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O DIREITO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL
Tédney Moreira da Silva (IC) e Hélcio de Abreu Dallari Jr. (Orientador)
Apoio: PIVIC Mackenzie


Resumo

Este artigo estuda o direito à saúde aos Povos Indígenas no Brasil, o que implica o reconhecimento
da extensão clara e imprescindível aos seus membros do direito fundamental de todo ser humano de
gozar e fruir uma vida saudável e digna, com atendimento às exigências de cura de doenças e
manutenção de hígidos estados físico, mental e social por serviços de saúde que assegurem o bem-
estar biológico, psicológico, social e espiritual dos indivíduos e coletividades, com respeito às
diferenças culturais incidentes, vez que intrínsecas à consciência dos povos originários como tais.
Entretanto, os problemas enfrentados pelas populações indígenas, no que toca ao acesso aos
serviços de saúde pública e aos mecanismos de cura de doenças e, mesmo, de saneamento básico,
são indissociáveis daqueles que também refletem outros processos de marginalização, como o
desrespeito aos seus direitos às terras, às línguas, às crenças e à própria existência. A presente
pesquisa, portanto, propõe-se à investigação da normatização do direito à saúde aos Povos
Indígenas no Brasil, por meio de breve levantamento histórico dos principais regramentos desde a
colonização das terras brasileiras, com o intuito de averiguar seu respeito à diversidade cultural
existente, bem como apontar as mudanças que se fizerem necessárias para a confluência
indispensável de paradigmas que caracterizam tanto a medicina científica (ou medicina convencional)
e a medicina indígena, no atendimento integral das populações indígenas no sistema público de
saúde.

Palavras-chave: direito à saúde, povos indígenas, etnomedicina


Abstract

This article studies the Indigenous Peoples’ right to health in Brazil, which entails the sheer recognition
of the clear and indispensable coverage of their members by the fundamental right of every human
being to having and enjoying life with health and dignity by meeting the demands for the cure of
diseases and maintaining healthy thus physical, mental and social state through health services that
assure the biological, psychological and spiritual well-being of the individuals and the collectivity with
respect to incidental cultural differences, which are inherent to the consciousness of the indigenous
peoples as such. In the meantime, the problems the indigenous peoples face in having access to
public health services and to the mechanisms of curing diseases and even to basic sanitary conditions
are unseparable of problems that also reflect other marginalization processes, such as the disrespect
for their right to land, language, beliefs and their own existence. This research, therefore, intends to
investigate the regulation of the Indigenous Peoples’ right to health in Brazil by a brief survey on the
history of the main rules since colonization of Brazil’s land, in order to look into the respect to the
existing cultural diversity and also to demonstrate the changes called for to the indispensible
confluence of paradigms charactirizing both the scientific medicine (or conventional medicine) and the
Indigenous medicine in the coverage of the Indigenous populations by the public health system.

Key-words: right to health, Indigenous peoples, ethnomedicine




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INTRODUÇÃO:

Considerado um direito social (ante sua natureza determinada pela segunda dimensão1 de
direitos humanos), o direito à saúde está garantido pela Constituição Federal da República
Federativa do Brasil, datada de 1988, em seu artigo 6º, caput2, devendo ser assegurado por
um conjunto integrado de ações do Poder Público e da sociedade, denominado seguridade
social.

E, nos termos expressos do artigo 196 da Constituição Federal, será o direito à saúde
garantido pela execução de políticas sociais e econômicas, com o intuito de reduzir o risco
de doenças e outros agravos, assim como o de possibilitar o acesso universal igualitário de
todos os jurisdicionados às ações e serviços que promovam, protejam e recuperem a saúde
lesada.

Pelas características de universalidade e equanimidade do acesso aos serviços e ações de
saúde, deverá o Estado identificar quais os mecanismos adequados às suas políticas
públicas, uma vez que difiram ante as características próprias de cada região ou mesmo
pelos preceitos, crenças e valores de seus destinatários. É a demanda costumeira das
populações indígenas no Brasil.

Por certo, muito embora se reconheça o direito à saúde como um direito fundamental, desde
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, são os povos indígenas e seus
membros, por vezes, excluídos de seus destinatários, uma vez que se encontram
submetidos a políticas públicas desiguais, que menosprezam os frutos de sua medicina
tradicional, abarcada esta por seu direito à diversidade cultural, bem como a opõem a uma
medicina convencional, desvinculada, no mais, das raízes étnicas que aquela definem.

Dado que os conceitos de saúde e debilidade relacionam-se à cosmovisão de cada povo, no
processo de elaboração de políticas públicas de saúde voltadas às comunidades indígenas
deve o Estado pautar-se pelo respeito à diversidade cultural que as caracteriza, buscando
antes uma pluralidade de mecanismos de prevenção, tratamento e recuperação da saúde


1
  Os direitos humanos (considerados, terminologicamente, direitos fundamentais, por doutrinadores alemães)
resultam de reivindicações e conquistas da sociedade civil organizada ante ingerências do Poder Público, como
limites à sua atuação diante de direitos considerados essenciais à existência e dignidade da pessoa humana. É
do pensador alemão NORBERTO BOBBIO a exposição dos direitos humanos em diferentes dimensões,
contrariamente às suas colocação e expressão em gerações, de uso corrente. Isto porque a idéia de gerações
poderia sugerir que umas sobrepõem às outras, seja pela ordem cronológica em que se apresentam, seja pela
importância dos eventos históricos que as determinaram. Falar-se em dimensões, por sua vez, sugeriria
exatamente o oposto: que os direitos humanos historicamente conquistados e determinados são simultâneos e
se interpenetram, não sendo excludentes, mas, antes, cumulativos. A segunda dimensão de direitos humanos
corresponde aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, constantes em grande parte dos
ordenamentos jurídicos hodiernos.
2
  Sua redação original é a que segue: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição”.


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que sua homogeneidade e indistinção. Cada um dos povos indígenas compreende, pelo
arcabouço cultural que os define, de maneira sui generis, o que seja uma existência
saudável, exigindo, conseqüentemente, um sistema de saúde específico ou, ao menos,
multifacetado.

Desta forma, a desvinculação dos programas de saúde estatais com os sistemas de saúde
tradicionais representa, simultaneamente, uma minoração da identidade étnica de seus
pacientes e infrutíferos resultados.

O estudo sobre a garantia e efetividade do direito à saúde no âmbito indigenista coloca
também outras dificuldades. Conceitos de saúde e enfermidades, de tratamentos médicos
convencionais ou terapêuticos confrontam-se constantemente e, geralmente, estabelecem
ao final como hegemônica tão-só a medicina científica (ou convencional), assim nomeado o
conjunto de conhecimentos teóricos e práticos, baseado em observações de relações de
causa e efeito, sob o qual amparamos nosso sistema de prevenção, diagnóstico e cura de
doenças, por meio de intervenções farmacológicas (químicas), clínicas e cirúrgicas, com
metodologias específicas.

Certo que muitas doenças que acometem as populações indígenas demandam um
tratamento próprio da medicina convencional, mas ainda para tais ocorrências o saber
medicinal tradicional é a primeira via de que se socorrem os enfermos, mesmo quando se
sabe, de antemão, tratar-se de doença de branco (expressão utilizada para referir-se, em
geral, às doenças cuja explicação foge à cosmovisão da coletividade e aos mecanismos de
cura tradicionais, advindas do contato com os brancos nas relações interculturais).

Com características demasiado antagônicas é que o saber medicinal das populações
indígenas é relegado aos estudos antropológicos, sendo pouco aproveitados nas políticas
públicas de saúde realizadas pelo Estado. Ao reduzir a importância e eficácia das práticas
médicas indígenas, reduz-se não só ainda mais sua identidade étnica como o próprio êxito
nas curas e sucesso das táticas de prevenção, posto que a cura está, na maior parte das
vezes, associada à cosmovisão da coletividade, numa relação harmônica entre o corpo e o
espírito, o indivíduo e a sociedade, o homem e a natureza.

Em verdade, as epidemias que constantemente abatem as populações indígenas são frutos
de processos de marginalização a que estão submetidas, pelo não reconhecimento de seus
direitos originários e demais direitos básicos, como o direito à vida, à dignidade e ao acesso
aos serviços públicos de qualidade. A exclusão social e a inobservância de direitos
fundamentais impedem o cumprimento integral de políticas públicas de saúde eficazes. É de
questionar, por sua vez, se tal ineficiência concerne a uma falha do sistema estatal adotado
ou, antes, constitui seu silente objetivo.



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Para empreender esta crítica, é necessário, primeiramente, delimitar nosso objeto de estudo
e os principais pontos antagônicos para sua discussão. Afinal, se o direito à saúde é
considerado um direito fundamental e, pois, universal, seus contornos, contudo, divergem
quando partimos da hegemônica cultura ocidental ou dos sistemas de saúde múltiplos
provenientes das diversas populações indígenas existentes. Do mesmo modo, faz-se
imprescindível uma apresentação do atual quadro dos povos indígenas no Brasil, uma vez
que versaremos sobre sujeitos de direitos peculiares.

Num segundo momento, realizamos breve estudo histórico da atuação do Estado brasileiro
junto a estas comunidades, desde o período colonial até os movimentos de
redemocratização do Brasil, que marcaram sobremaneira os trabalhos do legislador
constituinte de 1988, enaltecendo-se desta forma as dificuldades havidas nas etapas de
normatização, elaboração e execução de ações e serviços de saúde na contemporaneidade.
Debruçamo-nos, também, sobre a legislação indigenista do século XX, caracterizada por
certo evolucionismo spenceriano que predestinava os indígenas à extinção gradual,
integrando-os à sociedade nacional, com atuação do antigo SPI (Serviço de Proteção aos
Índios) e criação da FUNAI (Fundação Nacional do Índio).

Por fim, investigamos os modos hodiernos de atuação do Estado brasileiro na execução de
ações e serviços de saúde aos povos indígenas e o que requerem os seus movimentos
políticos organizados, bem como os movimentos indigenistas para melhor atendimento às
suas exigências.



REFERENCIAL TEÓRICO:

Uma vez que fora reconhecido, ao longo do século XX, que a autolimitação dos poderes do
Estado frente à autonomia e aos direitos civis e políticos dos indivíduos que o compõem não
era, por si, suficiente ao alcance de uma justiça social (pois que tal atuação negativa do
Estado o impedia de intervir nas relações entre particulares, ainda que injustas e desiguais),
outros direitos (denominados sociais, por sua abrangente incidência) passaram a ser
exigidos como verdadeiras prestações do Estado, na proteção do bem comum e na busca
da pacificação dos conflitos da complexa sociedade que se organizava. Desta forma,
diversos direitos trabalhistas, bem como o direito à educação, à segurança pública, à
previdência social, à preservação da cultura e do patrimônio público e, principalmente, o
direito à saúde, ingressaram em diversos textos constitucionais como seu centro orientador.

