamente, e assim deve
sertomado pelo pesquisador.
Como já sedisse,deve-sesempre começar do começo,
por naais óbvio que pareça o que seobserva ou talvez
possase dizer que, quanto mais óbvio parecer o que sevê e
ouve, mais sedeve desconfiar e buscar desatar as tramas.
Porquenão há imagem produzida sobreacriança ea infân-
cia, ou pela criança, que não seja,de algum modo, produto
de ul-ncontexto sociocultural e histórico específico,do qual
o antropólogo deve darconta.
Referências e fontes
e Os textos clássicosde Margaret Mead têm diversasedições
em inglês.Alguns livros foram traduzidos pala o espanhol,
com algumasmodificaçõesno título, como Ádo/escencía
y
ct.iltLlta enSatt20ae Educacion y cultura etl Nova Gtlinea.
e O estudo de Bárbara Ward sobre o choro e as práticas
socializadorasem Hong Kong estápublicado em uma Im-
portante coletâneaque reúneaspesquisasbritânicas sobre
o tema,intitulada SocíaZízafion;
rheÁpproac;z
.P'om
Sacia/
,4nfhropo/ogy,
organizadapor Phillip Mayerem 1973(Lon-
dres: Tavistock Publications).
e Os textos antropológicos de autores brasa'leirospioneiros
são muito instigantes, e valerão sempre a leitura. De Egon
Schaden,há o artigo "Educação indígena': publicado na
revista Proa/Calas
Brasa/eí/os
(ano X]V. n. ] 52, pp.23-32) de
1976. De Florestan Fernandes, "Aspectos da educação na
sociedadeTupinambá': publicado em uma coletâneaorga-
nizada por Schaden no mesmo ano, l,eíz?tíms
de ermo/ogü bra-
sa/eira(SãoPaulo: Companhia Editora Nacional, pp.63-86).
e Os exemplos que trago sobre osXikrin provêm de minha
pesquisa entre eles, realizada desde 1993, e abordar-n temas
51
52 Clarice Cohn Antropologia da criança
P
53
que discuto em textos eartigos?como por exemplo "Cres-
cendo como um Xikrin. Uma análise da infância e do de-
senvolvimentoinfantil entre os Kayapó-Xikrin do Bacajá':
publicado em 2000 pela RevistadeAnfropo/agia (v. 43, n'2,
PP.195-222).
ciprocidade'; que teveuma tradução recentementepublica
da pela revista Cadernosde Campo (vol.lO).
. Há uma coletânea publicada em Cadernos Cedem
(vo1.18,
ne43,Campinas, dez 1997) que discute, do ponto de vista da
antropologia, asligaçõespossíveisem teoria epesquisa entre
a antropologia e a educação.
e Meada6lrma'a possibilidade de secomparar ascrianças e
a simultânea necessidadede estuda-las em seuscontextos
socioculturaisespecíficosem um interessantelivro que or-
ganizaem 1955 com Manha Wolfenstein, intitulado Chí/d-
hood in ConfemporaO' Culturas (University of Chicago Press).
e O Núcleo de Estudose Pesquisas
deEducaçãode 0 a 6
anos, da Universidade Federal de Santa Catarina, tem reali-
zado pesquisase debatesque reúnem asreflexõese meto-
dologias de pesquisa das ciências da educação e antropolo-
gia, disponibilizando textos em seu site: http://ced.uísc.br/
%7EneeOa6/
e A pesquisade Mana Filomena Gregori estápublicada em
Viraçãoi acpêríênciasde men;tios derzzíz
(São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2000).
e O texto de Eunice Nakamura, publicado na compilação
médica sobre depressãoinfantil Tratadodepsiq ífarría da
í?ll/anciã
eda ado/essência
(SãoPaulo: Atheneu, 2003), orga-
nizada por F.B.Assumpção Jr. e E. Kuczynski, ofereceuma
boa discussão sobre ainterdisciplinaridade da antropologia
com as ciências da saúde
e A obra de Christine Toren éampla. Recomendamos, para
uma introdução, o artigo "Making History: the Signiâicance
of Ch.ildhoodCognition for a ComparativeAnthropology
of Mind"(in: ]4a?z
28,pp.461-78,
1993).
e O livro de RichardPrece,
intitulado Firsf Time, traz os
relatossobre essetempo primordial, além de uma introdu-
çãodo autor sobre suaimportância na constituição de uma
identidade social esobre atransmissão desseconhecimento.
e JoannaOvering demonstra a relaçãoentre o autocontrole
e a aquisição de "contas de conhecimento" em diversos
textos;' veja=se por exemplo I'Estruturas elementares da re-
Antropologia da criança 55
Leituras recomendadas Essestrês livros trazem estudos da história da infância e
das crianças no Brasil, compondo um conjunto amplo
que trata de concepções e experiências. Não sendo an-
tropologia no sentido estrito do termo, serãoespecial-
mente úteis .para os pesquisadores que trabalham em
realidades sociais diretalnente oriundas dessahistória,
sejaem áreasrurais ou urbanas do país,permitindo-lhes
contextualizar seus casos específico$ e marcar com
maior precisãosuaparticularidade histórica esocial.
ARiÊS,Philippe. Á criança ea vidczjamíZíar no An figo Regime.
(Lisboa: Relógio D'Agua, 1988.)
Esselivro inaugura uin campo de pesquisa e reflexão, o
da história da infância, e deveserconhecido por todo
estudioso que trabalha com crianças.Parao que trabalha
com aquelaspróximas de seumeio social, évalioso para
lembrar que a infância não é natural e universal,mas
unia construção histórica, aberta a mudanças e a varia-
ções que tievem ser abordadas. Para aquele que trabalha
com crianças de outros contextos socioculturais, não
será menos instigante e inspirador, e poderá lançar luzes
à compreensãoda concepção do que vem a ser criança
no caso específico com que trabalha.
LoPKS DA SiLVo, Aracy; MACEoo, Alia Verá da Sirva topes &
NuNES, Ângela (orgs.). Crianças índ@enas. Ensaios an-
rropo/ógícos.(São Paulo: Global/Maxi/Fapesp, 2002.)
Livro pioneiroda áreano Brasil,reúnei:esultados
de
pesquisíls com diversas etnias indígenas.brasileiras,
abrangendotemasdiversos;traz ainda ensaiossobre a
produção bibliográ6lca relativa aotema.É leitura impor-
tante especialmentepara aquelesque realizam pesquisas
nasquaistêm que lidar com concepções
evivênciasdas
criançasem outros contextossocioculturais.
FREIRAS,
MancosCezar de (org.). História socía/da ílzjáncia
/zoBrasii. (São Paulo: Cortez, 1997.)
DKI, PRIORE, Mary (org.). -História das criançczs rzo Brasa/.
(São Paulo: Contexto, 1999.)
FREirAS,Marcos Cezar de e Moisés Kuhlmann Jr. (orgs.). Os
ínfeZecfuais /la /zisfórííz da irl@ncia. (São Paulo: Cortez,
2002.)
NuNES, Ângela. .A sociedade das cr;ancas .A'uwê-Xavanfe. Por
ma arzrropo/agiada criança. (Lisboa: Instituto de Ino-
vação Educacional, 1999,Temas de Investigação 8.)
Resultadode pesquisade mestrado realizadano Depar-
tamento de Antropologia da Universidade de SãoPaulo,
esselivro traz, além de uma revisão bibliográfica, uma
análisedas crianças xavante (grupo indígena de língua
54
56 Clarice Cohn
Antropologia da criança 57
jê, do Mato Grosso) em seu cotidiano, com atenção
especialàssuas brincadeiras.
RizziNI, Irene. Á criança e a /e{ no Brasa/ revísírando a
/zístória (]822-2000). (Brasília-Rio de Janeiro: Unicef-
Edusu,2002.)
Essetrabalho comenta eanalisa os principais momentos
da assistência
jurídica à criançano Brasil,permitindo
que seentenda o tratamento do direito e o estatuto legal
da infância na história do paísdesdeo Império, bem
como seus pressupostos e motivações.
GREGORI,
Mana Filomena. Viração. .Experíérzciasde merzfnos
de rua. (São Paulo: Companhia das Letras, 2000.)
Esselivro éa publicação da tesede doutorado da autora,
e traz um estudo amplo e abrangentedos meninos de
rua de São Paulo, apartir de uma etnografia. Aborda sua
circulação por vários espaços, acompanhando-os nas
ruas, .nas instituições, e discutindo suas relações com a
família, outra vertente desseir-e-vir. Aborda, ainda, a
identidade que essesmeninos criam para si, em diálogo
direto com a imagem criada sobre eles.É de grande
interesse para aqueles que buscam um estudo aprofun-
dado e crítico sobre uma experiênciade infância ares-
peito da qual muito sefala e que nem sempre seconhece.
AtviM, Mana RosileneBarbosaeLúcia do Prado Valladares.
"Infância e sociedadeno Brasil: uma análise da literatu-
ra". (in: BIB Boletim Informativo e Bibliográ$tco de
Ciências Sacia;s nQ26, 1988.)
Levantamento pioneiro da produção científica que tem
confiotomaainfância no Brasil atéadécadade 1980.Esse
artigo contextualiza o debate nas ciências sociais, e apre-
senta como os temas foram seconnlgurando, com espe-
cial ênfase na infância pobre
Sobre a autora Coleção PASSO-A-PASSO
UoZumes
recentes: Filosofia ana]ítica [45],
Danilo Marcondes
Maquiavel & O Príncipe [46],
Alessandro Pinzani
A Teoria Crítica [47], Marcos Nobre
Filosofia da mente [52],
Claudio Costa
Espinosa & a afetividade humana
[53], MarcosAàdré G]eizer
Kant & a Crítica da RazãoPura.[S4]
Vinicius de Figueiredo
Bioética [55], Dar]ei Da]]'Agno]-
CIÊNCIASSOCIAIS PASSO-A-PASSO
CapitalsocialE25],
ManaCelinaD'Arauto
Hierarquia e individua]ismo [26]
Piero de Camargo Leirner
Sociologia do trabalho [39],
JoséRicardo Ramalho e
Marco Aurélio Santana
O negócio do social [40],
JoanaGarcia
Origens da linguagem [41],
Bruna Franchetto eYonne Leite
Literatura e sociedade [48].
Adriana Facina
Sociedade de consumo [49],
Lívia Barbosa
Antropologia da criança [57],
Clarice Cohn
Clarice Cohn nasceue secriou em SãoPaulo.Durante a
graduação en] ciências sociaisna Universidade deSãoPaulo,
fez,em 1993,
suaprimeira visita aosMebengokré-Xikrin do
rio Bacajá, no Para. Desde então, vai sempre quç pode,
realizando col-nelessuaspesquisasde mestrado edoutora-
do, no Departamento de Antropologia daquelaUniversida-
de (para o que bolsase auxílios à pesquisada Fapespe do
CNPq foram de grande ajuda). :
Trabalha com a antropologia da criança desdeessa
primeira experiência, e fezdela o tema de seumestrado (.A
criamçaindígena.A concepçãodeitljância eaprendizado entre
osKayapó-Xíkrí/l doBacdá, defendido em 2000). Participou
da equipe de pesquisa "Antropologia, História e Educação"
do Mari Grupo de Educação Indígena da Unijrersidade
de São Paulo, financiada pela Fapesp, de 1995 a 2000.
Atualmente, dedica-se aos temas da antropologia da
criança (especialmenteno debatede Etnologia Indígena) e
educaçãoescolarindígena, tendo diversos artigos publica-
dos a respeito.É também professorade antropologia, na
graduação e no curso de pós-graduação /afo senso "Socio-
psicologia': ambos da Fundação Escolade Sociologia e Po-
lítica de SãoPaulo.
E-mail para contato: clacohn@uol.com.br
S
PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO
Freud & a re]igião [20],
Sérgio Nazar David
Para que serve a psicanálise? [21],
Denise Nlaurano
Depressão e me]anco]ia [22],
Urania lourinho Peres
A neurose obsessiva [23],
Mana AnimaCarneiro Ribeiro .
