Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título em bacharel em Comunicação Social, com habilitação em jornalismo e ênfase em Gestão da Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do IPA.
1. CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA, DO IPA
CURSO DE JORNALISMO
Arthur Machado
O CASO IBSEN PINHEIRO:
Um exemplo de mau jornalismo
PORTO ALEGRE
2011
2. 2
ARTHUR MACHADO
O CASO IBSEN PINHEIRO:
Um exemplo de mau jornalismo
Monografia apresentada como requisito parcial para
a conclusão do curso e obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo e ênfase em Gestão da
Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do
IPA.
Orientadora: Profª. Ms.Luciana Kraemer
PORTO ALEGRE
2011
3. 3
ARTHUR MACHADO
O CASO IBSEN PINHEIRO
Um exemplo de mau jornalismo
Monografia apresentada como requisito parcial para
a conclusão do curso e obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social, com habilitação
em Jornalismo e ênfase em Gestão da
Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do
IPA.
Porto Alegre, ___ de ________ de 2011.
BANCA EXAMINADORA:
Orientadora: Profª. Ms. Luciana Kraemer
4. 4
Dedico este trabalho à minha mãe, por ter me aguardado com comida
quentinha durante todos os dias de minha luta por esta graduação.
Aos meus amigos, pelo companheirismo e incentivo. E em especial à
minha irmã e madrinha Adriana Machado, dona de uma fonte
inesgotável de amor e dedicação, a quem atribuo todo o mérito por eu
ter chegado até aqui.
5. 5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, por não ter imputado a mim nenhuma limitação de
ordem física ou emocional, facilitando assim a busca de meus objetivos ao me
abençoar com uma saúde perfeita e uma família que sempre me proporcionou a
estrutura necessária para encarar todo e qualquer desafio.
À minha irmã Adriana Machado, a quem atribuo todo o mérito por eu ter
chegado até aqui. Lembro como se fosse ontem da mão dela segurando a minha
nas consultas ao dentista, como a dizer: “Não tenha medo, mano. Estou aqui”. Ou
então das inspeções surpresas que ela fazia em meus cadernos, transformando
repentinamente meu estilo de vida irresponsável e despreocupado, a lá Zeca
Pagodinho (Deixa a Vida me Levar) e Martinho da Vila (Devagar, devagarinho), em
uma desgastante – mas sempre bem-aventurada – corrida contra o tempo para
obter a aprovação. Em suma, mais que uma irmã, mais que uma melhor amiga, mais
que um modelo de conduta, força, coragem e determinação que escolhi para me
espelhar, eu vejo nela uma mãe. Porque só mesmo o amor incondicional de uma
mãe para explicar toda a atenção, cuidado e afeto que ela sempre dispensou a mim.
Isso sem falar nos cinco longos anos de sacrifício financeiro, em que investiu boa
parte de seu salário de funcionária pública em minha formação.
Agradeço também aos meus pais, Luiz Carlos Machado e Jurema Terezinha
Aguiar do Nascimento. O primeiro pelo legado de luta e honradez, que me orgulha e
encoraja a nunca baixar a guarda diante das intempéries da vida. E à minha mãe por
ter me proporcionado casa, comida, roupa lavada e um computador com internet,
estrutura indispensável para qualquer estudante.
À Luciana Kraemer, professora que ganhou minha simpatia e admiração
desde seu ingresso no IPA, há três anos. Foi por enxergar nela uma amiga e uma
profissional de primeiro nível do jornalismo que a escolhi, já naquela época, para me
orientar nesta pesquisa. E se for verdade que o futuro reflete as escolhas que
fazemos, tenho certeza que uma caminhada de vôos ainda maiores me aguarda.
Por fim, aos meus amigos, que são a família que Deus me confiou escolher.
E dentre eles, um agradecimento especial a Marluci Stein, colega das mais
competentes e amiga mais certa das horas incertas.
6. 6
Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.
(Luis Fernando Veríssimo)
7. 7
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo principal analisar os procedimentos éticos
adotados pelos personagens envolvidos na redação e publicação da reportagem
‘Até tu, Ibsen?’, capa da edição n° 1314 da revista Veja, de 18 novembro de 1993. E
a partir de entrevistas e de uma coleta documental, a pesquisa busca também
desvendar as causas deste erro que ficou marcado, na visão de muitos
pesquisadores, como um dos maiores exemplos nacionais de irresponsabilidade da
imprensa. O modo como o Observatório da Imprensa tratou o assunto e se, de fato,
se enquadra como um veículo de regulação da mídia também são objetos
analisados no trabalho.
Palavras-chave: Ibsen Pinheiro – Veja – Istoé – Luis Costa Pinto – Observatório da
Imprensa – Sistemas de regulação da mídia
8. 8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................9
1 REFERENCIAL TEÓRICO .....................................................................................13
1.1 O caso IBSEN .....................................................................................................13
1.2 O conceito de ética ..............................................................................................17
1.3 Sistemas de responsabilização da mídia ............................................................21
1.4 O Observatório da Imprensa ...............................................................................26
2 METODOLOGIA ....................................................................................................32
2.1 Erro do profissional .............................................................................................34
2.2 Responsabilidade da revista ...............................................................................37
2.3 Erro das fontes ....................................................................................................39
2.4 Erro da imprensa .................................................................................................39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................45
ANEXOS ...................................................................................................................46
9. 9
INTRODUÇÃO
A imagem de um grupo de moleques revoltados, batendo com as mãos nas
janelas e chutando a porta da casa de meu pai é parte de um episódio doloroso e
constrangedor de minha infância, que até hoje recordo com tristeza. Eu deveria ter
uns 10, 12 anos no máximo. Jogava futebol com um amigo na cancha do
condomínio em que meu pai morava quando fui surpreendido pela chegada
gradativa destes garotos, todos eles moradores do condomínio. Garotos e garotas
que poderiam muito bem ser meus amigos, não fosse minha timidez e personalidade
introvertida. Eles iam chegando e repercutindo entre si sobre uma matéria publicada
pelo jornal Zero Hora - cujo conteúdo eu não lembro com clareza - mas que
denunciava o envolvimento do ex-vereador Luiz Machado com algum esquema de
desvio de dinheiro público.
Mesmo eu alegando que aquilo não era verdade, que foi um erro (a foto da
matéria era de outro Luiz Machado, que não era nem nunca havia sido vereador),
acabei percebendo pela ira deles que não havia espaço para reparação: o estrago já
estava feito e só o que me restava era assistir a incineração em praça pública de
meu próprio pai. Corridos pelas britas que arremessavam contra nós, meu amigo e
eu buscamos refúgio na casa de meu pai, que não estava em casa. O que não foi
suficiente para abrandar o ataque, já que nossos algozes para lá se dirigiram aos
gritos de “ladrão” e “corrupto”. Após ganhar um processo que moveu contra o jornal,
meu pai foi indenizado e recebeu um box de cinco linhas onde Zero Hora reconhecia
o erro e se desculpava pela injustiça cometida.
Foi fundamentalmente por causa desse episódio, que tão negativamente
marcou a minha infância, que optei por estudar um caso parecido: o do ex-deputado
Ibsen Pinheiro. Pertencer à categoria responsável pelo erro que um dia vitimou meu
pai e que talvez tenha sido a principal responsável pela formação de uma opinião
pública contrária a Ibsen também foi um elemento decisivo para escolha. Por
comungar da tese de que sábio é aquele que aprende com os erros alheios,
pretendo retirar deste estudo expertise suficiente para jamais arranhar a honra ou
levar sofrimento à família de uma pessoa inocente com o meu trabalho. Pois, como
bem alerta a sabedoria popular, a palavra pronunciada é uma das três únicas coisas
na vida para as quais não existe volta ou reparação.
10. 10
Em matéria de capa da edição 1.314, de 17 de novembro de 1993, Veja
acusa o então deputado e ex-presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de
envolvimento com a Máfia dos Anões do Orçamento. Dizia o texto da reportagem
que a CPI do Orçamento teria descoberto que, entre 1989 e 1993, o político recebeu
depósitos bancários superiores a um milhão de dólares. A soma, considerada
incompatível com os vencimentos de um deputado, resultou na associação de Ibsen
a um esquema mafioso, bem como em seu indiciamento. Seis meses depois, em
maio de 1994, Ibsen Pinheiro teve o mandato cassado e os direitos políticos
suspensos por oito anos.
No entanto, os valores divulgados pela matéria de Veja não correspondiam à
verdade. A própria revista tratou de reparar o erro na edição seguinte, informando
que a CPI havia se enganado nos cálculos. De acordo com a matéria intitulada “Um
milhão de dificuldades”, a subcomissão bancária da CPI “confundiu depósitos novos
com transferências de uma conta para outra, ou aplicações financeiras” (Veja, 1993).
Em síntese, o um milhão de dólares inexplicado, informado com grande destaque na
edição anterior, tendo inclusive ganho a capa da revista, em uma semana se
transformou em 230 mil dólares. Só que a admissão do erro rendeu uma página,
enquanto a denúncia foi repercutida em seis.
A responsabilidade pelo desfecho do caso Ibsen, um dos episódios
jornalísticos mais irresponsáveis do país, na visão de inúmeros pesquisadores, veio
à tona em agosto de 2004. Foi quando a concorrente, Istoé, teve acesso e tornou
público o conteúdo de um depoimento redigido pelo próprio autor da reportagem de
Veja para um livro que Ibsen Pinheiro, o alvo das acusações, estava escrevendo. No
documento, Luis Costa Pinto revela os bastidores da reportagem e conta que o erro
nos cálculos foi identificado com antecedência pela revista. Só que em vez de
corrigir o texto ou suspender a edição, a chefia de Veja teria, de acordo com Costa
Pinto, o induzido a encontrar uma fonte que sustentasse o um milhão. “Não pensei
em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar curso com aquela
reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu emprego, em
como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia”, (Istoé, 2004).
Para Martins (2005), no exercício da profissão, o jornalista deve responder a
uma série de lealdades, sendo a lealdade à sociedade a mais importante delas. Ou
seja, o compromisso com o direito da sociedade de ser bem informada é soberano e
inviolável, mesmo que venha a conflitar com a lealdade ao chefe, à empresa, aos
11. 11
colegas e até mesmo contra o próprio interesse do profissional de ascender na
carreira. De modo que se um jornalista for orientado pelo superior a omitir ou
adulterar alguma informação, como alega Costa Pinto em seu depoimento, a
lealdade a chefia deve ser desconsiderada de imediato em nome de seu
compromisso absoluto. Isso porque o jornalismo, conforme destaca Martins (2005),
só se justifica como missão, que é a de informar a sociedade para que a mesma,
bem informada, tenha condições de decidir da melhor maneira possível.