Assim, tão justiciáveis e exequíveis como os direitos humanos (ou fundamentais) de
primeira dimensão (sendo estes os que se referem às liberdades civis e políticas dos
indivíduos, conforme entendimento da doutrina liberal que marcou as revoluções burguesas


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em fins do século XVIII), os direitos sociais fizeram nascer a consciência da necessidade de
se salvaguardar a realidade social (além dos interesses individuais), pois que esta, mais rica
e aberta à “participação criativa” da personalidade dos seus componentes, possibilita
plenamente a densidade dos valores existenciais, sem os quais o indivíduo pereceria
(BONAVIDES, 2008).

De fato, no que concerne à saúde, os mecanismos de sua prevenção, tratamento e cura
são, por essência, moldados pela sociedade e conduzidos em consonância à valoração que
se faz da vida e da morte, da higidez e da doença, das causas desta, efeitos e suas
reparações possíveis, afirmando-se, então, ser a medicina parte da cultura de um povo
(IIDH, 2006).

Em sociedades pluriculturais como a brasileira, marcadas pela comunhão de povos
originários3 e conquistadores, faz-se a distinção corrente entre a medicina tradicional e a
medicina científica (ou convencional), segundo os métodos e especificidades que as
caracterizam.

A primeira, como conjunto de conhecimentos, práticas e crenças duma coletividade,
suportada pela existência de agentes promotores da saúde, que assim são reconhecidos
socialmente, e pela utilização de ervas medicinais e outros tratamentos terapêuticos
singulares, é solicitada e afirmada pela própria comunidade como válida e suficiente, uma
vez que nela confia a sorte das enfermidades que a cometem. Tais doenças, ademais,
possuem uma conotação cultural, pois que vinculadas aos preceitos e valores que
fundamentam a existência da coesão social. Significa dizer que são as doenças, para a
medicina tradicional, geradas a partir da quebra do equilíbrio entre o corpo e o espírito, a
sociedade e a natureza ou entre a conduta e a moralidade. A cura do enfermo, desta sorte,
corresponde ao restabelecimento deste “Todo” que, por algum modo, fora rompido,
questionado ou ameaçado, cabendo, por vezes, a toda coletividade sua atuação positiva em
busca da extirpação dos males sofridos.

Por sua vez, a medicina científica analisa o enfermo não em sua “totalidade” (como pessoa
– corpo/espírito – integrada ao meio e à moralidade apreendida), mas em seu aspecto
fragmentário, específico, ou seja, busca as causas dos efeitos nocivos que enxerga, de

3
  A utilização de expressões tais como sociedades primitivas, originárias e mesmo sociedades indígenas, desde
já, coloca-nos a dificuldade lingüística intrínseca para se versar seriamente sobre tais comunidades, respeitando-
se, pois, suas organizações política, econômica, cultural e social. Isto porque todas elas estão eivadas de certo
evolucionismo que dispõe as sociedades em graus de desenvolvimento diversos, tendo-se o último patamar
(mais elevado) representado pela civilização ocidental da qual fazemos parte. Ainda, esta qualificação
generalizante suprime a diversidade existente, nivelando todas as sociedades por características que são tão-
somente circunstancialmente semelhantes. Superada, entretanto, a discriminação que poderia provir destas
expressões, utilizá-las-emos em consonância à escrita costumeira e ao discurso político tradicional que se
deseja investigar.


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modo superficial e físico, por seção corporal, para, uma vez identificadas razões da doença,
nelas se debruçar, restaurando o equilíbrio rompido. Seus métodos de cura são o emprego
de teorias científicas aliadas à utilização de tecnologias farmacológicas, clínicas e cirúrgicas,
tornando o corpo humano seu objeto de intervenção.

Enquanto o núcleo de interesse médico da medicina tradicional é integral e profundo,
procurando por explicações espirituais e morais para a cura plena dos enfermos, na
medicina científica as atenções convergem às causas isoladas, não havendo integração
entre médicos (assim habilitados) para o tratamento dos indivíduos, salvo se os efeitos da
causa da doença refletirem noutras “áreas” do saber medicinal convencional, reclamando
um tratamento “em conjunto” (IIDH, 2006).

Em virtude destas disparidades de metodologia e de entendimento sobre os limites da cura
e da doença, é que inúmeras são as dificuldades enfrentadas pelas políticas públicas no
atendimento às demandas por saúde das populações indígenas, amparadas pelo saber
tradicional que lhes dá identidade e coesão ao grupo, uma vez que, quando aplicadas, o são
de forma desconhecedora das peculiaridades da medicina tradicional de seus destinatários
ou em desrespeito a valores outros que não se dissociam do restabelecimento integral da
saúde ao enfermo.

Em outras palavras, todo o bojo da medicina tradicional resta ignorado pelos agentes de
saúde do Estado, como prestadores de um serviço público, em geral, orientados e formados
por conceitos e métodos da medicina convencional. Se não for ignorado, é afastado ou
desrespeitado por insuficiente ou ineficaz ante a modernidade técnica e o aperfeiçoamento
das teorias científicas da sociedade civilizada (IIDH, 2006).

Estas considerações encontram respaldo em razões político-filosóficas ultrapassadas (ao
menos, às academias): as sociedades indígenas e seus valores (como o saber medicinal)
são tidas por refratárias, atrasadas na evolução das sociedades humanas, primitivas – pois
que representariam o estágio inicial de organização de toda a humanidade – e inexperientes
aos desafios próprios da vida e da coexistência, como a formulação de sistemas de saúde
ou mesmo às próprias organizações política e econômica. Diante da evoluída sociedade
civilizada (em oposição à selvageria e barbárie que definiriam aqueles povos), seus métodos
e explicações não desencantadas do mundo – o que, do contrário, sugeriria uma
racionalidade própria da modernidade ocidental – são, por essência, insatisfatórios ou, em
termos de um evolucionismo biológico aplicado às sociedades, “infantis” (RIBEIRO, 1993).

Ademais, em fins do século XIX, diante da expansão das conquistas políticas, econômicas e
tecnológicas inspiradas pelo auge do racionalismo europeu e por descobertas científicas
que conduziriam ao positivismo e evolucionismo como explicações também extensíveis aos



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agrupamentos humanos, os indígenas e seus saberes foram sendo, paulatinamente,
degradados como partícipes de somenos importância à sociedade e suas conquistas.

Neste sentido foram as conclusões de Von Martius4, para quem os indígenas reuniam, em
sua natureza, simultaneamente, as deficiências pertinentes à infância e à senilidade:



                            Permanecendo em grau inferior da humanidade, moralmente, ainda na
                            infancia, a civilização não o altera, nenhum exemplo o exita e nada o
                            impulsiona para um nobre desenvolvimento progressivo. Assim parecendo
                            estar ainda na minoridade, a sua incapacidade para o progresso assimilha-o
                            a um velho estacionario; reune, pois, em si os polos appostos da vida
                            intellectual.
                            Este estranho e inexplicavel estado do indigena americano até o presente,
                            tem feito fracassarem todas as tentativas para concilial-o inteiramente com
                            a Europa vencedora e tornal-o um cidadão satisfeito e feliz. E é
                            exactamente nesta sua natureza dupla que a sciencia encontra a maior
                            difficuldade para esclarecer a sua origem e determinar na epoca da historia
                            antiga a que elle, ha millenios pertence, sem comtudo ter progredido.
                                     5
                            (1938?)



Para Teixeira de Sousa e Sousa Lima, inspirados pela medicina convencional e pelo
evolucionismo spenceriano que, aos poucos, se organizava e ganhava adeptos em nosso
País, as “sciencias medico-pharmaceuticas” indígenas deveriam corresponder ao seu grau
de evolução fetichista, assim resumindo os autores suas práticas e tendências:



                            A mentalidade do selvagem não ascende além da capacidade de especular
                            sobre o conjunto das existências materiaes. No homem primitivo, como na
                            nossa infancia individual, o sentimento da personalidade exterioriza-se e
                            transporta-se á natureza inteira, de modo que só se concebem existindo
                            fórmas de vida, não sendo a propria morte sinão uma continuação da vida
                            sob novas fórmas. Tudo que ao contemplador primitivo se afigurava de
                            extranho aspecto, como o phenomeno negativo da sombra, ou se
                            denunciava em rapidas e raras apparições, como o raio e certos meteoros,
                            o emocionava e enchia de supersticioso pavor. Similhante estado mental
                            sobrevive não só na infancia, mas egualmente nos emotivos chocados por
                            accidentes extraordinários ou por fortes agitações moraes. (1901)



Por esta razão e outras, é que velada ou abertamente se propugnava pela extinção dos
povos indígenas, pois que considerados inservíveis à nação brasileira que, formalmente, se

4
  Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), botânico alemão, integrou a missão científica enviada ao Brasil
pelos governos austríaco e bávaro, por ocasião da vinda da duquesa Leopoldina, noiva do futuro Imperador D.
Pedro I. Percorreu, durante três anos, as terras brasileiras, chegando ao Rio de Janeiro em julho de 1817. Dentre
suas obras encontra-se a Reise nach Braesilien (“Viagem ao Brasil”), em que relata seu convívio com os povos
indígenas, incluindo índios antropófagos no interior do sertão.
5
 Mantivemos a grafia original desta e doutras obras pesquisadas, apenas alterando-a quando imprescindível ao
entendimento, preservando-se a escrita das fontes.


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constituía por meio da adoção do regime republicano, em 1889 (CARNEIRO DA CUNHA,
1987). Motivado por esta visão é que o diretor do Museu Paulista, Hermann Von Ihering,
publicaria na Revista Museu Paulista, volume VII, a seguinte nota:



                       Os actuaes indios do Estado de S. Paulo não representam um elemento de
                       trabalho e de progresso. Como tambem nos outros Estados do Brazil, não
                       se pode esperar trabalho sério e continuado dos indios civilisados e como
                       os Caingangs selvagens são um impecilio para a colonização das regiões
                       do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa
                       lançar mão, senão o seu extermínio. (1908 apud ALMEIDA, 1908).



Em sentido oposto, no entanto, foram os esforços do Estado pela adoção de uma política
protetora aos povos indígenas, com respeito à sua integridade física, embora de caráter
assimilacionista, que considerava inevitável o gradual abandono de suas culturas para
integração à sociedade nacional circundante.

A principal contribuição à sua salvaguarda, entretanto, de caráter positivista, proveio da
intervenção humanitária de Cândido Mariano da Silva Rondon. Convocado para compor a
comissão construtora de linhas telegráficas, com a missão de conectar o Rio de Janeiro, já
ligado à capital de Mato Grosso, com os territórios de Goiás, Amazonas e Acre
(ROQUETTE-PINTO, 1935), coibia, à medida que avançava, ataques aos povos indígenas
que encontrava.

