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Jorge Cândido de Assis
Cecília Cruz Villares
Rodrigo Affonseca Bressan




   CONVERSANDO SOBRE
   a esquizofrenia




                            O convívio familiar   5
Sobre os autores
   Jorge Cândido de Assis é portador de esquizofrenia há 22 anos, atualmente é
aluno do curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e diretor adjunto da
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE).
Tem participado e ministrado aulas para o curso de medicina da Universidade Fe-
deral de São Paulo (UNIFESP), palestrante nos três últimos Congressos Brasileiros
de Psiquiatria.
   Cecília Cruz Villares é vice-presidente da ABRE; terapeuta ocupacional e tera-
peuta de família; mestre em saúde mental e doutoranda pela UNIFESP, onde tra-
balha no Programa de Esquizofrenia (PROESQ) e supervisiona alunas do curso de
Especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental. Participa ativamente em
âmbitos nacional e internacional do estudo e combate ao estigma relacionado aos
transtornos mentais.
    Rodrigo Affonseca Bressan é familiar de uma pessoa que teve esquizofrenia
e membro da ABRE; professor adjunto do Departamento de Psiquiatra da UNIFESP;
Ph.D. pelo Institute of Psychiatry, University of London, onde é professor honorário;
coordenador do PROESQ e coordenador do Laboratório de Neurociências Clínicas
(LiNC), ambos da UNIFESP.




                   Av. Vereador José Diniz, 3.300, 15o andar, Campo Belo – 04604-006 – São Paulo, SP Fone: 11 3093-3300
                                                                                                    .
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                   Diretor geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Diretor administrativo-financeiro: Antonio Carlos
                   Alves Dias Editor de arte: Maurício Domingues Gerente de negócios: Marcela Crespi Assistente comercial: Karina
                   Cardoso Coordenador geral: Alexandre Costa Coordenadora editorial: Fabiana Souza Projeto gráfico: Renata Variso
                   Diagramadora: Andrea T. H. Furushima Ilustrações: Claudio Murena Revisora: Renata Del Nero Produtores gráficos:
                   Fabio Rangel e Tiago Manga Cód. da publicação: 6838.04.08
Sumário



      Introdução ........................................................... 4

      As questões de cada um.................................... 6

      Qual é a fórmula mágica? ................................ 8

      A crise aguda de esquizofrenia
      desorienta todos ..............................................10

      Lidando com um momento de crise .............12

      Quando a pessoa nega-se a se tratar ..........14

      Prevenindo recaídas ........................................16

      Criando um ambiente acolhedor..................18

      Encontrando recursos na comunidade .......20

      Incentivando a autonomia ............................22

      Caminhos de superação .................................24

      Esperança realista ............................................26
Introdução
Neste quinto livreto da série “Conversando sobre a esquizofrenia”,
abordaremos o tema do convívio familiar. Sem a intenção de esgotar
esse assunto, procuramos tratar de temas que contribuam para que
a pessoa com esquizofrenia e seus familiares possam pensar sobre
como construir formas boas de convivência.
   Nosso propósito é que a leitura deste texto contribua para a reflexão
e o diálogo entre os membros da família, com a intenção de promo-
ver mudanças onde forem necessárias, melhorar os relacionamentos e
desfazer mal-entendidos. O caminho que escolhemos para atingir esse
propósito tem base no diálogo estabelecido ao longo dos últimos anos
com muitas pessoas com esquizofrenia e seus familiares, ouvindo e
conversando sobre suas dúvidas e dificuldades cotidianas.
   A maioria das abordagens familiares na esquizofrenia enfoca a
orientação de seus membros sobre como lidar com a pessoa com es-
quizofrenia. Algumas dessas abordagens partem do pressuposto que
a pessoa com esquizofrenia precisa ser tutelada ou cuidada, e que vai
sempre ocupar um lugar de doente dentro da própria casa. Entende-
mos que essas abordagens ajudam em alguns aspectos, mas também
podem tornar mais difícil a aceitação da pessoa com esquizofrenia,
justamente por parte daqueles que a amam verdadeiramente.
   Nossa forma de ver a esquizofrenia e a família parte da compreen-
são que a doença não caracteriza a pessoa, e que ela, como qualquer
outra pessoa, tem seu jeito de ser, seus desejos, suas qualidades
e seus defeitos. Há situações em que a pessoa com esquizofrenia
necessita tanto receber cuidados quanto compartilhar a vida com a
família. Muitas pessoas com esquizofrenia são exiladas dentro de sua
própria casa. Essa é uma situação que pode ser mudada.
   Trabalharemos ao longo deste livreto com o conceito de superação.
A esquizofrenia é uma doença que afeta várias áreas de funciona-

                                   4
mento da pessoa, dificulta os relacionamentos e desorienta os outros
membros da família. A superação é um processo de aprendizado com
as situações e o convívio, que permite aceitar as limitações e maximi-
zar as potencialidades de cada familiar, e ajuda a vencer os desafios
práticos do cotidiano na construção de projetos para o futuro. Nessa
perspectiva, a pessoa com esquizofrenia tem muito a ganhar e cres-
cer no convívio familiar.
   Procuraremos apresentar o tema do convívio familiar por meio
de situações vividas pelos personagens descritos na série. A história
desses personagens está descrita em outros livretos da série e aju-
dam a ilustrar nossa proposta neste livreto.
    Muitas vezes pensamos que somos os únicos que passam por si-
tuações difíceis, mas nossa experiência mostra que, na maioria das
vezes, temos muito a crescer compartilhando o que vivenciamos.
Esperamos que a leitura deste livreto contribua para que você, nosso
leitor, tenha novas idéias para melhorar ainda mais a qualidade do
convívio em sua família.




                                  5
As questões de cada um
Quando um familiar adoece com a esquizofrenia, os demais deso-
rientam-se, pois têm de lidar com dificuldades e exigências comple-
tamente novas, que são marcadas por muito estresse e confusão, e
por não saberem o que fazer para lidar com o problema. É importante
entender tanto o problema da pessoa com esquizofrenia quanto o de
cada familiar, porque as dificuldades e o sofrimento enfrentados pelos
familiares influem no bem-estar do familiar e afetam a vida do porta-
dor de esquizofrenia. Vejamos alguns exemplos dessas questões na
família de Gabriel, que conseguiu um caminho de superação.
    O pai de Gabriel passou a trabalhar mais e a trazer trabalho para
casa; estar ocupado o tempo todo foi a melhor forma que encon-
trou para lidar com sentimentos novos, confusos e contraditórios,
tais como culpa, impressão de que o problema não existe (negação),
desesperança e tristeza. Ele demorou um bom tempo para perceber
que o melhor para o filho e sua família era sua companhia e passou a
trabalhar menos e estar mais presente na rotina da família.
   A mãe de Gabriel apegou-se à religião e ao cuidado do filho, tra-
tando-o como se ele fosse ainda um menino. Nos grupos da igreja ela
aprendeu que a fé é importante, desde que edificante, por intermédio
das ações do dia-a-dia. A sensibilidade materna lhe permitiu perceber
com o tempo que o filho tem uma doença, e seu papel como mãe é in-
centivá-lo a seguir sua vida olhando também para suas qualidades.
    Os pais lidam com sentimentos difíceis, como o de serem responsáveis
e, às vezes, culpados pela situação, procuram ver onde erraram na criação
do filho. A esquizofrenia tem um fator biológico muito forte; procurar erros
no passado não ajuda e só aumenta a tensão nos relacionamentos.
   Renato, o irmão mais velho de Gabriel, achava que o irmão era “pro-
blemático” e responsável pelas freqüentes discussões entre os dois.
Ele precisou de um bom tempo para entender que Gabriel vivia com

                                     6
uma doença e perceber o sofrimento do irmão. Ele demorou um tempo,
mas conseguiu colocar-se no lugar do irmão e perceber que ele mesmo
poderia passar pelo mesmo. Essa percepção trouxe receios e dúvidas a
respeito da própria saúde mental, mas também ajudou a evitar discutir
com Gabriel e facilitou a aproximação, que se deu, por exemplo, por
meio de convites para fazer coisas agradáveis juntos, como ir aos jogos
de futebol no estádio e jogar bola nos fins de semana.
   Júlia, a irmã mais nova de Gabriel, sempre aceitou o irmão, mesmo
sabendo que suas idéias não correspondiam à realidade e seu comporta-
mento era muito diferente. Ela procurou ter uma postura de ajudar o irmão,
ainda que apenas conversando com ele. Essa postura lhe deu tranqüili-
dade interior para estudar e ter amigos, para manter uma vida saudável.
   Gabriel passou por situações muito duras, que marcaram profun-
damente sua vida. Foram precisos tratamentos e cuidados constantes
dos profissionais de saúde para que, ao longo dos anos, ele conseguis-
se redesenhar um cotidiano no qual sua vida voltasse a fazer sentido.
Nesse processo, foi muito importante o aprendizado de sua família, de
que juntos poderiam fortalecer-se para superar as adversidades.
   Vejamos nos dois capítulos seguintes algumas dificuldades pre-
sentes no caminho de superação da esquizofrenia.