E no caso de protagonizar a divulgação de alguma notícia equivocada, que
não condiga com a verdade, o jornalista deve assumir o erro publicamente, o mais
rápido possível. O que foi feito parcial e veladamente pela revista Veja, que na
edição posterior à da denúncia publicou matéria onde comunicava o erro, mas o
atribuía única e tão somente à CPI, eximindo-se de qualquer culpa por um deslize
que pautou os principais jornais do país por quase uma semana.
E é com base nestas colocações e aspectos que esta pesquisa surge, quase
20 anos depois do episódio, com o objetivo geral de entender os procedimentos
éticos envolvidos neste caso, tendo em vista que a Veja é a revista de maior
circulação nacional e a quarta com maior tiragem no mundo. Para atingir o objetivo
descrito, optou-se por analisar o fato a partir do site Observatório da Imprensa. O
veículo foi escolhido devido a sua proposta democrática de funcionar como fórum
permanente de debate e análise crítica acerca do desempenho da mídia, onde é
assegurado a todos, jornalistas ou não, o direito de manifestação e participação
ativa sobre o produto jornalístico. E foi por ter esta característica que se optou por
fazer dele o principal campo de coleta da pesquisa.
Então, a partir da coleta de documentos e textos publicados no
Observatório da Imprensa, temos como objetivos específicos identificar os erros
jornalísticos apontados pelos artigos, bem como a identidade dos jornalistas que os
escreveram. Também se analisa como o próprio Observatório da Imprensa se
posicionou sobre o tema.
Sendo assim, a pesquisa tem a intenção de responder a seguinte questão:
de que forma o erro ganhou visibilidade e como o mesmo foi analisado no âmbito
dos jornalistas? Partiu-se da hipótese que o erro está mais relacionado à imperícia
do profissional do que a questões associadas a pressões do veículo ou do mercado.
A pesquisa foi feita em duas etapas, sendo a primeira delas dividida em três
momentos. No capítulo 1.1 é apresentado um resumo da matéria “Até tu, Ibsen?”,
12. 12
referente à edição n° 1.314 da revista Veja, de 17 de novembro de 1993. Também é
abordado o depoimento de Luis Costa Pinto, no qual a revista Istoé se apoiou para
denunciar o erro da concorrente por meio da reportagem “Massacrado”, capa da
edição n° 1.819, de 18 de agosto de 2004. Os autores que orientam esse primeiro
momento são Pena (2005) e Dines (2004).
No capítulo 1.2 é apresentado o conceito de ética e os compromissos,
deveres e responsabilidades que um jornalista deve atender no exercício da
profissão. Os autores consultados foram Bucci (2000), Abramo (1997), Martins
(2005), Argolo (2002), Sodré (2002) e Vásquez (2003).
Já no capítulo 1.3 o assunto versa sobre sistemas de regulação da mídia. Os
diversos tipos de meios possíveis de análise crítica sobre os serviços prestados
pelos veículos de comunicação de massa e a importância dos mesmos para a
sociedade são abordados em contraposição com os entraves que impedem o
público consumidor de informação de exercer influência sobre os mesmos. Os
autores que orientam esse capítulo são Christofoletti (2003) e Bertrand (2002).
A primeira etapa da pesquisa é encerrada com o capítulo 1.4, onde o site do
Observatório da Imprensa é apresentado como um exemplo de sistema regulador
de mídia. O modo de atuação do veículo também é apresentado, com base em
estudos feitos por Albuquerque (2001) e Braga (2006).
A segunda etapa consiste na análise do objeto de pesquisa, que são os
artigos publicados pelo Observatório da Imprensa que repercutem o tema.
Primeiramente, apresenta-se a metodologia empregada para a análise e o modo
como foram coletados os materiais. Em seguida busca-se relacionar a
fundamentação teórica e os dados coletados. Por fim, são apresentadas as
considerações finais e a resposta do problema de pesquisa.
13. 13
1 REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 O CASO IBSEN
Passados quase 20 anos, a edição da revista Veja de 17 de novembro de
1993 continua sendo peça de análise para estudantes e teóricos em comunicação. A
reportagem de capa representa, para muitos pesquisadores, um dos principais
exemplos nacionais de prejuízos irreversíveis que o mau jornalismo pode acarretar à
reputação dos envolvidos e à imagem do próprio ofício jornalístico, que tem na
credibilidade sua principal matéria prima. Por meio da manchete “Até tu, Ibsen?”
estampada na capa acima do ombro esquerdo do ex-deputado federal Ibsen
Pinheiro, a revista levanta suspeita de corrupção sobre o político que presidiu a
Câmara Federal no biênio 91/92 em meio ao processo de impeachment do ex-
presidente Fernando Collor. E debaixo da imagem de um Ibsen denotando aparente
tensão, como se estivesse acuado, a revista complementa a chamada com o
subtítulo “Um baluarte do Congresso naufraga em dólares suspeitos” em grifo.
Produzida pelo então repórter Luís Costa Pinto, a reportagem acusa Ibsen
de enriquecimento ilícito por meio da “Máfia dos Anões do Orçamento”, nome dado a
um grupo de deputados federais – que tinha a baixa estatura como ponto em comum
– que desviava verbas do orçamento da União entre o final dos anos 1980 e o
começo dos anos 1990. O esquema foi descoberto em outubro de 1993 e era
supostamente liderado pelo então deputado baiano João Alves de Almeida, falecido
em 2004.
Principal reportagem da edição 1.314 de Veja, o caso começa a ser relatado
na página 30, sob o título “Uma estrela na lama”, seguido de três linhas de apoio que
anunciavam: “A CPI descobre que o deputado Ibsen Pinheiro movimentou 1 milhão
de dólares em suas contas e derruba um símbolo do Legislativo”. Sentenças que
parecem ter sido escolhidas a dedo, tamanha a precisão dos significados que
refletiam. O que de acordo com Pena (2005, p.4), não deixava espaço para dúvidas:
Ibsen era realmente culpado. “Não é preciso uma análise semântica mais profunda
para verificar o tom condenatório da reportagem. As palavras escolhidas são
suficientemente conclusivas”.
14. 14
Só que segundo uma entrevista de Luis Costa Pinto, publicada pela revista
ISTOÉ em 18 de agosto de 2004, a edição 1.314 de Veja não previa a denúncia.
Costa Pinto conta que o que estava originalmente previsto era a repercussão de dois
documentos surgidos durante os trabalhos da CPI dos Anões do Orçamento e que
associavam Ibsen Pinheiro com alguns dos integrantes do esquema. A matéria
naturalmente seria mais branda do que a que acabou chegando às bancas, já que o
material reunido não mostraria nada além de uma boa relação de Ibsen com alguns
dos deputados investigados na CPI. Falamos aqui de um cheque depositado pelo
deputado Genebaldo Correia na conta de Ibsen (cuja assessoria parlamentar
comprovou ser referente à venda de uma caminhonete) e de uma foto tirada durante
um jantar em uma ilha grega, na qual Ibsen aparece acompanhado da esposa e de
cinco dos sete acusados, que também aparecem acompanhados de suas
respectivas cônjuges. Algo complicado de se entender sob a ótica da ética, mas
natural num meio repleto de interesses como é a política.
Só que um telefonema de Waldomiro Diniz ao repórter Luis Costa Pinto
acabou provocando uma reviravolta no assunto. Funcionário da Subcomissão de
Investigação Bancária da CPI do Orçamento, Diniz teria dito ao repórter que detinha
informações bombásticas e que estava a caminho da sucursal brasiliense de Veja
para encontrá-lo. Na entrevista, Luis Costa Pinto revelou ainda que “os trabalhos de
encerramento da edição estavam avançados” e que se encontrava dedicado à
construção de “um texto de capa sem maiores novidades ou revelações sobre os
trabalhos da CPI”. “Dali a duas horas, no máximo três horas, a edição de Veja teria
de baixar para a gráfica da Editora Abril, em São Paulo”, complementa. O que
significa dizer que o texto da reportagem que acabou chegando às bancas, o qual
segundo Pena (2005) exprimia um tom condenatório e conclusivo, foi elaborado em
poucas horas.
Braço direito dos então deputados petistas José Dirceu e Aloizio Mercadante
naquelas investigações, Diniz chegou ao escritório de Veja em Brasília munido de
sete boletos bancários e, conforme o relato de Costa Pinto, com um sorriso triunfal
assegurava que os mesmos representavam a prova cabal do envolvimento de Ibsen
com a Máfia dos Anões do Orçamento. “Maravilhado com a possibilidade de cravar
um furo na edição de Veja do fim de semana seguinte”, o repórter se deixou levar
pela versão que lhe foi apresentada e, sem nem mesmo apurar a veracidade do que
acabara de receber, comunicou os editores da matriz de Veja, em São Paulo, de
15. 15
que estaria mudando o tom da reportagem, passando “a ser mais afirmativo contra
Ibsen”.
E o primeiro movimento após avisar a revista com relação à reversão da
pauta foi ligar para o ex-presidente da Câmara, que desmentiu toda a história. A
negativa, entretanto, não foi suficiente para demovê-lo da intenção de divulgar as
supostas provas já naquela edição. De modo que optou por acreditar no material
que tinha em mãos e escrever a matéria, enviando-a algumas horas depois para
São Paulo juntamente com os documentos bancários que havia recebido das mãos
de Waldomiro Diniz.
Costa Pinto conta que depois disso foi para casa, onde chegou próximo às
duas horas da manhã de sábado, e que fora acordado pouco antes das 8h por
Silvânia Dal Bosco, sua colega de redação. Ela trazia um recado do então editor-
executivo da revista, Paulo Moreira Leite, de que havia ocorrido um grave problema.
Nesse momento Costa Pinto teria ligado para o editor-executivo e sido informado por
ele de que Adam Sun, então chefe da equipe de checagem da revista, havia
descoberto que a dolarização (o valor dos boletos apresentados por Diniz já veio
dolarizado) não batia: “Lula (apelido de Costa Pinto), essa soma não dá US$ 1
milhão. Dá US$ 1 mil”, teria dito Adam Sun.
Foi então que, orientado pelo editor-executivo, que já havia mandado
imprimir 1,2 milhão de capas da revista, correu atrás de alguém que sustentasse a
falsa dolarização de um milhão. De posse de apenas 10 minutos para resolver o
problema, Costa Pinto confessa que só pensava em salvar a própria pele.