No governo de Afonso Pena (1906-1909), Rondon foi convocado para ligar o Acre ao
Cuiabá. Ampliando suas funções, tornou a nova expedição telegráfica (desta feita conhecida
como Comissão Rondon), também uma expedição científica, reunindo o maior número
possível de dados geográficos, botânicos, antropológicos e zoológicos.

Como resposta, ainda, à pretensão de extermínio dos indígenas anteriormente aventada por
von Ihering, e às acusações de massacres realizados pelo Estado brasileiro, proferidas no
XVI Congresso de Americanistas, em 1908, na Áustria, foi criado o Serviço de Proteção aos
Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910, por força do Decreto
nº. 8.072, de 20 de junho daquele ano (LIMA, 2006). Inicialmente destinado à capacitação
dos indígenas para mão de obra rural (considerando que o SPILTN fora submetido ao
Ministério da Agricultura), o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), assim caracterizado por
força da Lei Orçamentária 3.454, de 06 de janeiro de 1918, também tinha por meta o
atendimento médico das populações indígenas, conforme realizada a assimilação.




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                                                   Figura 1.




Telegrama enviado pela Comissão Rondon, em 10 de maio de 1919, à Faculdade de Medicina do Estado de São
Paulo, solicitando a integração à equipe do Dr. Guilherme Milvard, então professor daquela instituição de ensino.
 A expedição ficou marcada por ser o primeiro contato de caráter pacifista com as populações indígenas, com a
          atuação fulcral de MARECHAL RONDON (Fonte: Acervo do Arquivo do Estado de São Paulo).



Eis o que nos informava Luís Bueno Horta Barbosa, então inspetor do SPI, para quem “(...)
os variados e dolorosos padecimentos morais e práticos que os afligem: a desorganização
das famílias, a degradação das mulheres, o alcoolismo, as doenças mortíferas e
repugnantes, a miséria física e por fim a morte” proviriam de sua condição “tribal”, uma vez
que os povos indígenas não teriam recebido “(...) suficiente amparo da ordem social em cujo
seio vivem, por ainda não terem atingido a inteira e indispensável assimilação da
mentalidade correspondente” (1947).

Grande parte das doenças que acometiam as populações indígenas de modo letal adveio do
contato estabelecido com os conquistadores. Em fins de 1563, por exemplo, em Salvador
(na capitania real da Bahia), a varíola provocou a morte de 500 mil índios, somados aos 30
mil indígenas que no ano anterior, em apenas três meses, faleceram pela disseminação de
uma peste vinda de Portugal (CIMI, 2001).

As epidemias desconhecidas dos indígenas, como gripe, sarampo e bexiga, são apontadas
com freqüência como a principal causa de sua elevada mortandade nos escritos de jesuítas,
no período colonial. No decorrer do século XX, esta realidade não se alteraria.




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                       A restrição territorial, o impacto ambiental provocado pelos projetos
                       desenvolvimentistas promovidos pelo governo nacional, e a inserção
                       crescente no mercado regional impõem transformações nas formas de
                       subsistência dos grupos indígenas do Brasil. Atividades como a caça, a
                       coleta e a pesca – muitas vezes realizadas através de um padrão
                       seminômade de ocupação territorial – são prejudicadas com o sedentarismo
                       em áreas restritas. Muitos grupos caçadores-coletores têm de abandonar
                       parcial ou totalmente sua forma tradicional de produção de alimentos, o que
                       leva a uma redução na variabilidade alimentar e a uma maior dependência
                       de produtos industrializados. O consumo inadequado de alimentos
                       introduzidos pós-contato, como açúcar, refrigerante, biscoitos e todos os
                       carboidratos processados, associados às mudanças no estilo de vida
                       dessas populações, têm provocado o surgimento de doenças crônico-
                       degenerativas, características do mundo moderno, como obesidade,
                       hipertensão e diabetes, inexistentes nestas populações há poucas décadas
                       (ARANTES, 2008).



Era a continuação de um diálogo entre indígenas e não-indígenas que, em geral, resultava
na dissolução dos povos, pelo assassínio de seus membros ou pela degradação de seus
valores e costumes, em nome de um ideal integracionista. O contágio de doenças, desta
forma, realizava-se por vezes com propósitos calculados. Assim, quando os Canela
decidiram confraternizar-se com os civilizados contra outro subgrupo Timbira em troca de
roçados e campos de caça financiados pelo Governo – e estes recursos faltaram – a
solução finalmente veio:



                       (...) o plano era atrair os índios para a vila de Caxias, então atacada por
                       uma epidemia de bexiga, a pretexto de uma nova guerra contra outra tribo
                       Timbíra. Uma vez ali, as bexigas dariam cabo deles. Os índios deixaram-se
                       enganar, atendendo ao chamamento. Em Caxias, durante vários dias nada
                       lhes foi dado para se alimentarem e quando, premidos pela fome, quiseram
                       colher legumes nas roças vizinhas da vila, caiu sobre eles todo o peso de
                       uma punição premeditada. Foram presos e espancados, inclusive mulheres
                       e crianças e dentre elas a esposa do principal chefe da tribo que, ao
                       reclamar contra este tratamento, foi também fustigado. (RIBEIRO, 1993)



O SPI foi extinto por força dos inúmeros relatos de corrupção, bem como pela ocorrência de
grandes carnificinas de povos indígenas inteiros, como aquele conhecido por “Massacre do
Paralelo 11”, em que os Cintas Largas, que atualmente habitam os Estados de Mato Grosso
e Rondônia, foram dizimados pela ação de pistoleiros mediante a paga de interessados na
ocupação de suas terras, com participação de funcionários públicos daquele órgão.

O órgão tutor dos povos indígenas foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
criada pela Lei ordinária nº. 5.071, de 05 de dezembro de 1967. Além desta medida, foi
adotado o Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/1973) que, mantendo o ideal integracionista do
órgão substituído, declarou que teriam direito aos mesmos meios de proteção à saúde que



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se facultassem aos não-indígenas (comunhão nacional)6. As dificuldades de atendimento
satisfatório às reivindicações das populações indígenas, no entanto, persistiriam, ainda que
alterada estivesse a estrutura do novo órgão tutor.

Os povos indígenas são marcados pela habitual mortandade, violência e mesmo pela
prostituição de crianças e suicídios, como fuga da miséria. Entre os Caiuás (que designa
tanto os Guarani-Kaiowá como os Guarani-Ñandeva), localizados em grande parte em
Dourados (MS), a desnutrição infantil e o alcoolismo são suas maiores máculas, reduzidas
pelo fornecimento de cestas básicas realizado pelos governos estadual e federal. No início
do ano de 2007, entretanto, após a suspensão de distribuição de 11 mil cestas de alimentos
pelo governo estadual, seis mortes foram relacionadas à desnutrição, somadas às 47
crianças indígenas, menores de quatro anos de idade, que de 2005 até fevereiro daquele
ano padeceram de idêntica sorte (CORREA, 2007).

Sem se alterar este quadro, em março de 2009, nos termos do artigo 50, §2º, da
Constituição Federal (CF), a Mesa da Câmara dos Deputados encaminhou ao então Ministro
de Estado da Justiça, Tarso Genro, Requerimento de Informação (RIC 3.793/2009) sobre
oito toneladas de fubá e feijão que, destinados a compor as cestas básicas das populações
Caiuás e Terena, em Mato Grosso do Sul, tiveram o prazo de validade vencido antes de
serem entregues por agentes da FUNAI.



                             Se no início do século passado os grandes vilões que ameaçavam a
                             integridade dos povos indígenas foram os vírus e bactérias trazidos pelos
                             não-índios, na atualidade, as grandes ameaças são as transformações
                             socioambientais às quais eles estão sendo submetidos desde a segunda
                             metade do século XX até agora, início do século XXI. A restrição territorial e
                             a adoção de novos regimes econômicos têm levado os povos indígenas a
                             drásticas alterações nos sistemas de subsistência, ocasionando
                             empobrecimento e dificuldade de sustentabilidade alimentar, muitas vezes
                             com sérias conseqüências para a saúde dos grupos indígenas nacionais
                             (ARANTES, 2008)..



As mudanças efetivas em prol da concretização do direito à saúde aos povos originários
ocorreriam após a aprovação da “Lei Arouca”7 (nº 9.836/99) pelo Senado Federal, que criou
o “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena”, no Capítulo V, incluído na Lei nº 8.080 de
1990, que deu diretrizes à formulação do Sistema Único de Saúde (SUS).




6 Literalmente: “Art.54. Os índios têm direito aos meios de proteção à saúde facultados à comunhão nacional.
Parágrafo único. Na infância, na maternidade, na doença e na velhice, deve ser assegurada ao silvícola
especial assistência dos poderes públicos, em estabelecimentos a esse destinados”.
7
    O nome foi dado em homenagem ao autor do Projeto de Lei, então Deputado Federal Sérgio Arouca.


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Por meio da “Lei Arouca”, o atendimento às demandas pela efetivação da saúde indígena foi
atribuído à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão executivo do Ministério da Saúde.
A transferência dos recursos humanos e demais bens da FUNAI, voltados à prestação de
serviços de saúde aos povos indígenas, para a Funasa, foi possível graças à edição da
Medida Provisória nº 1.911-8, de 29 de julho de 1999.

Também o Decreto nº 3.156/1999 determinou as condições de atendimento daqueles povos
no âmbito do SUS. Na formulação de políticas públicas de saúde devem ser reconhecidas
as especificidades da cultura dos povos indígenas atendidos, bem como sua realidade local,
garantindo-se, de todo modo, o acesso dos seus membros ao Sistema Único de Saúde8.

A base do “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena” (de caráter descentralizado,
regionalizado e hierarquizado, como o SUS) são os “Dseis – Distritos Sanitários Especiais
Indígenas”. Estende-se aos povos indígenas atendidos a possibilidade de participação nos
organismos colegiados (como o Conselho Nacional de Saúde, ou conselhos estaduais e
municipais, quando o caso) para formulação, acompanhamento e avaliação de políticas
públicas de saúde (Funasa, 2009).

A Funasa busca cumprir sua missão institucional por meio da criação e manutenção de
“Cores – Coordenações Regionais”, totalizando 26 (vinte e seis) em todos os Estados-
membros. Às Coordenações compete a administração do patrimônio e de recursos
humanos, bem como a realização de licitações para compra de insumos que tornem
possível a assistência à saúde. Oferecem, também, assistência jurídica aos Dseis (Funasa,
2009).

Além de ambos os órgãos, há o “Desai – Departamento de Saúde Indígena”, como gestor
central do “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena”, cabendo-lhe desenvolver atividades
que dêem coesão àquelas dos Dseis, observando, sempre, a Política Nacional de Atenção
à Saúde dos Povos Indígenas.

Compete-lhe, também, assegurar-lhes a saúde considerando seu perfil epidemiológico e as
condições sanitárias em que se apresentam, executando suas metas de modo coordenado
ao “Densp – Departamento de Engenharia de Saúde Pública” no âmbito da Funasa
(Funasa, 2009).