Mito e psicaná]ise [36],
AI)a Vicentini de Azevedo
O adolescente e o Outro [37],
Soda Alberti
A teoria do amor [38],
NadiáP.Ferreira
O conceito de sujeito [50]
Luciano Ena
A sub]imação- [51], Or]ando Cruxên
Lacan,o grande freudiano [56],
Marco Antonio Coutinho Jorge e
NadiáP.Ferreira
FILOSOFIAPASSO-A-PASSO
Filosofia medieval [30],
Alfredo Storck
Fi[osofia da ciência [31],
Alberto Oliva
Heidegger [32], Ze]jko Loparic
Kant & o direito [33]. kicardo Terra
Fé [34],J.B.Libânio
Ceticismo [35]. P]ínio Junqueira Smith
Schiller & a cultura estética [42],
Ricardo Barbosa
Derrida[43]. EvandoNascimento
Amor [44], Mana de Lourdes Borges
58

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  • 1. ColeçãoPASSO-A-PASSO Clarice Cohn CIÊNCIASSOCIAIS PASSO-A-PASSO Direção: Censo Castra FILOSOFIA PASSO-A-PASSO Direção: Denis L. Rosen$etd PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO Direção:Marco Antonio Coutitlho Jorre L Antropologia da criança Ver!isto de títulos tlofinal do volume Jorge ZAHAR Editor Rio de Janeiro
  • 3. Sumário Copyright © 2005, Clarice Cohn Copyright desta edição © 2005: Jorge Zahar Editor Ltda. rua léxico 31 sobreloja 20031 -144RiodeJaneiro, RJ tel.:(21) 2240-0226/ fax:(21) 226215123 e-mail: jze@zahar.com.br site: vrww.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução nã'o-autorizada destapublicação, no todo arte,constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Composição eletrânica: TopTextos EdiçõesGráficas Ltda. Impressão:Cromosete Gráfica eEditora Capa: Sérvio Campante. Introdução Estudos pioneiros em antropologia Uma nova antropologia da criança A criança e a infância A criança atuante A criança produtora de cult Educação e aprendizagem Uma palavrasobreinterdisciplinaridade eaplicação da pesquisa Metodologias e técnicas de pesquisa Conclusões: as crianças daqui e de lá Referênciasefontes Leituras recomendada Sobrea autora ura S 7 1 1 18 21 27 33 36 41 45 48 51 54 58 CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Cohn, Clarice C629a Antropologia da criança / Clarice Cohn. -- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 (Passo-a-passo; 57) Incluibibliografia ISBN 85-7110-855-2 1. Crianças -- Pesquisa.2. Educaçãode crianças.- Pesquisa. 3. Aprendizagem - Pesquisa.1. Título. 11. Série. CDD657 CDU657 05-1475
  • 4. Introdução O que éacriança? O que éser criança? Como vivem e pensam as crianças? O que significa a infância? Quando ela acaba? PergLultasnada simples de responder. Pelo contrário, elas podem esconder ullaa armadilha. Afinal, as crianças estãoem toda parte,todos fomos criançasum dia, todos temos, desejamos ou não desejamos ter crianças. A literatu- ra nosoferecetextosde autoresfamososque nos contam suainfância, poetas românticos falam com nostalgia de seu tempo de criança. É como setudo já fossesabido, como se não houvesseFspaço para dúvidas. Mas não é bem assim.Mesmo sefâsselnosrecolher todas essasinformações sobre a infância eascrianças, Vería- mos que um punhado de idéias diferentes seapresentam. A criança pode ser a tábula rasa a ser instruída e formada moralmente, ou o lugar do paraísoperdido, quando somos plenamente o que jamais seremos de novo. Ela pode ser a inocência(e por issoanostalgia de um tempo quejá passou) ou um demoniozinho aser domesticado (quantas vezes não ouvimos dizer que "ascriançassãocruéis"?). Sejacomo for, en] todas essasidéias o que transpareceé uma ínzízgenz e/n 7
  • 5. 8 Clarice Cohn Antropologia da criança 9 negativo dà criança: quando falamos assim, estamos usan- do-a como.um contraponto para falar de outras coisas, .como âvida em sociedadeou asresponsabilidadesda idade adulta. E,pior,.com isso afirmamos uma cisão,uma grande divisão entre d mundo adulto e o das crianças. Portanto, se quisermos realmente responder àquelas questões,precisamos nos desvencilhar das imagenspre' concebidas eabordar esseuniverso eessarealidade tentando entender o que há neles,e não o que esperamos que nos ofe- I'eçam. Precisamos nos fazer capazes de entender acriança e seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. E é por isso que uma antropologia da criança.é importante. Ela não éaúnica disciplina cientí6lca que elegeesseobjeto de estudo: apsicologia, a psicanálise.e a pedagogia têm lidado com es- sasquestões há muito tempo. Mas é aquela que, desde seu nascimento, sededica a entender o ponto de vista daqueles sobre quem e com quem fala, seusobjetos de estudo. A antropologia se firma como um ral-no do conheci- mentoem fins do séculoXIX e começodo XX, como a ciência social responsávelpelo estudo de outras sociedades e culturas. Ao longo do século, essasua definição é cada vez menos precisa, e antropólogos passam a se interessar (tam- bém) pelo estudo de nossa própria sociedade.Sem deixar de estudar outros modos de viver em sociedade,cada vez mais sededicam afenânaenos sociais que nos sãopróximos. Hoje,portanto, uma antropologiadacriançapodeserdesde aquelaque analisao que significa ser.criançaein outras culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em um grandecentro urbano.Seaantropologiaampliou assim seushorizontes de estudo,não deixou de se definir como uma ciência social com certas particularidades. Fazerantropologia étentar entender um fenómeno em seucontexto sociale cultural. É tentar entendê-loen] seus próprios termos. Desdecedo,os antropólogos têm insistido na necessidadede abordar asculturas e associedadescomo sistemas,o que significa dizer que qualquer evento, fenóme- no ou categoria simbólica e social a ser estudado deve ser compreendido por seuvalor no interior do sistema, no contexto simbólico esocialem que égerado.Por isso,não podemos falar de criançasde um povo indígena sementen- der como essepovo pensao que ésercriança esem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade-- e o mesmo vale para as cri.onças nas escolas de uma metrópole. E aí está a grandecontribuição que a antropologia pode dar aos estudos das crianças: adefornecer um modelo analítico que permite enteQdê-laspor si mesmas;a de permitir escapar daquela imagem em negativo,pelaqual falamos menos das criançase mais de outras coisas,como a corrupção do homem pela sociedade ou o valor davida em sociedade. A antropologia oferece ainda outra coisa: uma meto- dologia de colegade dados.Atualmente, diversos estudiosos dascriançastêm utilizado o método daantropologia,espe- cialmente aquele conhecido como etnografia, entendendo ser esseo melhor meio de entendê-las em seuspróprios termos porque permite uma observação direta, delase de seusafazeres,e uma compreensão de seuponto de vista sobreo mundo em que seinserem.
  • 6. 10 Clarice Cohn Antropologia da criança 1 1 A etnografia,parafalarmuito brevemente, é'um mé- todo em que o pesquisador participa ativamente da vida e do mundo social que estuda,compartilhando seusvários momentos, o que ficou conhecido como obter açãoparfící- pa/lfe. Ele também ouve o que aspessoasque vivem nesse mundo têm a dizer sobreele,preocupando-se em entender o que ficou conhecido como o ponto de l,ísfa do /hfív'o, ou seja, o modo como as pessoas que vivem nesse;universo social o entendem. Portanto, usando-seda etnografia, um estudioso dascrianças pode observar diretamente o que elas fazem e ouvir delaso que têm a dizer sobre o Inundo. Mas estudar as criançastem sido um desafiopara a antropologia.As razõessãomuitas,ea principal pareceser justanaente a dificuldade em reconhecer na criança um objeto legítimo deestudo. Aâlnal, em várias esferas,que vão do sensocomum àsabordagensdo desenvolvimento infan- til, pensa-Éenelas como seresincompletos aserem formados e socializados. Por diversas vezes foram propostas aborda- gensantropológicasdas crianças.No entanto, os esforços pareciammorrer esefecharein simesmos,eelasforam por longos períodos abandonadas pelos estudos antropológi- cos.Até que,nasúltimas décadas,aconteceuma reviravolta, e elas ganham espaço e legitimidade ein uma variedade de estudos. Essamudança diz respeito aosconceitos epressupostos da própria antropologia como disciplina. É como seaan- tropologia, revendo-se, tornasse possível aabordagem deste universo em seus próprios termos. Desde a década de 1960, conceitosfundamentais da antropologia, como cultura e sociedade ou estrutura e agência, são revistos e reformula- dos.Além disso,algo que não émenosimportante: come- çou-sea perceberna criança um sugeito soda/. A partirdegsa reformulação, que apresentaremosa seguir, novos estudos vêm sendo propostos e realizados, e com elesnovas desco- bertas sobre o mundo das crianças têm surgido. Estelivro traz um mapeamento dasvárias abordagensantropológicas sobreo tema,além de uma discussão. sobreoslimites eas possibilidades de uma antropologia da criança. Estudospioneiros em antropologia Osestudosmais famosos na antropologia que têm ascrian- çascomo foco principal são,ainda hoje, os realizadosnas décadasde 1920 e 30 por antropólogos norte-americanos ligados à Escola de Cultura e Personalidade,especialmente os de Margaret Mead. Essesantropólogos, formados na escolaculturalista ft)ndada por Franz.Boas,preocupavam- seem entender o que significa ser criança e adolescenteem outras realidades socioculturais, tomando freqüentemente a sociedade norte-americana da época como um contra- ponto. Definindo acultura como aquilo queé transmitido entre asgeraçõese aprendido pelos membros da sociedade, essesantropólogos se vêem caiu a questão de delimitar o que é propriamente cultural, e portanto particular, e o que é natural, e portanto universal, no comportamento huma- no. Essassão asbasesde um debate famoso, o que diferencia nafzzre e nurfure, ou o que é inato e o que é adquirido.
  • 7. 12 Clarice Cohn Antropooga da cranca 3 É com essasquestõesque Mead, psicóloga e antropó- loga em sua formação, parte pára fazerum estudo da ado- lescênciaem Samoa, nas ilhas norte-americanas do Pacífico. Tendo sido encaminhada por seuprofessor Franz Boaspara verificar. seos dilemas ea rebeldia vividos pelos adolescentes norte-americanos eram uma facetauniversal dessemomen- to do ciclo devida, Mead analisaascondiçõeseaexperiência da adolescênciaem Sam.oae conclui que os conflitos e as rebeldiasjuvenis americanas sãodadosculturais, não expli- cáveispor .iinlacondição biológica. Para éla, a própria idéia de adolescência não éuniversalizável, edeveserde6lnida em contexto. Além disso, demonstra que, em Samoa, esseé um período de liberdade e que,vivendo em uma cultura homo- gênea, asmen-mas precisam fazer menos encolhas, epor isso vivem menosconflitos. O livro em que publica seusachados,em 1928 Comi/zgafaga ín mamoa(ou, em uma tradução livre, "Vi- rando adulto em Samoa") --, torna-se um best-se/Zer, o que elaexplica pelo fato de ter sido escrito "em inglês': ou seja, sem grandes tecnicismos e debatesespecializados.No en- tanto, recebe,décadasdepois,uma dura crítica deseuspares, quando outro antropólogo, Derek Freeman,vai às ilhas e não reconheceno que vê o que havia lido nos trabalhos de Mead.Suacrítica pode ser resumidaem dois pontos: o primeiro, de que ela estariatão ofuscadapelavontade de demonstrar a particularidade cultural da adolescência e o contraste coh os Estados Unidos que .teria exagerado na liberdade e liberalidade das adolescentesde Samoa; o se- gundo é metodológico, eafirma que elanão teria passado tempo suficiente em Samoa e entre os adolescentes,e, pior, teria levadosuasinformantes adizer o queelatanto queria ouvir. Suacrítica Ihe dá notoriedade, einicia Lmlapolêmica, pela qual seafirma que ele exagerou em suasconsiderações. Justiça sejafeita: antesmesmo de sequersaber que rece- beria essas críticas, Mead foi refinando seusmétodos de co- leta de dados, em trabalhos sobre ascrianças menu e bali- nesas.Entre os Manu da Nova Guiné, Mead estudou as criançasleo modo como vão aprendendo ascompetências necessárias para a vida adulta. Em seu livro Growing aP in New GuÍnea, ou "Crescendona Nova Guiné': elademonstra uma fina capacidade de observar e descrever ascrianças manu. Em Bala,em companhiadeseumarido, oantropólogo britânico Gregory Bateson,elaboraum métodofotográfico de análise do cotidiano dascrianças e de suas interações. Enquanto elatomava notas,Batesontirava fotos, que abran- giam desdeasbrincadeiras dascriançasatéosmodos como eram ca:rregadas por suas mães e asinterações com a antro- póloga.Esse trabalho saipublicado,em 1942,comoum livro de fotografias chamado .BaZínese C/zaracfer:A Photographíc .Anal'sí$, ou."A personalidade balinesa: uma análise fotográ- fica't Suasconclusões principais versavam sobre o modo de aprendizado dos balineses,que o casalde antropólogos definiu como visual (pela observação) ecinestético (porque os movimentos de danças,por exemplo,eram aprendidos com o professor-tutor movimentandoo corpo de seu aprendiz), concluindo seresse um tipo deaprendizadoque ensinaria a passividade e uma consciência particular do corpo.