                                    7
Qual é a fórmula mágica?
Uma postura comum a todos nós, quando nos defrontamos com um
problema sério, é desejar que exista uma solução que faça o problema
desaparecer. Temos a tendência de procurar uma “fórmula mágica”.
No caso da esquizofrenia, muitos familiares acreditam que darão conta
da questão sozinhos; quando isso não acontece, passam a acreditar
que o médico resolverá a questão, que existe um remédio que fará os
problemas de seu familiar doente desaparecer.
   Há um entendimento importante que pode substituir essa postura
de procurar “a solução pronta”. Ele diz respeito ao fato de que a
pessoa com esquizofrenia tende a desenvolver uma maneira de fun-
cionar e reagir diferente daquela que as pessoas estavam habituadas
a esperar. As posturas e atitudes que os familiares concordam que
sejam as mais corretas para lidar com a pessoa com esquizofrenia
muitas vezes não funcionam. Entender essa diferença de funciona-
mento é fundamental para conseguir construir soluções junto à pes-
soa com esquizofrenia.
   Quando Gabriel e sua família conversaram com o psiquiatra, enten-
deram o que estava passando-se e levaram para casa os medicamen-
tos, parecia que haviam encontrado uma solução. Entretanto, logo no
princípio, Gabriel negou-se a tomar os remédios, em razão de idéias
delirantes de que eles estariam envenenados. Os pais tentaram fazê-lo
tomar e não conseguiram. Foi precisa a habilidade de Júlia, sua irmã,
para saber seus motivos e, com ela, mudar aquela certeza deliran-
te para permitir que ele tomasse os remédios.
   Depois que ele passou a seguir os tratamentos, os problemas di-
minuíram, mas não desapareceram; os familiares também precisaram
buscar ajuda para entender a situação e darem conta das questões
de cada um, iniciando um caminho de mudanças. Isso permitiu ir ela-

                                  8
borando soluções a partir das questões cotidianas, principalmente o
entendimento das limitações que a doença trouxe para Gabriel e como
ajudá-lo a lidar e superar em seu tempo suas dificuldades.
    Diante da esquizofrenia não existe uma “fórmula mágica”. O mé-
dico não tem essa “fórmula”. O que realmente existe é uma série de
recursos e tipos de remédios que podem ajudar a pessoa a conseguir
uma estabilidade. As soluções, cada família precisa ir construindo ao
lidar com as questões práticas que se apresentam no convívio. Os
profissionais de saúde são aliados importantes e sempre vale a pena o
diálogo com eles sobre o que se passa com a pessoa e com a família.
    As soluções vão tomando forma na medida em que cada um dos
envolvidos consegue estabelecer canais de comunicação, em uma rede
social que forneça suporte para estabelecer uma rotina que não fique
centrada na doença, na qual haja, por exemplo, espaço para lazer e
atividades na comunidade. Ajuda muito acolher e entender as questões
que a pessoa com esquizofrenia enfrenta, procurando diminuir o isola-
mento e, na medida do possível, estabelecer um convívio acolhedor.




                                  9
A crise aguda de esquizofrenia
desorienta todos
O período de crise na esquizofrenia pode desestabilizar toda a família
e gerar situações de conflito, que por sua vez contribuem para de-
sestruturar os relacionamentos familiares por muito tempo. Não há
receitas de como lidar com situações de crise na esquizofrenia, mas
há várias dicas que ajudam muito a lidar com as pessoas nessas con-
dições. Vejamos como a família de Carlos, que teve vários momentos
de crise, lidou com sua primeira crise.
    Devemos lembrar que em momentos de crise as pessoas com es-
quizofrenia, muitas vezes, perdem o controle porque estão enxergan-
do a realidade de maneira muito diferente e ameaçadora. Carlos ouvia
vozes que o ameaçavam e achava que tudo que acontecia à sua volta
tinha relação com ele. O que para os familiares eram acontecimentos
corriqueiros, para Carlos tinha um sentido especial, eram manifesta-
ções ligadas às suas vivências.
    Na primeira crise, os familiares não sabiam como lidar com Carlos
durante vários dias, e a situação só foi piorando. A mãe de Carlos
desestabilizou-se emocionalmente e tinha crises de choro freqüentes.
O irmão não sabia como agir e procurou ficar longe de Carlos naquela
situação. O pai pensava que com uma atitude firme o filho sairia da-
quela situação, foi ficando mais ríspido e acabou por piorar o estado
de Carlos.
    Um momento crucial foi quando Carlos estava diante da televisão
ligada e sentia que os personagens estavam falando dele; num gesto
de desespero, ele jogou a televisão no chão com força. O pai e o irmão
mais velho tentaram segurá-lo e foram agredidos a socos. Carlos,
sentindo-se ameaçado, saiu para a rua sem destino. O pai pediu ajuda
a um vizinho e ficou procurando Carlos por várias horas de carro pelo

                                  10
bairro, até o encontrar caminhando sozinho. Ele tentou fugir do pai e
foi preciso pedir ajuda a uma viatura policial para contê-lo, pois ele
estava muito agitado e assustado. Carlos foi levado ao pronto-socorro
psiquiátrico, onde efetuou-se sua internação.
    Infelizmente, situações como a de Carlos acontecem em muitas
famílias, principalmente por falta de conhecimento e orientação para
lidar com manifestações que podem ocorrer em uma crise com es-
quizofrenia. É muito sofrido para todos na família quando a pessoa em
crise precisa ser internada e está desorientada e assustada.
    É preciso entender que a pessoa em uma crise com esquizofrenia
está tendo percepções muito particulares (alucinações) e tendo pen-
samentos muito desorientadores e assustadores que não correspon-
dem à realidade (delírios). É preciso ter em mente que a esquizofrenia
tem tratamento e controle e há muitas maneiras de evitar ou tratar as
crises logo no começo, evitando-se situações extremas.
   No próximo capítulo apresentaremos algumas sugestões de como
enfrentar uma situação de crise, com base em experiências de muitos
familiares a quem ouvimos e consultamos para escrever este livreto.

                                  11
Lidando com um momento de crise
Como citado anteriormente, uma crise de esquizofrenia pode ser muito
difícil para toda a família, mas existe uma série de medidas que podem
ser tomadas para minimizar o sofrimento que ela provoca. Durante a pri-
meira internação de Carlos, seus familiares foram orientados sobre os
principais aspectos da esquizofrenia. Entenderam que é uma doença que
altera o funcionamento do cérebro e, portanto, o tratamento com remé-
dios é fundamental. Parar de tomar o remédio é a principal causa de
crises agudas. Entretanto, o remédio é necessário, mas não é suficiente
para tratar pessoas com esquizofrenia. Um convívio familiar harmônico
também é fundamental. Vejamos como a família de Carlos aprendeu a
lidar com outros momentos de crise.
    Os familiares de Carlos aprenderam a manter a calma quando ele entra
em crise, a não se deixar envolver por seu estado sem concordar ou discordar
do que ele está dizendo. Aprenderam também a não impor atitudes e com-
portamentos que Carlos visivelmente não tem condições de entender e me-
nos ainda de atender. Quando Carlos se descontrola, eles evitam responder
à altura, procuram não gritar e, na medida do possível, falam em voz baixa e
com calma. Eles agora sabem que podem procurar ajuda dos profissionais de
saúde caso seja necessária, até mesmo do serviço de ambulância da cidade.
    Eles aprenderam, nessa situação, a não criticar Carlos, a não ameaçá-
lo ou tentar segurá-lo, pois ele pode reagir por estar assustado e ame-
drontado. Os pais de Carlos procuram fazer o que ele pede, desde que
não seja perigoso, o que facilita o relacionamento. Quando Carlos está
em crise aguda, os familiares procuram se revezar, de forma a sempre
ficarem duas pessoas com ele, para que se for preciso, um pedir ajuda
dos profissionais de saúde enquanto o outro fica com Carlos.
   Com essas medidas, hoje Carlos, mesmo em crise com delírios e aluci-
nações, não se sente frontalmente ameaçado em sua casa. Isso ajuda a evi-

                                     12
tarem-se situações de agressividade, tanto físicas quanto verbais e, quando
elas acontecem, podem ser controladas sem conseqüências graves.
   Há casos de esquizofrenia em que a agressividade é um elemento im-
portante e precisa de atenção especial, mas não é a regra para a maioria
dos casos.
    Diante dessa situação descrita, os pais de Carlos conversaram com
o psiquiatra reclamando que não enxergavam solução para a situação
do filho, pois ele tomava as medicações regularmente, mas tinha crises
freqüentes. O psiquiatra explicou que estava seguindo o caminho certo no
tratamento de Carlos e que o caso dele configurava-se no que se chama
“esquizofrenia refratária”. O médico propôs a internação de Carlos por
um período mínimo necessário para iniciar o tratamento com um medi-
camento específico, chamado clozapina.
    Carlos melhorou com o novo tratamento, entretanto foram fundamen-
tais a compreensão, o apoio e o cuidado da família. Lembremos que sem-
pre podemos procurar melhorar a situação vivida e não podemos perder
a esperança diante de situações muito difíceis, como as crises na es-
quizofrenia. Devemos dialogar com os profissionais de saúde para juntos
encontrarmos os melhores caminhos. Foi isso que a família de Carlos fez.




                                    13
Quando a pessoa nega-se a se tratar
Muitas pessoas com esquizofrenia se negam a seguir os tratamentos e têm
muitos argumentos para sustentar essa postura. É preciso entender que a
maior parte dos motivos dessa negação está relacionada com os sintomas
da doença. Lidar com essa situação no convívio familiar é um desafio que
requer paciência, negociação e uma dose de autoridade, para que a pessoa
com esquizofrenia saia dessa armadilha imposta pela própria doença.
   A família tem de entender que o tratamento é condição necessária para a
melhora da pessoa com esquizofrenia. Neste sentido, a família precisa ajudar
o paciente a entender essa necessidade. Muitas vezes, o paciente não enten-
de a necessidade do tratamento, e a família tem de enfrentar esse impasse.
   Convencer uma pessoa adulta a fazer o que não quer é uma situa-
ção difícil. Muitos familiares escondem os remédios nos alimentos, e
a pessoa os ingere sem saber. Nós achamos que essa não é a melhor
conduta, pois pode dar à pessoa a impressão de ter melhorado sem
a necessidade dos medicamentos. O caminho do convencimento e da
negociação, mesmo sendo mais difícil, acaba sendo o mais efetivo.
   Francisca, a amiga de Gabriel, não acha que tem uma doença. A fa-
mília não conseguia convencê-la a seguir os tratamentos, o que gerava
graves problemas de relacionamento, principalmente por ela desafiar a
autoridade do pai. Depois da terceira internação, o pai a avisou que se
ela piorasse seria internada novamente e que ele não queria isso, por-
tanto, ela precisava se cuidar. Ela não tomou os remédios e teve uma
recaída. O pai explicou que a estava levando para uma internação para
o bem dela, mas Francisca achava que isso era uma arbitrariedade do
pai. Entretanto, ele foi visitá-la no hospital todos os dias, e ela pôde
entender que ele realmente preocupava-se com ela e estava sofrendo
com a situação. Essa percepção levou Francisca a aceitar ir com o pai
periodicamente nas consultas com o psiquiatra e tomar a injeção do