Não pensei em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar
curso com aquela reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim,
no meu emprego, em como salvar uma reportagem fadada a produzir uma
tragédia. Telefonei para o presidente da CPI do PC, o então deputado
Benito Gama, e consegui pegá-lo acordado àquela hora. Narrei-lhe o
ocorrido. Ele tinha conhecimento da versão acerca dos tais depósitos de
US$ 1 milhão. “Não há chance de isso estar errado. É US$ 1 milhão e Ibsen
terá de responder por isso”, asseverou Benito. “Deputado, isso é on (ou
seja, no jargão jornalístico, eu perguntava se a informação podia ser
publicada assinalando-se a sua origem)? Olhe que a reportagem de Veja,
que está errada, vai se escudar nesse on seu”, perguntei mais uma vez. “É
on. Agora, deixe-me fazer o meu cooper”, tranquilizou-me Benito. Passei a
frase por telefone a Paulo Moreira, que mexeu na edição da revista, e a
Veja circulou com o libelo acusatório contra Ibsen. (ISTOÉ, 2004)
De acordo com a versão de Costa Pinto, foi dessa maneira que a revista foi
parar nas bancas de todo o país, transmitindo ao público certezas das quais nem o
próprio autor da reportagem as possuía. Não obstante, o assunto pautou os jornais
16. 16
de todo o país por dois dias, arrastando o alvo das acusações definitivamente para o
fundo de um buraco do qual não conseguiu mais sair.
Segundo Costa Pinto, uma empresa de auditoria teria sido contratada por
Ibsen Pinheiro para esquadrinhar todos os registros de entradas e saídas de suas
contas bancárias nos últimos cinco anos. Nenhuma movimentação anormal foi
encontrada, mas a CPI se negou a levar em conta os resultados, alegando que não
havia fiscalizado o processo. E foi assim que, seis meses depois da divulgação da
matéria, Ibsen Pinheiro teve seu mandato cassado pelo voto de 296 deputados,
durante sessão plenária ocorrida no dia 18 de maio de 1994. Na ocasião, 139
parlamentares votaram contra a cassação do mandato.
Os onze anos que Costa Pinto levou para se retratar, a existência de
diversas versões sobre o caso e o fato do mesmo ter abandonado a reportagem,
passando a dedicar-se a atividades ligadas à política, são elementos que intrigam
Pena (2005). Porém, para o autor do artigo “No jornalismo não há fibrose: a ruína
das fontes, o denuncismo e a opinião pública”, não restam dúvidas de que, nessa
bagunça toda, o maior prejudicado foi o ex-presidente da Câmara Federal.
Tudo é, no mínimo, muito estranho, mas o fato concreto é que o deputado
Ibsen Pinheiro foi o verdadeiro prejudicado. [...] ele jamais irá recuperar o
momento político que vivia na época, quando era um dos mais fortes
candidatos à presidência da república. Sua carreira foi interrompida por
erros da imprensa, e não há como retomá-la. [...] Para muitos dos que
tomaram conhecimento da retratação, ainda há dúvidas sobre sua
inocência. Como disse, em jornalismo não há fibrose, pois as feridas
abertas pela difamação jamais cicatrizam. (PENA, 2005, p.4)
Quem também se manifestou sobre a revelação do repórter Luis Costa Pinto
foi Alberto Dines (2004). Por meio do artigo “Por que o remorso demorou tanto”,
divulgado pelo site Observatório da Imprensa, o autor classifica o ocorrido como
“um dos maiores libelos contra os procedimentos irresponsáveis da nossa imprensa
nos idos de 1992/93” e avalia que a colocação de três zeros a mais nas contas de
Ibsen representou um dos maiores vexames da história do jornalismo: “O ridículo
erro de aritmética produziu um vergonhoso linchamento midiático que um Legislativo
irresponsável e suas espertas raposas converteram em clamorosa injustiça”.
Em seu artigo, Dines (2004) também condena a demora de Costa Pinto em
reparar o erro e lembra que, quatro anos antes, dedicou um programa televisivo do
Observatório da Imprensa ao desvendamento de todas “as maquinações e
mutretas” de que Ibsen Pinheiro pudesse ter sido vítima.
17. 17
Onde estava o repórter Luís Costa Pinto, que naquele momento deixou
escapar a magnífica oportunidade para uma reabilitação do acusado e
manteve-se em silêncio nos dias seguintes? Onde estavam as grandes
estrelas do jornalismo investigativo que não se sensibilizaram com a tocante
manifestação de inocência num programa de uma hora, ao vivo, em rede
nacional? E onde estava Fenaj há tantos anos preocupada – como afirma –
com a ética profissional e o combate aos abusos? (DINES, 2004, OI)
A incapacidade da imprensa de resgatar o caso e avançar nos
desdobramentos, de modo a restabelecer toda a verdade também foi atacada por
Dines (2004).
Em fevereiro deste ano, quando apareceu no noticiário o nome de
Waldomiro Diniz falou-se muito no seu papel como abastecedor dos então
deputados Aloízio Mercadante e José Dirceu nas investigações da CPI do
Orçamento – a mesma que levou à cassação do ex-presidente da Câmara
dos Deputados. Ninguém se lembrou do seu papel como veiculador da
calúnia contra Ibsen Pinheiro relativa à transferência de 1 milhão de dólares
de uma conta para outra. Amnésia. (DINES, 2004, OI)
1.2 O CONCEITO DE ÉTICA
De acordo com Vásquez (2003), a ética é um campo específico da ciência
cujo objetivo é o estudo da moral dos homens em sociedade. Em outras palavras,
sua função é investigar uma determinada experiência humana referente à moral, a
fim de compreendê-la e explicá-la: “estuda uma forma de comportamento humano
que os homens julgam valioso e [...] deve fornecer a compreensão de um aspecto
real, efetivo, do comportamento dos homens”. (VÁSQUEZ, 2003, p.3)
À ética não devem ser atribuídas às normas, regras e princípios que regem o
comportamento humano em sociedade, já que as mesmas, conforme o autor, foram
constituídas ao longo do tempo de acordo com os valores morais de cada povo. Ou
seja, sua pretensão não é estabelecer, confrontar, corrigir ou agregar novas normas
ou valores, mas sim proporcionar, por meio do resultado de seus estudos,
“conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível, comprováveis”
sobre um determinado problema moral. (Vásquez, 2003, p.3) Sendo assim, não se
pode confundir a ética com seu objeto de estudo: a moral.
No entanto, na medida em que exprime conhecimento científico sobre os
efeitos que determinados atos provocam sobre outros indivíduos, determinados
grupos sociais ou até mesmo à sociedade como um todo, o resultado dos estudos
éticos podem acarretar em transformações, fazendo com que os indivíduos
modifiquem sua maneira de ser e/ou agir.
18. 18
E partindo do pressuposto de que a ética não define o comportamento
adequado para cada situação, pode-se aferir que a cartilha de regras, normas e
princípios que guiam as atividades profissionais das mais diversas categorias foram
constituídas ao longo do tempo, a fim de auxiliar seus filiados sobre como agir de
modo moralmente satisfatório à luz das mais diversas situações. Os jornalistas, por
exemplo, possuem um código que os alertam com relação a direitos, deveres e
responsabilidades de sua função.
Todavia, há quem julgue desnecessário a definição de uma conduta
específica para cada profissão. É o caso de Abramo (1997), que acredita não ser
possível separar a conduta profissional da cidadã.
Onde entra a ética. O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum
não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar
da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o
profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em
qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e
olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso,
perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não
tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão.
O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista. (ABRAMO, 1997,
p.109)
Bucci (2000, p.206), entretanto, pensa diferente. Para o autor, os códigos
“anunciam para a sociedade que seus signatários firmam o propósito de observar,
para benefício dessa mesma sociedade, aquele conjunto de princípios, valores e
padrões de conduta”. Porém, observa que a simples exposição desses códigos ou a
ausência dos mesmos é insuficiente para assegurar a lisura ou a desonra do fazer
jornalístico numa empresa.
[...] Há ambientes profissionais onde nada está escrito e, não obstante, os
melhores valores do jornalismo são vivamente cultivados, cimentando a
cultura dos que ali trabalham. Códigos não fabricam bom jornalismo. Ao
contrário, com incômoda freqüência, são brandidos para encobrir mau
jornalismo. O ponto é outro: os que comandam [...] devem incluir no seu rol
de afazeres a formação ética permanente dos jornalistas, dando-lhes
retorno transparente sobre cada decisão ética e promovendo debates
periódicos sobre o tema, o que inclui a recomendação de leituras e o apoio
a cursos de aperfeiçoamento aos que têm interesse em se aprofundar.
(BUCCI, 2000, P.207)
É que para Bucci (2000), mais importante que um código na parede é o
exemplo que os mandarins das redações deixam para os mais novos. Ou seja, se a
conduta dos superiores for exemplar, a tendência é que os subordinados valorizem o
código e procurem seguir o mesmo caminho dos chefes. Além disso, o autor diz que
19. 19
é preciso estimular o cumprimento das normas com discussões sadias, tornando o
tema uma cultura do local:
Isso pode ser estimulado pelos chefes, na prática, com base nos casos que
se apresentam no dia-a-dia em cada editoria ou em cada revista da
empresa. Além do quê, é preciso explicá-las com calma aos recém
contratados, e, de tempos em tempos, vale a pena revisá-las e atualizá-las
com a participação do maior número possível de jornalistas. Só assim elas
se tornam letras vivas do fazer jornalístico. (BUCCI, 2000, p.205)
Com uma posição semelhante a de Abramo (1997) sobre a ética, Martins
(2005) também afirma não acreditar em tipos diferentes de ética. Em outras
palavras, o autor acredita que o indivíduo tende a reproduzir o mesmo padrão de
conduta ética, seja este bom ou ruim, nas diferentes áreas da vida. “Será possível
que um sujeito seja modelo de comportamento na redação e, em casa, espanque a
mulher e deixe os filhos largados ou, por onde passe, dê trambiques?” (2005, p.30),
questiona ele.
O que muda, segundo o Martins (2005), é o contexto de situações de risco e
tentações comuns a esta ou aquela categoria e que podem, se não advertidas, ir
corrompendo gradativamente a índole do profissional. “Ninguém se torna venal da
noite para o dia”, afirma Martins (2005, p.31). Neste sentido os códigos são
essenciais para o autor, uma vez que atuam como uma espécie de bússola,
orientando o profissional sobre o caminho correto a seguir.
O jornalista não chega à redação uma tarde disposto a tornar-se uma pena
de aluguel, e então se vende. Geralmente, vai baixando a guarda aos
poucos. Um dia, faz uma pequena concessão; dias depois, cede um pouco
mais; semanas mais tarde, enfia o pé na lama; anos depois, está metido até
o pescoço no que não devia. Cada passo em falso vai minando as defesas
do organismo aos ataques da pilantragem até que um dia as resistências
simplesmente desapareceram – e o sujeito, então, atravessa o Rubicão.