  • 8. 14 Clarice Cohn Antropologia da criaríça 1 5 A ênfasena formação da personalidade expressabem uma daspreocupaçõesdessaescola:a relação do indivíduo com asociedadeein termos de suaformação como um tipo especí6lco de personalidade. O estudo de Ruth Benedict, Padrões de cuZzlura, apresentava exatamente isso: como as culturas conformam oscomportamentos humanos em ter- mos de uln ideal,ilustrando-oa partir de três tipos de personalidade encontrados em povos diversos. A própria Mead fez também esseexercício em Sexoe temperamento, discutindo os papéisde gêneroem três sociedades, e de- monstrando que todos elesdivergiam em pontos importan- tesdaquelesencontradosnos EstadosUnidos. Outros an- tropólogos dessaescolaabordaram a questão,cunhando o termo "caráter nacional" para designar as personalidades ideais e típicas àsnações, como o japonês "disciplinado" e o russo "esquentado': É interessante que, com inspirações psicanalistas, essesantropólogos estudam a primeira infân- cia e, por exemplo, modos de ninar e embalar ascrianças, de ensinar ahigiene pessoalede disciplinar os comporta- mentos como definidores depadrõesculturais, como deter- minantes na formação da personalidadeideal, adulta, de suas sociedades. Seesses trabalhos têm a inegávelimportância de dar visibilidade aos estudos da criança e sugerir métodos e temasdeobservação, colega eanálisededados,demonstran- do que a experiência das criançasé cultural e só pode ser entendida em contexto, elesnão obstantesobem com al- guns de seus pressupostos analíticos. Tomando a cultura como aquilo que é adquirido e transmitido e o grande diferencial cultural como a formação de padrõesde perso- nalidades, essa corrente da antropologia corre o risco de ssarosestudos na questãode como acriança éformada ecomo adquire competências culturais esperadaspara avi- da adulta. Essesestudos estão marcados pala cisão entre a vida adulta ea da criança, e remetem a uMa idéia dé imatu- ridade edesenvolvimento da personalidade madura. Assim, supõem um fim último do processo de desenvolvimento,. o adulto ideal da sociedade em questão, seja ela balinesa, francesaou norte-americana =--adulto esse que é,em últi- ma instância, definido no epelo estudo científico. Um segundomomento dostrabalhosnessa. áreaédado pelas pesquisas dos antropólogos britânicos marcados pelas preocupações da escola estrutural-funcionalista fundada por RadcliKe-Brown. Essavertente de análise sefirma em contraposição àsamericanas,negando o psicologismo que, como afirmam em suas críticas, as definiriam. A eles, não interessa a formação da personalidade ideal, mas situ as práticas e o processo de socializaçãodos indivíduos. Não é uma questão de aquisição de cultura e competências,afir- mam, mas de delimitação dos papéise relaçõessociais envolvidas nessesprocessos eque embasam e realizam essas práticas. No estrutural-funcionalismo, aksociedades são enten- didascomo um sistemade papéise relaçõessociaisque podem ser observados, descritos e analisadospelo pesqui- sador.Essespapéis definem o lugar do indivíduo na socie- dade,e estãoligados a outros, conformando assimuma totalidadesocial aserreproduzida inde6lnidamente.As ge-
  • 9. 16 Clarice Cohn Antropologia da criança 17 rações se sucedem, e cada qual vai assumindo um papel social que Ihe antecedee de6lneseu status e posição na sociedade.Com esses pressupostos,a criança dos estudos estrutural:funcionalistas sevê relegadaa protagonizar um papel que nãodefine. Suasaçõeserepresentações simbólicas nãoprecisam serestudadas, portanto, para que sedefina seu lugar no sistema:sãodadasbelo próprio sistema.O que se e.studa, então,são os grupos de mesmafaixa etária (os pares),ascategoriasde idade, aspassagensentre categorias deidade estatus sociais,eseupapel funcional. As interações sociais'estudadaslimitam-se àquelascom o que se define como "agentesde socialização':sejam elesadultos ou mem- bros mais Velhosde um grupo de jovens. Quando falam de aquisição de competências, referem-se àquelas necessárias para que.serealizeum determinado papel social. E,coeren- tes com o pressupostoda sociedadecomo um sistema, quando falam de socialização, falam de práticasque têm como objetivo a iíiserção dos indivíduos em categorias sociais que conformam um sistema, o qual deve ser articu- lado ênaliticamente pelo pesquisador.Recusa-se àscrianças, po.rtanto, uma parte atava na consolidação e definição de seu lugar na sociedade: elas são vistas como um receptáculo de papéisfuncionais que desempenham, ao longo do processo desocialização,nosmomentos apropriados. f''ara ilustrar essacorrente, vejamos como a socializa- çãoé exploradano trabalhode uma antropólogafiliada a ela. A escolhado tema não foi aleatória, mas sim para permitir uma comparação com asanálisesque descrevemos acima. Como a socialização é menos central a essacorrente, os trabalhos desenvolvidossobre ela sãotambém menos comuns. Mas a questãodo choro (ou da "birra") infantil e daspráticas socializadorasa elerelativas,exploradasem um estudo de BárbaraWard sobreHong Kong, pode ser bem ilustrativa. A começar, porque, como diz a própria autora, essaquestão foi incidental em suapesquisa, voltada que era aosistemasocioeconómico. Mas,observando quando epor que ascrianças choram, equal a reaçãodos mais velhos, ela nos mostra como a agressividadee a falta de controle são desencorajadas por essasociedade, e como o choro não é, lá,e relativamente, uma estratégiabem-sucedida de chamar a atenção e buscar cuidados. Sua explicação,porém, não é dada pela formação da personalidade ideal em Hong Kong, mas pela inserção da criança e do adolescenteno sistema estrutural e pelo valor da agressividade na definição de papéissociais. O que ela nos diz é que o esvaziamento do choro como um recursode garantiade cuidadospelas crianças hão significa falta de cuidados em geral, edeve ser entendida)em seucontexto social.Eesse contexto éo deuma inserção gradativa na sociedade(pouco problemática por- que sem grandes rupturas e sem exigênciasde que sefaça maisdo que seé capaz),de uma consciência do papel exercido e de uma valorização do autocontrole em detri- mento dà agressividadenos papéisde liderança. Os É)ressupostos e as técnicas de pesquisa que vimos nessas duascorrentes,aculturalista eaestrutural-funciona- lista, estão presentes também nas análises feitas no Brasil nesse mesmo período.Elasdizem respeitoàeducação,como chamam os autores,em sociedadesindígenas brasileiras, e
  • 10. 18 Clarice Cohn Antropologia da criança 19 versam sobre a inserção dos indivíduos na sociedade e a formação de uma personalidade ideal. Nos estudospionei- ros de Egon Schaden (sobre ascrianças guarani) e Florestan Fernandes (sobre a socialização entre os Tupinambá), esses pressupostosculturalistas e funcionalistas são reencontra- dos.Ambos falam de uma personalidade ideal, do valor da repetição,da homogeneização cultural e da certezasobre o papel social que ocupam como sendo determinantes para entender o lugar dos "imaturos" nessassociedades. As contribuições de todos esses estudos para a análise dascriançasem seu contexto sociocultural sãoinúmeras, e certamente seria um erro renega-los como um todo. Porém, seus pressupostos limitavam seu alcance. Dentre eles, o de que àscrianças é inculcada a cultura, ou o de que elassão socializadas, ou seja, inseridas por agentes e práticas socia- lizadorasna sociedademais ampla.Enfatizando ora a cul- tura, a aquisição de competências ea formação de persona- lidades,ora a inserção na estrutura social, essasanálises pressupunhamum fim último e uma imutabilidade do processoestudado e conhecido pelo pesquisador,marcado que estavapela reprodução sociale transmissãocultural. Era necessário dar um passo adiante, e sé fazer capaz de abordar as crianças e suas práticas em si mesmas. Novas formulações para conceitos centrais ao debate antro- pológico surgem, permitindo (jue se estudea.criança de maneirasinovadoras.Dentre eles,o conceitodecultura, de sociedade e de agência, ou de ação social. Essasrevisões serãoapresentadasaqui de modo sistemático, ecertamente não exaustivo, apenas para que possamos entender avirada que aconteceunessecampo dos estudos antropológicos. Na revisãodo conceito de cultura, osantropólogos, ao invésde toma-la como algo empiricamenteobservávele delimitado, cadavez mais abdicam de falar em costumes, valores ou crenças para frisar que o quede fato interessaestá mais embaixo. Ou seja, não sãoos valores ou ascrenças que são os dados culturais, mas aquilo que os confonna. E o que osconforma éuma lógicaparticular, uin sistemasimbólico acionado pelos atires sociais al.cadamomento para dar sentido asuasexperiências.Ele não é mensurável, portanto, e nem detectável em um lugar apenas é aquilo que .faz com que aspessoaspossam viver em sociedadecomparti- Ihando sentidos,porque elessãoformados a partir de um mesmo sistema simbólico. Sequisermos .tentar uma analo- gia, pensemos os valores como as palavras em uma frase, e a cultura como o sistemalingüístico que .permiteque as pessoasarticulem as palavras, as frases e as idéias de um modo que faça sentido para si e para os outros. Utilizamo- nos dessesistema simbólico todos os dias,embora não o conheçamos por inteiro, nem tenhamos consciência de o fazer.É como a gramática que permite que articulemos uma fala pode ser conhecida; mas não precisa ser retomada conscientemente pelo falante. Uma nova antropologia da criança A partir da década de 1960, os antropólogos engâjaram-se em un] grande esforço de avaliar e rever seusconceitos. a
  • 11. 20 Clarice Cohn Antropologia da criança 21 Tomando a cultura dessemodo, entendemosmelhor seu funcionamento e também gua mudança. Isso porque a cultura não estános artéfatos nem nas frases,mas na sim- bologia e nas relações sociais que os conformam e lhes dão sentido.Assim, um texto, uma crença ou o valor da vida em família podem mudar, semque issosignifique que acultura mudou ou se corrompeu. A cultura continuará existindo enquanto consistir essesistemasimbólico. Nessesentido, estásempre ein formação e mudança. O mesmo ocorre com asociedade. O contexto cultural de que falamos.até aqui, e que é imprescindívelpara se entender o lugar da criança segundo os novos estudos, deve sertomado como sendo essesistema simbólico. Ele éestru- turado e consistente,e por isso permite que.sentidose significadossejamformadose reconhecidos. O contexto social legue o mesmo percurso: sem abdicar de suacondi- ção estruturada, o conceito de sociedade seabre para dar conta deuma produção contínua dasrelaçõesque aformam. Não setrata .mais de pensar uma totalidade a ser reprodu- zida, masde um conjunto estruturado em constante produ- ção de relaçõese interações. Rever'a sociedade implica revertambémo papel do indivíduo dentro dela.' Se a sociedade é constantemente produzida, ela não poderá sê-lo senão pelos indivíduos que a'constituem. Portanto, ao invés de receptáculosde papéis e funções, os indivíduos passam a ser vistos como atores sociais.Seanteseleseram atires no sentido de atuar em um papel,agora eleso são no sentido de atuar na sociedade recriando-aa todo momento. Sãoatoresnão por serem intérpretes de um papel que não criaram, mas por criarem seuspapéis enquanto vivem em sociedade. Essassão revisões de conceitos-chave da antropologia. E, por isso, permitem que se vejam as crianças de uma maneira inteiramente nova. Ao contrário de seresincom- pletos, treinando para a vida adulta, encenandopapéisso- ciais enquanto são socializados ou adquirindo competên- cias e formando sua personalidade social, passam a ter um papel ativo na definição de sua própria coíidição. Seres sociaisplenos, ganham legitimidade como su)eltos nos es- tudos que sãofeitos sobreelas.Vejamoscomo essas mudan- çasafetam os estudosantropológicos em três aspectos:a criança como ator social, a criança como produtor de cul- tura, e a definição da condição social da criança. A criança e a infância Falamosaqui de uma antropologia da criança e não da infância. Isso porque a infância é um modo particular, enão universal, de pensar a criança. O estudo histórico de Phi- lippe Ariês sobre .Acriança ea vídajamiZÍar no .Anfigo Regime mostra que a idéia de infância é uma construção sociale histórica do Ocidente. Ela não existedesdesempre,e o que hoje entendemos por infância foi sendoelaborado aolongo do tempo na Europa, simultaneamente com mudanças na composição familiar, nas noções de maternidade e paterni- dade, élno cotidiano e na vida das crianças, inclusive por sua institucionalização pela educação escolar.O que Ariês nos
