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O impacto da cirurgia e os aspectos
psicológicos do paciente: uma revisão

The impact of the surgery and the psychological
aspects of the patient: a review

Kelly de Juan*

Serviço de Psicologia do Instituto de Urologia Santa Rita




RESUMO

Este artigo objetiva mostrar os diferentes aspectos do impacto
emocional que uma cirurgia promove. Visa também discorrer
sobre os aspectos psicológicos que caracterizam o paciente
cirúrgico. Fornece ainda uma alternativa para amenizar este
impacto no psiquismo, através da Psicoprofilaxia Cirúrgica, uma
preparação psicológica antes da cirurgia para que o paciente
seja preparado e enfrente melhor o evento cirúrgico.

Palavras-chave: Cirurgia, Impacto psicológico, Psicoprofilaxia.




ABSTRACT

The purpose of this article is to point out the different aspects of
the emotional impact that surgery can have, as well as those
that are typically experienced. The article also suggests an
alternative way to minimize these impacts. The strategy is to
inform patients as a way of psychological preparation before
surgery so that patients may be prepared to better face the
surgical event.

Keywords: Surgery, Psychological impact, Pre operative
psychological preparation.




Qualquer evento novo ou desconhecido gera nas pessoas um
sentimento de ansiedade e medo. A ansiedade é a reação ao
perigo ou à ameaça. Cientificamente ansiedades imediatas ou
de período curto, são definidas como reações de luta e fuga. É
assim denominada porque visa lutar ou fugir do perigo. Dessa
maneia objetiva prioritariamente proteger o organismo. No
âmbito da cirurgia, não é diferente. É possível supor que a
antecipação desse evento desencadeia sentimentos
potencialmente negativos baseados na avaliação cognitiva de
cada indivíduo.

As avaliações cognitivas dependem dos dados de realidade que
o indivíduo possui, os quais são constituídos através das
experiências que teve ao longo da vida, dos significados
atribuídos a estes eventos e de suas formulações sobre a
cirurgia, neste caso específico.

A maneira que o paciente percebe a ameaça, no caso a cirurgia,
ou seja, o significado que atribui a ela, é mais importante do
que a própria cirurgia. A partir da percepção, surgem
comportamentos de ajuste, os quais têm como objetivo
enfrentar o estresse e a ansiedade desencadeados por este
momento (Peniche, Jouclas& Chaves 1999).

Quando um paciente recebe a notícia de que terá que se
submeter a um procedimento cirúrgico, automaticamente ficará
focalizado nas implicações deste evento em sua vida. A doença,
o diagnóstico e a necessidade da cirurgia como forma de
tratamento significam que a saúde da pessoa está debilitada.
Assim, o passo seguinte é se adaptar a esse contexto de forma
adequada.

Fiorentino (2005) destaca que a situação cirúrgica requer que o
individuo se reacomode e se adapte à nova situação.

A situação cirúrgica é complexa sendo, pois, um evento
multideterminado, com diversas variáveis combinadas que
interagem constantemente entre si.

Seguindo essa linha de raciocínio, é necessária uma visão
completa do fenômeno. Existem cinco tipos de variáveis
interdependentes que são observadas: as físico-químicas, as
biológicas, as psicológicas, as sociais e as culturais; cada qual
com suas características particulares.

É importante a avaliação da experiência vivida pelo paciente
para favorecer a máxima cooperação do mesmo e promover a
aderência ao tratamento para que a recuperação seja mais
rápida. (Tercero, Hernandez, Luque& Morales, 2005).

Assim, de acordo com esse enfoque todo acontecimento
humano é um fenômeno biopsicosociocultural. Sob esta ótica, o
ato cirúrgico, considerado um evento deste nível, compreende a
totalidade de fatores envolvidos, desde as reações da pessoa
diante do diagnóstico, da necessidade da cirurgia, associadas ao
funcionamento e à organização do ambiente e da equipe, assim
como o desenvolvimento da cirurgia, as técnicas relacionadas,
seus resultados e até a cultura em que o paciente está inserido
interfere no fenômeno como um todo.