(MARTINS, 2005, p.31/32)
Se agir com ética é agir de acordo com as normas e princípios morais de
determinada sociedade, pode-se deduzir que a ética só pode ser alcançada com
lealdade nas relações. E no jornalismo, de acordo com Martins (2005), há uma série
de lealdades que o jornalista deve levar em conta, sendo a lealdade à sociedade a
mais importante delas. No caso de situações de conflito, o autor recomenda que o
repórter reflita atentamente sobre sua primeira lealdade, além de recorrer a um
código de ética não-escrito sempre que necessário.
Jornalistas seguem códigos de ética escritos, o da Federação Nacional dos
Jornalistas e o das empresas onde trabalham, e um código de ética não-
escrito, o da Rádio Corredor. Todos são bons: os primeiros [...] porque dão
parâmetros e, às vezes, desculpas para driblar situações ambíguas; o
20. 20
último, porque dá conselhos. Assim, quando estiver em dúvida, converse
com pessoas cujo julgamento você respeite. Geralmente, essa troca é muito
rica. Não sendo formal, ela tende a descer mais fundo no problema do que
os códigos e a enfrentá-lo com uma ferramenta talhada para nuances: o
bom senso coletivo da nossa categoria. (MARTINS, 2005, p. 35)
De acordo com o artigo segundo do Código de Ética dos Jornalistas,
publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a divulgação de
informações precisas é dever dos meios de comunicação pública,
independentemente da natureza de sua propriedade. Porém, notícias equivocadas
são divulgadas ao público com desalentadora freqüência, falhas que segundo
Martins (2005) derivam do pouco tempo de que dispõe os jornalistas para apurar as
informações. Mas quando elas ocorrerem, devem ser imediatamente reconhecidas
pelo repórter junto ao público leitor. “Lembre-se de sua primeira lealdade” (2005,
p.43), adverte o autor.
Reconhecer um erro não diminui ninguém. Ao contrário, dentro de
determinados limites, reforça a credibilidade do profissional. O público sabe
que os jornais erram e confia mais no jornal que admite sem subterfúgios
suas falhas do que naquele que tenta varrê-las para debaixo do tapete. É
claro que se os erros virarem notícia, não há credibilidade que resista.
(MARTINS, 2005, p. 43)
Em entrevista concedida a Argolo (2002), Alberto Dines, um dos mais
conceituados jornalistas do país, refere que o problema envolvendo os equívocos
cometidos pela imprensa na divulgação das informações vai além do tempo. De
acordo com ele, o problema deve ser creditado principalmente à latente insegurança
de editores e diretores.
À primeira acusação publicada por um veículo – qualquer veículo,
responsável ou não – correm todos na sua esteira, sem investigar ou sequer
contraditar. Há um medo de levar bronca do departamento de circulação
porque o concorrente está explorando determinada questão e ganhando
muita exposição. (ARGOLO, 2002, p. 14)
Sobre o conjunto de regras que visa à padronização da conduta profissional
de membros de uma determinada categoria Dines é favorável, sugerindo inclusive a
criação de disciplinas que familiarizem os profissionais com estas normas ainda
durante a formação. Porém, por ser a ética uma porção da Filosofia e da Moral, o
autor julga como indevido o emprego da palavra para nominá-los. “Ética situa-se
numa esfera superior e íntima, obviamente mais abrangente e muito mais
complexa”. (ARGOLO, 2002, p. 15)
21. 21
Questionado por Argolo (2002) sobre o que pensa a respeito da presença
cada vez maior de advogados dentro das redações, Dines condenou a política
adotada pelos grandes veículos de atribuir a estes a decisão sobre o que pode ou
não ser publicado. Mesmo que a idéia por trás da mudança seja a redução de ações
indenizatórias, o autor entende que os advogados não podem exercer um poder que
historicamente sempre coube aos jornalistas. A natureza antagônica do
compromisso de cada profissional é usada para justificar o ponto de vista.
Advogado não é jornalista, advogado advoga a causa dos clientes, [...]
mesmo que confronte aspectos morais ou éticos. Já o cliente do jornalista é
[...] o cidadão que precisa ser informado com isenção. O jornalista advoga o
interesse público. Se transferimos para os advogados o poder de decidir o
que é certo publicar, tiramos do jornalista o livre arbítrio e, com isso,
esvaziamos completamente o seu senso de responsabilidade, seus dilemas
éticos e morais, sua atenção ao código deontológico. É óbvio que se pode
pedir aconselhamento a bacharéis ou juristas sobre determinada
publicação. Mas quem deve dar a palavra final é o jornalista. (ARGOLO,
2002, p. 21)
A restrição da alçada de atuação dos jornalistas dentro das redações, que
gradativamente vem perdendo para advogados o poder de decidir sobre o que pode
ou não pode ser publicado, pode ser atribuída a mercantilização da mídia
contemporânea. A hipótese surge na esteira da opinião de Sodré (2002), que
classifica a moral da mídia como “utilitarista” e “mercadológica”. O autor entende que
o interesse público foi contaminado pelo capital financeiro e que está desaparecendo
do horizonte ético das redações. E que diante desta realidade, os códigos
deontológicos “viram letra morta”.
É que, na prática midiática corrente, seja no Primeiro ou no Terceiro
mundos, o jornalismo e a esfera político-econômica vivem cada vez mais
em simbiose, sem o distanciamento necessário à formação de uma ativa
cultura crítica, indispensável ao funcionamento de uma verdadeira
democracia. Isto significa que frações ponderáveis dos formadores de
opinião no interior das redações são tão politicamente empresariais quanto
os políticos e empresários profissionais. Servem frequentemente como
agentes de informação e contra-informação na guerra surda da
“inteligência” empresarial. (SODRÉ, 2002, p. 196)
1.3 SISTEMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO DA MÍDIA
Por ter seu produto encarado como um serviço público fundamental e de
inestimável importância à sociedade, a mídia e os profissionais que dela fazem parte
gozam de prerrogativas previstas em vários artigos da Constituição Federal. Direitos
estes concedidos com o intuito de assegurar o direito à liberdade de expressão e
informação. Um deles é o que concede ao jornalista o direito de manter a
22. 22
confidencialidade sobre suas fontes, mesmo que informações referentes às mesmas
sejam do interesse da justiça, conforme o disposto no artigo 5º, inciso XIV, da
Constituição Federal: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". E o artigo 71
complementa que "Nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas
referidas no art. 25 [o correto é 28], poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o
nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio,
a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de
penalidade." E é por saberem que nenhum jornalista pode ser coagido a dar
informações sobre seu paradeiro, por exemplo, que muitos criminosos acabam
aceitando conceder entrevistas, ampliando o conhecimento do público sobre um
determinado assunto, como por exemplo, a estrutura de funcionamento do tráfico de
drogas e o envolvimento de policiais corruptos no esquema.
Mas embora a mídia ocupe um papel de destaque, atuando muitas vezes
como uma espécie de sentinela da sociedade em constante vigília pelo cumprimento
das leis e da moral, não podemos esquecer que os meios de comunicação de
massa também são empresas. E como tais, deveriam estar subordinadas a algum
tipo de organização reguladora que se ocupe da fiscalização de seus conteúdos e
que tenha autoridade para apontar ou coibir deslizes éticos, de modo que as
constrangessem a cumprir com sua função social. Só que para Christofoletti (2003),
que se dedicou à análise e identificação de fatores que pudessem neutralizar toda e
qualquer iniciativa de intervenção no modo de produção da mídia, essa não é uma
tarefa simples. A começar pela concentração integral ou parcial de parte
considerável das empresas de comunicação do país nas mãos da classe política,
por ele definido na pesquisa “Dez Impasses para Uma Efetiva Crítica da Mídia” como
“Coronelismo Eletrônico”. Conforme a pesquisa do autor, um levantamento de 2001
da Folha de São Paulo apontou que os políticos aparecem como proprietários de
24% das empresas de radiodifusão do país, fora os jornais impressos e a
participação em portais de informação. O que, de acordo com Christofoletti (2003),
“significa dizer que a cada quatro emissoras, uma está sob as asas de algum
detentor de mandato”. O autor então conclui ser quase impossível a conquista de
algum progresso num cenário repleto de interesses velados pela manipulação do
cidadão.
23. 23
Num terreno minado como este, o espaço para a crítica é ínfimo, quase
inexistente. A política coronelística, que impunha o chamado “voto de
cabresto” nas primeiras décadas do século 20, agora se reedita apoiada em
mais tecnologia: via satélite, pela internet ou em publicações de qualidade
gráfica e técnica. Através do simbolismo ou do imaginário, as consciências
são conquistadas e a autonomia de pensamento – e por conseguinte a
crítica – é anulada. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.6)
O oligopólio do setor comunicacional do país é outro entrave apontado por
Christofoletti para reformar a indústria da mídia. Para o autor, o fato de apenas “sete
grupos controlarem 80% de tudo o que é visto, ouvido e lido nos media brasileiros”
acarretou uma padronização do noticiário e uma estandardização do entretenimento,
dificultando a entrada de novas empresas, estilos e conteúdos no mercado.
Poderosos, os controladores são avessos à crítica e à contestação de seus
procedimentos. No caso das emissoras de rádio e TV, que dependem de
concessões públicas para operar, o caso é pior, já que a condição pública,
os compromissos decorrentes da permissão de exploração e as
contrapartidas sociais são simplesmente esquecidos. (CHRISTOFOLETTI,
2003, p.4)
A inoperância do Conselho de Comunicação Social, órgão criado em 2002
para auxiliar o Congresso Nacional em assuntos relacionados à mídia também é
apontado por Christofoletti (2003) como indicativo da pequena disposição pública em
fiscalizar o setor. Para o autor, essa natureza meramente consultiva do Conselho o
impede de deliberar e definir políticas para os veículos de comunicação, contribuindo
“para a manutenção de uma camada impermeável a críticas na estrutura
comunicacional brasileira” (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.8)
Para Christofoletti (2003), a reestruturação do setor também se torna inviável
devido à consciência arcaica do empresariado, que ainda hoje se comporta como
alguém que “não deve satisfações públicas do seu negócio”. Ou seja, como
empresários sem nenhuma cultura de responsabilidade social.
Dessa forma, no ramo da radiodifusão, o permissionário simplesmente
ignora a natureza pública da concessão que detém e os compromissos
sociais decorrentes desta situação. No ramo impresso e na internet, mesmo
que independentemente da legislação exigir tais preocupações, o
entendimento geral é de que os assuntos são sempre corporativos,
desinteressantes a outras camadas da sociedade, e desnecessários de um
debate público. Uma preocupação com a crítica dos media e práticas
semelhantes são impensáveis num ambiente tão refratário.