  • 12. 22 Clarice Cohn Antropologia da criança 23 mostra é a construção histórica do que denomina um sen- f;mento dzzínl/anciã. Estenão deveser entendido, vale dizer, como uma sensibilidademaior àinfância, como um sen- timento que nasceonde era ausente,mas como uma for- mulação sobre a particularidade da infância em relação ao mundo dos adultos, como o estabelecimentode uma cisão entre essasduas experiências sociais. Portanto, contem- poraneanlente, os direitos das crianças e a própria idéia de menoridade não podem serentendidos senão a partir dessa formaçãode um sentimentoe deuma concepçãode in- fância. Em outrasculturas e sociedades, a idéia de infância pode não existir, ou ser formulada de outros modos. O que éser criança, ou quando acabaa infância, pode ser pensado de maneira muito diversaem diferentescontextos sociocul- turais, e uma antropologia da criança deve ser capazde apreenderessas diferenças. Para isso, a análise antropológica deve abranger outros campos que, a cada caso,serão fundamentais para ie enten- der o que significa ser-- e deixar de ser -- criança nesses contextos. Por exemp]o, a concepçãoda pessoa]lumana e de sua construção pode ser imprescindível para entender como secompreende e vivenda o período da vida em que se é criança. Podemos ilustrar essa afirmação com o caso dos Xikrin, ui-naetnia indígena de língua jê que mora no Parae seautodenomina À4ebengokré, para quem o corpo de um novo ser humano vai sendo criado durante a gestação, gradativamente, por meio das relaçõessexuais; não há, portanto, um momento único deconcepção, seguidoda formação do corpo, Idas situ uma formação contínua. Como maisde um homem podecontribuir para essafor- mação,o bebê pode ter mais de uln pai, quê seráreco- nhecido ereconhecerá sua paternidade, participando de um ritual público quando donascimentodo bebê.A fonnação do corpo durante a gestação cria .um laço corpóreo entre o bebê eseusgenitores que não seencerra com o nascimen- to; pelo contrário, durará a vida toda. Quando o bebêtem ainda o corpo em formação, "mole': como elesdizem, os genitores devem respeitar cuidados com seupróprio corpo que, se infringidos, causariam mal ao corpo do bebê; essaé uma fasecruclial, mas aligação fundada nagestaçãoperdura, e se revelará com toda força em situações.de crise, como doenças. Mas a formação do corpo não basta para gerar uma nova pessoaxikrin. Para eles, o serhumano éconstruído por outros elementos, um dos quais éo karon,-algo imaterial que normalmente glosamos por "alma" ou "duplo': Como ne- nhuma dessas glosas é adequada, continuarei aqui a usar a palavra na língua mebengokré,tentando porém descrever seu sentido. O karon parece já estar presente desde a gesta- ção,e é a parte da pessoaque perdurará após a morte. Durante a vida, ele transita, deixando o corpo eretornando a ele é issoque permite àspessoas sonhar,e o que se sonha, dizem os Xikrin, são as experiências do karon en- quanto deixa o corpo adormecido e passeia. Porém, essas ausênciastrazem um grande risco: o do karon não retornar aocorpo, o que significará suamorte. Esserisco é tão maior quanto maisvulnerável estáo corpo eéparticularmente
  • 13. 24 Clarice Cohn Antropologia da criança 25 grandepara criançaspequenas,que têm um corpo menos capaz de reter o karon. Por isso,os Xikrin tomam cuidado em não deixar ascriançassezangaram:uma criança embur- rada estávulnerável, seu karon pode sair vogando e não voltar mais. A situação é complexa, e combina uma maior vulnerabilidade corpórea, do próprio kízron,ainda pouco conhecedor dos caminhos esujeito a seperder,euma maior probabilidade de atender aos chamados dos outros karon, os daqueles que morreram e, saudosos dos vivos, buscam trazê-los cara perto.de si.Vê-seque,em uma situação assim complexa, os cuidados.devem ser redobrados e, caso uma criança se zangue e seafaste chorando, os Xikrin se desdo- bram em mantê-la atentaao mundo dos vivos, falando com ela,evitando assim que o karon seausenteem definitivo. Corpo ekaron, porém, não esgotam aformação de uma nova pessoa:ela deve receber nomes e prerrogativas que Ihe forneçam umaidentidade social,aserexpostanosmomen- tos do ritual. Essesnomes e essasprerrogativas são-lhe dados por pessoasque não contribuíram com a formação de seu corpo, ampliando assim sua rede de relações sociais para além daquelas pessoas com quem estáligadapelo corpo. A importância dos nomes e dasprerrogativas pode servista em um momento dramático,o da morte de um bebê:apenasaquelesque receberamnomes terão um trata- mento ftlnerário digno deuma pessoa plena.Vê-se, assim, que a plenitude da pessoasó é alcançadaquando ela é compbÉta por corpo, karon e nomes/prerrogativas rituais. Não obstante, issovai fazer do novo bebê uma pessoa xikrin. Resta-nossaber até quando ela serácriança, e como esseperíodo é marcado. Isso pode ser visto, literalmente, pela ornamentação corporal, algo muito sério para os Xikrin. Realizado continuamente, comunica sobre asituação social daquele que épintado eornado: faseda vida, gênero, situa- ção cotidiana ou ritual, nascimento de filhos ou de netos, saúde ou doença, tranqüilidade ou luto, paz ou guerra... Algumas fasespor que passamacriança sãoassim marcadas, como por exemplo o momento em que conquista uma primeira autonomização, quando começa a falar e a andar, locomovendo-se sozinha. E a modalidade de pintura que passaareceber nessemomento, feita por suamãeou irmãs, seráa mesma até uma derradeira vez, quando gestarpor si umacriança.Desdeentão,amulher sepintara conamotivos do gênero e da idade, junto às outras mulheres, e o homem passaráaser pintado por sua esposa,usando também novos motivos. Poderíamos, portanto, concluir que um ou uma Xikrin serácriança até o momento em que pensaa ter uma criança queésua equeéo momento em queocasamento éconsolidado, em que o casalganhaum espaçopróprio na casa,faz sua própria roça e caçae pescao que irá comer e compartilhar, ganhandotambémum lugar na produção economica. Desde cedo, a criança participará de grup.os formados pelo que os antropólogos chamam de categoriasde idade; quando ganha seuprimeiro filho, continuará a fazerparte dessesgrupos, mas agora daquele que é denominado "pais de um único 6llho'l Será a quantidade de filhos .quelevará esses novos adultos a mudar de categoria de idade, até a ve- lhice, que os Xikrin dizem sero momento em que não setem
  • 14. 27 26 Clarice Cohn Antropologia da criança mais filhos ou, de uln modo poético que lhes é peculiar, quando seus filhos (e netos) passam a ter filhos por eles Essailustração,mesmo que breve,teve como intuito revelar a complexidade envolvida em compreender essafase davida em outros contextos socioculturais,na qual elemen- tos aparentementetão dísparesquanto a construção de um novo corpo, a relação com o choro da criança e ossonhos, a íntima ligação de corpo e karon que sedesenvolvem correlacionados --, a pintura corporal e as categorias de idade têm que ser trazidas àtona eesmiuçadaspata que se comecea compreender o que significa, para um Xikrin, ser criança. Porém, tTãodevemos esquecerque, mesmo nRSsocie- dadesde tradição ocidental, a história continua, e essaidéia de infância tem sofrido modi6lcações. Ariês nos apresenta como essaidéia surge;outros estudostêm tentado entender asmudanças contemporâneasda experiência e da concep' çãode infância no Ocidente. Portanto, mesmo umaantro- pologia da criança que sejafeita emuma realidade sociocul- tural muito próximaàdo antropólogonãopodeprescindir de uma reflexão sobreo que é ser criança nessecontexto, e deque infância seestáfalando.Afinal, como já dizia Mar- garet Mead; crianças existem em toda parte, e por isso podenaosestuda-las comparando suasexperiências evivên- cias;mas essasexperiências e vivênciassão diferentes para cadalugar, epor issotemos que entendê-las em seucontexto sociocultural. Como exercício, pensemos em um caso impactante, rico para nos lembrar que asdefiniçõesde quando começa e avida humana podem ser diversasIÚesmonos nossosarre- dores.Muitos seespantam com casoscomo infanticídio, ou, para aproveitarmos o exemplo acima, o tratamento funerá- rio diferenciado para os bebêsxikrin que não receberam nomes. Pensemos,porém, nas polêinicas contemporâneas sobre o aborto. Muitas são as posições, e aqueles que são contrários ou favoráveis aoaborto podem sê-lo pelasrazões mais diversas. Há as posições baseadasem argumentos religiosos,como a vertente católica que pregaque a criança já tem alma desdeaconcepção; há asbaseadaseh argumen ;" s biológicos, ou biomédicos, que tentam inferir desde quando o bebê sente dor, negando o aborto a part:.desse momento; há a discussão jurídica, do direito de nascer e do direito àvida.Não falamosaquidaquelesquesefundamen- tam na liberdade de escolhaou no risco à mãe:estamos, e apenas como um exercício, elencando algumas postçoes gene'ricasqtiéíocam no feto para basear adecisão contrária ou favorável. Por eles,podemos !er que o quê sedebate,no fundo, é o estatutode uma novovida humana --. é uln debatede quando avida seforma, edesdêquando ó feto é su)eito pleno, sejaem alma, corpo ou direitos. Exemplo forte que demonstra que, embora sepossapensarqie haja lama q'-' ição ocidental de6inidora da infância, seu eitatulo pode ser um debate contemporâneo e.às vezes acirrado. l A criança atuante A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais em que se engata, nao