                                     14
medicamento de depósito. Depois de algum tempo, a ida ao psiquiatra
e a injeção foram tornando-se rotina, e o desgaste diminuiu muito.
    O caso de Francisca representa uma situação extrema, não tão in-
comum na esquizofrenia. Saber estabelecer limites por meio dos re-
lacionamentos, deixando claro que certas atitudes não são aceitas, é
fundamental para qualquer pessoa ter referências do que pode e o que
não pode fazer nos relacionamentos. Tal postura é válida e importante
também na relação com pessoas que têm esquizofrenia. Mostrar o
que se considera certo com o próprio exemplo ajuda muito no con-
vencimento, na negociação e até na aceitação do tratamento. É muito
importante acompanhar a pessoa com esquizofrenia nas consultas e
reafirmar as posturas que se têm no dia-a-dia, dando a oportunidade
para o médico intervir sobre as questões reais que se lidam em casa.
    Quando a pessoa não quer se tratar, a família precisa agir de forma
firme, sempre procurando evitar situações de confronto. A atitude de
negação do portador precisa ser entendida como a única forma que a
pessoa tem de lidar com a doença, e a família pode oferecer outras pos-
sibilidades. Quando a pessoa entende que os tratamentos possibilitam
uma vida melhor e com menos sofrimento, abre-se espaço para que o
tratamento adquira o sentido de reconstrução de projetos para o futuro.
Cabe à família e aos profissionais de saúde facilitar esse entendimento.

                                  15
Prevenindo recaídas
A esquizofrenia é uma doença que precisa de cuidados constantes, mes-
mo quando os sintomas melhoram ou parecem ter desaparecido, há sem-
pre o risco de uma recaída e do reaparecimento dos sintomas. A família
tem papel muito importante nesse cuidado e na prevenção de recaídas.
Apresentaremos alguns exemplos desse papel.
   Muitas pessoas com esquizofrenia, quando se sentem melhor, pa-
ram de tomar os remédios, e essa é uma das principais causas de
recaídas. Os familiares têm um papel importante no monitoramento da
tomada de medicação.
   Gabriel toma sozinho os remédios todas as noites, entretanto, eles
ficam em um móvel da sala e, sempre que ele esquece, alguém o lembra.
Às vezes, os familiares levam os remédios para ele mesmo que ele já
esteja dormindo. No caso de Carlos, a mãe dele dá os remédios para ele
todos os dias. Francisca precisa ir ao psiquiatra para tomar o remédio de
ação prolongada acompanhada de um familiar.
    Outro aspecto fundamental é a importância do ambiente familiar para
o bem-estar de todos, principalmente das pessoas com esquizofrenia.
Um ambiente harmônico é importante para prevenirem-se recaídas e evi-
tarem-se situações muito estressantes, como discussões, cobranças de
tarefas e responsabilidades que estão além da capacidade da pessoa.
Além disto, esse ambiente gera um grande apoio para que a pessoa sin-
ta-se integrada no ambiente familiar. Sabemos que não é uma tarefa fácil
e é preciso que todos se esforcem para cuidar da rotina da família.
     Os familiares podem ajudar a prevenir se observarem alguns sinais de
recaída, tais como, mudanças no comportamento da pessoa, como insônia,
irritabilidade acima do natural, perda de interesse por atividades que costuma
fazer, idéias diferentes ou estranhas, enfim, mudanças que somente quem
convive diariamente com a pessoa percebe. Essa é a hora de procurar o psi-

                                     16
quiatra para uma avaliação, pois muitas vezes é possível evitar uma recaída
com um ajuste na medicação ou manejo de uma situação estressante.
    Tanto no caso de Gabriel quanto no de Carlos e de Francisca, a família
foi aprendendo com o tempo a conviver com suas peculiaridades de forma
que foram sentindo-se cada vez mais queridos e considerados pelos fa-
miliares. Isso ajudou muito a lidar com as questões impostas pela doença.
Às vezes, seus hábitos incomodam, suas conversas não agradam ou são
repetitivas, mas o importante é que eles possam ser aceitos como são.
   Sabemos que os relacionamentos familiares nem sempre são harmo-
niosos. Muitas famílias convivem mal, com dificuldades sérias de relacio-
namento e outros problemas anteriores e independentes da esquizofrenia.
Também sabemos que, muitas vezes, a pessoa com esquizofrenia tem um
comportamento que dificulta a aproximação dos familiares ou gera conflitos.
Prevenir recaídas exige da família o exercício da tolerância e do diálogo sem-
pre que possível. Em muitos casos, é preciso rever e cuidar de problemas
anteriores para abrir espaço a um relacionamento mais saudável. Isso exige
dos familiares disposição e abertura para abordar os problemas de todos.
   No próximo capítulo, apresentaremos alguns hábitos que contribuem
para um ambiente familiar, acolhedor, para a pessoa com esquizofrenia
e para todos os membros da família.

                                     17
Criando um ambiente acolhedor
Um entendimento importante é que a esquizofrenia não é a única causa
das dificuldades no convívio familiar, há também certas posturas indi-
viduais de cada membro que podem gerar conflitos. Um ambiente aco-
lhedor constitui-se em uma relação afetiva entre os membros da família
marcada pela compreensão e pela confiança. Ele é um objetivo a se
alcançar com o tempo, por meio de mudanças e da superação. Cada
família pode encontrar os próprios caminhos para lidar com as dificulda-
des cotidianas e criar um ambiente acolhedor. Apresentaremos alguns
elementos que contribuem muito para esse processo.
    A empatia é uma postura que contribui muito. Júlia, a irmã de Ga-
briel, tem essa qualidade inata, por isso ela sempre conseguiu ouvir e
entender o irmão, mesmo nos piores momentos. Para exercer a empa-
tia é preciso deixar de lado cobranças, possíveis mágoas e entender o
sentimento do outro, o que passa a ser recíproco. Essa qualidade pode
ser exercitada, foi o que aconteceu com Renato, irmão de Gabriel, que
mudou de uma postura de antipatia para encontrar novas maneiras de
continuar sendo amigo do irmão. Os pais, tanto de Carlos quanto os de
Gabriel, aprenderam a ser menos autoritários e mais aconselhadores.
O pai da Francisca encontrou uma forma de ser firme sem ser ríspido.
Em todos esses exemplos, as pessoas conseguiram transformar as ex-
periências de sofrimento em coisas boas.
   A empatia abre espaços para se estabelecer um “território” comum,
onde as pessoas conseguem concordar. Isso acontece primeiro com pe-
quenas coisas e depois com questões maiores. Francisca não acha que
tem uma doença, mas concorda em ir ao psiquiatra e tomar lá o remé-
dio. Isso só foi possível porque em uma série de vivências corriqueiras
ela foi construindo seu espaço no relacionamento com seus pais e sua
irmã e, hoje, ela tem a certeza que eles querem o melhor para ela e con-
corda com o tratamento, mesmo não estando convencida que precisa

                                   18
dele. Concordamos com pessoas que confiamos e não necessariamente
com as que julgamos ter razão.
   Um ambiente acolhedor é construído pelo hábito de conversar. As
conversas são a prática da empatia e de um território comum. É preciso
saber escutar ativamente para poder entender o outro, perguntar para
compreender as razões do outro e contribuir para que o assunto desen-
volva-se. Existem momentos em que procuramos uma conversa, e é
bom ser acolhido, assim como em outros momentos somos procurados,
e acolher ajuda muito.
    Cultivar esses hábitos é fundamental para que as pessoas com esqui-
zofrenia sintam-se acolhidas no ambiente familiar e também para que
a família não coloque a doença como o centro das questões do convívio
entre os membros. Esses hábitos ajudam na superação dos problemas
sem dar um tamanho maior do que merecem.




                                  19
Encontrando recursos na comunidade
Quando os familiares enfrentam dificuldades para conviver com um
membro com esquizofrenia, podem se afastar ou se isolar do convívio
em comunidade, deixando de freqüentar lugares públicos e evitando
eventos sociais. Isso se dá tanto pelo estigma da doença quanto pelas
questões cotidianas que mudam a própria dinâmica da família. Entre-
tanto, para uma vida com qualidade, é fundamental afastar as questões
relativas à doença do centro das preocupações e buscar ativamente re-
cursos na comunidade que contribuam para diminuir esse isolamento.
   Um recurso da comunidade que pode ser bem aproveitado é o local
de tratamento, seja para o acolhimento das questões familiares seja
quando oferecem palestras ou grupos de ajuda mútua.
   Há outros recursos da comunidade que podem ser acessados pela
família. Cada membro pode encontrar lugares e eventos da cidade que
lhe façam bem. Gabriel, que gosta de escrever, foi incentivado por sua
terapeuta ocupacional a freqüentar a oficina de redação oferecida na
biblioteca municipal, o que contribuiu muito em seu processo de recu-
peração. Seus pais freqüentam a igreja, mas também passaram a fazer
passeios no parque e, de vez em quando, vão ao cinema.
   Francisca vai uma vez por semana ao centro cultural fazer um curso
de mosaico. Além das amizades que fez no grupo e das horas agradáveis
que passa, ela vê as exposições e fica por dentro da programação cul-
tural da cidade. Chega até a convidar a irmã para ir a algumas delas.
   Carlos aprendeu a jogar bem cartas e dominó no hospital e fez
amizade com as pessoas que jogam na praça perto de sua casa. Essa
é uma atividade que lhe é muito prazerosa e se sente bem com os
amigos da praça. Aos fins de semana, é monitor nas atividades de re-
creação da escola infantil de seu bairro. Ele tem jeito com as crianças
e é respeitado por elas, o que contribui muito para sua auto-estima.