(CHRISTOFOLETTI, 2003, p.9)
Quando o assunto é a discussão do papel dos meios de comunicação de
massa e a qualidade dos conteúdos veiculados, Christofoletti (2003) observa que a
resistência dos profissionais da área é tão grande quanto à dos empresários. Mas
24. 24
mesmo que tal fato por si só se configure num impasse, o autor vai além ao explicar
que, mesmo que quisesse, a categoria encontraria muita dificuldade para regular “o
próprio mercado de trabalho”. Falamos aqui da ausência de um órgão representativo
legítimo da categoria, que se ocupe da punição de profissionais faltosos. Como
explica Christofoletti:
Diferente dos médicos, engenheiros e advogados, os jornalistas não podem
cassar os registros dos maus profissionais, zelando assim pela qualidade
mínima dos que estão atuando no mercado. Quem fornece os registros é o
Ministério do Trabalho, instância que pode também suspendê-los, fato raro.
Com flancos por onde bons e maus profissionais podem penetrar
indistintamente, o mercado de trabalho jornalístico segue quase sem regras.
Sem regulação, essa terra-deninguém não tem estabilidade para permitir o
desenvolvimento de qualquer crítica ou avaliação mais consistente.
(CHRISTOFOLETTI, 2003, p. 9/10)
Outros fatores complicadores apontados por Christofoletti (2003) para a
criação e disseminação de uma cultura preocupada com a crítica dos meios de
comunicação são o descaso do poder público para com o conteúdo exibido pela
mídia e a inércia da sociedade, que somados acabam por assegurar às emissoras
intermináveis renovações do direito de exploração das concessões públicas de rádio
e TV. O autor, no entanto, observa a ocorrência de tímidos movimentos lançados
com o intuito de induzir a mídia a produzir conteúdos de qualidade, como a
campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados. Lançada em 2002 em parceria com entidades
da sociedade civil, a campanha se dedica ao acompanhamento de programas da TV
aberta. O que segundo Christofoletti (2003), “pode se converter num eficiente
indicador para uma reavaliação das concessões na TV brasileira”.
Até 13 de abril de 2003, mais de 800 manifestações haviam chegado à
Comissão de Direitos Humanos, queixando-se de abuso na exibição de
cenas consideradas impróprias para o horário, de sensacionalismo, apelo
sexual e incitação à violência. Apoiado no trabalho da campanha, o
Ministério Público de São Paulo entrou com representação no Ministério da
Justiça contra o Programa do João Kleber (Rede TV) pedindo a mudança
do seu horário de exibição. A campanha faz o levantamento dos piores
programas televisivos para depois desestimular os anunciantes a
patrocinarem tais iniciativas. A idéia é secar as fontes de financiamento de
certos conteúdos, impondo novos padrões de qualidade para a
programação. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.7)
E para o francês Jean-Claude Bertrand (2002), o antídoto para todos esses
impasses depende justamente do envolvimento da sociedade civil. Defensor de uma
liberdade de imprensa a serviço dos cidadãos e não das empresas, Bertrand (2002)
propõe a criação de sistemas de responsabilização da mídia, por ele definidos como
25. 25
“quaisquer meios de melhorar o serviço de mídia ao público, totalmente
independentes do governo”. E de todos os grupos envolvidos na Comunicação
Social somente dois, na opinião do autor, estariam habilitados a integrar estes
sistemas de controle da qualidade do jornalismo: os jornalistas e o público
consumidor. Uma parceria que renderia inúmeros benefícios, segundo Bertrand
(2002).
Espera-se que atinjam seu objetivo aumentando a competência dos
jornalistas e descobrindo (por meio de observação e análise) o que a mídia
faz e não faz, em comparação com o que deveria fazer. E, sobretudo, os
MAS (Media Accountability Systems, Sistemas de Responsabilização da
Mídia) capacitam os veículos de comunicação a ouvir as opiniões dos
consumidores, a saber do que gostam, não gostam ou podem vir a gostar.
Graças a eles, a mídia consegue descobrir, corrigir, explicar seus erros e
equívocos, desculpando-se por eles. Esses sistemas são um misto de
controle de qualidade, serviços ao consumidor, educação contínua e muito
mais – não apenas, decerto, auto-regulamentação. Aos cidadãos, os MAS
devolvem os direitos humanos que a casta dos profissionais de mídia
costuma confiscar. (BERTRAND, 2002, p.35)
Para Bertrand (2002), a fiscalização da mídia por entidades não-
governamentais compostas por quem produz e consome os produtos da mesma é a
maneira mais segura de obter uma efetiva melhora do serviço, já que a intervenção
do Estado poderia acarretar “conseqüências desastrosas, como o estabelecimento
de um regime autoritário”. E quanto ao mercado, a ressalva que Bertrand (2002) faz
é decorrente da natureza gananciosa da classe empresarial e de sua ainda
incipiente consciência de responsabilidade social.
Apelar para a lei ou ceder ao mercado? A legislação cerceia o abuso dos
mercadores. A livre-empresa cerceia o abuso do Estado. Mas muitas falhas
dos jornalistas (como incompetência, arrogância, parcialidade, covardia,
mendacidade) ou da mídia (bairrismo, infoentretenimento, autocensura,
publicidade disfarçada) não podem ser sanadas por códigos e tribunais.
Quanto ao mercado, é responsável por várias dessas falhas e incapaz de
curar outras. Uma terceira força é necessária. (BERTRAND, 2002, p. 31/32)
De acordo com as palavras de Bertrand (2002), anteriormente referidas
neste capítulo, os sistemas de responsabilização da mídia são um misto de controle
de qualidade, serviço ao consumidor, educação contínua e muitos outros meios
além de auto-regulamentação. De acordo com o autor, o conceito reúne perto de
sessenta desses meios e todos já foram utilizados, “do espaço de correção à crítica
interna, da associação de espectadores à comunidade universitária”. E por tamanha
ser a abundância de meios disponíveis para perseguir um único objetivo, Bertrand
26. 26
(2002) as dividiu em três grupos: documentos impressos ou difundidos por
radioteledifusão; pessoas, indivíduos ou grupos; e processos, longos ou curtos.
1.4 O OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
O Observatório da Imprensa é entendido como um meio de regulação da
mídia por ser um veículo jornalístico totalmente independente de governos, cuja
proposta é cobrar da mídia o cumprimento de seus deveres e responsabilidades por
meio da crítica. Também colaboram para esse entendimento o fato do site ser
comandado por um jornalista experiente e ser aberto à participação do cidadão
consumidor de informação.
Fruto de uma iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo
(Projor) e de um projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em
Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas, o Observatório da
Imprensa (2011) “é um veículo jornalístico” que tem como proposta a análise crítica
do desempenho da mídia brasileira. Lançado como site da web em abril de 1996, o
veículo tem como editor o jornalista Alberto Dines. Com o passar do tempo o
Observatório da Imprensa foi expandindo suas atrações para outras mídias,
contando hoje com programas televisivos (desde 1998) e radiofônicos (desde 2005).
O veículo também se apresenta, no site, como uma “entidade civil, não-
governamental, não-corporativa e não-partidária”, cuja proposta é funcionar como
um palco de discussão permanente, onde os usuários das mais diversas mídias
tenham a possibilidade de participar ativamente de um processo do qual, segundo o
veículo, “até há pouco desempenhavam o papel de agentes passivos”.
No entanto, para Albuquerque (2001), mais que oferecer um espaço de
debate e confronto de opiniões a agentes sociais diversos, o Observatório da
Imprensa atua como agente provocador deste processo. O autor chegou a essa
conclusão depois de analisar 24 das primeiras 96 edições do site.
Ele se apresenta também como um agente que toma parte ativamente no
debate, defendendo posições, buscando influenciar os outros agentes, etc.
Obviamente, ele não o faz de uma perspectiva “neutra”, desprovida de
qualidades, regras e vícios. Alberto Dines e seus principais colaboradores
não são, obviamente, jornalistas “universais” e não têm procuração para
falar em nome da classe como um todo. Os seus discursos são permeados
por conceitos e preconceitos que refletem as suas trajetórias particulares
dentro do jornalismo (ou em referência a ele). (ALBUQUERQUE, 2001, p.1)
27. 27
De acordo com os objetivos relatados no site do Observatório da
Imprensa, o que o veículo avalia é o produto jornalístico e não os grupos de
comunicação de massa ou os profissionais que executam suas diretrizes. O
Observatório da Imprensa ainda esclarece que “não pretende competir, substituir
ou alinhar-se” a qualquer entidade representativa da categoria ou de mídias, “como
a ABI, a FENAJ, a ABERT, a ANJ e a ANER” (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA,
2011). Embora o pioneirismo de suas atividades seja destacado no site, consta na
apresentação do mesmo que o veículo não pretende ser o único do gênero crítica da
mídia e convoca outros grupos a fazerem o mesmo.
Ainda que não especifique quando, é informado no site do Observatório da
Imprensa que a crítica da mídia surgiu nos Estados Unidos “como forma de
sensibilizar a comunidade e os profissionais da mídia para a complexidade da
função jornalística na sociedade moderna” (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA,
2011), somando-se às experiências anteriores do ombudsman e do media-criticism.
É dito ainda que o país conta com pelo menos duas organizações semelhantes,
cada qual com sua perspectiva política própria: a FAIR (Fairness & Accuracy in
Reporting), cujo enfoque é a análise da intromissão do poder econômico e político
na imprensa, e a Accuracy in Media, mais inclinada a indicar as infiltrações e
distorções liberais na grande imprensa americana. Embora concorrentes, as duas
organizações – segundo o texto de apresentação do Observatório da Imprensa –
se completam, “constituindo um sólido aparelho crítico, pluralista e democrático”.
(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2011)
O Observatório da Imprensa é formado por uma equipe composta por
editor responsável, redator chefe, editores assistentes, redatores, produtores,
colaboradores, administrador, consultor e membros do Projor, num total de 25
pessoas. Apresenta um conjunto de 14 seções, sendo cada uma delas dedicada ao
tratamento de um assunto específico. O site do Observatório da Imprensa é
patrocinado pela Petrobrás, Embraer e bancos do Brasil e Bradesco. O portal ainda
conta com atrativos como o OI na TV, Vídeos OI, OI no Rádio e Blogs OI, que
oferecem ao internauta a possibilidade de acompanhar os últimos programas de
rádio e TV do veículo, além do acesso a blogs.
O site é formado por diversas seções, que de acordo com Albuquerque
(2001, p.2) são “presididas por suas próprias regras de ocupação, as quais
28. 28
determinam os tipos de temas a serem tratados e de agentes a serem aceitos em
cada uma delas”. Conclui-se, então, por inferência, que as seções são as editorias
do Observatório da Imprensa. E ainda segundo o autor, a montagem da página de
abertura do site sinaliza a existência de uma escala de valor relativa, que varia de
edição para edição. O destaque que determinada seção recebe, maior ou menor, é
atribuído por Alberto Dines e sua equipe de colaboradores.