Além de atender às demandas específicas das populações indígenas no que toca à
prevenção, tratamento e cura de doenças que lhes afetam, cabe à Funasa, por meio de

8
  É o que dispõe o artigo 19-F da Lei nº. 8.080/1990, com redação dada pela Lei nº. 9.836/1999, cuja transcrição
é a que segue: “Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as
especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que
se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde,
saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração
institucional”.


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seus órgãos auxiliares, a realização de atividades educativas quanto às medidas de
saneamento básico e prevenção de outras moléstias.

                                                   Figura 2.




Fonte: Páginas da cartilha “A cura de nossa aldeia”. Criação: Ziraldo. Arte-final: Miguel Mendes, Fábio Ferreira,
                    Charles Bertho, Ferreth, Vanderlei Soares e Marco Antonio J. Ferreira.
                    Direitos autorais: Ministério da Saúde – Fundação Nacional de Saúde.



Por fim, embora não seja precisa a estimativa de quantos os indígenas e seus povos que
habitam o Brasil, podemos, na atualidade, referir-nos à existência de, ao menos, 232 povos
indígenas no Brasil, somando quase 600 mil indivíduos, falantes de mais de 180 línguas
indígenas contemporâneas (embora se faça, correntemente, menção a 190 línguas),
distribuídos pelas 645 Terras Indígenas (em diferentes etapas do processo demarcatório) e
capitais de todo o País. Só na Amazônia Legal vivem 60% dos indígenas, não havendo um
censo exato sobre os habitantes dos centros urbanos (ISA, 2011).

Tendo em vista um passado (recente) de dizimações e completo desconhecimento de suas
necessidades, como grupos social, política, econômica e culturalmente diferentes do que se
convencionou denominar como a “sociedade nacional” – e, principalmente, considerando os
elevados índices de mortalidade e miserabilidade que caracterizam sua existência – é a
presente pesquisa orientada à averiguação da eficácia (e eficiência) das medidas adotadas
pelo Estado na concretização de seu direito à saúde, com vistas a elucidar se o caminho
seguido, já em suas bases, apresenta ou não possibilidade de sucesso.




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MÉTODO:

Nossa hipótese inicial de pesquisa foi orientada pela persecução do ideário integracionista,
ainda marcante na legislação indigenista brasileira, nas políticas públicas desenvolvidas
pelo Estado na efetivação do direito à saúde. Em que pese a mudança de sentido operada
pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 231 e 232, principalmente, guiada que
está pela preservação de direitos originários e em respeito à diversidade cultural dos
sujeitos de direitos indígenas, na prática os desafios enfrentados ao adequado atendimento
das demandas indígenas e indigenistas (incluindo-se, aí, aquelas relacionadas à prevenção,
recuperação e promoção da saúde) dão-se como fruto ainda daquela visão assimilacionista,
que não estende aos indígenas e suas comunidades o direito à alteridade, à diferença. Seus
métodos de saúde são considerados insuficientes e improfícuos para a mantença ou
restauração da higidez lesada e, pois, afastados ou desconhecidos pelos agentes de saúde
estatais, aplicando-se-lhes medidas outras não só avessas, por vezes, à sua cosmovisão e
valores essenciais, mas às necessidades mesmas enfrentadas. Além desta dificuldade de
tratamento com a diversidade cultural, outra, mais premente, impede um efetivo acesso à
saúde: a falta de assistência adequada pela ineficiência do sistema de saúde pública.

Partindo desta tese, fizemos, primeiramente, um levantamento bibliográfico sobre o tema,
apontando as diferenças essenciais entre a medicina tradicional e a medicina científica (ou
convencional), conforme apontado. Por meio do contato com a bibliografia etnográfica e
jurídica sobre o tema seria possível identificar se os estudos empreendidos no direito à
saúde indígena prevalecia uma orientação integracionista (como a do Estatuto do Índio) ou
voltada à salvaguarda do aspecto pluricultural que constitui o Brasil.

Cotejando seus conceitos com as políticas públicas adotadas pelo Estado, pudemos
confirmar, como adiante se exporá, que a “Lei Arouca” e doutros regramentos similares, de
fato, transformaram o modo de encarar as demandas por saúde das populações indígenas,
em consonância à Constituição Federal, embora, ao mesmo passo, continuem a enfrentar
resistências na sua aplicação e execução de seus projetos.

A modificação de orientação da legislação relacionada ao direito à saúde dos povos
indígenas, reconhecendo-lhes a diversidade cultural ínsita, fez com que reconhecêssemos,
também no âmbito da academia jurídica, uma alteração de visão sobre a diversidade
cultural, em respeito a ela. O confronto, entretanto, desta primeira conclusão com as
dificuldades ainda persistentes na prática da execução dos serviços públicos de saúde, fez
com que prescindíssemos de uma pesquisa a campo, visitando Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (Dseis) para, acompanhando suas tarefas, apreender os obstáculos a
serem superados.



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Em visita realizada entre os dias 01º e 15 de fevereiro de 2011 à região do Alto Rio Negro,
no Estado de Amazonas, tivemos a oportunidade de conhecer dois Dseis, cada qual
localizado em dois Municípios do extremo noroeste do Estado brasileiro: Barcelos e São
Gabriel da Cachoeira.

No Dsei localizado em Barcelos/AM, destinado ao atendimento das populações indígenas
Baré, Tariana, Baniwa,Tucana e Yanomami, em sua grande maioria, a falta de medicamento
exigível, de alimentos e de agentes de saúde especializados impedia a execução plena dos
serviços propostos, sendo o Dsei auxiliado por organizações da sociedade civil ou por
doações dos próprios moradores da região. É o que nos compartilhou João Silvério Dias,
encarregado de colher dados qualificativos dos assistidos, para seu registro junto aos
órgãos da FUNAI e Funasa.

Embora não tivéssemos tido acesso às instalações do Dsei de São Gabriel da Cachoeira ou
aos seus responsáveis, a falta de vacinas foi uma das constantes reivindicações dos
moradores da região, considerando que mais de 90% (noventa por cento) da população
daquele Município é composta por indígenas, assim identificados junto ao Censo, 2010.



                                             Figura 3.




                           Entrada de Dsei em São Gabriel da Cachoeira,
                          na região do Alto Rio Negro/AM (Arquivo pessoal)



RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Realizada a pesquisa bibliográfica e as visitas a campo, obtivemos os seguintes resultados.

Os povos indígenas contam com uma primeira dificuldade à concretização plena do seu
direito à saúde: seus valores, métodos e saberes medicinais são apartados dos serviços
públicos aplicados e voltados à sua assistência.


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É preciso que, desde já, se esclareça que tão fundamental quanto o direito à saúde é o
direito às diversidades cultural, social, política e econômica que, em conjunto, atribuem uma
identidade aos grupos indígenas, singularmente considerados, de forma que o respeito à
sua cosmovisão e ao efetivo acesso aos serviços públicos de saúde devem ser equiparados
em todas as fases de sua realização.

Entretanto, como dissemos, a “Lei Arouca” e doutros regramentos de mesma orientação
representaram importante passo na adequação dos serviços de saúde às necessidades
reais enfrentadas pelos diversos grupos indígenas, pois estende-lhes a possibilidade de
participação na adoção e execução das medidas pertinentes, além de estruturá-las em
conformidade ao Sistema Único de Saúde – outra importante conquista à saúde pública
como um todo. Isto afasta, em termos legais, a orientação integracionista ainda presente no
Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/1973).

A principal contribuição deste conjunto de leis, no entanto, foi reconhecer a imprescindível
necessidade de respeito às peculiaridades de cada grupo populacional, visando a obtenção
de melhores resultados. As dificuldades, portanto, são de caráter político, pois, como
pesquisado em dois Municípios da região do Alto Rio Negro (AM), marcadamente indígena,
a falta de medicamentos, vacinas e agentes de saúde especializados, prejudica a plenitude
e eficiência dos serviços propostos.

Outro empecilho à efetivação plena do direito à saúde dos povos indígenas está nos
conflitos internos, de ordem institucional, do Ministério da Saúde. Assinalando para a criação
futura de uma Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena em substituição à atuação
da Funasa, a vontade política concreta para empreender melhorias se torna cada vez mais
improfícua. Isto revela que, embora a legislação e o discurso político tenham abandonado o
(antigo) ideal asssimilacionista e a visão dos povos indígenas como inferiores e primitivos
para a organização e mantença de sua própria existência, a vontade do Estado, externada
por seus diversos agentes públicos e pela prestação ineficiente de serviços, revela-se
consoante àqueles paradigmas, o que impede, por si, a concretização do direito à saúde e
de quaisquer outros direitos fundamentais ou originários.



CONCLUSÃO:

Os povos indígenas no Brasil enfrentam, como maior obstáculo ao acesso aos serviços
públicos (e, num plano maior, à concretização de direitos fundamentais), o etnocentrismo do
Estado, avesso às reivindicações por respeito ao seu direito à diversidade, ainda que no seu
discurso político e jurídico, em caráter simbólico, demonstre ser favorável a ele.




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O direito à saúde, como direito fundamental, também se aplica aos povos indígenas (pela
simples condição de humanidade que, por obviedade, lhes pertence), mas deve ser
sopesado ante as diferenças culturais e às reais necessidades exigidas, sob pena de ser
mera falácia.

Somente cientes destas especificidades será possível traçar políticas públicas que garantam
o direito à saúde e respeitem a diversidade cultural dos povos indígenas atendidos, tornando
fruto dum passado que não mais se pretende viver os versos de D. Pedro Casaldáliga
(responsável pela realização, em 1980, de uma simbólica missa nas ruínas de São Miguel
(RS), em memória dos povos indígenas massacrados):



                      Eu sou América,
                      Sou o Povo da Terra,
                      da Terra-sem-males,
                      o Povo dos Andes,
                      o Povo das Selvas,
                      o Povo dos Pampas,
                      o Povo do Mar...
                      (...)
                      Eu era a Saúde dos olhos,
                      penetrantes como flechas,
                      dos ouvidos atentos,
                      dos músculos harmônicos,
                      da alma em sossego.

                      E nós te mergulhamos
                      nos vírus, nos bacilos,
                      nas pestes importadas.
                      teu povo reduzimos
                      a um Povo de doentes,
                      a um Povo de defuntos.


REFERÊNCIAS:

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ARANTES, Rui. Transformações socioambientais, suas repercussões para a saúde dos
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pharmaceuticas. In: Livro do Centenário (1500-1900). Vol. II. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1901.

VON   MARTIUS, Carlos Frederico. O Direito entre os indigenas do Brasil. Trad. Amaral Gurgel.
São Paulo: Edições e Publicações Brasil, [1938?].