                                  20
A mãe de Carlos faz parte de um grupo de senhoras que se reúnem
para fazer crochê e conversar aos sábados em uma loja de artesanato
de seu bairro. Ela produz peças muito bonitas com as quais presenteia
parentes e amigos.
    Esses são alguns exemplos, a cidade sempre tem muitos recursos
para um convívio saudável e prazeroso. É importante que as famílias
compreendam que não é saudável colocar os problemas da esquizo-
frenia sempre em primeiro lugar. Para poder lidar bem com a doença, é
preciso buscar atividades que façam bem para cada membro da famí-
lia. Conhecer o que a cidade oferece e experimentar sair de casa para
se integrar com outras pessoas em atividades pode ser uma iniciativa
muito útil para se buscar equilíbrio e bem-estar.
    Para muitas pessoas com esquizofrenia, o local de tratamento é o
único lugar de convívio social. Normalmente, é o lugar onde se sentem
acolhidas e tratadas com respeito. Entretanto, esse não deve ser o
objetivo final de nenhuma abordagem terapêutica. Retomar as ativi-
dades na comunidade pode ser um processo lento para muitos, e as
atividades com a família contribuem muito para que as pessoas com
esquizofrenia consigam, ao longo do tempo, encontrar espaços na ci-
dade para voltar a transitar com tranqüilidade e confiança.

                                 21
Incentivando a autonomia
Uma maneira de contribuir para que a pessoa com esquizofrenia sinta-se
integrada no ambiente familiar é incentivando sua autonomia nas tarefas
cotidianas, nas quais ela tenha capacidade para mostrar eficiência. Isso
pode contribuir muito para que a pessoa sinta-se capaz de enfrentar no-
vas situações. Vejamos um exemplo vivido por Gabriel.
   O pai de Gabriel pediu para que ele fosse ao banco e pagasse uma
conta, deixando com ele o cartão do banco e a senha de acesso. Gabriel
nunca tinha utilizado o caixa eletrônico do banco para pagar contas e
passou o dia angustiado com a certeza que cometeria um erro na tarefa
que seu pai lhe incumbiu, sentindo-se um incompetente.
   Quando o pai chegou do trabalho perguntou se Gabriel tinha pagado
a conta. Gabriel se justificou dizendo que não havia feito por receio de
cometer um erro. O pai de Gabriel não ficou bravo, mas conversou sério
com Gabriel dizendo: “Filho, pagar essa conta era responsabilidade sua,
não dá para fugir de nossas responsabilidades, amanhã sua mãe vai ao
banco com você te ensinar a pagar a conta”.
     No dia seguinte, Gabriel e sua mãe foram ao banco. Ele prestou bas-
tante atenção nos procedimentos para pagar a conta. Além disso, pôde
observar que várias pessoas pedem ajuda à funcionária do banco para
utilizar os caixas eletrônicos. Percebeu que seu medo de errar era exage-
rado. Quando o pai chegou à noite, Gabriel contou satisfeito que agora é
capaz de pagar as contas no banco.
    Desde esse dia, Gabriel passou a pagar todas as contas da casa
no banco, até mesmo fazer depósitos, retirar extratos bancários e
retirar dinheiro quando sua mãe lhe pede. Gabriel gosta de realizar
essas tarefas, principalmente porque elas representam a confian-
ça que o pai tem nele para cuidar de uma atividade importante da
vida familiar.

                                   22
Incentivar a autonomia da pessoa com esquizofrenia é muito impor-
tante para a manutenção da auto-estima. Algumas atividades podem
exigir um acompanhamento por um determinado tempo e gradualmen-
te serem delegadas à pessoa como reconhecimento de sua capacidade.
Quais atividades devem ser escolhidas depende muito das condições e
aptidões de cada pessoa, mas sempre é possível achar aquelas mais
adequadas para o momento.
    O exemplo utilizado pode ser considerado simples, mas é muito sig-
nificativo para qualquer tarefa. A Cecília, uma das autoras desta série,
acompanhou com o Jorge a coordenação de um grupo de atividades da
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofre-
nia (Abre) por mais de dois anos e, gradativamente, foi passando a tarefa
para ele, que hoje consegue desempenhá-la satisfatoriamente.
   Essa postura por parte dos familiares também é importante para que,
ao longo do tempo, a pessoa com esquizofrenia consiga uma reintegra-
ção social, sinta-se capaz e participe da vida em comunidade.




                                   23
Caminhos de superação
A esquizofrenia traz para a vida dos portadores e para suas famílias
questões e situações novas e difíceis, que não têm solução imediata.
Em boa parte dos casos, a esquizofrenia causa uma sensação de que
não existem saídas para as enormes dificuldades enfrentadas. Buscar
a superação é uma escolha e pode ser feita independentemente do
estágio ou tempo que a doença apareceu. Confiar que ela é possível e
procurar constantemente caminhos de melhora é a postura mais ade-
quada diante dos desafios práticos que a esquizofrenia coloca. As solu-
ções serão construídas por intermédio do aprendizado e das mudanças
ao longo do tempo.
    Quando a esquizofrenia apareceu na vida de Gabriel, os familiares
esperavam que ele superasse a situação “naturalmente”, como uma
crise da adolescência. Mesmo depois de passar por um psiquiatra,
ainda ficaram com dúvidas e não sustentaram o tratamento. Foi ne-
cessário vencer essas dúvidas para que os tratamentos fossem efeti-
vamente implementados. Muitas famílias não superam essa etapa e,
em conseqüência, a pessoa com esquizofrenia fica muito tempo sem
tratamento, o que contribui para deteriorar as relações familiares e
determina uma pior evolução da doença.
   Depois da doença estabilizada, Gabriel resolveu parar os trata-
mentos, e a família aceitou essa decisão. Como conseqüência, Gabriel
teve uma recaída e precisou ser internado. Esse fato ensinou para a
família e para Gabriel que não se pode descuidar dos tratamentos
ou parar de tomar os remédios. Todos sofreram com essa experiên-
cia, mas cresceram ao encontrar soluções para as questões práticas
que passaram. Muitas pessoas com esquizofrenia têm várias recaídas
porque param de tomar os medicamentos e não conseguem encontrar
soluções como a que a família de Gabriel encontrou.

                                  24
Depois da internação, Gabriel passou mais de um ano fazendo um
grande esforço para superar as dificuldades. Foi muito difícil para
todos manter a esperança e aprender a aceitar as limitações que a
esquizofrenia trouxe para a vida de Gabriel. De toda a forma, ao longo
desse tempo, ele pôde contar com grande apoio da família e, aos
poucos, foi conseguindo reencontrar um caminho em sua vida. Muitas
pessoas com esquizofrenia e suas famílias desistem de tentar superar
as dificuldades práticas quando não vêem melhora para a doença.
    A superação é um processo que cada pessoa e cada família cons-
trói a partir da confiança de que há maneiras melhores de lidar com
as situações e aprender com elas. Isso exige a aceitação das limita-
ções impostas pela doença, mas também determinação, esperança e
confiança nos recursos que se adquirem ao longo do caminho.
   Superar a esquizofrenia não significa conseguir que seus efeitos
e sintomas desapareçam completamente, pois este é um evento raro
e não se deve alimentar demais essa esperança. A superação se dá
ao encontrar soluções práticas e cotidianas para melhorar o que é
possível e procurar maneiras de ter uma vida com qualidade: essa
é uma esperança realista e possível!




                                  25
Esperança realista
Apresentamos neste livreto alguns temas que consideramos fundamen-
tais para o convívio familiar. Procuramos mostrar que diante da esquizo-
frenia, a superação é possível, mas para que ela aconteça, o aprendizado
constante com as questões cotidianas da família é fundamental.
   A esquizofrenia é uma doença crônica, e como tal, necessita de
cuidados contínuos. Uma diferença importante entre a esquizofrenia e
outras doenças orgânicas é que nela não basta tomar as medicações
ou fazer uma dieta para manter a doença sob controle. Além do cuidado
medicamentoso, é necessário o cuidado das relações entre os membros
da família, pois é a família que dá o suporte necessário para se alcançar
estabilidade. No caso da esquizofrenia, como em todas as doenças crô-
nicas, a qualidade de vida não é uma opção, é uma necessidade.
    Por meio de exemplos, apresentamos maneiras de aprender com
as dificuldades e construir outras opções para lidar com as questões
colocadas pela esquizofrenia. Para que haja a superação, é necessário
manter uma esperança realista que permita a atitude de constante rea-
valiação e o diálogo que refletirão numa melhora do ambiente familiar.
   Um bom convívio familiar pode ser alcançado quando seus membros
conhecem as características da esquizofrenia. Isso permite que cada
um trabalhe suas questões individuais de maneira a não estigmatizar,
afastar ou culpar o portador por situações que ela não dá conta. A partir
dessa perspectiva, os familiares vão sentindo-se capazes e à vontade
para ajudar de fato nas questões prioritárias dos tratamentos da pessoa
com esquizofrenia, formando, assim, um ambiente acolhedor.
   A experiência mostra-nos que a esquizofrenia não precisa ocupar o
papel principal na vida das pessoas. Jorge, um dos autores desta série,
passou pela experiência de identificar sintomas da esquizofrenia em
tudo que lhe acontecia, isso virou uma forma de justificar as questões

                                   26
malresolvidas com sua própria vida. Ele precisou de anos para perceber
que a doença não justifica muitas coisas de sua vida. Seguindo os tra-
tamentos, aprendeu a avaliar em que a doença interfere em sua vida e
como lidar com as limitações para minimizar seu impacto no dia-a-dia.
Nesse percurso, o apoio de sua família foi fundamental para que esse
aprendizado fosse amadurecendo com o tempo.
    Uma mudança de postura diante da esquizofrenia sempre é possí-
vel, não importando a situação que se tenha vivido. Buscamos fornecer
elementos para você, nosso leitor, pensar em maneiras de olhar suas
questões pessoais. Esperamos ter trazido algumas contribuições que se
tornem úteis em seu convívio familiar.