  • 15. 28 Clarice Cohn Antropologia da criança 29 sendo,portanto, passivana incorporação depapéisecom- portamentos sociais.Reconhecê-lo é assumir que ela não é um "adulto em miniatura': ou alguém que treina para avida adulta. É entenderque, onde quer que esteja,ela interage ativamente cóm os adultos e as outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis que assumee de suasrelações. Em meus estudos sobre as crianças xikrin, tento de- monstrar que elasnão simplesmente aprendem asrelações sociais em que têm eterão que se engajar ao longo da vida, magatuam emsua configuração. Vejamos que issoé feito, como tudo que temosapontado aqui,.com uma relativa autonomia. Certamente, haverá relações possíveis a elas, outras impossíveis; umas dadas e inevitáveis, outras mais abertas à construção. No entanto, e de acordo com a mar- gem de manobra que lhes é dada culturalmente, ascrianças xikrin constroem grande parte das relaçõessociais em que seengajarão durante a vida. Deve-seentender que falamos en] margem de manobra não como uma subversãoou manipulação do sistema,mas como algo que é inerentea ele; a6lnal, como dissemos acima, a criança não é apenas alocada efn um sistema de relações que é anterior a ela e reproduzido eternamente,masatua para o estabelecimento ea efetivação de algumas das relaçõessociais dentre aquelas que o sistema Ihe abre epossibilita. Para entendê-lo, temos antes que entender o sistema de parentescoxikrin. Outras .culturas,outras noçõesde paren' tes e parentesco.Os Xikrin têm um sistema de parentesco classificatório que faz com que várias pessoas,de acordo com sua posição genealógica,sejam enquadradasem um mesmo tipo de categoria de parentesco. Assim, para dar apenas um exemplo, os Xikrin estendem aos 'irmãos (ho- mens)doipai o usodo termo equivalentea pai; àsirmãs (mulheres) da mãe o uso do termo equivalente a"mãe': Isso não queridizer que elesconfundam os papéis,e muito menos que não saibamquem de fato os concebeu-- quer dizer que elesclassiâcamdo mesmomodo o pai e seus irmãos. De fato,a todos a que chama "pai" a criança deverá reservar um certo tipo de tratamento considerado adequa- do aessarelação,oqueostorna,aparentemente, indistintos. Mas seráque todos osirmãos do pai de uma criança serão tidos por ela como sefossem pais e portanto terão a mesma importância em sua vida? Não necessariamente, e é aí que a margem de manobra de que falamosacima semanifesta. Como, além de tudo, depois do casamento o homem vai morar na casada família de suaesposa,essesirmãos do pai que podem sermaispróximos ou maisdistantesna genealogia (porque o pai também chama de irmão várias pessoas que não sãoseusirmãos uterinos, criando uma espéciede efeito dominó) -- provavelmentemorarão em outra casaque não aquelaonde crescea criança.Sendo assim, a relação social é apenas potencialmente próxima -- mas ela o será, ou não, de acordo com a relação que efetiva- mente se cria entre essaspessoas.Ou seja,ela poderá se conformar como uma relaçãopróxima, masisto vai depen- der dos laçosque sevão criando entre essehomem e essa criança. Isso quer dizer que,embora a relação sejapossível,
  • 16. 30 Clarice Cohn Antropologia da criança 31 ela só será realizada de fato na prática, e de acordo com o tipo de laços criados e mantidos ao longo da vi(ja. E, por- tanto, de acordo com uma atuaçãoda criançano sentido de fortalecer ou não esses laços.A criançanão apenasaprende como sedeve tratar uin pai classificatório; ao lado. disso, dentre asvárias pessoasque elachamaráde pai, algumas se tornarão mais próximas e importantesna sua vida que outras. Portanto, cadacriança criará para si uma rede de relações que não está apenas dada, mas deverá ser colocada em prática e cultivada.Elasnão "ganham"ou "herdam" simplesmente uma posição no sistemade relaçõessociaise de parentesco, mas amuamna criação dessasrelações. Uma o.utra modalidade de relação social, aduela com as irmãs, é uma ilustração interessante disso. Pela mesma lógica do sistemade parentescoque vimos acima, um me- nino pode chamam de "irmã" uma pluralidade de pessoas, mais próximas ou mesmo distantes na genealogia, e que podena crescer mais ou menos junto com ele. Sãositas irmãs não só aquelasque compartilham dos mesmosgenitores, mas todas as filhas daqueles a que o menino chama de mãe e pai. De novo, porém, arelação com essasmeninas pode se tornar mais ou menos afetiva, próxima e de cumplicidade, de acordo com os laços que cria com elas.Vejamos como. As vezes,grupos de meninos saempelos arredores da aldeia para caçar passarinhos.Brincadeira,sim, mas que ganha aresde seriedade quando, retornando à aldeia, eles oferecena .ospassarinhos às meninas, como os homens en- tregam àsmulheres o produto da caça.Podemos interpretar isso de diversas maneiras: esvaziando seusigniâcado e di- zendo que é só uma brincadeira, ou atribuindo-lhe um significado e dizendo que essesmeninos estãotreinando para avida adulta, colho um ensaioparao momento em que trarão caça às suas esposas. Gostaria de sugerir aqui, como fiz em outro trabalho, que elesestãofazendoalgo muito mais sério: estabelecendo relaçõessociais que valerão para a vida toda. Não estão tratando suasirmãs, reaisou classificatórias, como sefossem esposas;tratam-nas.como- irmãs, eassim efetivam uma relaçãosocial que perdurará pela vida, eque consiste em uma modalidade importante de troca. Afinal, nãa são só as esposas asbene6lciáriasde sua caça, mas as irmãs também. Com''algumas,. essa relação de- troca pode serefetivada desdequando crianças, ea mulher adulta receberá seü irmão para comer a carne processada assimcomo o fez quando criança, quando tratou o passari- nho que eleIhe ofereceu. Parte dabrincadeira, sim; mas unla brincadeiracom consequência,ç queinaugura uma relação de troca que será importante para toda a Vida. Ê a criação de uma relação social onde antes havia só a promessa, ou a possibilidade dessa criação. Podemos ilustrar essepapel ativo das crianças deoutro modo,tomando como exemploos"meninos derua'lde São Paulo. Sabemosque a própria idéia de menino de rua como aquela,anterior, de menor abandonadoou delin- qüente, e a mais contemporânea de crianças em situação de risco é socialmente construída. Uma pesquisa etnográfi- ca realizada em São Paulo por Mana Filomena Gregori, ob- servando e entrevistando essascrianças nas ruas, nas insti- f
  • 17. 32 Clarice Cohn Antropologia da criança 33 tuições, enas suas relações com afamília e com outros amores da realidade urbana comerciantes, policiais, traficantes -- demonstrouque elastêm um papel ativo não só nacons- tii:uição de.laçose relaçõessociais como 'na elaboração de uma imagem, uma identidade, para si e para os outros. O livro queresultoudessa pesquisa é rico ecomplexo. Dentre outras coisas,demonstra que, ao seatentar mais de perto para as.relações dessas crianças com suas famílias, descobre-se qüe elas são muito mais diversas ediversificadas do que dita o sensocomum, ou o discursosobreelas;na realidade,muitas vezes as crianças mantêm um vínculo familiar,e a família constitui um dos vertentesde uma "circulação"que tem a rua e asinstituições como outros pontos de paradas temporárias etransit(árias. O que define essas crianças não é necessariamente a falta de família ou de vínculo familiar, mas a circulação,o não seluar em lugar nenhum. Isso não deve diminuir a gravidade de algumas experiências familiares traumáticas, mas significa que,antes de seassumia que estãonasruasporque não têm família (ou: "elas.nãopodem ter família, ou suafamília édesestru- tura'da,porque senão não estariam nas ruas..."), deve-se ver de perto, e a partir da criança, que relação estabelece ou deixa de estabelecer com sua família, ecomo êla seconstitui. Pode-se descobrirque o vínculo nem sempreé quebrado, mas àsvezesde6lnido a.partir de uma lógica da circulação que,lembra aautora, pode pautar a família mesmo,e não apenasa criança. Por essapesquisa, vê-se que essascrianças engatam-se ativamente na constituição de laços afetivos e de relações sociais em todos os espaços pelos quais circulam. Isso inclui desde a constituição de "agrupamentos" de composição diversa eparticular mas que obedecem a códigos e regras e estabelecem para si um local definido e deâlnidor , passando pela família eas instituições nas quais buscam alguns recursos e que freqüentemente usam colmo "bases para depositar documentos, por exemplo , até osoutros atoresda realidade urbana em que se inserem.Mais: não sendo, em termos absolutos, nem vítimas nem algozes, fazem, no entanto, uso dessasimagens estereotipadaspara estabelecer um discursoque funda uma identidadetão fluida como ésuacirculação. )) A criança produtora de cultura Quando a cultura passaa ser entendida como um sistema simbólico, a idéia de que as criançasvão incorporando-a gradativamente ao aprender "coisas" pode ser revista.A questãodeixa de ser apenascomo e quando a cultura é transmitida em seusartefatos (sejam elesobjetos, relatosou crenças),mas como acriança formula um sentido ao mun- do que a rodeia. Portanto, a diferença entre ascriançase os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabemenos,sabeoutra coisa.Isso não quer dizer que a antropologia da criança recente se confunda com análises do desenvolvimentocognitivo; ao contrário, dialoga com elas.A questão, para a antropologia, não é saber em que
  • 18. 34 Clarice Cohn Antropologia da criança 35 condição cognitiva acriança elaborasentidos esignificados, esim a partir de que sistema simbólico o faz. Os estudosmais interessantes sobre issosão os da antropólogabritânica Christine Toren.Psicólogaãe forma- ção,ela é capaz como poucos de fazer dialogar essesdois campos de conhecimento para entender o modo colllo as criançasnlji,com quem trabalha, atribuem sentido ao inun- do. Toren utiliza-se mesmo de instrumentos da psicologia, como a confecção de desenhos temáticos pelas crianças, ao lado dos métodos antropológicos. E sua análisedemonstra aquilo que dizíamos acima: que ossignificados elaborados pelas crianças são qualitativamente diferentes dos adultos, sem por isso serem menos elaboradosou erróneos e par- ciais. Elas não elltendem menos, mas,como afirma, explici- tam o que osadultos também sabemmas não expressam. Tomemos um exemplo disso para entendermos me- lhor. Toren nos l-mostraque, em Piji, há um sistema hierár- quico que perpassatodas asesferasde sociabilidade, e que éexpresso principalmente pela ocupação do espaço: pessoas de status maisalto sentam acima,mesmo que esseacima nem sempresejasituado en] uln eixo vertical, masfreqüen- temente simbólico. O que ascrianças deFiji fazem éinverter a formulação dos adultos: enquanto eles dizem "fulano senta acima porque é superior hierarquicamente': elas di- zem "fulano é destatus superior porque senta acima': Toren nos dirá que issonão é uma percepçãofalha ou incompleta dascrianças, mas um modo diferente de falar amesma coisa. A formulação da criança é completa,eexplicita com acui- dadea relação entre a ocupação do espaçofísico e o status social,expressandoo que osadultos não verbalizam. Toren sugere mesmo que estudar as crianças é mais do que um - novo ramo da antropologia é importante nãó sõ.para entendê-las, mas também fundamental paramelhor e.nten: der asculturas que os antropólogosestudam. Estudos desse. tipo nos mostram, portanto, que as crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas tam- bém produtoras de cultura. Elaselaboram sentidospara o mundo esuasexperiências compartilhando plenamente de uma cultura. Essessentidos têm uma particularidade, enão seconfundem enem podem ser reduzidos àqueleselabora- dos pelos adultos; ascrianças têl-nautonomia cultural em relaçãoao adulto. Essaautonomia deveser reconhecida, ' . .; mas também relativizada: digamos, portanto, que elas têm uma relativa autonomia cultural. Os sentidos que elaborada partem de um sistemasimbólico compartilhado com.os adultos.Nega-lo seria ir de um extremo ao outro; seria afirmar aparticularidade daexperiência infantil sob o custo de cunhar uma nova, e dessavez irredLltívêl, cisão entre os mundos. Seria tornar essesmundos incomunicáveis Alguns estudosatuais falam deuma cultura infantil, ou culturas infantis. Sugiro que esses termos sejam entendi- dos eadotados tendo em vista asressalvasque fiz acima. Ou, mais propriamente, que reconheçamosque falar de üma cultura infantil é um retrocessoem todo o esforço de fazer uma antropologia dacriança:é universalizar,negandoas particularidades socioculturais. Mais ainda: é refazeracisão entre o mundo dos adultos e o dascrianças, e,dessavez, de modo mais radical. Lembremos mais uma veza máxima da