O paciente tem que lidar com o fato de estar doente, enfrentar
a situação cirúrgica, e se reorganizar, já que existe uma ruptura
em seu cotidiano. O evento cirúrgico provoca no paciente
sensação de ausência de controle. Durante o procedimento, o
paciente é manipulado pela equipe médica, caracterizando, pois,
uma situação de dependência, a qual também deve ser
elaborada pela pessoa. O paciente sente-se ameaçado, por se
submeter a uma técnica invasiva.
O efeito número um da reação de ansiedade é alterar o
organismo para a possível existência do perigo. Portanto, há
uma mudança automática e imediata na atenção para verificar
no ambiente, ameaças em potencial.

A hospitalização isolada causa estresse e este é ainda maior em
pacientes cirúrgicos (Caunt, 1992; Dobree, 1990; Raddife,
1993; Suvindole, 1989 apud Garretson, 2004).

O caráter estressante do acontecimento cirúrgico depende
diretamente das características da doença; sua duração, a
intensidade, a gravidade, os sintomas que produz, a
incapacidade que gera e a possibilidade de cura por outros
meios. Pode gerar também uma dor importante, um sentimento
de impotência, mudanças permanentes nas funções corporais,
insegurança e alterações na qualidade de vida.

No que se refere à qualidade de vida, esta pode ser entendida
enquanto fenômeno que se inter-relaciona com as diversas
dimensões do ser humano e tem sido objeto de inúmeros
estudos na comunidade científica.

Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde definiu
qualidade de vida como a percepção do indivíduo de sua posição
na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos
quais ele vive, considerando seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações.

A qualidade de vida influencia e é influenciada pelo status da
saúde geral do individuo. Trata-se de uma relação de causa e
efeito, a qual interfere na interpretação do individuo sobre sua
qualidade de vida (Mathisenet al, 2007).

Dessa forma, o evento cirúrgico e suas implicações têm relação
direta com a percepção da qualidade de vida de uma pessoa.
Sendo assim, tudo o que estiver ligado à cirurgia, causará
mudanças na dinâmica do paciente.

Segundo Terceroet al (2005), toda e qualquer intervenção
cirúrgica é uma situação crítica que expõe o indivíduo a um
estresse físico e emocional. Desperta componentes pessoais
complexos que se manifestam em emoções, fantasias, atitudes
e comportamentos que prejudicam o desenvolvimento da
prática médica (Ferraro, 2000).

Os estressores mais significativos dentro da situação cirúrgica,
de acordo com Méndez, Ortigosa e Pedroche (1996) são: o
diagnóstico, a doença, a dor, a hospitalização, os procedimentos
médicos, o temor de não despertar da anestesia, as
conseqüências da cirurgia, a perda da autonomia e a morte.
Estes geram medos bem específicos.

Suporte pré-operatório e intervenções complementares durante
a reabilitação maximizem a qualidade de vida do individuo
(Mathisenet al, 2007).
Mathisenet al (2007) também ressaltam a importância de uma
intervenção psicológica em casos cirúrgicos, já que contribuem
para a manutenção da qualidade de vida do paciente.

Gil, Gibbons, Jeneson, Hopkins e vonGruenigen (2007)
acrescentam que para aumentar o nível de qualidade de vida, as
variáveis que permeiam o diagnóstico, o tratamento e o
prognóstico devem ser abordadas e trabalhadas. Acrescentam
anda que existe uma correlação positiva entre bem-estar físico e
mental.

Para que o estresse pré-cirúrgico seja reduzido, o método mais
comum e mais utilizado é a preparação psicológica, em que são
fornecidos dados sobre o procedimento e sobre o
comportamento a ser adotado. Intervenções psicológicas e
educacionais tão se tornando cada vez mais importantes. Fazem
parte do enfrentamento da situação cirúrgica (Mitchell, 2007).

Ao antecipar o ato cirúrgico, com todas as particularidades já
mencionadas, é muito comum o paciente experimentar o
sentimento de ansiedade. Diante da intervenção cirúrgica o
paciente tem necessidade de saber e entender o que acontece e
o que vai acontecer com ele. Esta é considerada uma ansiedade
funcional porque pode possibilitar reflexão, debate e busca de
conhecimento.

