O documento descreve a história de três pessoas (Fátima, Elaine e Eloiza) com mais de 50 anos que voltaram a estudar. Fátima concluiu o ensino fundamental e médio aos 59 anos e agora cursa faculdade. Elaine fez um curso de design de moda aos 59 anos e planeja abrir sua própria grife. Eloiza formou-se em 1987, teve filhos e agora retomou os estudos.
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Saber viver
20 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 18 de agosto de 2009
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Fátima decidiu fazer um curso supletivo há sete anos. Depois de concluir os ensinos fundamental e médio, passou no vestibular e já tem planos de cursar uma pós-graduação
DE VOLTA
à escola
É cada vez mais comum a presença de pessoas com mais de 50 anos em salas de aula. Mais
do que capacitação profissional, elas querem se realizar pessoalmente e fugir da monotonia
Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press
unca é tarde para recomeçar.” O dita- mília. Agora, com 59 anos, resolveu retomar os
“N do pode ser antigo, mas nunca esteve
tão atual. É cada vez mais comum en-
contrar pessoas que já passaram dos
50 anos de volta às salas de aula. Muito mais do
estudos, em busca de motivação. “Não me arre-
pendo da escolha que fiz. Aqui, eu me distraio,
não fico presa em casa”, conta. “Eu me dediquei à
minha família, mas, quando meus filhos cresce-
que aprender, esse público busca realização pes- ram, eu vi que era hora de voltar à ativa.”
soal e o prazer de vencer novos desafios. E, de
acordo com os médicos, os benefícios vão mes- Convivência
mo além do conhecimento. Estudar nessa idade
pode evitar a depressão, ajudar na inserção so- Segundo a especialista em educação Maria
cial e auxiliar na prevenção de doenças degene- Regina Lemos, pesquisadora do Núcleo de Estu-
rativas. dos do Idoso da Universidade de Brasília (UnB),
Para Marcelo de Faveri, secretário-geral da a convivência com os alunos mais jovens é posi-
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia tiva não só para os idosos. Para ela, os mais jo-
do Distrito Federal, é muito importante manter vens também são beneficiados. “Acho que ocorre
nessa idade a sensação de que ainda há coisas a uma troca bastante justa. O jovem tem mais faci-
aprender. “Em muitos casos, depois que os filhos lidade em determinados assuntos, como infor-
estão criados, a família já não exige tanta dedica- mática. Entretanto, o idoso pode contribuir mui-
ção e as pessoas tendem a se sentir sozinhas. A to com experiência de vida.”
ocorrência de doenças afetivas, como solidão e Ela assegura que, nas aulas, a dinâmica preci-
depressão, se tornam comuns”, diz. Ele afirma sa ser a mesma para todos, independentemente
que manter-se ativo também ajuda a prevenir da idade. “Se você adotar uma didática diferente
outros problemas mais graves. “Existem estudos para os alunos mais velhos, eles podem se sentir
que comprovam que a atividade intelectual difi- O curso de design de moda despertou em Elaine a vontade de ter a própria grife de roupas incapazes, que é exatamente o oposto do que
culta o desenvolvimento de doenças degenerati- buscam nas aulas. Eles são bastante conscientes,
vas como o mal de Alzheimer.” e quando embarcam nesses projetos sabem o
Depois de trabalhar durante mais de 10 anos que espera por eles”, afirma.
em um restaurante, Elaine Kraskine Dalmolin, para fazer roupas para pessoas da minha ida- matéria que eu ia concluindo era uma vitória e Para o médico Marcelo de Faveri, apesar de
59 anos, resolveu que era hora de dar uma guina- de. Para que elas também possam se sentir um incentivo para eu continuar”, conta. Depois muitos benefícios, é preciso tomar alguns cuida-
da na própria vida. “Eu passava o dia todo em ca- mais bonitas”, completa. de concluir o ensino médio, ela percebeu que dos. Para ele, os alunos mais velhos estão expos-
sa, engordei. Um dia parei e pensei: não quero poderia ir muito além do que imaginava até en- tos a um nível de cobrança tão grande quanto os
terminar minha vida dentro de casa, com a barri- Vitória tão. “Eu achava que terminar o segundo grau se- mais novos. “Além disso, eventualmente é possí-
ga no fogão.” Elaine decidiu ingressar em um ria muito. Hoje, estou na faculdade e já penso em vel que eles sejam vítimas de alguma forma de
curso superior e iniciou sua jornada. Primeiro, A história de Elaine se torna cada vez mais co- pós-graduação”, planeja. preconceito, por serem menos íntimos de algu-
refez o ensino médio, que já havia completado mum à medida que cresce a oferta de cursos su- O ingresso no ensino superior não foi fácil. mas tecnologias. É preciso ter bastante cons-
na juventude. Quando chegou a hora de escolher periores em instituições particulares. Um exem- Mesmo depois de aprovada no primeiro vestibu- ciência disso para que o estresse não piore a qua-
o curso, resolveu reavivar a paixão antiga pelas li- plo desse fenômeno é a própria turma em que lar, não conseguiu se matricular por questões fi- lidade de vida dessas pessoas”, ressalta.
nhas e carretéis e optou por design de moda. ela estuda, onde estão matriculadas outras pes- nanceiras. “Meus filhos estavam na faculdade e Outro ponto importante destacado por Fa-
Ela conta que o início não foi fácil. “Eu fica- soas que decidiram voltar a aprender depois de eu tive de pensar primeiro neles”, lembra. No ano veri, é que não deve haver pressão. “Nos jovens,
va com muita vergonha quando não conseguia um tempo afastadas das salas de aula. Casos de passado, motivada pelo desconto de 50% na existe uma certa cobrança para que os conhe-
entender algo ou não sabia o que significava Eloiza Santos, 59 anos, e Fátima Borges, 56, que mensalidade dado a alunos com mais de 50 anos cimentos adquiridos sejam úteis ao mercado
algum termo, mas, com o tempo, você vai fa- também acreditam não existir idade certa para oferecido pelo centro universitário onde estuda, de trabalho. No caso do idoso, isso não pode
zendo amizades e vê que é besteira ter medo obter um diploma. Fátima viu que era a hora de realizar seu sonho. existir, já que o mercado ainda não está prepa-
de perguntar”, garante ela, dizendo que nunca A caminhada de Fátima foi ainda mais longa “Nunca mais tive problemas de saúde. Agora, me rado para absorver mão de obra nessa faixa”,
sentiu preconceito por ser uma das mais ve- que a das colegas, pois, na juventude, ela não te- sinto mais realizada, mais feliz” comemora. completa. E na maior parte das vezes, o foco
lhas da turma. Se antes temia chegar à terceira ve a oportunidade de concluir nem mesmo o en- Já a história de Eloiza Santos é um pouco dife- desse público não está mesmo na questão pro-
idade acomodada, Elaine hoje coleciona pla- sino fundamental. Em 2002, depois de proble- rente. Em 1987, ela se graduou em Ciências Con- fissional. “Nessa idade, dificilmente se inicia
nos. Quando se formar, pretende abrir sua mas de saúde, decidiu que era hora de investir tábeis, trabalhava fora e tinha uma vida indepen- uma nova carreira. Em geral, o que se busca é a
própria grife, voltada para pessoas com mais em si mesma, e se matriculou em um supletivo. dente. Aos 37 anos, teve o primeiro de dois filhos realização pessoal e o sentimento de utilidade”,
de 50 anos. “Quero usar o que aprendo aqui Pouco a pouco, foi avançando nas séries. “Cada e decidiu largar o emprego para se dedicar à fa- avalia Maria Regina.
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