O status dessas seções é variável: o índice publicado na página de abertura
do Observatório da Imprensa fornece um referencial bastante eficiente
acerca do status relativo de cada uma das suas seções (quanto mais acima
e à esquerda estiver situada uma seção, maior deverá ser a sua
importância); a existência de chamadas ou ilustrações referentes a uma
seção também constituem critérios de distinção de uma seção. Do mesmo
modo, o status dos agentes que participam do Observatório da Imprensa
também varia, em função dos espaços que habitualmente eles ocupam e da
frequência com que o fazem. (ALBUQUERQUE, 2001, p.2/3)
A seção Circo da Notícia, de acordo com Albuquerque (2001), pode ser
apontada como o espaço editorial do Observatório da Imprensa, já que é ocupada
quase que exclusivamente por artigos de seu editor-chefe, Alberto Dines. A seção é
ocupada por artigos que refletem às “concepções particulares do Observatório
sobre questões relacionadas à ética e à responsabilidade social da imprensa”,
(ALBUQUERQUE, 2001, p.5).
Na seção Imprensa em Questão, a temática discutida, segundo Albuquerque
(2001, p.10), “é bastante semelhante à do Circo da Notícia: questões relativas à
ética e à responsabilidade social do jornalismo”. O que distingue uma da outra,
conforme o autor, é o ponto de vista plural da Imprensa em Questão, ou seja, a
opinião é exercida por agentes sociais diversos, além da do editor-chefe do
Observatório e sua equipe. Essa participação, entretanto, é induzida pela equipe do
Observatório da Imprensa. É que de acordo com Albuquerque (2001, p.10), textos
são coletados “para pautar ou servir [...] de apoio para os artigos publicados”. O
autor cita como exemplo a publicação do artigo “Coisas do Passado”, escrito por
Alberto Dines à época de seu vínculo com o jornal Folha de São Paulo, mas que
não foi divulgado por estar em desacordo com a linha apartidária do veículo. “Tal
fato gerou, na edição de no 56, um ‘Dossiê Censura’, aberto justamente pelo texto
não publicado”, (ALBUQUERQUE, 2001, p.10).
“Dossiê Censura” foi o nome dado à cartola do conjunto de textos originados
pela publicação do artigo “Coisas do Passado”, de Dines. Agrupados pelo trabalho
de edição, os artigos foram publicados sob o título “Crise nos Jornais”. De acordo
29. 29
com Albuquerque (2001), o título e a cartola são recursos de edição utilizados no
Observatório da Imprensa para atribuir um sentido geral a um determinado
conjunto de textos fundamentalmente distintos. No caso já referido, a intervenção
resultou, nos dizeres de Albuquerque (2001, p.11), num “amplo arco de apoio em
torno de Dines”. Mas o que realmente chamou a atenção do autor foi o tratamento
dispensado pelo veículo a única opinião dissonante do conjunto.
[...] o texto é curto demais, o que conspira contra a coerência do argumento;
seu conteúdo é relativizado pelo uso de aspas; mesmo a identidade do
autor da frase é apagada, em contraste com a “Manifestação dos leitores da
Folha”. Os próprios títulos dos dois textos contrastam: no caso do
telespectador da versão televisiva do Observatório, o título destaca o fato de
se tratar de uma manifestação singular; no caso da Folha, porém, o título se
refere à manifestação de leitores, embora a introdução do texto afirme que a
carta foi a “única manifestação na seção Painel do Leitor da Folha de S.
Paulo”. O efeito é evidente: enquanto a carta do leitor da Folha é tratada
como representativa do pensamento do conjunto dos leitores do jornal, a
tomada de posição favorável à Folha é caracterizada como puro nonsense.
(ALBUQUERQUE, 2001, p.11)
Na percepção de Braga (2006), que analisou o Observatório da Imprensa de
2001 a 2003, não foi por acaso que Albuquerque (2001) identificou a existência de
um “amplo arco de apoio em torno de Dines” na seção Imprensa em Questão. É
que Braga (2006, p.112) entende ser “evidente que os artigos selecionados para
essa seção o são em função de se caracterizarem como bons exemplares da
démarche crítica preferencial” do veículo. (BRAGA, 2006, p.112) O que caracteriza a
seção, conforme Braga (2006, p.113), como “o campo de um jogo ‘regulamentado’
pelos critérios definidores da ‘posição OI’. Já Albuquerque (2001, p.10) insinua
quase a mesma coisa, ao observar que “a Imprensa em Questão é um espaço
plural, mas [...] isso não significa necessariamente que se trata de um espaço
aberto”.
Essas veladas intervenções promovidas pela equipe do site são decorrentes,
de acordo com Braga (2006), da natureza militante da crítica do Observatório, que
busca, por meio desse recurso, conquistar a adesão do leitor ao conjunto de valores
e critérios defendidos pelo veículo como sinônimos de bom jornalismo. “[...] o esforço
da crítica é vergastar pontos de vista diferenciais e buscar o aliciamento dos leitores
para o ponto de vista assumido”. (BRAGA, 2006, p.129)
De acordo com os valores e critérios apontados por Braga (2006) como
norteadores da linha de ação crítica do Observatório da Imprensa, o que o veículo
cobra é um jornalismo crítico, com profissionais dotados de um poder de análise e
30. 30
interpretação capaz de proporcionar ao leitor uma perspectiva mais aguda e refletida
acerca dos fatos que apura. A responsabilidade política da imprensa também é
bastante enfatizada, já que segundo Braga (2006) a imprensa é tida pelo
Observatório como base principal da esfera pública, o meio pelo qual a política se
realiza: “no sentido forte, de planejamento das ações da sociedade, que não se
reduz às estratégias político-partidárias”, (BRAGA, 2006, p.114). De modo que tudo
o que for produzido pela mídia que conflitar com estes valores será expressamente
criticado no Observatório da Imprensa. Como explica o autor:
[...] apresenta matérias que fazem a crítica de ações, na sociedade (ações
de jornais, mas também de setores econômicos e políticos) que possam ter
alguma incidência restritiva sobre a imprensa e particularmente sobre uma
imprensa crítica. Igualmente, considerações sobre a legislação e a
jurisprudência que possam ter incidência sobre o jornalismo pretendido. [...]
Parece-me que essa “linha de ação” crítica determina os demais ângulos e
componentes do jornal.
O Observatório da Imprensa também reproduz, na seção A Voz dos
Ouvidores, críticas feitas por ombudsmans ou colunas de ouvidores de jornais. O
conteúdo, porém, só é publicado se apresentar similaridade com a implícita cartilha
de valores do veículo. E por ter essa característica, de reprodução de publicações
externas que reforçam sua posição, a seção se constitui, na visão de Braga (2006),
como uma das principais seções do Observatório da Imprensa.
Para Albuquerque (2001, p.14), o poder de cacifar os próprios discursos e de
enfraquecer as opiniões dissonantes torna o Observatório da Imprensa “um espaço
muito menos plural do que nos parecia ser a princípio”.
A Entre Aspas, de acordo com Braga (2006), é a única seção do site em que
as mais antagônicas interpretações coexistem harmonicamente, sem intervenções
ou manobras editoriais. A seção é ocupada por matérias e/ou artigos assinados, que
foram publicados em algum veículo de imprensa no país. “Com a característica de
um clipping organizado tematicamente (‘imprensa’), aparece toda uma diversidade
de notícias e interpretações, [...] em que o que importa efetivamente é o ‘falar sobre
imprensa’”, (BRAGA, 2006, p.119)
Na seqüência, ao traçar um paralelo comparativo entre a crítica do
Observatório da Imprensa com a feita pelo ombudsman (jornalista existente em
alguns veículos cuja função é a crítica dos pares em cima de erros por eles
cometidos) o autor identifica que o fato em comum é a de que em ambos os casos
críticos e criticados fazem parte da mesma profissão. Observa, no entanto, que a
31. 31
crítica do ombudsman é feita internamente (o crítico trabalha no mesmo ambiente do
alvo de sua crítica) e embasada nos padrões profissionais vigentes. Trocando em
miúdos, o ombudsman critica o jornalista que, com ou sem intenção comete deslizes
na produção das matérias, afastando-se do modelo comum da produção jornalística.
Enfoque este inversamente proporcional ao do Observatório da Imprensa, que
desenvolve a crítica em cima de alguns dos padrões vigentes e suas realizações
práticas. Prosseguindo o relato da crítica feita no Observatório da Imprensa, o
autor diz que:
Os processos jornalísticos são cotejados com uma posição política mais
ampla, que cobra sua revisão. Paralelamente, não há propriamente
negociação de interpretações – a crítica se coloca como
interpretadora/definidora baseada na experiência profissional e analítica do
Observatório. Como essa posição é constituída sobretudo por um dever ser
(mais do que por uma cobrança de ajustes ou de correção pontual de
desvios), demarca-se como um ponto de vista militante. [...] o esforço da
crítica é vergastar pontos de vista diferenciais e buscar o aliciamento dos
leitores para o ponto de vista assumido. (BRAGA, 2006, p.129)
A idéia central do Observatório, de acordo com Braga, seria então o
combate aos padrões usuais do fazer jornalismo, criticando-os e argumentando em
defesa da troca por outro modelo, menos neutro e mais opinativo. Diferente do
ombudsman, a crítica do Observatório não se preocupa em ensinar o leitor, em
esclarecê-lo acerca dos métodos e técnicas corretos do fazer jornalismo. Muito antes
pelo contrário, o esforço da crítica é dirigido à conquista da adesão do leitor à visão
do Observatório, numa ação que o autor configura como militante.
Isso não significa que não se aprenda através da leitura sistemática do site.
Pelo contrário, aprendemos muito sobre a imprensa e seus processos. O
que assinalo apenas é que o discurso do jornal não se organiza de modo
didático – a interlocução não é assim expressamente construída – como
diálogo entre conhecedor e aprendiz, e sim, antes, como apelo de adesão
aos bons valores. A interlocução não é voltada para o desenvolvimento de
conhecimentos e competências, mas para o embate de valores. (BRAGA,
2006, p.130)
O autor também contesta o mote escolhido pelo Observatório, representado
pela frase “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”, que acompanha o nome
do site a cada número. No entendimento dele, a frase insinua equivocadamente que
o leitor comum de jornais é o público-alvo do OI, a quem o veículo dirige suas
atenções e concentra seus esforços para ensinar, desenvolver e/ou ampliar a
capacidade de leitura crítico-interpretativa das notícias. Para Braga (2006), ensinar
está longe de ser a preocupação dominante do Observatório. A idéia, segundo o
autor dá a entender no trecho abaixo, é persuadir o leitor e captá-lo para o “time”, de
32. 32
modo que ao longo do tempo este também se torne um defensor/difusor das idéias
do Observatório.