Contato: tedneyms@yahoo.com.br e hadallari@uol.com.br




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Tedney moreira

  • 1. Universidade Presbiteriana Mackenzie O DIREITO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL Tédney Moreira da Silva (IC) e Hélcio de Abreu Dallari Jr. (Orientador) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo Este artigo estuda o direito à saúde aos Povos Indígenas no Brasil, o que implica o reconhecimento da extensão clara e imprescindível aos seus membros do direito fundamental de todo ser humano de gozar e fruir uma vida saudável e digna, com atendimento às exigências de cura de doenças e manutenção de hígidos estados físico, mental e social por serviços de saúde que assegurem o bem- estar biológico, psicológico, social e espiritual dos indivíduos e coletividades, com respeito às diferenças culturais incidentes, vez que intrínsecas à consciência dos povos originários como tais. Entretanto, os problemas enfrentados pelas populações indígenas, no que toca ao acesso aos serviços de saúde pública e aos mecanismos de cura de doenças e, mesmo, de saneamento básico, são indissociáveis daqueles que também refletem outros processos de marginalização, como o desrespeito aos seus direitos às terras, às línguas, às crenças e à própria existência. A presente pesquisa, portanto, propõe-se à investigação da normatização do direito à saúde aos Povos Indígenas no Brasil, por meio de breve levantamento histórico dos principais regramentos desde a colonização das terras brasileiras, com o intuito de averiguar seu respeito à diversidade cultural existente, bem como apontar as mudanças que se fizerem necessárias para a confluência indispensável de paradigmas que caracterizam tanto a medicina científica (ou medicina convencional) e a medicina indígena, no atendimento integral das populações indígenas no sistema público de saúde. Palavras-chave: direito à saúde, povos indígenas, etnomedicina Abstract This article studies the Indigenous Peoples’ right to health in Brazil, which entails the sheer recognition of the clear and indispensable coverage of their members by the fundamental right of every human being to having and enjoying life with health and dignity by meeting the demands for the cure of diseases and maintaining healthy thus physical, mental and social state through health services that assure the biological, psychological and spiritual well-being of the individuals and the collectivity with respect to incidental cultural differences, which are inherent to the consciousness of the indigenous peoples as such. In the meantime, the problems the indigenous peoples face in having access to public health services and to the mechanisms of curing diseases and even to basic sanitary conditions are unseparable of problems that also reflect other marginalization processes, such as the disrespect for their right to land, language, beliefs and their own existence. This research, therefore, intends to investigate the regulation of the Indigenous Peoples’ right to health in Brazil by a brief survey on the history of the main rules since colonization of Brazil’s land, in order to look into the respect to the existing cultural diversity and also to demonstrate the changes called for to the indispensible confluence of paradigms charactirizing both the scientific medicine (or conventional medicine) and the Indigenous medicine in the coverage of the Indigenous populations by the public health system. Key-words: right to health, Indigenous peoples, ethnomedicine 1
  • 2. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 INTRODUÇÃO: Considerado um direito social (ante sua natureza determinada pela segunda dimensão1 de direitos humanos), o direito à saúde está garantido pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil, datada de 1988, em seu artigo 6º, caput2, devendo ser assegurado por um conjunto integrado de ações do Poder Público e da sociedade, denominado seguridade social. E, nos termos expressos do artigo 196 da Constituição Federal, será o direito à saúde garantido pela execução de políticas sociais e econômicas, com o intuito de reduzir o risco de doenças e outros agravos, assim como o de possibilitar o acesso universal igualitário de todos os jurisdicionados às ações e serviços que promovam, protejam e recuperem a saúde lesada. Pelas características de universalidade e equanimidade do acesso aos serviços e ações de saúde, deverá o Estado identificar quais os mecanismos adequados às suas políticas públicas, uma vez que difiram ante as características próprias de cada região ou mesmo pelos preceitos, crenças e valores de seus destinatários. É a demanda costumeira das populações indígenas no Brasil. Por certo, muito embora se reconheça o direito à saúde como um direito fundamental, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, são os povos indígenas e seus membros, por vezes, excluídos de seus destinatários, uma vez que se encontram submetidos a políticas públicas desiguais, que menosprezam os frutos de sua medicina tradicional, abarcada esta por seu direito à diversidade cultural, bem como a opõem a uma medicina convencional, desvinculada, no mais, das raízes étnicas que aquela definem. Dado que os conceitos de saúde e debilidade relacionam-se à cosmovisão de cada povo, no processo de elaboração de políticas públicas de saúde voltadas às comunidades indígenas deve o Estado pautar-se pelo respeito à diversidade cultural que as caracteriza, buscando antes uma pluralidade de mecanismos de prevenção, tratamento e recuperação da saúde 1 Os direitos humanos (considerados, terminologicamente, direitos fundamentais, por doutrinadores alemães) resultam de reivindicações e conquistas da sociedade civil organizada ante ingerências do Poder Público, como limites à sua atuação diante de direitos considerados essenciais à existência e dignidade da pessoa humana. É do pensador alemão NORBERTO BOBBIO a exposição dos direitos humanos em diferentes dimensões, contrariamente às suas colocação e expressão em gerações, de uso corrente. Isto porque a idéia de gerações poderia sugerir que umas sobrepõem às outras, seja pela ordem cronológica em que se apresentam, seja pela importância dos eventos históricos que as determinaram. Falar-se em dimensões, por sua vez, sugeriria exatamente o oposto: que os direitos humanos historicamente conquistados e determinados são simultâneos e se interpenetram, não sendo excludentes, mas, antes, cumulativos. A segunda dimensão de direitos humanos corresponde aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, constantes em grande parte dos ordenamentos jurídicos hodiernos. 2 Sua redação original é a que segue: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 2
  • 3. Universidade Presbiteriana Mackenzie que sua homogeneidade e indistinção. Cada um dos povos indígenas compreende, pelo arcabouço cultural que os define, de maneira sui generis, o que seja uma existência saudável, exigindo, conseqüentemente, um sistema de saúde específico ou, ao menos, multifacetado. Desta forma, a desvinculação dos programas de saúde estatais com os sistemas de saúde tradicionais representa, simultaneamente, uma minoração da identidade étnica de seus pacientes e infrutíferos resultados. O estudo sobre a garantia e efetividade do direito à saúde no âmbito indigenista coloca também outras dificuldades. Conceitos de saúde e enfermidades, de tratamentos médicos convencionais ou terapêuticos confrontam-se constantemente e, geralmente, estabelecem ao final como hegemônica tão-só a medicina científica (ou convencional), assim nomeado o conjunto de conhecimentos teóricos e práticos, baseado em observações de relações de causa e efeito, sob o qual amparamos nosso sistema de prevenção, diagnóstico e cura de doenças, por meio de intervenções farmacológicas (químicas), clínicas e cirúrgicas, com metodologias específicas. Certo que muitas doenças que acometem as populações indígenas demandam um tratamento próprio da medicina convencional, mas ainda para tais ocorrências o saber medicinal tradicional é a primeira via de que se socorrem os enfermos, mesmo quando se sabe, de antemão, tratar-se de doença de branco (expressão utilizada para referir-se, em geral, às doenças cuja explicação foge à cosmovisão da coletividade e aos mecanismos de cura tradicionais, advindas do contato com os brancos nas relações interculturais). Com características demasiado antagônicas é que o saber medicinal das populações indígenas é relegado aos estudos antropológicos, sendo pouco aproveitados nas políticas públicas de saúde realizadas pelo Estado. Ao reduzir a importância e eficácia das práticas médicas indígenas, reduz-se não só ainda mais sua identidade étnica como o próprio êxito nas curas e sucesso das táticas de prevenção, posto que a cura está, na maior parte das vezes, associada à cosmovisão da coletividade, numa relação harmônica entre o corpo e o espírito, o indivíduo e a sociedade, o homem e a natureza. Em verdade, as epidemias que constantemente abatem as populações indígenas são frutos de processos de marginalização a que estão submetidas, pelo não reconhecimento de seus direitos originários e demais direitos básicos, como o direito à vida, à dignidade e ao acesso aos serviços públicos de qualidade. A exclusão social e a inobservância de direitos fundamentais impedem o cumprimento integral de políticas públicas de saúde eficazes. É de questionar, por sua vez, se tal ineficiência concerne a uma falha do sistema estatal adotado ou, antes, constitui seu silente objetivo. 3
  • 4. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Para empreender esta crítica, é necessário, primeiramente, delimitar nosso objeto de estudo e os principais pontos antagônicos para sua discussão. Afinal, se o direito à saúde é considerado um direito fundamental e, pois, universal, seus contornos, contudo, divergem quando partimos da hegemônica cultura ocidental ou dos sistemas de saúde múltiplos provenientes das diversas populações indígenas existentes. Do mesmo modo, faz-se imprescindível uma apresentação do atual quadro dos povos indígenas no Brasil, uma vez que versaremos sobre sujeitos de direitos peculiares. Num segundo momento, realizamos breve estudo histórico da atuação do Estado brasileiro junto a estas comunidades, desde o período colonial até os movimentos de redemocratização do Brasil, que marcaram sobremaneira os trabalhos do legislador constituinte de 1988, enaltecendo-se desta forma as dificuldades havidas nas etapas de normatização, elaboração e execução de ações e serviços de saúde na contemporaneidade. Debruçamo-nos, também, sobre a legislação indigenista do século XX, caracterizada por certo evolucionismo spenceriano que predestinava os indígenas à extinção gradual, integrando-os à sociedade nacional, com atuação do antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) e criação da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Por fim, investigamos os modos hodiernos de atuação do Estado brasileiro na execução de ações e serviços de saúde aos povos indígenas e o que requerem os seus movimentos políticos organizados, bem como os movimentos indigenistas para melhor atendimento às suas exigências. REFERENCIAL TEÓRICO: Uma vez que fora reconhecido, ao longo do século XX, que a autolimitação dos poderes do Estado frente à autonomia e aos direitos civis e políticos dos indivíduos que o compõem não era, por si, suficiente ao alcance de uma justiça social (pois que tal atuação negativa do Estado o impedia de intervir nas relações entre particulares, ainda que injustas e desiguais), outros direitos (denominados sociais, por sua abrangente incidência) passaram a ser exigidos como verdadeiras prestações do Estado, na proteção do bem comum e na busca da pacificação dos conflitos da complexa sociedade que se organizava. Desta forma, diversos direitos trabalhistas, bem como o direito à educação, à segurança pública, à previdência social, à preservação da cultura e do patrimônio público e, principalmente, o direito à saúde, ingressaram em diversos textos constitucionais como seu centro orientador. Assim, tão justiciáveis e exequíveis como os direitos humanos (ou fundamentais) de primeira dimensão (sendo estes os que se referem às liberdades civis e políticas dos indivíduos, conforme entendimento da doutrina liberal que marcou as revoluções burguesas 4