                                  27
A nossa intenção e a nossa motivação com essa
             série de livretos é contribuir para melhorar a vida das
             pessoas afetadas pela esquizofrenia e seus familiares.
                Nós, os autores, temos grande interesse em conhe-
             cer as suas opiniões e as suas experiências com a lei-
             tura, para isso mantemos abertos os seguintes canais
             de comunicação:




                                                                       Falta código
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Convivendo com a esquizofrenia: desafios e superação

  • 1. Jorge Cândido de Assis Cecília Cruz Villares Rodrigo Affonseca Bressan CONVERSANDO SOBRE a esquizofrenia O convívio familiar 5
  • 2. Sobre os autores Jorge Cândido de Assis é portador de esquizofrenia há 22 anos, atualmente é aluno do curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e diretor adjunto da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE). Tem participado e ministrado aulas para o curso de medicina da Universidade Fe- deral de São Paulo (UNIFESP), palestrante nos três últimos Congressos Brasileiros de Psiquiatria. Cecília Cruz Villares é vice-presidente da ABRE; terapeuta ocupacional e tera- peuta de família; mestre em saúde mental e doutoranda pela UNIFESP, onde tra- balha no Programa de Esquizofrenia (PROESQ) e supervisiona alunas do curso de Especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental. Participa ativamente em âmbitos nacional e internacional do estudo e combate ao estigma relacionado aos transtornos mentais. Rodrigo Affonseca Bressan é familiar de uma pessoa que teve esquizofrenia e membro da ABRE; professor adjunto do Departamento de Psiquiatra da UNIFESP; Ph.D. pelo Institute of Psychiatry, University of London, onde é professor honorário; coordenador do PROESQ e coordenador do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC), ambos da UNIFESP. Av. Vereador José Diniz, 3.300, 15o andar, Campo Belo – 04604-006 – São Paulo, SP Fone: 11 3093-3300 . • www.segmentofarma.com.br • segmentofarma@segmentofarma.com.br Diretor geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Diretor administrativo-financeiro: Antonio Carlos Alves Dias Editor de arte: Maurício Domingues Gerente de negócios: Marcela Crespi Assistente comercial: Karina Cardoso Coordenador geral: Alexandre Costa Coordenadora editorial: Fabiana Souza Projeto gráfico: Renata Variso Diagramadora: Andrea T. H. Furushima Ilustrações: Claudio Murena Revisora: Renata Del Nero Produtores gráficos: Fabio Rangel e Tiago Manga Cód. da publicação: 6838.04.08
  • 3. Sumário Introdução ........................................................... 4 As questões de cada um.................................... 6 Qual é a fórmula mágica? ................................ 8 A crise aguda de esquizofrenia desorienta todos ..............................................10 Lidando com um momento de crise .............12 Quando a pessoa nega-se a se tratar ..........14 Prevenindo recaídas ........................................16 Criando um ambiente acolhedor..................18 Encontrando recursos na comunidade .......20 Incentivando a autonomia ............................22 Caminhos de superação .................................24 Esperança realista ............................................26
  • 4. Introdução Neste quinto livreto da série “Conversando sobre a esquizofrenia”, abordaremos o tema do convívio familiar. Sem a intenção de esgotar esse assunto, procuramos tratar de temas que contribuam para que a pessoa com esquizofrenia e seus familiares possam pensar sobre como construir formas boas de convivência. Nosso propósito é que a leitura deste texto contribua para a reflexão e o diálogo entre os membros da família, com a intenção de promo- ver mudanças onde forem necessárias, melhorar os relacionamentos e desfazer mal-entendidos. O caminho que escolhemos para atingir esse propósito tem base no diálogo estabelecido ao longo dos últimos anos com muitas pessoas com esquizofrenia e seus familiares, ouvindo e conversando sobre suas dúvidas e dificuldades cotidianas. A maioria das abordagens familiares na esquizofrenia enfoca a orientação de seus membros sobre como lidar com a pessoa com es- quizofrenia. Algumas dessas abordagens partem do pressuposto que a pessoa com esquizofrenia precisa ser tutelada ou cuidada, e que vai sempre ocupar um lugar de doente dentro da própria casa. Entende- mos que essas abordagens ajudam em alguns aspectos, mas também podem tornar mais difícil a aceitação da pessoa com esquizofrenia, justamente por parte daqueles que a amam verdadeiramente. Nossa forma de ver a esquizofrenia e a família parte da compreen- são que a doença não caracteriza a pessoa, e que ela, como qualquer outra pessoa, tem seu jeito de ser, seus desejos, suas qualidades e seus defeitos. Há situações em que a pessoa com esquizofrenia necessita tanto receber cuidados quanto compartilhar a vida com a família. Muitas pessoas com esquizofrenia são exiladas dentro de sua própria casa. Essa é uma situação que pode ser mudada. Trabalharemos ao longo deste livreto com o conceito de superação. A esquizofrenia é uma doença que afeta várias áreas de funciona- 4
  • 5. mento da pessoa, dificulta os relacionamentos e desorienta os outros membros da família. A superação é um processo de aprendizado com as situações e o convívio, que permite aceitar as limitações e maximi- zar as potencialidades de cada familiar, e ajuda a vencer os desafios práticos do cotidiano na construção de projetos para o futuro. Nessa perspectiva, a pessoa com esquizofrenia tem muito a ganhar e cres- cer no convívio familiar. Procuraremos apresentar o tema do convívio familiar por meio de situações vividas pelos personagens descritos na série. A história desses personagens está descrita em outros livretos da série e aju- dam a ilustrar nossa proposta neste livreto. Muitas vezes pensamos que somos os únicos que passam por si- tuações difíceis, mas nossa experiência mostra que, na maioria das vezes, temos muito a crescer compartilhando o que vivenciamos. Esperamos que a leitura deste livreto contribua para que você, nosso leitor, tenha novas idéias para melhorar ainda mais a qualidade do convívio em sua família. 5
  • 6. As questões de cada um Quando um familiar adoece com a esquizofrenia, os demais deso- rientam-se, pois têm de lidar com dificuldades e exigências comple- tamente novas, que são marcadas por muito estresse e confusão, e por não saberem o que fazer para lidar com o problema. É importante entender tanto o problema da pessoa com esquizofrenia quanto o de cada familiar, porque as dificuldades e o sofrimento enfrentados pelos familiares influem no bem-estar do familiar e afetam a vida do porta- dor de esquizofrenia. Vejamos alguns exemplos dessas questões na família de Gabriel, que conseguiu um caminho de superação. O pai de Gabriel passou a trabalhar mais e a trazer trabalho para casa; estar ocupado o tempo todo foi a melhor forma que encon- trou para lidar com sentimentos novos, confusos e contraditórios, tais como culpa, impressão de que o problema não existe (negação), desesperança e tristeza. Ele demorou um bom tempo para perceber que o melhor para o filho e sua família era sua companhia e passou a trabalhar menos e estar mais presente na rotina da família. A mãe de Gabriel apegou-se à religião e ao cuidado do filho, tra- tando-o como se ele fosse ainda um menino. Nos grupos da igreja ela aprendeu que a fé é importante, desde que edificante, por intermédio das ações do dia-a-dia. A sensibilidade materna lhe permitiu perceber com o tempo que o filho tem uma doença, e seu papel como mãe é in- centivá-lo a seguir sua vida olhando também para suas qualidades. Os pais lidam com sentimentos difíceis, como o de serem responsáveis e, às vezes, culpados pela situação, procuram ver onde erraram na criação do filho. A esquizofrenia tem um fator biológico muito forte; procurar erros no passado não ajuda e só aumenta a tensão nos relacionamentos. Renato, o irmão mais velho de Gabriel, achava que o irmão era “pro- blemático” e responsável pelas freqüentes discussões entre os dois. Ele precisou de um bom tempo para entender que Gabriel vivia com 6
  • 7. uma doença e perceber o sofrimento do irmão. Ele demorou um tempo, mas conseguiu colocar-se no lugar do irmão e perceber que ele mesmo poderia passar pelo mesmo. Essa percepção trouxe receios e dúvidas a respeito da própria saúde mental, mas também ajudou a evitar discutir com Gabriel e facilitou a aproximação, que se deu, por exemplo, por meio de convites para fazer coisas agradáveis juntos, como ir aos jogos de futebol no estádio e jogar bola nos fins de semana. Júlia, a irmã mais nova de Gabriel, sempre aceitou o irmão, mesmo sabendo que suas idéias não correspondiam à realidade e seu comporta- mento era muito diferente. Ela procurou ter uma postura de ajudar o irmão, ainda que apenas conversando com ele. Essa postura lhe deu tranqüili- dade interior para estudar e ter amigos, para manter uma vida saudável. Gabriel passou por situações muito duras, que marcaram profun- damente sua vida. Foram precisos tratamentos e cuidados constantes dos profissionais de saúde para que, ao longo dos anos, ele conseguis- se redesenhar um cotidiano no qual sua vida voltasse a fazer sentido. Nesse processo, foi muito importante o aprendizado de sua família, de que juntos poderiam fortalecer-se para superar as adversidades. Vejamos nos dois capítulos seguintes algumas dificuldades pre- sentes no caminho de superação da esquizofrenia. 7