A prática clínica e o contato com os pacientes permitem a
definição de que a ansiedade se caracteriza por ser um estado
emocional subjetivo, direcionada para o futuro, que gera
desconforto somático subjetivo, bem como alterações somáticas
manifestas.

Existe um nível de ansiedade considerado normal e positivo. São
reações próprias da personalidade e sua presença não
representa nenhum estado excepcional da pessoa, pelo
contrário, são parte do funcionamento natural de cada um, pois
atua como uma força motivadora de todas as condutas e
comportamentos das pessoas. Esse tipo de ansiedade faz com
que o individuo busque coisas, movimenta a vida das pessoas,
as deixa alerta.

Porém, existe um limite. Até este ponto, a ansiedade mobiliza
esses aspectos positivos e necessários mencionados
anteriormente; ultrapassando esse tênue limite, a ansiedade
passa a ser extremamente prejudicial ao indivíduo. O seu efeito
passa a ser limitador. Impede que o indivíduo realize as coisas.
É acompanhada por reações fisiológicas características, tais
como: taquicardia, hiperventilação, aumento da pressão arterial,
sudorese, tremor etc.; além de reações cognitivas, tais como
alteração do fluxo de pensamentos, ausências (branco) etc., e
reações comportamentais, nas quais o indivíduo inicia uma série
de atividades e não consegue terminá-las, quando o indivíduo
demonstra intensa agitação psicomotora, ou ainda quando
paralisa e não consegue prosseguir suas atividades.
Não há dúvidas que a neuroendocrinologia das emoções tem
correlação estreita com a percepção clínica da ansiedade e do
estresse, além das mudanças fisiológicas que tornam-se
detectáveis. A ansiedade é comumente e facilmente observada
no paciente diante do ato cirúrgico. Este passa a ter condutas
contraproducentes que dificultam o desenvolvimento do
processo operatório (Penicheet al, 1999). Daí a importância de
uma intervenção.

De acordo com Lopez-Roig, Pastor e Rodrigues-Marin (1993)

       o aumento do nível da ansiedade coincide com a
       proximidade da cirurgia, caracterizando a
       ansiedade situacional. Os níveis de ansiedade
       dependem também do ´locus´ de controle, ou
       seja, os tipos de variáveis que podem determinar
       a ansiedade, as quais se alteram de indivíduo
       para indivíduo. Garcia et al (2004) acrescentam
       que as variáveis podem ser determinadas por
       características demográficas, a história clínica do
       paciente, variáveis da personalidade, tipo de
       funcionamento psicológico, cognitivo, afetivo e
       interacional, a relação médico-paciente e a
       própria experiência de hospitalização.

É importante identificá-las para que sejam manejadas
adequadamente.

Platas (1990) diferencia três tipos de ansiedades básicas
presentes ao longo da situação da cirurgia.

A primeira é a ansiedade confusional e é referente ao período
pré-operatório. Existe uma desestruturação do paciente, um
desequilíbrio como consequência da confusão. O paciente fica
indeciso, vacilante, descoordenado etc. Existem alguns
comportamentos que podem ajudar a enfrentar esta fase; são
eles: ordenar, classificar, perguntar, entender, refletir, planejar,
programar e controlar. Nesta etapa o ato cirúrgico em si tem
um peso relativamente pequeno. É importante que o profissional
forneça explicações breves de forma sensível, assim como
proposto na invernenção de psicoprofilaxia.

Na fase seguinte o paciente experimenta a ansiedade paranóide.
Existe uma ameaça de desestruturação por um ataque externo.
As manifestações comuns são o medo, a desconfiança, o temor,
e inclusive uma paralisação por pânico, uma ansiedade muito
intensa. Como condutas niveladoras: a prevenção, a cautela, a
indagação, a escuta e o contra-ataque. O ato cirúrgico nesta
etapa tem papel central. É a característica do período
operatório. Tende a decair se a equipe tem um bom vínculo com
o paciente.

O período pós-operatório imediato, na sala de recuperação da
anesteia, é um período em que o indivíduo fica vulnerável e
bastante instável com capacidade psicológica adaptativa
alterada, já que como consequência do procedimento
anestésico, o processo de questionamento e busca de dados que
orientam a avaliação cognitiva fica modificado; assim, medos e
incertezas tendem a aumentar.