  • 5. Universidade Presbiteriana Mackenzie em fins do século XVIII), os direitos sociais fizeram nascer a consciência da necessidade de se salvaguardar a realidade social (além dos interesses individuais), pois que esta, mais rica e aberta à “participação criativa” da personalidade dos seus componentes, possibilita plenamente a densidade dos valores existenciais, sem os quais o indivíduo pereceria (BONAVIDES, 2008). De fato, no que concerne à saúde, os mecanismos de sua prevenção, tratamento e cura são, por essência, moldados pela sociedade e conduzidos em consonância à valoração que se faz da vida e da morte, da higidez e da doença, das causas desta, efeitos e suas reparações possíveis, afirmando-se, então, ser a medicina parte da cultura de um povo (IIDH, 2006). Em sociedades pluriculturais como a brasileira, marcadas pela comunhão de povos originários3 e conquistadores, faz-se a distinção corrente entre a medicina tradicional e a medicina científica (ou convencional), segundo os métodos e especificidades que as caracterizam. A primeira, como conjunto de conhecimentos, práticas e crenças duma coletividade, suportada pela existência de agentes promotores da saúde, que assim são reconhecidos socialmente, e pela utilização de ervas medicinais e outros tratamentos terapêuticos singulares, é solicitada e afirmada pela própria comunidade como válida e suficiente, uma vez que nela confia a sorte das enfermidades que a cometem. Tais doenças, ademais, possuem uma conotação cultural, pois que vinculadas aos preceitos e valores que fundamentam a existência da coesão social. Significa dizer que são as doenças, para a medicina tradicional, geradas a partir da quebra do equilíbrio entre o corpo e o espírito, a sociedade e a natureza ou entre a conduta e a moralidade. A cura do enfermo, desta sorte, corresponde ao restabelecimento deste “Todo” que, por algum modo, fora rompido, questionado ou ameaçado, cabendo, por vezes, a toda coletividade sua atuação positiva em busca da extirpação dos males sofridos. Por sua vez, a medicina científica analisa o enfermo não em sua “totalidade” (como pessoa – corpo/espírito – integrada ao meio e à moralidade apreendida), mas em seu aspecto fragmentário, específico, ou seja, busca as causas dos efeitos nocivos que enxerga, de 3 A utilização de expressões tais como sociedades primitivas, originárias e mesmo sociedades indígenas, desde já, coloca-nos a dificuldade lingüística intrínseca para se versar seriamente sobre tais comunidades, respeitando- se, pois, suas organizações política, econômica, cultural e social. Isto porque todas elas estão eivadas de certo evolucionismo que dispõe as sociedades em graus de desenvolvimento diversos, tendo-se o último patamar (mais elevado) representado pela civilização ocidental da qual fazemos parte. Ainda, esta qualificação generalizante suprime a diversidade existente, nivelando todas as sociedades por características que são tão- somente circunstancialmente semelhantes. Superada, entretanto, a discriminação que poderia provir destas expressões, utilizá-las-emos em consonância à escrita costumeira e ao discurso político tradicional que se deseja investigar. 5
  • 6. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 modo superficial e físico, por seção corporal, para, uma vez identificadas razões da doença, nelas se debruçar, restaurando o equilíbrio rompido. Seus métodos de cura são o emprego de teorias científicas aliadas à utilização de tecnologias farmacológicas, clínicas e cirúrgicas, tornando o corpo humano seu objeto de intervenção. Enquanto o núcleo de interesse médico da medicina tradicional é integral e profundo, procurando por explicações espirituais e morais para a cura plena dos enfermos, na medicina científica as atenções convergem às causas isoladas, não havendo integração entre médicos (assim habilitados) para o tratamento dos indivíduos, salvo se os efeitos da causa da doença refletirem noutras “áreas” do saber medicinal convencional, reclamando um tratamento “em conjunto” (IIDH, 2006). Em virtude destas disparidades de metodologia e de entendimento sobre os limites da cura e da doença, é que inúmeras são as dificuldades enfrentadas pelas políticas públicas no atendimento às demandas por saúde das populações indígenas, amparadas pelo saber tradicional que lhes dá identidade e coesão ao grupo, uma vez que, quando aplicadas, o são de forma desconhecedora das peculiaridades da medicina tradicional de seus destinatários ou em desrespeito a valores outros que não se dissociam do restabelecimento integral da saúde ao enfermo. Em outras palavras, todo o bojo da medicina tradicional resta ignorado pelos agentes de saúde do Estado, como prestadores de um serviço público, em geral, orientados e formados por conceitos e métodos da medicina convencional. Se não for ignorado, é afastado ou desrespeitado por insuficiente ou ineficaz ante a modernidade técnica e o aperfeiçoamento das teorias científicas da sociedade civilizada (IIDH, 2006). Estas considerações encontram respaldo em razões político-filosóficas ultrapassadas (ao menos, às academias): as sociedades indígenas e seus valores (como o saber medicinal) são tidas por refratárias, atrasadas na evolução das sociedades humanas, primitivas – pois que representariam o estágio inicial de organização de toda a humanidade – e inexperientes aos desafios próprios da vida e da coexistência, como a formulação de sistemas de saúde ou mesmo às próprias organizações política e econômica. Diante da evoluída sociedade civilizada (em oposição à selvageria e barbárie que definiriam aqueles povos), seus métodos e explicações não desencantadas do mundo – o que, do contrário, sugeriria uma racionalidade própria da modernidade ocidental – são, por essência, insatisfatórios ou, em termos de um evolucionismo biológico aplicado às sociedades, “infantis” (RIBEIRO, 1993). Ademais, em fins do século XIX, diante da expansão das conquistas políticas, econômicas e tecnológicas inspiradas pelo auge do racionalismo europeu e por descobertas científicas que conduziriam ao positivismo e evolucionismo como explicações também extensíveis aos 6
  • 7. Universidade Presbiteriana Mackenzie agrupamentos humanos, os indígenas e seus saberes foram sendo, paulatinamente, degradados como partícipes de somenos importância à sociedade e suas conquistas. Neste sentido foram as conclusões de Von Martius4, para quem os indígenas reuniam, em sua natureza, simultaneamente, as deficiências pertinentes à infância e à senilidade: Permanecendo em grau inferior da humanidade, moralmente, ainda na infancia, a civilização não o altera, nenhum exemplo o exita e nada o impulsiona para um nobre desenvolvimento progressivo. Assim parecendo estar ainda na minoridade, a sua incapacidade para o progresso assimilha-o a um velho estacionario; reune, pois, em si os polos appostos da vida intellectual. Este estranho e inexplicavel estado do indigena americano até o presente, tem feito fracassarem todas as tentativas para concilial-o inteiramente com a Europa vencedora e tornal-o um cidadão satisfeito e feliz. E é exactamente nesta sua natureza dupla que a sciencia encontra a maior difficuldade para esclarecer a sua origem e determinar na epoca da historia antiga a que elle, ha millenios pertence, sem comtudo ter progredido. 5 (1938?) Para Teixeira de Sousa e Sousa Lima, inspirados pela medicina convencional e pelo evolucionismo spenceriano que, aos poucos, se organizava e ganhava adeptos em nosso País, as “sciencias medico-pharmaceuticas” indígenas deveriam corresponder ao seu grau de evolução fetichista, assim resumindo os autores suas práticas e tendências: A mentalidade do selvagem não ascende além da capacidade de especular sobre o conjunto das existências materiaes. No homem primitivo, como na nossa infancia individual, o sentimento da personalidade exterioriza-se e transporta-se á natureza inteira, de modo que só se concebem existindo fórmas de vida, não sendo a propria morte sinão uma continuação da vida sob novas fórmas. Tudo que ao contemplador primitivo se afigurava de extranho aspecto, como o phenomeno negativo da sombra, ou se denunciava em rapidas e raras apparições, como o raio e certos meteoros, o emocionava e enchia de supersticioso pavor. Similhante estado mental sobrevive não só na infancia, mas egualmente nos emotivos chocados por accidentes extraordinários ou por fortes agitações moraes. (1901) Por esta razão e outras, é que velada ou abertamente se propugnava pela extinção dos povos indígenas, pois que considerados inservíveis à nação brasileira que, formalmente, se 4 Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), botânico alemão, integrou a missão científica enviada ao Brasil pelos governos austríaco e bávaro, por ocasião da vinda da duquesa Leopoldina, noiva do futuro Imperador D. Pedro I. Percorreu, durante três anos, as terras brasileiras, chegando ao Rio de Janeiro em julho de 1817. Dentre suas obras encontra-se a Reise nach Braesilien (“Viagem ao Brasil”), em que relata seu convívio com os povos indígenas, incluindo índios antropófagos no interior do sertão. 5 Mantivemos a grafia original desta e doutras obras pesquisadas, apenas alterando-a quando imprescindível ao entendimento, preservando-se a escrita das fontes. 7
  • 8. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 constituía por meio da adoção do regime republicano, em 1889 (CARNEIRO DA CUNHA, 1987). Motivado por esta visão é que o diretor do Museu Paulista, Hermann Von Ihering, publicaria na Revista Museu Paulista, volume VII, a seguinte nota: Os actuaes indios do Estado de S. Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como tambem nos outros Estados do Brazil, não se pode esperar trabalho sério e continuado dos indios civilisados e como os Caingangs selvagens são um impecilio para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio. (1908 apud ALMEIDA, 1908). Em sentido oposto, no entanto, foram os esforços do Estado pela adoção de uma política protetora aos povos indígenas, com respeito à sua integridade física, embora de caráter assimilacionista, que considerava inevitável o gradual abandono de suas culturas para integração à sociedade nacional circundante. A principal contribuição à sua salvaguarda, entretanto, de caráter positivista, proveio da intervenção humanitária de Cândido Mariano da Silva Rondon. Convocado para compor a comissão construtora de linhas telegráficas, com a missão de conectar o Rio de Janeiro, já ligado à capital de Mato Grosso, com os territórios de Goiás, Amazonas e Acre (ROQUETTE-PINTO, 1935), coibia, à medida que avançava, ataques aos povos indígenas que encontrava. No governo de Afonso Pena (1906-1909), Rondon foi convocado para ligar o Acre ao Cuiabá. Ampliando suas funções, tornou a nova expedição telegráfica (desta feita conhecida como Comissão Rondon), também uma expedição científica, reunindo o maior número possível de dados geográficos, botânicos, antropológicos e zoológicos. Como resposta, ainda, à pretensão de extermínio dos indígenas anteriormente aventada por von Ihering, e às acusações de massacres realizados pelo Estado brasileiro, proferidas no XVI Congresso de Americanistas, em 1908, na Áustria, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910, por força do Decreto nº. 8.072, de 20 de junho daquele ano (LIMA, 2006). Inicialmente destinado à capacitação dos indígenas para mão de obra rural (considerando que o SPILTN fora submetido ao Ministério da Agricultura), o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), assim caracterizado por força da Lei Orçamentária 3.454, de 06 de janeiro de 1918, também tinha por meta o atendimento médico das populações indígenas, conforme realizada a assimilação. 8