  • 8. Qual é a fórmula mágica? Uma postura comum a todos nós, quando nos defrontamos com um problema sério, é desejar que exista uma solução que faça o problema desaparecer. Temos a tendência de procurar uma “fórmula mágica”. No caso da esquizofrenia, muitos familiares acreditam que darão conta da questão sozinhos; quando isso não acontece, passam a acreditar que o médico resolverá a questão, que existe um remédio que fará os problemas de seu familiar doente desaparecer. Há um entendimento importante que pode substituir essa postura de procurar “a solução pronta”. Ele diz respeito ao fato de que a pessoa com esquizofrenia tende a desenvolver uma maneira de fun- cionar e reagir diferente daquela que as pessoas estavam habituadas a esperar. As posturas e atitudes que os familiares concordam que sejam as mais corretas para lidar com a pessoa com esquizofrenia muitas vezes não funcionam. Entender essa diferença de funciona- mento é fundamental para conseguir construir soluções junto à pes- soa com esquizofrenia. Quando Gabriel e sua família conversaram com o psiquiatra, enten- deram o que estava passando-se e levaram para casa os medicamen- tos, parecia que haviam encontrado uma solução. Entretanto, logo no princípio, Gabriel negou-se a tomar os remédios, em razão de idéias delirantes de que eles estariam envenenados. Os pais tentaram fazê-lo tomar e não conseguiram. Foi precisa a habilidade de Júlia, sua irmã, para saber seus motivos e, com ela, mudar aquela certeza deliran- te para permitir que ele tomasse os remédios. Depois que ele passou a seguir os tratamentos, os problemas di- minuíram, mas não desapareceram; os familiares também precisaram buscar ajuda para entender a situação e darem conta das questões de cada um, iniciando um caminho de mudanças. Isso permitiu ir ela- 8
  • 9. borando soluções a partir das questões cotidianas, principalmente o entendimento das limitações que a doença trouxe para Gabriel e como ajudá-lo a lidar e superar em seu tempo suas dificuldades. Diante da esquizofrenia não existe uma “fórmula mágica”. O mé- dico não tem essa “fórmula”. O que realmente existe é uma série de recursos e tipos de remédios que podem ajudar a pessoa a conseguir uma estabilidade. As soluções, cada família precisa ir construindo ao lidar com as questões práticas que se apresentam no convívio. Os profissionais de saúde são aliados importantes e sempre vale a pena o diálogo com eles sobre o que se passa com a pessoa e com a família. As soluções vão tomando forma na medida em que cada um dos envolvidos consegue estabelecer canais de comunicação, em uma rede social que forneça suporte para estabelecer uma rotina que não fique centrada na doença, na qual haja, por exemplo, espaço para lazer e atividades na comunidade. Ajuda muito acolher e entender as questões que a pessoa com esquizofrenia enfrenta, procurando diminuir o isola- mento e, na medida do possível, estabelecer um convívio acolhedor. 9
  • 10. A crise aguda de esquizofrenia desorienta todos O período de crise na esquizofrenia pode desestabilizar toda a família e gerar situações de conflito, que por sua vez contribuem para de- sestruturar os relacionamentos familiares por muito tempo. Não há receitas de como lidar com situações de crise na esquizofrenia, mas há várias dicas que ajudam muito a lidar com as pessoas nessas con- dições. Vejamos como a família de Carlos, que teve vários momentos de crise, lidou com sua primeira crise. Devemos lembrar que em momentos de crise as pessoas com es- quizofrenia, muitas vezes, perdem o controle porque estão enxergan- do a realidade de maneira muito diferente e ameaçadora. Carlos ouvia vozes que o ameaçavam e achava que tudo que acontecia à sua volta tinha relação com ele. O que para os familiares eram acontecimentos corriqueiros, para Carlos tinha um sentido especial, eram manifesta- ções ligadas às suas vivências. Na primeira crise, os familiares não sabiam como lidar com Carlos durante vários dias, e a situação só foi piorando. A mãe de Carlos desestabilizou-se emocionalmente e tinha crises de choro freqüentes. O irmão não sabia como agir e procurou ficar longe de Carlos naquela situação. O pai pensava que com uma atitude firme o filho sairia da- quela situação, foi ficando mais ríspido e acabou por piorar o estado de Carlos. Um momento crucial foi quando Carlos estava diante da televisão ligada e sentia que os personagens estavam falando dele; num gesto de desespero, ele jogou a televisão no chão com força. O pai e o irmão mais velho tentaram segurá-lo e foram agredidos a socos. Carlos, sentindo-se ameaçado, saiu para a rua sem destino. O pai pediu ajuda a um vizinho e ficou procurando Carlos por várias horas de carro pelo 10
  • 11. bairro, até o encontrar caminhando sozinho. Ele tentou fugir do pai e foi preciso pedir ajuda a uma viatura policial para contê-lo, pois ele estava muito agitado e assustado. Carlos foi levado ao pronto-socorro psiquiátrico, onde efetuou-se sua internação. Infelizmente, situações como a de Carlos acontecem em muitas famílias, principalmente por falta de conhecimento e orientação para lidar com manifestações que podem ocorrer em uma crise com es- quizofrenia. É muito sofrido para todos na família quando a pessoa em crise precisa ser internada e está desorientada e assustada. É preciso entender que a pessoa em uma crise com esquizofrenia está tendo percepções muito particulares (alucinações) e tendo pen- samentos muito desorientadores e assustadores que não correspon- dem à realidade (delírios). É preciso ter em mente que a esquizofrenia tem tratamento e controle e há muitas maneiras de evitar ou tratar as crises logo no começo, evitando-se situações extremas. No próximo capítulo apresentaremos algumas sugestões de como enfrentar uma situação de crise, com base em experiências de muitos familiares a quem ouvimos e consultamos para escrever este livreto. 11
  • 12. Lidando com um momento de crise Como citado anteriormente, uma crise de esquizofrenia pode ser muito difícil para toda a família, mas existe uma série de medidas que podem ser tomadas para minimizar o sofrimento que ela provoca. Durante a pri- meira internação de Carlos, seus familiares foram orientados sobre os principais aspectos da esquizofrenia. Entenderam que é uma doença que altera o funcionamento do cérebro e, portanto, o tratamento com remé- dios é fundamental. Parar de tomar o remédio é a principal causa de crises agudas. Entretanto, o remédio é necessário, mas não é suficiente para tratar pessoas com esquizofrenia. Um convívio familiar harmônico também é fundamental. Vejamos como a família de Carlos aprendeu a lidar com outros momentos de crise. Os familiares de Carlos aprenderam a manter a calma quando ele entra em crise, a não se deixar envolver por seu estado sem concordar ou discordar do que ele está dizendo. Aprenderam também a não impor atitudes e com- portamentos que Carlos visivelmente não tem condições de entender e me- nos ainda de atender. Quando Carlos se descontrola, eles evitam responder à altura, procuram não gritar e, na medida do possível, falam em voz baixa e com calma. Eles agora sabem que podem procurar ajuda dos profissionais de saúde caso seja necessária, até mesmo do serviço de ambulância da cidade. Eles aprenderam, nessa situação, a não criticar Carlos, a não ameaçá- lo ou tentar segurá-lo, pois ele pode reagir por estar assustado e ame- drontado. Os pais de Carlos procuram fazer o que ele pede, desde que não seja perigoso, o que facilita o relacionamento. Quando Carlos está em crise aguda, os familiares procuram se revezar, de forma a sempre ficarem duas pessoas com ele, para que se for preciso, um pedir ajuda dos profissionais de saúde enquanto o outro fica com Carlos. Com essas medidas, hoje Carlos, mesmo em crise com delírios e aluci- nações, não se sente frontalmente ameaçado em sua casa. Isso ajuda a evi- 12
  • 13. tarem-se situações de agressividade, tanto físicas quanto verbais e, quando elas acontecem, podem ser controladas sem conseqüências graves. Há casos de esquizofrenia em que a agressividade é um elemento im- portante e precisa de atenção especial, mas não é a regra para a maioria dos casos. Diante dessa situação descrita, os pais de Carlos conversaram com o psiquiatra reclamando que não enxergavam solução para a situação do filho, pois ele tomava as medicações regularmente, mas tinha crises freqüentes. O psiquiatra explicou que estava seguindo o caminho certo no tratamento de Carlos e que o caso dele configurava-se no que se chama “esquizofrenia refratária”. O médico propôs a internação de Carlos por um período mínimo necessário para iniciar o tratamento com um medi- camento específico, chamado clozapina. Carlos melhorou com o novo tratamento, entretanto foram fundamen- tais a compreensão, o apoio e o cuidado da família. Lembremos que sem- pre podemos procurar melhorar a situação vivida e não podemos perder a esperança diante de situações muito difíceis, como as crises na es- quizofrenia. Devemos dialogar com os profissionais de saúde para juntos encontrarmos os melhores caminhos. Foi isso que a família de Carlos fez. 13
  • 14. Quando a pessoa nega-se a se tratar Muitas pessoas com esquizofrenia se negam a seguir os tratamentos e têm muitos argumentos para sustentar essa postura. É preciso entender que a maior parte dos motivos dessa negação está relacionada com os sintomas da doença. Lidar com essa situação no convívio familiar é um desafio que requer paciência, negociação e uma dose de autoridade, para que a pessoa com esquizofrenia saia dessa armadilha imposta pela própria doença. A família tem de entender que o tratamento é condição necessária para a melhora da pessoa com esquizofrenia. Neste sentido, a família precisa ajudar o paciente a entender essa necessidade. Muitas vezes, o paciente não enten- de a necessidade do tratamento, e a família tem de enfrentar esse impasse. Convencer uma pessoa adulta a fazer o que não quer é uma situa- ção difícil. Muitos familiares escondem os remédios nos alimentos, e a pessoa os ingere sem saber. Nós achamos que essa não é a melhor conduta, pois pode dar à pessoa a impressão de ter melhorado sem a necessidade dos medicamentos. O caminho do convencimento e da negociação, mesmo sendo mais difícil, acaba sendo o mais efetivo. Francisca, a amiga de Gabriel, não acha que tem uma doença. A fa- mília não conseguia convencê-la a seguir os tratamentos, o que gerava graves problemas de relacionamento, principalmente por ela desafiar a autoridade do pai. Depois da terceira internação, o pai a avisou que se ela piorasse seria internada novamente e que ele não queria isso, por- tanto, ela precisava se cuidar. Ela não tomou os remédios e teve uma recaída. O pai explicou que a estava levando para uma internação para o bem dela, mas Francisca achava que isso era uma arbitrariedade do pai. Entretanto, ele foi visitá-la no hospital todos os dias, e ela pôde entender que ele realmente preocupava-se com ela e estava sofrendo com a situação. Essa percepção levou Francisca a aceitar ir com o pai periodicamente nas consultas com o psiquiatra e tomar a injeção do 14
