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A CARTOMANTE
O conto se inicia com uma citação: "Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do
que sonha a nossa filosofia”. A intertextualidade com a obra shakespeariana já induz o leitor ao tema
da superstição, que, como veremos, passará pela implacável ironia machadiana.
Na cena de abertura, Rita conta a Camilo que, insegura sobre os sentimentos dele, consultara uma
Cartomante. O homem, envaidecido, sorri,cético a respeito de tais superstições.
Eis que o narrador onisciente introduz um flashback revelador: Rita era casada com Vilela, melhor
amigo de Camilo. Estamos, pois, diante da temática realista do adultério. Cabe observar o caráter
sedutor e leviano da mulher, pois foi durante o luto de Camilo pela perda da mãe que Rita se
aproximou e então...
“Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele,
envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou
atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi
curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!”
Assim,o narrador acentua o caráter imoral do relacionamento entre os amantes, tolos, mas
inescrupulosos.
“Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a
aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as
visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão
frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram
inteiramente.” [...]
Foi por esse tempo e por causa das ausências de Camilo que Rita foi à Cartomante. Outras cartas
anônimas “tão apaixonadas” como a primeira vieram aumentando o medo em Camilo, de que Vilela
viesse a descobrir tudo, enquanto a moça, vaidosa, pensou que as cartas só podiam ser “despeito de
algum pretendente”. Rita decidiu então levar as cartas para casa, no intuito de compará-las à caligrafia
das correspondências que chegassem para Vilela (observe que Rita levou as “provas do crime” para
casa).
Vilela passou a mostrar-se sombrio e o casal decidiu evitar temporariamente os encontros.Em seguida,
Camilo recebe um bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.". Atônito,
Camilo não sabe ao certo o significado daquelas palavras... se um chamado colérico do marido traído
ou um simples apelo do amigo. Curioso e angustiado, o rapaz decide ir logo à casa de Vilela, mas, no
meio do caminho... uma carroça caída interrompia o trânsito bem ao lado da casa da cartomante. Seria
o destino? Repare que Camilo tinha a opção de tomar outro caminho, mas prefere esperar e,
logo em seguida, decide ir consultar a profetisa.
"A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de
maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um
baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não
de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com
grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
— A mim e a ela, explicou vivamente ele."
Observe que a cartomante percebe a inquietação de Camilo e o induz a dizer indiretamente o
motivo da consulta, ou seja, não há nada de mágico no conto, como a citação de Hamlet nos
poderia fazer julgar.
A cartomante, enfim, diz ao cliente o que ele gostaria de ouvir, ou seja, que o outro não sabia de nada.
Aliviado, Camilo paga generosamente a consulta e vai imediatamente à casa de Vilela.
— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
"Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta
interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava
Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no
chão."
O desfecho trágico e ao mesmo tempo seco é a punição exemplar dos adúlteros, algo raro no
Realismo, cujas narrativas normalmente encerram com o triunfo dos imorais. Isso se explica pelo fato
de que no conto A Cartomante, a verdadeira questão a ser discutida vai além do adultério: a fraqueza
do caráter humano e a tendência a interpretar-se a realidade sempre conforme nossa própria
conveniência.

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  • 1. A CARTOMANTE O conto se inicia com uma citação: "Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”. A intertextualidade com a obra shakespeariana já induz o leitor ao tema da superstição, que, como veremos, passará pela implacável ironia machadiana. Na cena de abertura, Rita conta a Camilo que, insegura sobre os sentimentos dele, consultara uma Cartomante. O homem, envaidecido, sorri,cético a respeito de tais superstições. Eis que o narrador onisciente introduz um flashback revelador: Rita era casada com Vilela, melhor amigo de Camilo. Estamos, pois, diante da temática realista do adultério. Cabe observar o caráter sedutor e leviano da mulher, pois foi durante o luto de Camilo pela perda da mãe que Rita se aproximou e então... “Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!” Assim,o narrador acentua o caráter imoral do relacionamento entre os amantes, tolos, mas inescrupulosos. “Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente.” [...] Foi por esse tempo e por causa das ausências de Camilo que Rita foi à Cartomante. Outras cartas anônimas “tão apaixonadas” como a primeira vieram aumentando o medo em Camilo, de que Vilela viesse a descobrir tudo, enquanto a moça, vaidosa, pensou que as cartas só podiam ser “despeito de algum pretendente”. Rita decidiu então levar as cartas para casa, no intuito de compará-las à caligrafia das correspondências que chegassem para Vilela (observe que Rita levou as “provas do crime” para casa). Vilela passou a mostrar-se sombrio e o casal decidiu evitar temporariamente os encontros.Em seguida, Camilo recebe um bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.". Atônito, Camilo não sabe ao certo o significado daquelas palavras... se um chamado colérico do marido traído ou um simples apelo do amigo. Curioso e angustiado, o rapaz decide ir logo à casa de Vilela, mas, no meio do caminho... uma carroça caída interrompia o trânsito bem ao lado da casa da cartomante. Seria o destino? Repare que Camilo tinha a opção de tomar outro caminho, mas prefere esperar e, logo em seguida, decide ir consultar a profetisa. "A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe: — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto... Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo. — E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não... — A mim e a ela, explicou vivamente ele."
  • 2. Observe que a cartomante percebe a inquietação de Camilo e o induz a dizer indiretamente o motivo da consulta, ou seja, não há nada de mágico no conto, como a citação de Hamlet nos poderia fazer julgar. A cartomante, enfim, diz ao cliente o que ele gostaria de ouvir, ou seja, que o outro não sabia de nada. Aliviado, Camilo paga generosamente a consulta e vai imediatamente à casa de Vilela. — Desculpa, não pude vir mais cedo; que há? "Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão." O desfecho trágico e ao mesmo tempo seco é a punição exemplar dos adúlteros, algo raro no Realismo, cujas narrativas normalmente encerram com o triunfo dos imorais. Isso se explica pelo fato de que no conto A Cartomante, a verdadeira questão a ser discutida vai além do adultério: a fraqueza do caráter humano e a tendência a interpretar-se a realidade sempre conforme nossa própria conveniência.