1. OPINIÃO O que é bom para os melhores
Luís Cabral
Psicóloga
O mais interessante que a psicologia educacio- excentricidade dos manuais, a exorbitância pa-
nal explicou, até hoje, à escola e à sua admi- tética de programas. Não é preciso nenhuma
nistração, consiste num facto que se revela tão reforma para resolver estas questões, tratar
contra-intuitivo quanto revelador: aquilo que bem todos os pais, dar-lhes igualdade de parti-
é bom para os melhores alunos é bom para to- cipação, directa, nas escolas, e é barato e van-
dos os alunos. O que diferencia uma criança ou tajoso para todas as partes, cultas e incultas.
um adolescente com dificuldades de rendimen- Aproveitemos, pois, a oportunidade que signi-
to escolar face a um colega fica o orçamento pobrezinho
com bons resultados acadé- As famílias mais de que dispõe este Ministro.
PÁG. micos é, essencialmente, desqualificadas Aproveitemo-lo – ignorando
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uma súmula de desvantagens culturalmente estimularam a possibilidade das turmas
que o impedem de interiori- de nível – para reordenar
zar uma atitude académica
menos os seus infantes, a formação científica e pe-
pró-activa e uma limitada responderam-lhes menos dagógica de professores e
aquisição de estratégias de bem às perguntas curiosas para encontrar directores
sucesso, algumas das quais e esmagaram-lhes cedo o que percebam a escola como
exigem mais da prática e desejo de saber através dos uma comunidade humana
da inteligência emocional baseada no respeito e na
do que da capacidade cog-
silêncios que, naturalmente, estima pelas pessoas e o co-
nitiva esperada num templo nenhuma criança pequena nhecimento. Aproveitemo-lo
do saber. Habitualmente, esperaria para emagrecer programas e
os obstáculos começam em reordenar pedagogias sim-
casa, quando os pais foram ples, definindo condições
escassamente escolarizados: a escola pública é para que sejam totalmente ensinados, trei-
um lugar que se reconhece como de uma classe nados – uma das carências sistémicas da nossa
média (imaginária) e saber encarnar esse pa- escola – e, assim, aprendidos. Aproveitemo-lo
pel «médio» e conforme às expectativas torna para recuperar o Jardim de Infância enquanto
os alunos e as famílias muito mais populares espaço de desenvolvimento de capacidades e
entre os docentes do que os colegas que não interiorização de bons hábitos, para devolver
sabem esconder as suas origens pouco limadas ao 1º Ciclo a capacidade de garantir que en-
pela cultura escolar; como classe média, a es- sina os instrumentos básicos, para dar o tem-
cola evidencia um discurso e uns modos que po que o 2º Ciclo necessita para estimular as
com esse ideal concordam, pelo que os pais competências de aprendente, para deixar que
pouco instruídos se sentem inferiorizados e in- o 3º Ciclo volte a ensinar boa ciência e boa
capazes de descodificar o que a escola preten- literatura, despertando os adolescentes para a
de, portanto, pouco preparados para ajudar os beleza da verdade e para a ética do trabalho.
filhos a integrar-se e a assumir um perfil aca- Aproveitemos para tornar o Ensino Secundário
démico adequado. Depois, também sabemos um espaço de maturação, de criação de conhe-
que as famílias mais desqualificadas cultural- cimento e expressão, de pesquisa vocacional e,
mente estimularam menos os seus infantes, o que raramente foi, uma escola de Serviço,
responderam-lhes menos bem às perguntas uma comunidade Democrática e participada,
curiosas e esmagaram-lhes cedo o desejo de uma oportunidade de descobrir em si uma Voz
saber através dos silêncios que, naturalmente, e um Ideal. Talvez nos faça falta gastar um bo-
nenhuma criança pequena esperaria. Finalmen- cadinho em escolas e turmas mais pequenas e é
te, é mesmo preciso ser de uma classe média preciso sensatez para acabar com aquelas idio-
económica para poder contornar, com ajudas tices burocráticas em que os professores es-
extra e explicações pagas, a desqualificação tão mergulhados, sem tempo nem entusiasmo
crescente dos professores, a sua instabilidade para estudar, pesquisar, planificar, gerir bem
profissional, a falta de outros agentes educati- as turmas, afinal, tudo aquilo que torna uma
vos nos recintos escolares, a precariedade dos aula uma experiência de aprendizagem, para
cuidados psicológicos adaptados às escolas, a os bons alunos e para todos os outros.
r/com renascença comunicação multimédia, 2012