O artigo argumenta que os pais não devem ser diretamente responsabilizados pelo comportamento dos filhos menores. A indisciplina dos alunos é resultado de problemas familiares e sociais, como negligência, violência e falta de educação parental. É preciso que as escolas e outras instituições assumam a educação parental como objetivo para melhorar a sociedade.
1. OPINIÃO Não há rapazes maus
Cristina Sá Carvalho
Psicóloga
Segundo consta, o Ministério da Educação, à se- da rua, sem as virtudes educativas que a rua tinha
melhança de alguns dos seus congéneres europeus, há umas décadas atrás. É preciso alguma lucidez
pretende responsabilizar os pais pela indisciplina científica para entender que, aquilo que uma pes-
que os filhos ousam demonstrar na escola, even- soa é, resulta, essencialmente, da vida com a sua
tualmente pela via judicial. É sabido que os ca- família, e para alguns favorecidos pela sorte, pelo
sos de violência na escola – entre alunos, visando abrigo longe do mal que um mentor pode signifi-
professores e funcionários – tem aumentado de car para uma criança ou adolescente violentado ou
forma alarmante e que a crescente escolarização abandonado. É necessário ter presente que com o
dos filhos tem o efeito surpreendente de vergar os futuro das crianças não se brinca e que um futuro
PÁG. pais à vontade destes, manifestando-se em excên- sombrio já anda por aí: quando se é negligenciado,
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tricas reuniões com Directores de Tur- batido ou torturado – e hoje mui-
ma e Direcções que têm como único Parece-me tas crianças o são por via de famí-
fito fazer valer, a todo o custo, a dou- absolutamente lias incapazes de educar, cuidar e
ta opinião do jovem estudante. Este, justo que os pais proteger – o organismo entra em
recorrentemente, não quer estudar, sejam directamente modo de sobrevivência e, poucos
não sabe para o que isso serve e acha anos depois, o adolescente sente
que é uma estopada ter de obedecer
responsabilizados que o mal sofrido tomou conta
a um mínimo esquálido de regras de pelo de si e a delinquência e o crime
civilidade em espaço escolar. Além do comportamento inscrevem-se no próprio sistema
mais, empenha-se em usar a forma- dos seus filhos nervoso. Portanto, não brinque-
ção recebida por acidente para obri- menores desde mos com coisas sérias.
gar os pais àquele tristíssimo papelão Os estudiosos da matéria sabem
de defensores do indefensável, quase
que se reconheça que, hoje, os adultos, vivemos pa-
sempre desempenhado com uma profi- sem rodeios o ralelamente a uma cultura adoles-
ciência tal que seria útil quando apli- estado degradante cente que saiu da casa da árvore
cada à juvenil pessoa, e não aos seus para o qual anos directamente para um escuro cor-
professores. de esquerdismo redor sob o solo adulto, onde ado-
Parece-me absolutamente justo que lescentes educam adolescentes,
os pais sejam directamente respon-
pateta, um certo recriando famílias que reprodu-
sabilizados pelo comportamento dos crescimento zem insanamente, á menor crise,
seus filhos menores desde que se reco- económico e e por falta de alternativa psicoló-
nheça sem rodeios o estado degradan- a invenção de gica, a violência da superfície. Tal
te para o qual anos de esquerdismo fracturas sociais fenómeno deriva directamente da
pateta, um certo crescimento econó- falta de convicções dos pais, pouco
mico e a invenção de fracturas sociais
atiraram as famílias consistentes, ausentes, e da falta
atiraram as famílias. É preciso que se de insistência com que estas são
constate que há décadas se lhes diz que não sa- transmitidas aos filhos. Os adultos de hoje, não sa-
bem educar e que, uma vez entrada a criança na bem educar nem como se educa, absorvidos como
creche, passa a pertencer ao Estado, essa fabu- estão pelos seus próprios problemas, sofrimentos
losa abstracção que se concretiza, um pouco por e desaires, muitos reais, muitos produzidos pelo
todo o lado, em funcionários públicos igualmente delírio individualista de que o inferno são os ou-
despojados de qualquer poder eficaz de educar e tros. Responsabilização dos pais, sim, mas apenas
ensinar e, maravilha das maravilhas, por psicólo- se as escolas e outras instâncias relevantes da so-
gos-ventoinha que, girando de escola em escola, ciedade, como as paróquias, forem levadas a as-
deveriam endireitar, por magia, umas centenas sumir a Educação Parental como um objectivo de
largas de jovens criaturas. É preciso que se com- desenvolvimento social e económico crucial para o
preenda que os ajustamentos programáticos dos bem do nosso país. Por lá há muita massa cinzenta
últimos tempos assumem que as crianças e os ado- e boa gente, capaz de pensar, como aprendi com o
lescentes não conseguem aprender e que a escola Padre Américo, que não há rapazes maus, só mal-
é, apenas, uma alternativa um bocadinho vigiada educados.
r/com renascença comunicação multimédia, 2012