A ansiedade seguinte é a depressiva, pois existe uma ameaça
de desestruturação. As manifestações mais comuns são:
tristeza, aborrecimento, fadiga, insônia, impotência e euforia.
Para nivelar tais manifestações, criar, trabalhar, ler, estabelecer
relações sociais, comer, beber, dormir, estudar e se divertir são
os comportamentos mais indicados ao paciente. Neste período a
incidência do ato cirúrgico no psiquismo aumenta. O nível vai
diminuindo lentamente conforme s recuperação e a elaboração
do evento cirúrgico.

Platas (1990) lembra ainda que uma dessas fases predomina
sobre as outras e por consequência, demandam tipos diferentes
de intervenção e manejo. O profissional deve identificar qual a
necessidade maior do paciente e atuar para que minimize os
efeitos da fase predominante.

Para identificar em que fase está o paciente, Platas (1990)
descreve atitudes e comportamentos clássicos dos pacientes a
serem observados e identificados para uma atuação profissional
mais adequada.

Perguntas em excesso e repetidas sobre detalhes técnicos da
intervenção, dificuldades de compreensão da situação, sinais de
desorientação espacial e/ou temporal, ou alterações da fala e
insistência por garantir o prestígio da equipe, caracterizam o
predomínio da ansiedade confusional.

Os indicativos do predomínio da ansiedade paranóide são: um
tom agressivo, perguntas desafiadoras, intenção de
aproximação e curiosidade por aspectos pessoais e afetivos da
vida dos membros da equipe, excesso de reclamações,
questionamentos, protestos e ameaças, tendência a verificar
repetidamente o diagnóstico e confrontá-lo com diferentes
profissionais, idealização, estabelecimento de um vínculo de
adoração com um ou mais membros da equipe.

Já os comportamentos comuns do paciente com predomínio da
ansiedade depressiva são os seguintes: euforia, excesso de
otimismo, logorréia, e abuso de humor, tristeza acentuada,
anorexia, insônia, choro intenso, autoabandono, insistência por
estabelecer vínculos afetivos com algum membro da equipe e
tendência a maximizar a importância da cirurgia.

A seguir, são apresentados os desencadeantes, que são
situações e/ ou circunstâncias que favorecem o aparecimento de
um ou outro tipo de ansiedade, mais comuns de cada etapa. Os
primeiros se referem à ansiedade confusional: medidas de
emergência, mudança de planos, terminologia excessivamente
técnica, exagero no número de pessoas da equipe, as mudanças
de pessoal da equipe, muitas prescrições medicamentosas e/ou
troca de uma por outras e a complexidade do instrumental
cirúrgico.
Os desencadeantes da ansiedade paranóide: todas as medidas
que impliquem sofrimento e dor física, roupas cirúrgicas,
entrevistas aos familiares dos pacientes sem conhecimento do
paciente, atitudes autoritárias e excessivamente rígidas, a
imobilização física e uso abusivo de sedativos.

O manejo da dor é significativamente favorável (Raders, Aubry,
Friberg, Huygens & Koch, 2007). Um trabalho psicológico pré-
cirúrgico tem sido considerado importante. Sentimentos
negativos existentes nesta etapa, podem prejudicar o
enfrentamento do paciente, culmimando com o
comprometimento de sua recuperação (Roth, Lowery, Davis &
Wilkins, 2007).

Por fim, a ansiedade depressiva tem como desencadeantes a
anestesia geral, a prostração e as indicações de repouso, a
presença de flores, imagens e altares no quarto, falta de cores
na decoração, geram despersonalização e alteram o humor do
paciente, presença de religiosos, dietas alimentares muito
rígidas, outros doentes dividindo o mesmo quarto, muitas
pessoas no quarto ou a proibição de visitas.

Essa ansiedade se alterna com a sensação de medo e estresse.
O estresse promove mudanças biológicas e fisiológicas, e por
sua ação funcional pode converter-se num fator de risco diante
do procedimento cirúrgico, complicando seus resultados e
comprometendo a recuperação pós-operatória (Lopez-Roig, et
al, 1993).