  • 19. 36 Clarice Cohn Antropologia da criança 37 antropologia: entender .os fenómenos sociais em seu con- texto. Falar de culturas infantis, portanto, é mais adequado; Ras devemos,ainda assim,fazê-locom c'uidado,para não incompatibilizar o que ascriançasfazeme pensamcom aquilo que outros, que compartilham com elauma cultura mas não sãocrianças, fazem e pensam. É verdade que muitos estudos têm mostrado a impor- tância da transmissão cultural entre crianças. Isso acontece, por exemplo, com brincadeiras infantis, aprendidas não com osadultos, mas com outras crianças.Acontece mesmo na escola, nas brincadeiras no pátio, fora das salasde aulas, em que cançõese brincadeiras -- às vezesdesconhecidas dos .adultos que com elas convivem -- se fazem e refazem. Embora objeto interessantede observttçãoe análise,isso também não deveserentendidocomo uma áreacultural exclusivamenteocupada pelascrianças,mas uma das mo- dalidades de produção cultural empreendida por elas.Sere- mos menos capazesde entender o que elasfazem nessas brincadeiras senão entendermosasimbologia que asem- basam,.e essasimbologia extrapola o mundo das crianças. são asmodalidades, os lugares easrelações envolvidas nesse processo; como seinsere e éinserida nele acriança; ede que criança se trata. Obviamente, há uma diversidade de experiências cul- turais de ensino e aprendizagem.Freqüentemente, elassão diferenciadas em sua formalização: haveria o "ensino for- mal" e o:«informal': distinguindo-se assim espaços mais ou mentis segregados de instrução e conhecimentosmais ou menos abstratos e aplicáveis em contextos descoladosda- quele em que foram aprendidos. Seem alguns casosessa distinção pode serinteressanteeanaliticamenteprodutiva, sua abrangência deve ser relativizada,sob o risco de se estabelecerque alguns conhecimentos podem ser transmi- tidos em situação,enquanto outros, por suaqualidade in- trínseca, necessitam de uma formalização para serem aprendidos que seestendeao processo]nesmo de aprendi- zagem. Isso seria deixar de reconhecer na escola, ou na instituição escolareno modelo pedagógicoque ela traz,seu caráter histórico e de construção social. Afinal, espaços especializados de aprendizagem podem ser encontrados ao redor do mundo, transmitindo conhecimentos os mais di- versos,êm modalidades asmais diversas. ' Dolmesmo modo, faz-seàsvezesuma distinçãoentre transmissão oral eescrita,como seelasignificasse,por si só, uma modalidade de conhecimento ou (re)produção. Nova- mente, gostaria de lembrar que estudos realizados em so- ciedadesorais revelamuma ênfaseora em criatividadee inventividade,.ora em reprodução e memorização,assim como sepode esperaruma maior 6ldelidadeao texto escrito Educaçãoe aprendizagem Parasefazer uma boa antropologia da criança enfocando a educação e os processos de aprendizagem, devemos, nova- mente, começar do começo-- ou seja,.nosperguntando o que significa educar eaprender nos casosque pesquisamos; como se.concebeo conhecimento e sua transmissão; quais
  • 20. 38 Clarice Cohn Antropologia da criança 39 ou, inversamente, valorizar as competências de ..elaborar sobre o texto. Sendo assim, o caráter de oralidade (iu escrita não implica direta e necessariamente em uma maior habi- lidade ou ênfasena criatividade ou memorização;o que fundará essadiferença são asênfasesculturais eos processos específicosque elasengendram, independente de sea cul- tura ein questão, ou o conhecimento, é gravado. Indo além, devemos lembrar que alguns estudos têm sededicado ainda a demonstrar que,em sociedadesasmais diversas,ascrianças podem ser concebidascomo mais ou nlellos atuantes na elaboração dos conhecimentos de que se apropriam, numa distinção que,de novo, não pode ser tipologizada em termos de sociedades ágrafas versus da escrita, ou "complexas" versus "simples': "primitivas" ou "tradicionais'l El-n diversas esferas, essas tipologias já se provaram menosprodutivas edefinidoras do que seespe' uva que fossem,quando de suaformulação. Aqui também, no que diz respeitoà produção desentidossobre o que se aprende, são mais enganadoras do que úteis, já que nos fazem pressupor que umas sociedadesestariam fadadas a transmitir um corpodeconhecimentofechado,sobreoqual o "aprendiz" não tem papel ativo, enquanto outras, ao contrário, produziriam sujeitos críticos e inventivos. Análi- sesde sociedadesconsideradas"tradicionais" revelam que ascrianças eosjovens podem sermais que meros receptores de conhecimentos, sendo ativos na construção de sentidos ede conhecimentos no processode aprendizagem. O que sesugereaqui é que, ao invés de seestabelecer uma apreciação generalizantee universalizantesobre os conhecimentose os modelos de ensino e aprendizagem, devemos observar contextualizadamente concepçoes, meios eprocessos: em cada caso,uma concepção de pessoa, criança,eaprendizagemconformara um modelo específico de transmissão e apropriação de conhecimentos. Concepções'de transmissão e permanência, por exem- plo, Podem ser asmais variadas.O .antropólogo americano Richard Preceapresenta, para os Saramaka, um povo do Suriname, a importância do conhecimento do First Filme, ou dos temposprimordiais, para a constituiçãode uma memória euma identidade. Assim,o aprendizadodashis- tórias que tratam dessetempo émuito valorizado, e deveser buscada por todo saramaka -- mas,como elenos conta, isso deveserrealizadopor cadaum individualmente, formando, aofinal,um campo deconhecimentomúltiplo.e diferencia- do, e não uma memória canónica e igualmente dominada por todos. Embora haja momentos e relaçõesem que se pode aprender sobre essetempo, cadasaramakadevecons- truir seu conhecimento sobre ele; dessamaneira, o que se enfatiza nessecaso, ensina-nos Price, é uma "transmissão fragmentada': como estratégia mesmo de produção do co- nhecimentoedamemória do grupo Ou seja,aocontrario do que poderia parecer, a fragmentação das informações e aconstituição de um conhecimento múltiplo evariado são condiçõesda reprodução da memória histórica e da cons- trução daidentidade do grupo. Concepções de conhecimento também podem ser muito diversas. Para os Piaroa, povo indígena da Venezuela segundo nos conta JoannaOvering --, o conhecimento .i i
  • 21. 40 Clarlce Cohn Antropologia da criança 41 deveser adquirido e armazenado como "contas de conhe- cimento' tornando-se parte constitutiva da pessoa.Sendo para eleso ãutocontrolevalorizado, e os conhecimentos potencialmente perigosos, cada pessoadeve tomar para si tantas "contas"quanto for capazde dominar. Com isso, cohstittii-se lml processo em que o domínio pessoal dita sua extensão e abrangência. Assim também, apreciações culturais sobreascapaci- dades de aprendizagem e as competências são diversas e devem serlevadas em conta. Os Xikrin dizem que seadquire conhecimento por meio dos sentidos da visão e da audição, ou seja,dos olhos edos ouvidos. Por isso,a6irmanaque suas criançaspodem sabertudo, uma vezque podem testemu- nhar as mais variadas esferas da sociabilidade;-porém, res- guardara a elas o direito de nada saber,já que essascapa' cidadesdevem ser desenvolvidasem consonância com o desenvolvimento dos órgãossensoriaisque aspossibilitam. Cona isso,abrem àscrianças apossibilidade ampla de apren- dizagem, sem implicar uma expectativa de domínio, que lhes pareceria precoce,de tudo o que podem testemunhar. Por outro lado, valorizam avontade e a iniciativa de apren- der,enfatizando o pedido paraque outros lhesensinem algo que dominam como um motor do aprendizado. Portanto, ecom osvários exemplos xikrin, vemos que concepçõesdo que é ger criança, do desenvolvimento e da capacidade de aprender devem ser enteirdidas de maneira interligada. S6 assimsepode compreender o que significa para elesapren- der e aaprendizagem, eosprocessos pelos quais os realizam. Uma palavra sobre interdisciplinaridade e aplicação da pesquisa A criançae a infânciatêm sido foco deanálisede vários campos do conhecimento. Sendoassim,devemos nos per- guntar sobre os possíveis diálogos das pesquisas antropoló- gicas com essasdiversas áreas. Há bons exemplos de tra- balhos antropológicos que dialogam com a psicanálise,a psicologia especialmenteaquela voltada ao desenvolvi- mento infantil , apedagogia e asciências da educação.No primeiro caso, como nos trabalhos de Toren, técnicas e teorias sobre ascrianças podem informar aspesquisasdos antropólogos, eprover um bom campo de diálogo edebate. No segundo,pesquisas antropológicastêm auxiliado aen- tender o:engajamento (ou a falta dele) das crianças em propostas pedagógicas,dando àrevisão contemporânea dos modelos pedagógicosnova luz e novosparâmetros,tanto em experiênciasde reflexão sobre a educaçãocomo na aplicação de resultados de pesquisa. A escola,portanto, também deveserabordada em umtt pesquisatantropológica tendo acriança como utn ator social importante e relevante.Afinal, e pelo que vimos até agora, ascrianças não apenassesubmetem ao ensino, mesmo em suas faces mais disciplinadoras e normatizadoras, como criam constantemente sentidos e atuam sobre o que viven- ciam. Dessemodo, análisesdo que as crianças fazem e pensam que estão fazendo, do sentido que elaboram sobre a escola,das atividades que nela desenvolvem,das relações que estabelecemcom colegas,professorese outros proas'