  • 9. Universidade Presbiteriana Mackenzie Figura 1. Telegrama enviado pela Comissão Rondon, em 10 de maio de 1919, à Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo, solicitando a integração à equipe do Dr. Guilherme Milvard, então professor daquela instituição de ensino. A expedição ficou marcada por ser o primeiro contato de caráter pacifista com as populações indígenas, com a atuação fulcral de MARECHAL RONDON (Fonte: Acervo do Arquivo do Estado de São Paulo). Eis o que nos informava Luís Bueno Horta Barbosa, então inspetor do SPI, para quem “(...) os variados e dolorosos padecimentos morais e práticos que os afligem: a desorganização das famílias, a degradação das mulheres, o alcoolismo, as doenças mortíferas e repugnantes, a miséria física e por fim a morte” proviriam de sua condição “tribal”, uma vez que os povos indígenas não teriam recebido “(...) suficiente amparo da ordem social em cujo seio vivem, por ainda não terem atingido a inteira e indispensável assimilação da mentalidade correspondente” (1947). Grande parte das doenças que acometiam as populações indígenas de modo letal adveio do contato estabelecido com os conquistadores. Em fins de 1563, por exemplo, em Salvador (na capitania real da Bahia), a varíola provocou a morte de 500 mil índios, somados aos 30 mil indígenas que no ano anterior, em apenas três meses, faleceram pela disseminação de uma peste vinda de Portugal (CIMI, 2001). As epidemias desconhecidas dos indígenas, como gripe, sarampo e bexiga, são apontadas com freqüência como a principal causa de sua elevada mortandade nos escritos de jesuítas, no período colonial. No decorrer do século XX, esta realidade não se alteraria. 9
  • 10. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 A restrição territorial, o impacto ambiental provocado pelos projetos desenvolvimentistas promovidos pelo governo nacional, e a inserção crescente no mercado regional impõem transformações nas formas de subsistência dos grupos indígenas do Brasil. Atividades como a caça, a coleta e a pesca – muitas vezes realizadas através de um padrão seminômade de ocupação territorial – são prejudicadas com o sedentarismo em áreas restritas. Muitos grupos caçadores-coletores têm de abandonar parcial ou totalmente sua forma tradicional de produção de alimentos, o que leva a uma redução na variabilidade alimentar e a uma maior dependência de produtos industrializados. O consumo inadequado de alimentos introduzidos pós-contato, como açúcar, refrigerante, biscoitos e todos os carboidratos processados, associados às mudanças no estilo de vida dessas populações, têm provocado o surgimento de doenças crônico- degenerativas, características do mundo moderno, como obesidade, hipertensão e diabetes, inexistentes nestas populações há poucas décadas (ARANTES, 2008). Era a continuação de um diálogo entre indígenas e não-indígenas que, em geral, resultava na dissolução dos povos, pelo assassínio de seus membros ou pela degradação de seus valores e costumes, em nome de um ideal integracionista. O contágio de doenças, desta forma, realizava-se por vezes com propósitos calculados. Assim, quando os Canela decidiram confraternizar-se com os civilizados contra outro subgrupo Timbira em troca de roçados e campos de caça financiados pelo Governo – e estes recursos faltaram – a solução finalmente veio: (...) o plano era atrair os índios para a vila de Caxias, então atacada por uma epidemia de bexiga, a pretexto de uma nova guerra contra outra tribo Timbíra. Uma vez ali, as bexigas dariam cabo deles. Os índios deixaram-se enganar, atendendo ao chamamento. Em Caxias, durante vários dias nada lhes foi dado para se alimentarem e quando, premidos pela fome, quiseram colher legumes nas roças vizinhas da vila, caiu sobre eles todo o peso de uma punição premeditada. Foram presos e espancados, inclusive mulheres e crianças e dentre elas a esposa do principal chefe da tribo que, ao reclamar contra este tratamento, foi também fustigado. (RIBEIRO, 1993) O SPI foi extinto por força dos inúmeros relatos de corrupção, bem como pela ocorrência de grandes carnificinas de povos indígenas inteiros, como aquele conhecido por “Massacre do Paralelo 11”, em que os Cintas Largas, que atualmente habitam os Estados de Mato Grosso e Rondônia, foram dizimados pela ação de pistoleiros mediante a paga de interessados na ocupação de suas terras, com participação de funcionários públicos daquele órgão. O órgão tutor dos povos indígenas foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada pela Lei ordinária nº. 5.071, de 05 de dezembro de 1967. Além desta medida, foi adotado o Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/1973) que, mantendo o ideal integracionista do órgão substituído, declarou que teriam direito aos mesmos meios de proteção à saúde que 10
  • 11. Universidade Presbiteriana Mackenzie se facultassem aos não-indígenas (comunhão nacional)6. As dificuldades de atendimento satisfatório às reivindicações das populações indígenas, no entanto, persistiriam, ainda que alterada estivesse a estrutura do novo órgão tutor. Os povos indígenas são marcados pela habitual mortandade, violência e mesmo pela prostituição de crianças e suicídios, como fuga da miséria. Entre os Caiuás (que designa tanto os Guarani-Kaiowá como os Guarani-Ñandeva), localizados em grande parte em Dourados (MS), a desnutrição infantil e o alcoolismo são suas maiores máculas, reduzidas pelo fornecimento de cestas básicas realizado pelos governos estadual e federal. No início do ano de 2007, entretanto, após a suspensão de distribuição de 11 mil cestas de alimentos pelo governo estadual, seis mortes foram relacionadas à desnutrição, somadas às 47 crianças indígenas, menores de quatro anos de idade, que de 2005 até fevereiro daquele ano padeceram de idêntica sorte (CORREA, 2007). Sem se alterar este quadro, em março de 2009, nos termos do artigo 50, §2º, da Constituição Federal (CF), a Mesa da Câmara dos Deputados encaminhou ao então Ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro, Requerimento de Informação (RIC 3.793/2009) sobre oito toneladas de fubá e feijão que, destinados a compor as cestas básicas das populações Caiuás e Terena, em Mato Grosso do Sul, tiveram o prazo de validade vencido antes de serem entregues por agentes da FUNAI. Se no início do século passado os grandes vilões que ameaçavam a integridade dos povos indígenas foram os vírus e bactérias trazidos pelos não-índios, na atualidade, as grandes ameaças são as transformações socioambientais às quais eles estão sendo submetidos desde a segunda metade do século XX até agora, início do século XXI. A restrição territorial e a adoção de novos regimes econômicos têm levado os povos indígenas a drásticas alterações nos sistemas de subsistência, ocasionando empobrecimento e dificuldade de sustentabilidade alimentar, muitas vezes com sérias conseqüências para a saúde dos grupos indígenas nacionais (ARANTES, 2008).. As mudanças efetivas em prol da concretização do direito à saúde aos povos originários ocorreriam após a aprovação da “Lei Arouca”7 (nº 9.836/99) pelo Senado Federal, que criou o “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena”, no Capítulo V, incluído na Lei nº 8.080 de 1990, que deu diretrizes à formulação do Sistema Único de Saúde (SUS). 6 Literalmente: “Art.54. Os índios têm direito aos meios de proteção à saúde facultados à comunhão nacional. Parágrafo único. Na infância, na maternidade, na doença e na velhice, deve ser assegurada ao silvícola especial assistência dos poderes públicos, em estabelecimentos a esse destinados”. 7 O nome foi dado em homenagem ao autor do Projeto de Lei, então Deputado Federal Sérgio Arouca. 11
  • 12. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Por meio da “Lei Arouca”, o atendimento às demandas pela efetivação da saúde indígena foi atribuído à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão executivo do Ministério da Saúde. A transferência dos recursos humanos e demais bens da FUNAI, voltados à prestação de serviços de saúde aos povos indígenas, para a Funasa, foi possível graças à edição da Medida Provisória nº 1.911-8, de 29 de julho de 1999. Também o Decreto nº 3.156/1999 determinou as condições de atendimento daqueles povos no âmbito do SUS. Na formulação de políticas públicas de saúde devem ser reconhecidas as especificidades da cultura dos povos indígenas atendidos, bem como sua realidade local, garantindo-se, de todo modo, o acesso dos seus membros ao Sistema Único de Saúde8. A base do “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena” (de caráter descentralizado, regionalizado e hierarquizado, como o SUS) são os “Dseis – Distritos Sanitários Especiais Indígenas”. Estende-se aos povos indígenas atendidos a possibilidade de participação nos organismos colegiados (como o Conselho Nacional de Saúde, ou conselhos estaduais e municipais, quando o caso) para formulação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas de saúde (Funasa, 2009). A Funasa busca cumprir sua missão institucional por meio da criação e manutenção de “Cores – Coordenações Regionais”, totalizando 26 (vinte e seis) em todos os Estados- membros. Às Coordenações compete a administração do patrimônio e de recursos humanos, bem como a realização de licitações para compra de insumos que tornem possível a assistência à saúde. Oferecem, também, assistência jurídica aos Dseis (Funasa, 2009). Além de ambos os órgãos, há o “Desai – Departamento de Saúde Indígena”, como gestor central do “Subsistema de Atenção à Saúde Indígena”, cabendo-lhe desenvolver atividades que dêem coesão àquelas dos Dseis, observando, sempre, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Compete-lhe, também, assegurar-lhes a saúde considerando seu perfil epidemiológico e as condições sanitárias em que se apresentam, executando suas metas de modo coordenado ao “Densp – Departamento de Engenharia de Saúde Pública” no âmbito da Funasa (Funasa, 2009). Além de atender às demandas específicas das populações indígenas no que toca à prevenção, tratamento e cura de doenças que lhes afetam, cabe à Funasa, por meio de 8 É o que dispõe o artigo 19-F da Lei nº. 8.080/1990, com redação dada pela Lei nº. 9.836/1999, cuja transcrição é a que segue: “Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional”. 12
  • 13. Universidade Presbiteriana Mackenzie seus órgãos auxiliares, a realização de atividades educativas quanto às medidas de saneamento básico e prevenção de outras moléstias. Figura 2. Fonte: Páginas da cartilha “A cura de nossa aldeia”. Criação: Ziraldo. Arte-final: Miguel Mendes, Fábio Ferreira, Charles Bertho, Ferreth, Vanderlei Soares e Marco Antonio J. Ferreira. Direitos autorais: Ministério da Saúde – Fundação Nacional de Saúde. Por fim, embora não seja precisa a estimativa de quantos os indígenas e seus povos que habitam o Brasil, podemos, na atualidade, referir-nos à existência de, ao menos, 232 povos indígenas no Brasil, somando quase 600 mil indivíduos, falantes de mais de 180 línguas indígenas contemporâneas (embora se faça, correntemente, menção a 190 línguas), distribuídos pelas 645 Terras Indígenas (em diferentes etapas do processo demarcatório) e capitais de todo o País. Só na Amazônia Legal vivem 60% dos indígenas, não havendo um censo exato sobre os habitantes dos centros urbanos (ISA, 2011). Tendo em vista um passado (recente) de dizimações e completo desconhecimento de suas necessidades, como grupos social, política, econômica e culturalmente diferentes do que se convencionou denominar como a “sociedade nacional” – e, principalmente, considerando os elevados índices de mortalidade e miserabilidade que caracterizam sua existência – é a presente pesquisa orientada à averiguação da eficácia (e eficiência) das medidas adotadas pelo Estado na concretização de seu direito à saúde, com vistas a elucidar se o caminho seguido, já em suas bases, apresenta ou não possibilidade de sucesso. 13