O aprofundamento da interpretação faz rever essa hipótese. A discussão
não se faz entre profissionais e críticos, de um lado, e leitores, de outro.
Parece antes se fazer entre iniciados (críticos, militantes – jornalistas ou
não), dando acesso a esse debate, para que o leitor possa se tornar, ele
também, um “iniciado”. E é só pela passagem a esse outro patamar que o
dístico se realiza. Não é, portanto, uma promessa pedagógica, mas um
desafio. (BRAGA, 2006, p.131)
Após discorrer sobre o tom militante da crítica do Observatório da
Imprensa, Braga direciona sua análise para os interlocutores do portal. Ao identificar
a existência de três distintas categorias de público, o autor explica a função de cada
uma dentro da estrutura do site, e fala sobre a postura de ação que o veículo adota
com cada público.
Um nós fortemente sintonizado com os valores e com os processos críticos
de defesa desses valores; os “adversários”, que são vergastados [...] por se
contraporem ou [...] por nem sequer perceberem a validade dos critérios
que deveriam estruturar a boa imprensa; e um leitorado disperso, que pode
ser composto por jornalistas, estudantes e usuários interessados, leitores
habituais da imprensa de interesse político (que deve ser convencido
através do vigor crítico do OI). Em suma: trata-se da estrutura básica da boa
militância político-social (e, no caso, também profissional). Essa seria a
estrutura da polêmica do Observatório. (BRAGA, 2006, p.131)
2. METODOLOGIA
Para que se possa cumprir o papel exigido neste trabalho de iniciação
científica, que é de cotejar a teoria com a prática, se optou pela metodologia
qualitativa, na modalidade de estudo de caso, que segundo Yin (2001) é uma
pesquisa fundamentada na observação e exploração dos fatos que envolvem um
determinado fenômeno contemporâneo dentro de um contexto de vida real, onde
diferentes fontes de evidência são utilizadas. O Estudo de Caso, conforme Yin
(2001), é a estratégia mais adequada para responder a questões do tipo “como” e
“por que”, em situações em que o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos.
Assim sendo, as técnicas de pesquisa empregadas foram a coleta de entrevistas e
documentos, que servirão de base para responder as perguntas já referidas.
Conforme posteriormente veremos na análise do caso propriamente dito,
diversos personagens emitiram suas opiniões à luz daquilo que representou o cerne
do linchamento moral ou desgaste atribuído a Ibsen. Aliás, faz-se importante dizer
que o termo “linchamento de Ibsen” serviu de cartola para dois desses artigos, um
33. 33
deles de autoria do próprio editor-chefe do site, Alberto Dines. E todas essas
opiniões vieram à tona a partir da matéria publicada pela revista Istoé em agosto de
2004 que, na verdade, foi a sentença de absolvição pública da imprensa, embora
por outro veículo que não o prolator da “sentença condenatória”, no caso a revista
Veja, em novembro de 1993.
E a fim de responder de que forma o erro ganhou visibilidade e como o
mesmo foi analisado no âmbito dos jornalistas, dividiu-se os artigos em grupos e a
partir do meio em que foram originalmente publicados, sendo que todos foram
reproduzidos pelo Observatório da Imprensa.
Erro do repórter Responsabilidade Erro das fontes Erro da Imprensa
da revista
5 - 12 4-5 2-3 9 - 11
Paulo Moreira Florência Costa Adam Sun (2) Eliane Cantanhêde
Leite (5), Benito (1), Eduardo (1), Guilherme
Gama (1), Luis Ribeiro (1), Fiuza (1), Mauro
Costa Pinto (4), Tereza Cruvinel Malin (2), Carlos
Reinaldo (1), Alberto Dines Brickmann (1),
Azevedo (1), (2) José Paulo Lanyi
Dora Kramer (1) (1), Marcelo
Beraba (1), Luiz
Egypto (1), Alberto
Dines (2), Deonísio
da Silva (1)
34. 34
Entre Aspas. Imprensa em Entre Aspas (6) e Imprensa em
Questão (5), Imprensa em Questão (1) Entre
Entre Aspas (10), Questão (4). Aspas (6) e Voz
Circo da Notícia dos Ouvidores (1).
(1), Voz dos
Ouvidores (1).
No grupo “Erro do Profissional”, quatro autores apontam o então repórter
Luis Costa Pinto como o responsável por levar adiante uma história que sabia não
ser condizente com a verdade. No grupo “Responsabilidade da Revista”, quatro
autores atribuem a Veja a culpa pelos danos que sua matéria provocou ao então
deputado Ibsen Pinheiro, em novembro de 1993. Já na opinião de outros dois
autores, a responsabilidade pelos erros nos números divulgados por Veja deve ser
imputada às fontes. E para 11 articulistas, a responsabilidade pelo erro recai sobre
toda a imprensa, já que nenhum veículo se empenhou em recuperar o episódio e
restabelecer a verdade dos fatos.
2.1 ERRO DO PROFISSIONAL
Dos 28 artigos coletados, o grupo “Erro do Profissional” responde por 42%
do total, com 12 colaborações. As opiniões dos autores Paulo Moreira Leite, Luis
Costa Pinto, Benito Gama, Reinaldo Azevedo e Dora Kramer foram exibidas na
seção “Entre Aspas” do Observatório da Imprensa.
Editor executivo de Veja à época da publicação da reportagem “Até tu,
Ibsen?”, de 17 de novembro de 1993, Paulo Moreira Leite classifica a versão de Luis
Costa Pinto como “fantasiosa”. Ele admite ter telefonado para Lula (apelido de Costa
Pinto) informando que Adan Sun havia detectado erro nos números referentes aos
depósitos nas contas de Ibsen, mas nega que tenha orientado o repórter a procurar
alguém que sustentasse o valor. No artigo “Radiografia de uma mentira”, exibido
pelo jornal O Globo em 18 de agosto de 2004 e reproduzido pelo Observatório da
Imprensa seis dias depois, Moreira Leite argumenta que telefonou para cobrar
transparência: “Se havia deputados acusando Ibsen, eles deveriam assumir sua
35. 35
responsabilidade e não usar a imprensa como bucha de canhão”. Já em outro artigo,
divulgado pela Istoé em 17 de agosto de 2004, o atual colunista da revista Época
afirma que o erro encontrado por Adam Sun não o havia surpreendido, já que a
condução do impeachment de Fernando Collor havia rendido a Ibsen diversos
desafetos. E que diante dessa descoberta ligou para Costa Pinto a fim de ouvir o
que o repórter tinha dizer. A decisão de divulgar números contestados pela própria
equipe de checagem, segundo Moreira Leite, teria sido tomada por causa dessa
conversa, em que Costa Pinto categoricamente descartava qualquer hipótese de ser
vítima de uma armadilha: “Ninguém nos proibia, naquele momento, de publicar duas
versões, o que teria ao menos amenizado o erro.” (artigo 8)
Embora o esforço percebido nos artigos de Paulo Moreira Leite para se
isentar de culpa sobre a matéria que exibiu depósitos inexistentes nas contas de
Ibsen Pinheiro, para Bucci (2000) o ex-editor executivo de Veja tem sim grande
responsabilidade no episódio. Não que o autor tenha feito referência a este caso
específico ou tecido algum juízo de valor sobre o mesmo. Mas sim porque afirma
que “os que comandam [...] devem incluir no seu rol de afazeres a formação ética
permanente dos jornalistas, dando-lhes retorno transparente sobre cada decisão”.
(BUCCI, 2000, p.207) O autor acrescenta que o mais importante dentro das
redações é o exemplo que os chefes dão para os mais os novos. É que para Bucci
(2000), a tendência é que os subordinados se espelhem nos mesmos, ou seja,
reproduzam suas ações.
Por trazer informações incondizentes com a versão de outros autores, optou-
se por ultrapassar excepcionalmente os limites da pesquisa com o adendo de um
parlamentar citado tanto no relato de Costa Pinto, publicado pela Istoé, quanto na
reportagem de Veja que originou este estudo. Trata-se de Benito Gama, ex-
deputado que exerceu o comando da CPI do Orçamento e da subcomissão bancária
da mesma em 1993. Em artigo publicado na versão online de Veja, de 17 de agosto
de 2004, ele nega que tenha recebido pedido de Costa Pinto para confirmar
qualquer informação falsa sobre Ibsen. E insinua, inclusive, que sequer serviu de
fonte para a matéria: “A fonte do jornalista [...] era oculta na época. Preferiu mentir
[...] informando a seu editor [...] que tinha obtido as informações através de mim, o
que não era verdade”. (artigo 28) Por fim, Benito Gama disse repudiar a tentativa de
Luis Costa Pinto de imputar a terceiros a responsabilidade pelas falsas acusações
36. 36
que perpetrou contra a honra de Ibsen e que ingressaria na justiça contra o jornalista
por crime de calúnia e difamação.
Atual colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo, um jornalista
assumidamente avesso ao Partido dos Trabalhadores, acredita que o erro que
vitimou Ibsen pode ser debitado em boa parte a incapacidade do então repórter Luis
Costa Pinto de ler ou de ao menos questionar as reais intenções da ida de
Waldomiro Diniz à sucursal brasiliense de Veja. Para Azevedo (artigo 20), o repórter
encarou o aliado dos então deputados petistas Aloizio Mercadante e José Dirceu
como “um troço guerreiro, a agir sozinho, movido pelo desejo de justiça”, quando na
verdade simplesmente representava a peça de uma engrenagem, a obedecer a
estratégia de inserção de um partido na vida pública. Na visão do autor, isso
acontece porque a imprensa está contaminada pelo espírito de esquerda, de fazer
justiça com as próprias mãos, de punir os poderosos, os ricos, as elites, e que isso,
aliado à determinação de fazer da opinião pública a caixa de ressonância de seus
valores e teses têm contribuído para fazer o mau jornalismo.
Para a jornalista Dora Kramer, as falsas informações propagadas contra
Ibsen Pinheiro nasceram de uma arriscada combinação de elementos (ambição,
ignorância, má-fé, açodamento e leviandade). Sem citar nomes, a autora julga que a
associação desses elementos levou a um conluio contra Ibsen que culminou com a
publicação da matéria. Mas se aqui a impressão que fica é a da divisão equânime de
responsabilidades, mais adiante a autora deixa transparecer sua opinião sobre o
principal responsável pelo erro. Ao condenar o jornalismo de delegacia de polícia,
onde segundo ela o jornalista “abre mão do dever de distinguir dados falsos de
informações verdadeiras”, deixando-se levar “pelo primeiro construtor de dossiês
que lhe aparece à frente”, fica fácil deduzir que a crítica sugere falta de imperícia por
parte do repórter na condução do caso.