  • 22. 42 Clarice Cohn Antropologia da criança 43 sionais do ensino, e da aprendizagempodem ser muito enriquecedoras para melhor compreender as escolas e as pedagogias. Dessemodo ganha-se, como recentemente a própria antropologia ganhou, com o reconhecimentoda criança como sujeitosocialativo e atuante,produtor mais que receptor dé cultura. Porém, temos que reconhecer alguns limites. Serelativizarmos em excesso, podemos chegarao ponto de estabelecerque processoscognitivos e de desen- volvimento infantil são culturalmente dados, tomando di- ferenças culturais como desigualdades internas à humani- dade.Portanto, devemossemprelembrar que estáno campo da cultura a'diversidadede elaboraçãoe utilização de capa- cidades humanas universais ou seja,que, secada cultura pensao desenvolvimento da criança a partir de seuspró- prios termos, issonão quer dizer queacriançasedesenvolva diferentemente, mais ou menos,mais rapidamente ou com maior vagar a depender de onde cresce.Por outro lado, se universalizarmos demais, tornamo-nos incapazes de perce- ber asespecificidades dadas pelos contextos socioculturais. Ê como se coubesse à psicologia estabelecer se os modelos de Piagetou Vygotski valem para além da Europa de seu tempo, eaosantropólogos, dado o pressupostoda unidade humana,identificar osmodos deelaboraçãocultural ehis- toricizada dessascapacidades e competências. O mesmo vale para asciências da educação,centradas que estãona pedagogia escolar. Muitos de seuspesquisado- restêm tido quesehavercom adiversidadecultural interna à escola, e tem-se cada vez mais discutido a implantação de uma educação escolar em sociedades que delas prescindi- ram. Uma abordagemantropológica pode iluminar razões para seenganarevalorizar a aprendizagem estiolar, de modo a se entender inclusive o insucesso escolar contanto, novamente,que secuide para.não deslizarpara um argu- mento biologizante, de desigualdade ein ca15acidadese competências. Também para asciências da saúde a antropologia da criança pode contribuir. Afinal, diagnósticos e tratalaaentos de doençasque acometem a criança estão embasados,como tudo o mais, em concepções de infância, criança, corpo e corporalidade, relações e comportamentos "saudáveis" e "normais': família... Abre-se aqui um rico campo de pesqui- sa,que pode abranger desdeas concepçõesculturais que fundamentam diagnósticos e procedimentos até processos de anamnese-etratamento. Um outro ramo de diálogo interdisciplinar épossível com pesquisasinauguradas pelo livro de Ariês, comentado anteriormente, e que florescem hoje no Brasil: a chamada "história da infância': Por ela,torna-se possívelexplorar a variação de uma concepção de infância no tempo, correla- cionando-a avariações históricas nosmodos de tratar, de se relacionar e de vivenciar a infância. Tais mudanças podem ser observadasem textos sobre a criança ou voltados para ela, nas artes plásticas, nos tratados de educação e pedago- gia. Nestemomento da ciência, em que sevaloriza a inter- disciplinaridade, essesestudos, realizados por historiadores de formação,revelam-sefreqüentemente uma antropologia voltada para tempos passados,e são extremamente valiosos
  • 23. 44 Clarice Cohn Antropologia da criança 45 no debate dasimagens sobre as crianças e sua atuação no mundo. Por fim, não podemos esquecerque freqüentemente um diálogocom asciênciasjurídicas podeserfrutífero ao estudo antropológico. Como já se apontou, só podemos entender o Estatuto da Criança e do Adolescentevigente hoje no Brasil, assim como aspolêmicas que o rodeiam, se compreendermos a concepção de criança e infância que o embasa.Por outro lado, aslegislaçõesafetam,em maior ou menor grau, as crianças, e uma boa compreensão desse contexto jur.ídico como do institucional que Ihe é corre- lato, sejaescolar, de assistência ou punitivo -- pode freqüen- temente ser revelador na pesquisaque tem como foco as crianças. Uma análiseantropológicada criançapôde,por Rim, ter uin valor'propositivo aoelucidar facetas da relaçãodas políticas públicas.e das práticas educativas, auxiliando na compreensão dé falhas. Essaé uma questão polêmica, e são diversas as'opiniões sobre o valor da pesquisa na formulação de políticas voltadas àscrianças; freqüentemente, os antro- pólogos sãocriticados porque fariam estadosque em nada colaborariam para modificar assituaçõesque analisam. Se é certo que a pesquisa antropológica, como toda pesquisa científica, não deve l;er unicamente pautada pelasquestões sociais,ela no entanto pode ser realizada para dar conta de problemas específicos ou mesmo, tendo respondido a suasinquietações deconhecimento, informar remodelações de políticas e atendimento à criança: Afinal, costumam revelar aquilo que é o maior nó nessas relações e.as razões dele: a incapacidade de secomunicar com ascrianças, de vê-las como sujeitos sociais. Metodologias e técnicas de pesquisa Como seviu, o campo daéanálises antropológicas que têm a criança como foco é amplo e variado. Sendo assim, cada pesquisaparticular terá que sedecidir por uma metodolo- gia.A observaçãoparticipante, que tanto marcou a antro- pologia, e que consiste em uma interação direta e contínua de quem pesquisa com quem é pesquisado, é certamente uma alternativa rica e enriquecedora,que permite uma abordagem dos universos dascrianças em si. Para tanto, seu caráter dialógico, de interação, terá que ser enfatizado, per- mitindo ao pesquisador tratar ascrianças em condiçõesde igualdade e ouvir delas o que fazem e o que pensam sobre o que fazem,sobre o mundo que as rodeia e sobre ser criança, e evitando que imagens "adultocêntricas" enviesem suas observações e reflexões. Significa lembrar, desde a rea- lização da pesquisa (e não apenasna análise dos dados), que a criança é um sujeito social pleno, e como tal deve ser considerado e tratado. Evita-se assim que o reconhecimento da criançacomo um sujeito ativo e produtor de sentido sobre o mundo seja apenasum postulado, esvaziando-lhe seusignificado. A observaçãoparticipante pode ainda sercomplemen- tada com outros recursos,tais como coletasde desenhose histórias elaboradaspelascrianças e registros audiovisuais.
  • 24. 46 Clarice Cohn Antropologia da criança 47 As opções são muitas, eabrem-se àcriatividade, aos interes- sese recursos do pesquisador, além das necessidadesespe- cíficasda pesquisa.Pode-se,por exemplo,optar por coletar desenhosrealizados pelas crianças com um mínimo de intervenção, seja nos materiais, no local de realização, no conteúdo; pode-se, ao contrário, pedir que ascrianças fa- çam desenhosapartir de um determinado tema de interesse da pesquisa,como, digamos, a família ou a escola.Ou ainda fornecer material, como recortesde imagens de revistas, para uma colagem. Pode-se,ainda, trabalhar alguns dese- nhosesquemáticose temáticos com ascrianças, de modo a melhor entender uma questão específica como, por exemplo, fezToren, quando buscou entender a relaçãoque ascrianças de Fiji faziam entre hierarquia e espacialização, pedindo a elasque comentassemalgunsesquemasde posi- cionamento de pessoaselaboradospela pesquisadora. Tendo os desenhos em mãos, o pesquisador pode pedir às criançasque os comentem,ou mesmo que:elaborem histórias a seu respeito. Assim, terá em mãos;materiais diversos,mascorrelacionados, com osquais trabalhar. His- tórias elaboradas pelascrianças edramatização desituações, mais ou menosdirigidas, têm tambémsido utilizadas por antropólogos que buscam entendero ponto de vista das crianças. Os registrosaudiovisuaistêm-seprovado de grande valia para a pesquisa, desde os estudos pioneiros de Marga- ret Mead e Gregory Bateson.Como sempre, os interessese pressupostos da pesquisa ditam, dealguma forma, os regis- tros tomados esuainterpretação. Valelembrar que elesnão sãogarantia de uma maior objetividade ou imparcialidade: de um lado, a escolha do que .registrar é informada pelos interesses e pelo foco do pesquisador; de outro, as crianças de algum modo irão interagir com câmeras e gravadores,. tornando esta uma das modalidades possíveis dé exercício de sua fala e ação. Feita essaressalva,tais registros podem ser muito produtivos e ricos, e podem, como foi o caso daqueleestud(i pioneiro, fornecer uma narrativa própria' mentevisual, relativamente autónoma ao texto e àsexplica- ções analíticas. Ascombinações tornam esseelencode metodologias e técnicas potencialmente infinito. Podemosdar asasà ima- ginação,e pensar no registro audiovisual realizado pelas criançassobre o seumundo, eM atividadesescolhidaspor elas...O essencial, em todos essescasos,é aproveitar desses meios e dessastécnicas o que elas podem oferecer do conto de vista das crianças sobre o mundo eSuainserção nele. Uma antropologia que trata dascrianças,porém, não precisa ser feita apenas ao toma-las. como sujeitos privile- giadosde interlocução. Por exemplo, un] estudo feito em uma escola,ou em um abrigo para criançasem situação de risco, pode ganhar muito ao se debruçar sobre o que os profissionais que lidam com ascrianças pensam sôbre elas e sobre sua atividade, assim como sobre o quç elespróprios (e também elas) fazem,deixam de fazer ou deveriam fazer. Mais que isso, a pesquisapode .ser realizada sem o advento da observação participante eda interlocução direta com ascrianças. Retomando as provocações do início do texto,podemos pensarem uma pesquisarealizadaa partir
  • 25. 48 Clarice Cohn Antropologia da criança 49 dé textos literários sobre asmemórias "dos tempos de me- nino' discutindo a partir deles a imagem de infância que criam. Literatura, cinema, textosjurídicos e legislação,do- cumentos de instituições de assistênciaà criança, e muitos mais, podem ser fontes ri'caspara a reflexão sobre o que é ser criança e sobre sua ação no mundo em contextos es- pecíficos. Tampouco astécnicas de pesquisa são definidoras, por si só, de um estudo antropológico. Como já afirmamos acima, uma pesquisa pode ser realizada por meio de análises dedocumentos ou deum conjunto defilmes, continuando aserantropologia apesarde prescindir da observação par- ticipante, tão freqüentementeconsideradadefinidora da inserção de uma pesquisa nesseramo do conhecimento. Uma análise de fenómenos localizados na história, ou em um tempo passado,pode resultar em uma reflexão mais antropológica que histórica ou historiográfica, a depender das questõesque levanta, do debateque efetua,do campo de conhecimento em que se insere. Por 6lm: a antropologia da criançanãÓselimita ao estudo dascrianças "de lá'! de outras culturas e sociedades. Como no que diz respeito a diversos outros temas, os an- tropólogos têm realizado pesquisassobre fenómenos e te- mas próximos de seu próprio meio social, e com sucesso. Elestêm, porém, de lidar com uma dificuldade que aqueles que viajam para terras distantes e culturas a êlesestranhas não enfrentam. Na realidade, é como se as dificuldades fossemsimetricamente opostas:seao setransportar a ou- tros mundos eculturas o antropólogo tem que reaprender tudo, do modo de se sentar à mesa ao valor definidor da humanidade, aquele que pesquisa em suasvizinhanças tem de evitar a ilusão do conhecimento prévio, do pré-conheci- do. Para um, tudo éestranho edeveser aprendido e apreen- dido de modo amplo para começar a fazer sentido; para outro, tudo parece normal e conhecido, e ele deve ser capaz de rever e re-aprender o que Ihe parecetão natural. Conclusões: as crianças daqui e de lá Seos campos de interesses etemas de uma antropologia da criança são muitos e variados, devemosconcluir refletindo sobreo que fazde um estudo que tenha acriança como foco "antropologia': Porque, como dissemosjá de início, são muitas as especialidadesacadêmicase científicas que têm refletido sobre a criança, sobre a infância e sobre suas ações einterações. Podemos começar a responder a essaquestão negati- vamente: nãb serãoos métodos ou astécnicas e instrumen- tos de pesquisaque tornarão um estudo sobrea criança pfopiiámente antropológico. Por exemplo, um pedagogo pode se utili;ár da observação participante e da interação com ascriançaspara realizar um estudo que épautado pelos interessese pelo campo de conhecimentos das ciências da educação.Paraque sejaantropologia, portanto, esseestudo deverá se inserir no campo de conhecimento, nos prfssu' stos analíticos e no arcabouço conceitqal próprio a essa disciplina o campo quetemos apresentadoaqui.