  • 14. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 MÉTODO: Nossa hipótese inicial de pesquisa foi orientada pela persecução do ideário integracionista, ainda marcante na legislação indigenista brasileira, nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado na efetivação do direito à saúde. Em que pese a mudança de sentido operada pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 231 e 232, principalmente, guiada que está pela preservação de direitos originários e em respeito à diversidade cultural dos sujeitos de direitos indígenas, na prática os desafios enfrentados ao adequado atendimento das demandas indígenas e indigenistas (incluindo-se, aí, aquelas relacionadas à prevenção, recuperação e promoção da saúde) dão-se como fruto ainda daquela visão assimilacionista, que não estende aos indígenas e suas comunidades o direito à alteridade, à diferença. Seus métodos de saúde são considerados insuficientes e improfícuos para a mantença ou restauração da higidez lesada e, pois, afastados ou desconhecidos pelos agentes de saúde estatais, aplicando-se-lhes medidas outras não só avessas, por vezes, à sua cosmovisão e valores essenciais, mas às necessidades mesmas enfrentadas. Além desta dificuldade de tratamento com a diversidade cultural, outra, mais premente, impede um efetivo acesso à saúde: a falta de assistência adequada pela ineficiência do sistema de saúde pública. Partindo desta tese, fizemos, primeiramente, um levantamento bibliográfico sobre o tema, apontando as diferenças essenciais entre a medicina tradicional e a medicina científica (ou convencional), conforme apontado. Por meio do contato com a bibliografia etnográfica e jurídica sobre o tema seria possível identificar se os estudos empreendidos no direito à saúde indígena prevalecia uma orientação integracionista (como a do Estatuto do Índio) ou voltada à salvaguarda do aspecto pluricultural que constitui o Brasil. Cotejando seus conceitos com as políticas públicas adotadas pelo Estado, pudemos confirmar, como adiante se exporá, que a “Lei Arouca” e doutros regramentos similares, de fato, transformaram o modo de encarar as demandas por saúde das populações indígenas, em consonância à Constituição Federal, embora, ao mesmo passo, continuem a enfrentar resistências na sua aplicação e execução de seus projetos. A modificação de orientação da legislação relacionada ao direito à saúde dos povos indígenas, reconhecendo-lhes a diversidade cultural ínsita, fez com que reconhecêssemos, também no âmbito da academia jurídica, uma alteração de visão sobre a diversidade cultural, em respeito a ela. O confronto, entretanto, desta primeira conclusão com as dificuldades ainda persistentes na prática da execução dos serviços públicos de saúde, fez com que prescindíssemos de uma pesquisa a campo, visitando Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) para, acompanhando suas tarefas, apreender os obstáculos a serem superados. 14
  • 15. Universidade Presbiteriana Mackenzie Em visita realizada entre os dias 01º e 15 de fevereiro de 2011 à região do Alto Rio Negro, no Estado de Amazonas, tivemos a oportunidade de conhecer dois Dseis, cada qual localizado em dois Municípios do extremo noroeste do Estado brasileiro: Barcelos e São Gabriel da Cachoeira. No Dsei localizado em Barcelos/AM, destinado ao atendimento das populações indígenas Baré, Tariana, Baniwa,Tucana e Yanomami, em sua grande maioria, a falta de medicamento exigível, de alimentos e de agentes de saúde especializados impedia a execução plena dos serviços propostos, sendo o Dsei auxiliado por organizações da sociedade civil ou por doações dos próprios moradores da região. É o que nos compartilhou João Silvério Dias, encarregado de colher dados qualificativos dos assistidos, para seu registro junto aos órgãos da FUNAI e Funasa. Embora não tivéssemos tido acesso às instalações do Dsei de São Gabriel da Cachoeira ou aos seus responsáveis, a falta de vacinas foi uma das constantes reivindicações dos moradores da região, considerando que mais de 90% (noventa por cento) da população daquele Município é composta por indígenas, assim identificados junto ao Censo, 2010. Figura 3. Entrada de Dsei em São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro/AM (Arquivo pessoal) RESULTADOS E DISCUSSÃO: Realizada a pesquisa bibliográfica e as visitas a campo, obtivemos os seguintes resultados. Os povos indígenas contam com uma primeira dificuldade à concretização plena do seu direito à saúde: seus valores, métodos e saberes medicinais são apartados dos serviços públicos aplicados e voltados à sua assistência. 15
  • 16. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 É preciso que, desde já, se esclareça que tão fundamental quanto o direito à saúde é o direito às diversidades cultural, social, política e econômica que, em conjunto, atribuem uma identidade aos grupos indígenas, singularmente considerados, de forma que o respeito à sua cosmovisão e ao efetivo acesso aos serviços públicos de saúde devem ser equiparados em todas as fases de sua realização. Entretanto, como dissemos, a “Lei Arouca” e doutros regramentos de mesma orientação representaram importante passo na adequação dos serviços de saúde às necessidades reais enfrentadas pelos diversos grupos indígenas, pois estende-lhes a possibilidade de participação na adoção e execução das medidas pertinentes, além de estruturá-las em conformidade ao Sistema Único de Saúde – outra importante conquista à saúde pública como um todo. Isto afasta, em termos legais, a orientação integracionista ainda presente no Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/1973). A principal contribuição deste conjunto de leis, no entanto, foi reconhecer a imprescindível necessidade de respeito às peculiaridades de cada grupo populacional, visando a obtenção de melhores resultados. As dificuldades, portanto, são de caráter político, pois, como pesquisado em dois Municípios da região do Alto Rio Negro (AM), marcadamente indígena, a falta de medicamentos, vacinas e agentes de saúde especializados, prejudica a plenitude e eficiência dos serviços propostos. Outro empecilho à efetivação plena do direito à saúde dos povos indígenas está nos conflitos internos, de ordem institucional, do Ministério da Saúde. Assinalando para a criação futura de uma Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena em substituição à atuação da Funasa, a vontade política concreta para empreender melhorias se torna cada vez mais improfícua. Isto revela que, embora a legislação e o discurso político tenham abandonado o (antigo) ideal asssimilacionista e a visão dos povos indígenas como inferiores e primitivos para a organização e mantença de sua própria existência, a vontade do Estado, externada por seus diversos agentes públicos e pela prestação ineficiente de serviços, revela-se consoante àqueles paradigmas, o que impede, por si, a concretização do direito à saúde e de quaisquer outros direitos fundamentais ou originários. CONCLUSÃO: Os povos indígenas no Brasil enfrentam, como maior obstáculo ao acesso aos serviços públicos (e, num plano maior, à concretização de direitos fundamentais), o etnocentrismo do Estado, avesso às reivindicações por respeito ao seu direito à diversidade, ainda que no seu discurso político e jurídico, em caráter simbólico, demonstre ser favorável a ele. 16
  • 17. Universidade Presbiteriana Mackenzie O direito à saúde, como direito fundamental, também se aplica aos povos indígenas (pela simples condição de humanidade que, por obviedade, lhes pertence), mas deve ser sopesado ante as diferenças culturais e às reais necessidades exigidas, sob pena de ser mera falácia. Somente cientes destas especificidades será possível traçar políticas públicas que garantam o direito à saúde e respeitem a diversidade cultural dos povos indígenas atendidos, tornando fruto dum passado que não mais se pretende viver os versos de D. Pedro Casaldáliga (responsável pela realização, em 1980, de uma simbólica missa nas ruínas de São Miguel (RS), em memória dos povos indígenas massacrados): Eu sou América, Sou o Povo da Terra, da Terra-sem-males, o Povo dos Andes, o Povo das Selvas, o Povo dos Pampas, o Povo do Mar... (...) Eu era a Saúde dos olhos, penetrantes como flechas, dos ouvidos atentos, dos músculos harmônicos, da alma em sossego. E nós te mergulhamos nos vírus, nos bacilos, nas pestes importadas. teu povo reduzimos a um Povo de doentes, a um Povo de defuntos. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, Silvio. Divagações. O Estado de S. Paulo. 12 out 1908 (Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo). ARANTES, Rui. Transformações socioambientais, suas repercussões para a saúde dos Povos Indígenas e o caso Xavante. In: FLORIA, Cristina; MUNIZ FERNANDES, Ricardo. Tradição e resistência: encontro de povos indígenas. São Paulo: Edições SESCSP, 2008. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. BRASIL. Câmara dos Deputados. Requerimento de Informações da Câmara nº. 3793/2009 http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=426519. Acesso em 03 ago 2011. ———. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI – http://www.funai.gov.br/ 17
  • 18. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 ———. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Lei Arouca: a Funasa nos 10 anos de saúde indígena. BRASÍLIA: FUNASA, 2009. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Os direitos do Índio – ensaios e documentos. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. CASALDÁLIGA, D. Pedro; TIERRA, Pedro; COPLAS, Martin. Missa da Terra sem males. Rio de Janeiro: Tempo e Presença, 1980. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). Outros 500: construindo uma nova história. São Paulo: Editora Salesiana, 2001. CORRÊA, Hudson. Desnutrição e alcoolismo assolam aldeias em MS. Folha de S. Paulo. 04.03.2007. Brasil, A10. HORTA BARBOSA, Luís Bueno. O problema indígena do Brasil. Publicação nº. 88 da “Comissão Rondon”. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947. INSTITUTO INTERAMERICANO DE DERECHOS HUMANOS. Campaña educativa sobre derechos humanos y derechos indígenas, salud indígena y derechos humanos: manual de contenidos. San José, IIDH: 2006. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) Povos Indígenas no Brasil – http://pib.socioambiental.org/pt LIMA, Antônio Carlos de Souza. O Governo dos Índios sob a gestão do SPI. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. RIBEIRO, Darcy. Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil Moderno. Petrópolis: Vozes, 1993. ROQUETTE-PINTO, E. Rondonia. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935. TEIXEIRA DE SOUSA, José Eduardo; SOUSA LIMA, Agostinho José de. As sciencias medico- pharmaceuticas. In: Livro do Centenário (1500-1900). Vol. II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1901. VON MARTIUS, Carlos Frederico. O Direito entre os indigenas do Brasil. Trad. Amaral Gurgel. São Paulo: Edições e Publicações Brasil, [1938?]. Contato: tedneyms@yahoo.com.br e hadallari@uol.com.br 18