  • 15. medicamento de depósito. Depois de algum tempo, a ida ao psiquiatra e a injeção foram tornando-se rotina, e o desgaste diminuiu muito. O caso de Francisca representa uma situação extrema, não tão in- comum na esquizofrenia. Saber estabelecer limites por meio dos re- lacionamentos, deixando claro que certas atitudes não são aceitas, é fundamental para qualquer pessoa ter referências do que pode e o que não pode fazer nos relacionamentos. Tal postura é válida e importante também na relação com pessoas que têm esquizofrenia. Mostrar o que se considera certo com o próprio exemplo ajuda muito no con- vencimento, na negociação e até na aceitação do tratamento. É muito importante acompanhar a pessoa com esquizofrenia nas consultas e reafirmar as posturas que se têm no dia-a-dia, dando a oportunidade para o médico intervir sobre as questões reais que se lidam em casa. Quando a pessoa não quer se tratar, a família precisa agir de forma firme, sempre procurando evitar situações de confronto. A atitude de negação do portador precisa ser entendida como a única forma que a pessoa tem de lidar com a doença, e a família pode oferecer outras pos- sibilidades. Quando a pessoa entende que os tratamentos possibilitam uma vida melhor e com menos sofrimento, abre-se espaço para que o tratamento adquira o sentido de reconstrução de projetos para o futuro. Cabe à família e aos profissionais de saúde facilitar esse entendimento. 15
  • 16. Prevenindo recaídas A esquizofrenia é uma doença que precisa de cuidados constantes, mes- mo quando os sintomas melhoram ou parecem ter desaparecido, há sem- pre o risco de uma recaída e do reaparecimento dos sintomas. A família tem papel muito importante nesse cuidado e na prevenção de recaídas. Apresentaremos alguns exemplos desse papel. Muitas pessoas com esquizofrenia, quando se sentem melhor, pa- ram de tomar os remédios, e essa é uma das principais causas de recaídas. Os familiares têm um papel importante no monitoramento da tomada de medicação. Gabriel toma sozinho os remédios todas as noites, entretanto, eles ficam em um móvel da sala e, sempre que ele esquece, alguém o lembra. Às vezes, os familiares levam os remédios para ele mesmo que ele já esteja dormindo. No caso de Carlos, a mãe dele dá os remédios para ele todos os dias. Francisca precisa ir ao psiquiatra para tomar o remédio de ação prolongada acompanhada de um familiar. Outro aspecto fundamental é a importância do ambiente familiar para o bem-estar de todos, principalmente das pessoas com esquizofrenia. Um ambiente harmônico é importante para prevenirem-se recaídas e evi- tarem-se situações muito estressantes, como discussões, cobranças de tarefas e responsabilidades que estão além da capacidade da pessoa. Além disto, esse ambiente gera um grande apoio para que a pessoa sin- ta-se integrada no ambiente familiar. Sabemos que não é uma tarefa fácil e é preciso que todos se esforcem para cuidar da rotina da família. Os familiares podem ajudar a prevenir se observarem alguns sinais de recaída, tais como, mudanças no comportamento da pessoa, como insônia, irritabilidade acima do natural, perda de interesse por atividades que costuma fazer, idéias diferentes ou estranhas, enfim, mudanças que somente quem convive diariamente com a pessoa percebe. Essa é a hora de procurar o psi- 16
  • 17. quiatra para uma avaliação, pois muitas vezes é possível evitar uma recaída com um ajuste na medicação ou manejo de uma situação estressante. Tanto no caso de Gabriel quanto no de Carlos e de Francisca, a família foi aprendendo com o tempo a conviver com suas peculiaridades de forma que foram sentindo-se cada vez mais queridos e considerados pelos fa- miliares. Isso ajudou muito a lidar com as questões impostas pela doença. Às vezes, seus hábitos incomodam, suas conversas não agradam ou são repetitivas, mas o importante é que eles possam ser aceitos como são. Sabemos que os relacionamentos familiares nem sempre são harmo- niosos. Muitas famílias convivem mal, com dificuldades sérias de relacio- namento e outros problemas anteriores e independentes da esquizofrenia. Também sabemos que, muitas vezes, a pessoa com esquizofrenia tem um comportamento que dificulta a aproximação dos familiares ou gera conflitos. Prevenir recaídas exige da família o exercício da tolerância e do diálogo sem- pre que possível. Em muitos casos, é preciso rever e cuidar de problemas anteriores para abrir espaço a um relacionamento mais saudável. Isso exige dos familiares disposição e abertura para abordar os problemas de todos. No próximo capítulo, apresentaremos alguns hábitos que contribuem para um ambiente familiar, acolhedor, para a pessoa com esquizofrenia e para todos os membros da família. 17
  • 18. Criando um ambiente acolhedor Um entendimento importante é que a esquizofrenia não é a única causa das dificuldades no convívio familiar, há também certas posturas indi- viduais de cada membro que podem gerar conflitos. Um ambiente aco- lhedor constitui-se em uma relação afetiva entre os membros da família marcada pela compreensão e pela confiança. Ele é um objetivo a se alcançar com o tempo, por meio de mudanças e da superação. Cada família pode encontrar os próprios caminhos para lidar com as dificulda- des cotidianas e criar um ambiente acolhedor. Apresentaremos alguns elementos que contribuem muito para esse processo. A empatia é uma postura que contribui muito. Júlia, a irmã de Ga- briel, tem essa qualidade inata, por isso ela sempre conseguiu ouvir e entender o irmão, mesmo nos piores momentos. Para exercer a empa- tia é preciso deixar de lado cobranças, possíveis mágoas e entender o sentimento do outro, o que passa a ser recíproco. Essa qualidade pode ser exercitada, foi o que aconteceu com Renato, irmão de Gabriel, que mudou de uma postura de antipatia para encontrar novas maneiras de continuar sendo amigo do irmão. Os pais, tanto de Carlos quanto os de Gabriel, aprenderam a ser menos autoritários e mais aconselhadores. O pai da Francisca encontrou uma forma de ser firme sem ser ríspido. Em todos esses exemplos, as pessoas conseguiram transformar as ex- periências de sofrimento em coisas boas. A empatia abre espaços para se estabelecer um “território” comum, onde as pessoas conseguem concordar. Isso acontece primeiro com pe- quenas coisas e depois com questões maiores. Francisca não acha que tem uma doença, mas concorda em ir ao psiquiatra e tomar lá o remé- dio. Isso só foi possível porque em uma série de vivências corriqueiras ela foi construindo seu espaço no relacionamento com seus pais e sua irmã e, hoje, ela tem a certeza que eles querem o melhor para ela e con- corda com o tratamento, mesmo não estando convencida que precisa 18
  • 19. dele. Concordamos com pessoas que confiamos e não necessariamente com as que julgamos ter razão. Um ambiente acolhedor é construído pelo hábito de conversar. As conversas são a prática da empatia e de um território comum. É preciso saber escutar ativamente para poder entender o outro, perguntar para compreender as razões do outro e contribuir para que o assunto desen- volva-se. Existem momentos em que procuramos uma conversa, e é bom ser acolhido, assim como em outros momentos somos procurados, e acolher ajuda muito. Cultivar esses hábitos é fundamental para que as pessoas com esqui- zofrenia sintam-se acolhidas no ambiente familiar e também para que a família não coloque a doença como o centro das questões do convívio entre os membros. Esses hábitos ajudam na superação dos problemas sem dar um tamanho maior do que merecem. 19
  • 20. Encontrando recursos na comunidade Quando os familiares enfrentam dificuldades para conviver com um membro com esquizofrenia, podem se afastar ou se isolar do convívio em comunidade, deixando de freqüentar lugares públicos e evitando eventos sociais. Isso se dá tanto pelo estigma da doença quanto pelas questões cotidianas que mudam a própria dinâmica da família. Entre- tanto, para uma vida com qualidade, é fundamental afastar as questões relativas à doença do centro das preocupações e buscar ativamente re- cursos na comunidade que contribuam para diminuir esse isolamento. Um recurso da comunidade que pode ser bem aproveitado é o local de tratamento, seja para o acolhimento das questões familiares seja quando oferecem palestras ou grupos de ajuda mútua. Há outros recursos da comunidade que podem ser acessados pela família. Cada membro pode encontrar lugares e eventos da cidade que lhe façam bem. Gabriel, que gosta de escrever, foi incentivado por sua terapeuta ocupacional a freqüentar a oficina de redação oferecida na biblioteca municipal, o que contribuiu muito em seu processo de recu- peração. Seus pais freqüentam a igreja, mas também passaram a fazer passeios no parque e, de vez em quando, vão ao cinema. Francisca vai uma vez por semana ao centro cultural fazer um curso de mosaico. Além das amizades que fez no grupo e das horas agradáveis que passa, ela vê as exposições e fica por dentro da programação cul- tural da cidade. Chega até a convidar a irmã para ir a algumas delas. Carlos aprendeu a jogar bem cartas e dominó no hospital e fez amizade com as pessoas que jogam na praça perto de sua casa. Essa é uma atividade que lhe é muito prazerosa e se sente bem com os amigos da praça. Aos fins de semana, é monitor nas atividades de re- creação da escola infantil de seu bairro. Ele tem jeito com as crianças e é respeitado por elas, o que contribui muito para sua auto-estima. 20