  • 26. 50 Clarice Cohn Ambas as situações apareceramdiversas vezes neste livro, tendo sido pontuadasmais ou menos diretamente. Como vimos, para responderauma questãoaparentemente simples, como o que é ser criança para os Xikrin;jtivemos que lançar m.ãodeelementos que leãosaberíamos relevantes de antemão, como a pintura corporal e sua expressãodo encerramento do período devida quepudemos reconhecer como relativo à criança.Mas já sesugeriutambém que só podemos entender os códigos legaisrelativos à infância se nos referirmos à concepção de infância que a baseia.É essa concepção,decorrente do advento do "sentimento da infân- cia': que leva à idéia difundida nas leis e no senso comum de que cabeà criançabrincar e sedivertir, em oposição direta ao trabalho. Obviamente, nãosetrata de afirmar que as crianças devem ser inseridas no mercado de trabalho desde cedo, ou desconhecer a importância das conquistas legais relativas a elas. Cabe apenas,como uma provocação, mostrar que algo já naturalizado, ou seja, tomado sem maiores reflexõescomo um dado da natureza essaidéia de que cab.eà criança brincar, sedivertir e aprender é na realidade construído social e historicamente, e assim deve sertomado pelo pesquisador. Como já sedisse,deve-sesempre começar do começo, por naais óbvio que pareça o que seobserva ou talvez possase dizer que, quanto mais óbvio parecer o que sevê e ouve, mais sedeve desconfiar e buscar desatar as tramas. Porquenão há imagem produzida sobreacriança ea infân- cia, ou pela criança, que não seja,de algum modo, produto de ul-ncontexto sociocultural e histórico específico,do qual o antropólogo deve darconta. Referências e fontes e Os textos clássicosde Margaret Mead têm diversasedições em inglês.Alguns livros foram traduzidos pala o espanhol, com algumasmodificaçõesno título, como Ádo/escencía y ct.iltLlta enSatt20ae Educacion y cultura etl Nova Gtlinea. e O estudo de Bárbara Ward sobre o choro e as práticas socializadorasem Hong Kong estápublicado em uma Im- portante coletâneaque reúneaspesquisasbritânicas sobre o tema,intitulada SocíaZízafion; rheÁpproac;z .P'om Sacia/ ,4nfhropo/ogy, organizadapor Phillip Mayerem 1973(Lon- dres: Tavistock Publications). e Os textos antropológicos de autores brasa'leirospioneiros são muito instigantes, e valerão sempre a leitura. De Egon Schaden,há o artigo "Educação indígena': publicado na revista Proa/Calas Brasa/eí/os (ano X]V. n. ] 52, pp.23-32) de 1976. De Florestan Fernandes, "Aspectos da educação na sociedadeTupinambá': publicado em uma coletâneaorga- nizada por Schaden no mesmo ano, l,eíz?tíms de ermo/ogü bra- sa/eira(SãoPaulo: Companhia Editora Nacional, pp.63-86). e Os exemplos que trago sobre osXikrin provêm de minha pesquisa entre eles, realizada desde 1993, e abordar-n temas 51
  • 27. 52 Clarice Cohn Antropologia da criança P 53 que discuto em textos eartigos?como por exemplo "Cres- cendo como um Xikrin. Uma análise da infância e do de- senvolvimentoinfantil entre os Kayapó-Xikrin do Bacajá': publicado em 2000 pela RevistadeAnfropo/agia (v. 43, n'2, PP.195-222). ciprocidade'; que teveuma tradução recentementepublica da pela revista Cadernosde Campo (vol.lO). . Há uma coletânea publicada em Cadernos Cedem (vo1.18, ne43,Campinas, dez 1997) que discute, do ponto de vista da antropologia, asligaçõespossíveisem teoria epesquisa entre a antropologia e a educação. e Meada6lrma'a possibilidade de secomparar ascrianças e a simultânea necessidadede estuda-las em seuscontextos socioculturaisespecíficosem um interessantelivro que or- ganizaem 1955 com Manha Wolfenstein, intitulado Chí/d- hood in ConfemporaO' Culturas (University of Chicago Press). e O Núcleo de Estudose Pesquisas deEducaçãode 0 a 6 anos, da Universidade Federal de Santa Catarina, tem reali- zado pesquisase debatesque reúnem asreflexõese meto- dologias de pesquisa das ciências da educação e antropolo- gia, disponibilizando textos em seu site: http://ced.uísc.br/ %7EneeOa6/ e A pesquisade Mana Filomena Gregori estápublicada em Viraçãoi acpêríênciasde men;tios derzzíz (São Paulo: Compa- nhia das Letras, 2000). e O texto de Eunice Nakamura, publicado na compilação médica sobre depressãoinfantil Tratadodepsiq ífarría da í?ll/anciã eda ado/essência (SãoPaulo: Atheneu, 2003), orga- nizada por F.B.Assumpção Jr. e E. Kuczynski, ofereceuma boa discussão sobre ainterdisciplinaridade da antropologia com as ciências da saúde e A obra de Christine Toren éampla. Recomendamos, para uma introdução, o artigo "Making History: the Signiâicance of Ch.ildhoodCognition for a ComparativeAnthropology of Mind"(in: ]4a?z 28,pp.461-78, 1993). e O livro de RichardPrece, intitulado Firsf Time, traz os relatossobre essetempo primordial, além de uma introdu- çãodo autor sobre suaimportância na constituição de uma identidade social esobre atransmissão desseconhecimento. e JoannaOvering demonstra a relaçãoentre o autocontrole e a aquisição de "contas de conhecimento" em diversos textos;' veja=se por exemplo I'Estruturas elementares da re-
  • 28. Antropologia da criança 55 Leituras recomendadas Essestrês livros trazem estudos da história da infância e das crianças no Brasil, compondo um conjunto amplo que trata de concepções e experiências. Não sendo an- tropologia no sentido estrito do termo, serãoespecial- mente úteis .para os pesquisadores que trabalham em realidades sociais diretalnente oriundas dessahistória, sejaem áreasrurais ou urbanas do país,permitindo-lhes contextualizar seus casos específico$ e marcar com maior precisãosuaparticularidade histórica esocial. ARiÊS,Philippe. Á criança ea vidczjamíZíar no An figo Regime. (Lisboa: Relógio D'Agua, 1988.) Esselivro inaugura uin campo de pesquisa e reflexão, o da história da infância, e deveserconhecido por todo estudioso que trabalha com crianças.Parao que trabalha com aquelaspróximas de seumeio social, évalioso para lembrar que a infância não é natural e universal,mas unia construção histórica, aberta a mudanças e a varia- ções que tievem ser abordadas. Para aquele que trabalha com crianças de outros contextos socioculturais, não será menos instigante e inspirador, e poderá lançar luzes à compreensãoda concepção do que vem a ser criança no caso específico com que trabalha. LoPKS DA SiLVo, Aracy; MACEoo, Alia Verá da Sirva topes & NuNES, Ângela (orgs.). Crianças índ@enas. Ensaios an- rropo/ógícos.(São Paulo: Global/Maxi/Fapesp, 2002.) Livro pioneiroda áreano Brasil,reúnei:esultados de pesquisíls com diversas etnias indígenas.brasileiras, abrangendotemasdiversos;traz ainda ensaiossobre a produção bibliográ6lca relativa aotema.É leitura impor- tante especialmentepara aquelesque realizam pesquisas nasquaistêm que lidar com concepções evivênciasdas criançasem outros contextossocioculturais. FREIRAS, MancosCezar de (org.). História socía/da ílzjáncia /zoBrasii. (São Paulo: Cortez, 1997.) DKI, PRIORE, Mary (org.). -História das criançczs rzo Brasa/. (São Paulo: Contexto, 1999.) FREirAS,Marcos Cezar de e Moisés Kuhlmann Jr. (orgs.). Os ínfeZecfuais /la /zisfórííz da irl@ncia. (São Paulo: Cortez, 2002.) NuNES, Ângela. .A sociedade das cr;ancas .A'uwê-Xavanfe. Por ma arzrropo/agiada criança. (Lisboa: Instituto de Ino- vação Educacional, 1999,Temas de Investigação 8.) Resultadode pesquisade mestrado realizadano Depar- tamento de Antropologia da Universidade de SãoPaulo, esselivro traz, além de uma revisão bibliográfica, uma análisedas crianças xavante (grupo indígena de língua 54
  • 29. 56 Clarice Cohn Antropologia da criança 57 jê, do Mato Grosso) em seu cotidiano, com atenção especialàssuas brincadeiras. RizziNI, Irene. Á criança e a /e{ no Brasa/ revísírando a /zístória (]822-2000). (Brasília-Rio de Janeiro: Unicef- Edusu,2002.) Essetrabalho comenta eanalisa os principais momentos da assistência jurídica à criançano Brasil,permitindo que seentenda o tratamento do direito e o estatuto legal da infância na história do paísdesdeo Império, bem como seus pressupostos e motivações. GREGORI, Mana Filomena. Viração. .Experíérzciasde merzfnos de rua. (São Paulo: Companhia das Letras, 2000.) Esselivro éa publicação da tesede doutorado da autora, e traz um estudo amplo e abrangentedos meninos de rua de São Paulo, apartir de uma etnografia. Aborda sua circulação por vários espaços, acompanhando-os nas ruas, .nas instituições, e discutindo suas relações com a família, outra vertente desseir-e-vir. Aborda, ainda, a identidade que essesmeninos criam para si, em diálogo direto com a imagem criada sobre eles.É de grande interesse para aqueles que buscam um estudo aprofun- dado e crítico sobre uma experiênciade infância ares- peito da qual muito sefala e que nem sempre seconhece. AtviM, Mana RosileneBarbosaeLúcia do Prado Valladares. "Infância e sociedadeno Brasil: uma análise da literatu- ra". (in: BIB Boletim Informativo e Bibliográ$tco de Ciências Sacia;s nQ26, 1988.) Levantamento pioneiro da produção científica que tem confiotomaainfância no Brasil atéadécadade 1980.Esse artigo contextualiza o debate nas ciências sociais, e apre- senta como os temas foram seconnlgurando, com espe- cial ênfase na infância pobre
  • 30. Sobre a autora Coleção PASSO-A-PASSO UoZumes recentes: Filosofia ana]ítica [45], Danilo Marcondes Maquiavel & O Príncipe [46], Alessandro Pinzani A Teoria Crítica [47], Marcos Nobre Filosofia da mente [52], Claudio Costa Espinosa & a afetividade humana [53], MarcosAàdré G]eizer Kant & a Crítica da RazãoPura.[S4] Vinicius de Figueiredo Bioética [55], Dar]ei Da]]'Agno]- CIÊNCIASSOCIAIS PASSO-A-PASSO CapitalsocialE25], ManaCelinaD'Arauto Hierarquia e individua]ismo [26] Piero de Camargo Leirner Sociologia do trabalho [39], JoséRicardo Ramalho e Marco Aurélio Santana O negócio do social [40], JoanaGarcia Origens da linguagem [41], Bruna Franchetto eYonne Leite Literatura e sociedade [48]. Adriana Facina Sociedade de consumo [49], Lívia Barbosa Antropologia da criança [57], Clarice Cohn Clarice Cohn nasceue secriou em SãoPaulo.Durante a graduação en] ciências sociaisna Universidade deSãoPaulo, fez,em 1993, suaprimeira visita aosMebengokré-Xikrin do rio Bacajá, no Para. Desde então, vai sempre quç pode, realizando col-nelessuaspesquisasde mestrado edoutora- do, no Departamento de Antropologia daquelaUniversida- de (para o que bolsase auxílios à pesquisada Fapespe do CNPq foram de grande ajuda). : Trabalha com a antropologia da criança desdeessa primeira experiência, e fezdela o tema de seumestrado (.A criamçaindígena.A concepçãodeitljância eaprendizado entre osKayapó-Xíkrí/l doBacdá, defendido em 2000). Participou da equipe de pesquisa "Antropologia, História e Educação" do Mari Grupo de Educação Indígena da Unijrersidade de São Paulo, financiada pela Fapesp, de 1995 a 2000. Atualmente, dedica-se aos temas da antropologia da criança (especialmenteno debatede Etnologia Indígena) e educaçãoescolarindígena, tendo diversos artigos publica- dos a respeito.É também professorade antropologia, na graduação e no curso de pós-graduação /afo senso "Socio- psicologia': ambos da Fundação Escolade Sociologia e Po- lítica de SãoPaulo. E-mail para contato: clacohn@uol.com.br S PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO Freud & a re]igião [20], Sérgio Nazar David Para que serve a psicanálise? [21], Denise Nlaurano Depressão e me]anco]ia [22], Urania lourinho Peres A neurose obsessiva [23], Mana AnimaCarneiro Ribeiro . Mito e psicaná]ise [36], AI)a Vicentini de Azevedo O adolescente e o Outro [37], Soda Alberti A teoria do amor [38], NadiáP.Ferreira O conceito de sujeito [50] Luciano Ena A sub]imação- [51], Or]ando Cruxên Lacan,o grande freudiano [56], Marco Antonio Coutinho Jorge e NadiáP.Ferreira FILOSOFIAPASSO-A-PASSO Filosofia medieval [30], Alfredo Storck Fi[osofia da ciência [31], Alberto Oliva Heidegger [32], Ze]jko Loparic Kant & o direito [33]. kicardo Terra Fé [34],J.B.Libânio Ceticismo [35]. P]ínio Junqueira Smith Schiller & a cultura estética [42], Ricardo Barbosa Derrida[43]. EvandoNascimento Amor [44], Mana de Lourdes Borges 58