Embora advirta que obedeceu à instrução de seu chefe à época para levar a
cabo uma matéria calçada em uma falsa prova, Luis Costa Pinto não se furta de
assumir a responsabilidade pelo texto. No próprio depoimento, publicado pela Istoé,
Costa Pinto já admite sua culpa. Diz que se deixou fascinar pela possibilidade de
emplacar um furo de reportagem e que isso, somado ao pouco tempo que dispunha
para fechar a edição, o levou a ignorar a checagem das informações. E com relação
a sua anuência ao plano de dar curso às falsas acusações por meio de uma fonte
oficial, Costa Pinto lançou mão da juventude para justificar sua omissão. Disse que
37. 37
por ter só 24 anos de idade na época não tinha acumulado maturidade suficiente
para se insurgir contra o comando e que não teme ser condenado por revelar as
falhas que teve e estar do lado da verdade. Em outro momento, o repórter admite
que o medo de perder o emprego falou mais alto, levando-o a seguir a orientação.
Os interesses profissionais alegados por Costa Pinto para justificar sua
anuência á orientação de seu ex-chefe revelam que em nenhum momento o repórter
levou em consideração as normas, princípios e valores do Código de Ética do
Jornalismo. Mais do que isso, mostram a falta ou a fragilidade de seu caráter como
cidadão à época, que como ele mesmo insinua estava ainda em formação. A
dedução advém das teses de Martins e Abramo (1997), que afirmam ser impossível
separar a conduta profissional da cidadã. Em outras palavras, os autores acreditam
na reprodução, por parte do indivíduo, do mesmo padrão de comportamento nas
mais diversas áreas da vida. “Ninguém se torna venal da noite para o dia”, afirma
Martins (2005, p.31). Contextualizando a sentença de Martins (2005, p.31), a atitude
conivente de Costa Pinto não pode ser entendida como um fato isolado. “O jornalista
[...] geralmente vai baixando a guarda aos poucos. Um dia, faz uma pequena
concessão; dias depois, cede um pouco mais; semanas mais tarde, enfia o pé na
lama.” O que pode ser comprovado pelo próprio relato de Costa Pinto, ao afirmar
que por diversas vezes silenciou ao testemunhar a chefia constrangendo colegas a
encontrar frases de fontes que confirmassem o que já havia sido redigido.
2.2 RESPONSABILIDADE DA REVISTA
A opinião de que o erro deve ser creditado à revista foi compartilhada por
quatro autores, num total de cinco colaborações. Os artigos dos jornalistas Florência
Costa, Eduardo Ribeiro, Tereza Cruvinel e Alberto Dines correspondem a 17% do
total coletado.
A jornalista Florência Costa, atualmente vinculada à Istoé, diz em seu artigo
que é longa a história dos erros da mídia e seus efeitos arrasadores para acusados
e acusadores. A autora diz ainda que a mídia americana protagonizou uma
avalanche de erros e retratações nos últimos anos e que a imprensa brasileira,
embora mais jovem, não fica muito atrás. Costa não faz nenhuma referência a Veja
ou ao episódio de erro jornalístico envolvendo o ex-deputado Ibsen, mas sugere a
38. 38
responsabilidade da revista em dois momentos. Primeiro, ao destacar que mais
importante que dar um furo de reportagem é antes se certificar de que o mesmo está
correto. E depois ao recomendar, para casos de erros, postura semelhante à
adotada pelo Correio Braziliense, que no ano 2000 ganhou o Prêmio Esso de
jornalismo por destacar, na própria capa, a admissão de um vacilo por meio da
manchete: “O Correio Errou”. “Se errou, é melhor consertar”, completa.
Outro que atribui à revista Veja a responsabilidade pelo erro é Eduardo
Ribeiro. Em seu artigo, comemorou o momento que o país atravessava, de
discussão aberta de questões importantes relacionadas à imprensa, e disse esperar
que o debate acarretasse o aprimoramento da atividade. Em outras palavras, o que
Ribeiro defende é o fim da tolerância para com os erros de imprensa: “Se [...] errou,
que repare o erro e que seja punido se for o caso, como acontece em qualquer outra
atividade. Não somos diferentes nem devemos ter foro privilegiado. Delito de opinião
é crime e ponto.” (artigo 26) E ao sustentar que os veículos de mídia devem ser
responsabilizados por tudo o que veiculam, principalmente em casos de ataque a
honra alheia, o autor condena Veja por ter dado mais destaque ao seu revide à
Istoé do que a correção do erro que cometeu na matéria sobre Ibsen. “Os veículos
olham os erros dos outros, e dependendo do caso carregam nas tintas, para
desmoralizar um eventual concorrente, mas na hora de olhar seus próprios erros são
míopes e econômicos”. (artigo 26)
Presidente da TV Brasil até 1° de novembro do corrente ano, quando então
transferiu o cargo ao colega Nelson Breve, a jornalista Tereza Cruvinel escreveu
artigo sobre o caso contendo uma entrevista com o alvo das acusações de Veja em
1993, Ibsen Pinheiro. Ela entende que a matéria de Istoé e a respectiva confissão
de Costa Pinto representam “o reconhecimento tardio de houve erro numa das
reportagens que fundamentaram o processo de cassação” (art. 27) do mandato do
político. Porém, traz trechos de conversas que teve com Ibsen que colidem com seu
próprio julgamento do episódio: “Ninguém teria tal força, isoladamente. Nem o que
Veja fez foi discrepante do clima generalizado de então. Não fui cassado por uma
revista, mas pela Câmara dos Deputados [...] Era cassar ou cassar”.
Editor-chefe do Observatório da Imprensa, Alberto Dines é o único dos
autores estudados a fazer parte de dois dos quatro grupos em que a análise foi
dividida. É que ao tecer duras críticas a contenda pública travada pelas rivais Veja e
Istoé, Dines afirmou, no artigo que titulou como “A guerra dos ventiladores”, que “foi
39. 39
na redação de Veja que se inventou a técnica de induzir os entrevistados a dizer
aquilo que o redator já colocara na matéria”. E embora o autor faça referência a
outro episódio de erro protagonizado por Veja, pode-se deduzir que ele não descarta
a versão de Costa Pinto, que alega ter sido orientado pela chefia a procurar por
alguém disposto a sustentar as falsas informações que dispunha. “O erro só foi
assumido semanas depois, porque a infalibilidade olímpica dos chefes de redação
não permitia o reconhecimento do deslize.” (artigo 3)
2.3 ERRO DAS FONTES
Ocupado exclusivamente pelo jornalista Adam Sun, então chefe da equipe
de checagem de Veja à época da publicação da reportagem “Até tu, Ibsen?”, de 17
de novembro de 1993, o grupo “Erro das Fontes” representa 7% do total de artigos
levantados, com duas colaborações.
Em artigos publicados pela versão online da Veja e pela revista Istoé,
reproduzidos no site do Observatório da Imprensa, Sun admite que dois cheques
enviados por Costa Pinto à matriz de Veja realmente estavam supervalorizados em
1000%, mas nega que os mesmos tenham sido considerados na soma que apontou
o montante de um milhão em depósitos nas contas do ex-deputado: “A checagem
somou 182.000 dólares com 881.000, valores dados por ‘um auditor do Banco
Central, a pedido da CPI’, e o resultado conferia: um pouco mais de um milhão”. Sun
complementa afirmando que a checagem só autorizou a publicação do número
depois de reconfirmar os dados com o autor da apuração, sugerindo, assim, que se
alguém errou nas contas de Ibsen esse alguém com certeza era a fonte.
2.4 ERRO DA IMPRENSA
Abrindo o grupo dos articulistas que comungam da hipótese de “Erro da
Imprensa”, representando 39% do total de artigos levantados está o mais incisivo
deles: o editor-chefe do Observatório da Imprensa, Alberto Dines. Para o autor, a
reportagem de capa da edição 1.819 de Istoé revela “um dos maiores libelos contra
os procedimentos irresponsáveis da nossa imprensa nos idos de 1992-93”. Ele
compara Ibsen a Alfred Dreyfus, um oficial de artilharia do exército francês que
40. 40
estava sendo condenado por traição com base em documentos falsos. Na ocasião,
os oficiais do alto escalão francês se deram conta disso, mas tentaram ocultar o erro
judicial. “Veja errou em 1993, mas na ocasião ninguém esperneou em defesa do
deputado Ibsen Pinheiro. Nem a agora generosa Istoé”, conclui. E ao classificar o
erro de Veja como uma "formidável barriga", Dines insinua que o episódio alterou o
curso da história e da conjuntura política do país no momento, já que acarretou o
abandono da disputa presidencial de um quase candidato. Por fim, recorda que o
nome de Waldomiro Diniz, o mesmo que foi até a sucursal brasiliense de Veja com
boletos bancários adulterados de Ibsen nas mãos, foi apontado no noticiário de
fevereiro de 2004 como abastecedor dos então deputados Aloizio Mercadante e
José Dirceu nas investigações da CPI do Orçamento. E critica a imprensa por ter se
omitido de associar o mesmo como artífice da calúnia contra Ibsen e de restabelecer
a verdade sobre o caso: “Se [...] no delírio das denúncias não aparece nas redações
um jornalista capaz de [...] buscar a verdade onde ninguém a procura, então
estamos completa e definitivamente ferrados”.
Ao destacar que o direito individual de não ter a honra violada é tão
importante quanto o direito público da sociedade à informação, Mauro Malin cobra a
criação de um órgão representativo dos jornalistas que se ocupe de intervir a favor
das vítimas de abusos praticados pela imprensa. E condena o movimento
empreendido por Veja e pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo no sentido de
minimizar os efeitos das falhas cometidas para a cassação do ex-deputado Ibsen
Pinheiro. “Para atenuar o alcance dos desatinos que comete, a mídia não hesita em
reduzir sua própria importância no processo político. [...] Em lugar nenhum do
mundo a mídia gosta de reconhecer seus erros ou dar satisfações a quem quer que
seja”. (art.22)
Essa dificuldade dos veículos de comunicação em lidar com a crítica foi
apontada por Christofoletti (2003) como um dos dez entraves por ele identificados
para uma reforma dos procedimentos adotados pela mídia. Segundo o autor, os
poucos empresários do ramo da comunicação agem assim porque são muito
poderosos, dominando 80% de tudo o que é visto, lido ou ouvido pelos brasileiros. E
somando-se ao oligopólio do setor comunicacional o descaso do poder público em
fiscalizar os compromissos decorrentes das concessões de rádio e TV, o resultado,
segundo Christofoletti (2003, p.4), é desolador: “as contrapartidas sociais são
simplesmente esquecidas”.