  • 21. A mãe de Carlos faz parte de um grupo de senhoras que se reúnem para fazer crochê e conversar aos sábados em uma loja de artesanato de seu bairro. Ela produz peças muito bonitas com as quais presenteia parentes e amigos. Esses são alguns exemplos, a cidade sempre tem muitos recursos para um convívio saudável e prazeroso. É importante que as famílias compreendam que não é saudável colocar os problemas da esquizo- frenia sempre em primeiro lugar. Para poder lidar bem com a doença, é preciso buscar atividades que façam bem para cada membro da famí- lia. Conhecer o que a cidade oferece e experimentar sair de casa para se integrar com outras pessoas em atividades pode ser uma iniciativa muito útil para se buscar equilíbrio e bem-estar. Para muitas pessoas com esquizofrenia, o local de tratamento é o único lugar de convívio social. Normalmente, é o lugar onde se sentem acolhidas e tratadas com respeito. Entretanto, esse não deve ser o objetivo final de nenhuma abordagem terapêutica. Retomar as ativi- dades na comunidade pode ser um processo lento para muitos, e as atividades com a família contribuem muito para que as pessoas com esquizofrenia consigam, ao longo do tempo, encontrar espaços na ci- dade para voltar a transitar com tranqüilidade e confiança. 21
  • 22. Incentivando a autonomia Uma maneira de contribuir para que a pessoa com esquizofrenia sinta-se integrada no ambiente familiar é incentivando sua autonomia nas tarefas cotidianas, nas quais ela tenha capacidade para mostrar eficiência. Isso pode contribuir muito para que a pessoa sinta-se capaz de enfrentar no- vas situações. Vejamos um exemplo vivido por Gabriel. O pai de Gabriel pediu para que ele fosse ao banco e pagasse uma conta, deixando com ele o cartão do banco e a senha de acesso. Gabriel nunca tinha utilizado o caixa eletrônico do banco para pagar contas e passou o dia angustiado com a certeza que cometeria um erro na tarefa que seu pai lhe incumbiu, sentindo-se um incompetente. Quando o pai chegou do trabalho perguntou se Gabriel tinha pagado a conta. Gabriel se justificou dizendo que não havia feito por receio de cometer um erro. O pai de Gabriel não ficou bravo, mas conversou sério com Gabriel dizendo: “Filho, pagar essa conta era responsabilidade sua, não dá para fugir de nossas responsabilidades, amanhã sua mãe vai ao banco com você te ensinar a pagar a conta”. No dia seguinte, Gabriel e sua mãe foram ao banco. Ele prestou bas- tante atenção nos procedimentos para pagar a conta. Além disso, pôde observar que várias pessoas pedem ajuda à funcionária do banco para utilizar os caixas eletrônicos. Percebeu que seu medo de errar era exage- rado. Quando o pai chegou à noite, Gabriel contou satisfeito que agora é capaz de pagar as contas no banco. Desde esse dia, Gabriel passou a pagar todas as contas da casa no banco, até mesmo fazer depósitos, retirar extratos bancários e retirar dinheiro quando sua mãe lhe pede. Gabriel gosta de realizar essas tarefas, principalmente porque elas representam a confian- ça que o pai tem nele para cuidar de uma atividade importante da vida familiar. 22
  • 23. Incentivar a autonomia da pessoa com esquizofrenia é muito impor- tante para a manutenção da auto-estima. Algumas atividades podem exigir um acompanhamento por um determinado tempo e gradualmen- te serem delegadas à pessoa como reconhecimento de sua capacidade. Quais atividades devem ser escolhidas depende muito das condições e aptidões de cada pessoa, mas sempre é possível achar aquelas mais adequadas para o momento. O exemplo utilizado pode ser considerado simples, mas é muito sig- nificativo para qualquer tarefa. A Cecília, uma das autoras desta série, acompanhou com o Jorge a coordenação de um grupo de atividades da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofre- nia (Abre) por mais de dois anos e, gradativamente, foi passando a tarefa para ele, que hoje consegue desempenhá-la satisfatoriamente. Essa postura por parte dos familiares também é importante para que, ao longo do tempo, a pessoa com esquizofrenia consiga uma reintegra- ção social, sinta-se capaz e participe da vida em comunidade. 23
  • 24. Caminhos de superação A esquizofrenia traz para a vida dos portadores e para suas famílias questões e situações novas e difíceis, que não têm solução imediata. Em boa parte dos casos, a esquizofrenia causa uma sensação de que não existem saídas para as enormes dificuldades enfrentadas. Buscar a superação é uma escolha e pode ser feita independentemente do estágio ou tempo que a doença apareceu. Confiar que ela é possível e procurar constantemente caminhos de melhora é a postura mais ade- quada diante dos desafios práticos que a esquizofrenia coloca. As solu- ções serão construídas por intermédio do aprendizado e das mudanças ao longo do tempo. Quando a esquizofrenia apareceu na vida de Gabriel, os familiares esperavam que ele superasse a situação “naturalmente”, como uma crise da adolescência. Mesmo depois de passar por um psiquiatra, ainda ficaram com dúvidas e não sustentaram o tratamento. Foi ne- cessário vencer essas dúvidas para que os tratamentos fossem efeti- vamente implementados. Muitas famílias não superam essa etapa e, em conseqüência, a pessoa com esquizofrenia fica muito tempo sem tratamento, o que contribui para deteriorar as relações familiares e determina uma pior evolução da doença. Depois da doença estabilizada, Gabriel resolveu parar os trata- mentos, e a família aceitou essa decisão. Como conseqüência, Gabriel teve uma recaída e precisou ser internado. Esse fato ensinou para a família e para Gabriel que não se pode descuidar dos tratamentos ou parar de tomar os remédios. Todos sofreram com essa experiên- cia, mas cresceram ao encontrar soluções para as questões práticas que passaram. Muitas pessoas com esquizofrenia têm várias recaídas porque param de tomar os medicamentos e não conseguem encontrar soluções como a que a família de Gabriel encontrou. 24
  • 25. Depois da internação, Gabriel passou mais de um ano fazendo um grande esforço para superar as dificuldades. Foi muito difícil para todos manter a esperança e aprender a aceitar as limitações que a esquizofrenia trouxe para a vida de Gabriel. De toda a forma, ao longo desse tempo, ele pôde contar com grande apoio da família e, aos poucos, foi conseguindo reencontrar um caminho em sua vida. Muitas pessoas com esquizofrenia e suas famílias desistem de tentar superar as dificuldades práticas quando não vêem melhora para a doença. A superação é um processo que cada pessoa e cada família cons- trói a partir da confiança de que há maneiras melhores de lidar com as situações e aprender com elas. Isso exige a aceitação das limita- ções impostas pela doença, mas também determinação, esperança e confiança nos recursos que se adquirem ao longo do caminho. Superar a esquizofrenia não significa conseguir que seus efeitos e sintomas desapareçam completamente, pois este é um evento raro e não se deve alimentar demais essa esperança. A superação se dá ao encontrar soluções práticas e cotidianas para melhorar o que é possível e procurar maneiras de ter uma vida com qualidade: essa é uma esperança realista e possível! 25
  • 26. Esperança realista Apresentamos neste livreto alguns temas que consideramos fundamen- tais para o convívio familiar. Procuramos mostrar que diante da esquizo- frenia, a superação é possível, mas para que ela aconteça, o aprendizado constante com as questões cotidianas da família é fundamental. A esquizofrenia é uma doença crônica, e como tal, necessita de cuidados contínuos. Uma diferença importante entre a esquizofrenia e outras doenças orgânicas é que nela não basta tomar as medicações ou fazer uma dieta para manter a doença sob controle. Além do cuidado medicamentoso, é necessário o cuidado das relações entre os membros da família, pois é a família que dá o suporte necessário para se alcançar estabilidade. No caso da esquizofrenia, como em todas as doenças crô- nicas, a qualidade de vida não é uma opção, é uma necessidade. Por meio de exemplos, apresentamos maneiras de aprender com as dificuldades e construir outras opções para lidar com as questões colocadas pela esquizofrenia. Para que haja a superação, é necessário manter uma esperança realista que permita a atitude de constante rea- valiação e o diálogo que refletirão numa melhora do ambiente familiar. Um bom convívio familiar pode ser alcançado quando seus membros conhecem as características da esquizofrenia. Isso permite que cada um trabalhe suas questões individuais de maneira a não estigmatizar, afastar ou culpar o portador por situações que ela não dá conta. A partir dessa perspectiva, os familiares vão sentindo-se capazes e à vontade para ajudar de fato nas questões prioritárias dos tratamentos da pessoa com esquizofrenia, formando, assim, um ambiente acolhedor. A experiência mostra-nos que a esquizofrenia não precisa ocupar o papel principal na vida das pessoas. Jorge, um dos autores desta série, passou pela experiência de identificar sintomas da esquizofrenia em tudo que lhe acontecia, isso virou uma forma de justificar as questões 26
  • 27. malresolvidas com sua própria vida. Ele precisou de anos para perceber que a doença não justifica muitas coisas de sua vida. Seguindo os tra- tamentos, aprendeu a avaliar em que a doença interfere em sua vida e como lidar com as limitações para minimizar seu impacto no dia-a-dia. Nesse percurso, o apoio de sua família foi fundamental para que esse aprendizado fosse amadurecendo com o tempo. Uma mudança de postura diante da esquizofrenia sempre é possí- vel, não importando a situação que se tenha vivido. Buscamos fornecer elementos para você, nosso leitor, pensar em maneiras de olhar suas questões pessoais. Esperamos ter trazido algumas contribuições que se tornem úteis em seu convívio familiar. 27
  • 28. A nossa intenção e a nossa motivação com essa série de livretos é contribuir para melhorar a vida das pessoas afetadas pela esquizofrenia e seus familiares. Nós, os autores, temos grande interesse em conhe- cer as suas opiniões e as suas experiências com a lei- tura, para isso mantemos abertos os seguintes canais de comunicação: Falta código http://www.proesq.cepp.org.br http://www.abrebrasil.org.br www.abrebrasil.org.br