Söderman, Lisspers e Sundin (2007) mostraram que o estresse
e a ansiedade pré-cirúrgica aumentam os tempos de
recuperação; são obstáculos contraproducentes na reabilitação
do paciente.

Foi demonstrado que quanto maior o nível de estresse de um
paciente antes da cirurgia, maior é a demora do processo de
cicatrização, maior a debilidade do sistema imunológico e pode
mostrar-se pouco colaborador com os procedimentos médicos.

O nível de estresse pós-operatório se agrava se o paciente tem
em sua história pessoal, experiência de temor ou fobia diante de
enfermidades. A incidência depende também do momento atual
do paciente. É um momento de crise, e como tal gera
instabilidade. Para enfrentar isso o indivíduo necessita se
adaptar à sua nova realidade, tarefa essa realizada pela equipe
de psicologia, através da Psicoprofilaxia Cirúrgica, cujos
benefícios já explorados anteriormente (Juarez, 2005).

Diante da ansiedade causada pela situação cirúrgica, ma
intervenção baseada na formação e na educação sobre a doença
e suas implicações, assim como o tratamento proporciona um
suporte emocional significativo (Rawlet al, 2002).

A Psicoprofilaxia Cirúrgica surge para amenizar o impacto
provocado pela cirurgia no psiquismo do paciente. É um tipo de
intervenção que prepara o paciente para lidar com o evento
cirúrgico através de técnicas de enfrentamento. É importante,
para o profissional que trabalha com psicoprofilaxia cirúrgica,
levar em consideração que o paciente ocupa uma posição
vulnerável (Spalding, 2003).

Dessa maneira, fornecer suporte psicológico e social, é uma
importante ajuda para o enfrentamento da cirurgia. Proporciona
adaptação emocional e interpessoal (Chamberlain, Tulman,
Coleman, Stwart&Samarel, 2006).

Rawlet al (2002) concluem que

intervenções psicológicas pré-operatórias proporcionam melhora
na qualidade de vida do paciente, já que diminui riscos de
depressão, diminui grau de ansiedade e aumentam o
sentimento de bem-estar mental do individuo. É uma maneira
que o paciente tem para lidar melhor com a situação em que se
encontra.

Rinaldi (2001) destaca que a exploração dos fatores
desencadeantes, diante da iminência da cirurgia, é relevante
para que o psiquismo da pessoa reaja frente ao estressor. As
características de personalidade do paciente, produto de sua
história evolutiva são determinantes.

Allard (2007) concluiu que o uso de técnicas é eficiente na
redução do estresse. As diferenças são significantes já que
melhoram o estado emocional geral do paciente. Isso acontece
porque o paciente passa a ter controle de seus sentimentos e
por conseqüência, da situação em que se encontra.

O autor sugere que o profissional transmita o conteúdo da
informação ao paciente começando do mais simples e
esquemático até o mais completo e detalhado, subdividindo
cada segmento de informação em sessões diferentes e
progressivas.

O profissional com essa consciência, de abordar o paciente
como um todo, tem mais probabilidade de atingir a eficácia em
sua intervenção.

Além dos aspectos levantados, a Autora destaca a importância
de avaliar a vulnerabilidade do sujeito, através da observação
da maneira que recebem a notícia da necessidade da cirurgia e
a localização anatômica da mesma.

Rinaldi (2001) descreve vulnerabilidade como
fundamentalmente psicológica, de caráter preditivo que permite
prever o nível de diminuição dos recursos psicológicos, que
poderiam predispor a aparição de transtornos ou futuras
enfermidades.

Em síntese, a psicoprofilaxia cirúrgica é uma alternativa que
ajuda o paciente a enfrentar e aliviar sintomas e problemas
específicos derivados da situação da intervenção cirúrgica e o
prepara emocionalmente para a tal situação. Permite, ainda,
detectar traumas produzidos por ocasião da intervenção
cirúrgica, como também prevenir e diminuir os efeitos dos
estressores da situação. Por fim, o processo preventivo serve
como diagnóstico e prognóstico através da avaliação da
vulnerabilidade do indivíduo.

Para a elaboração deste artigo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica na literatura especializada na base de dados da
Pubmed, cujos textos são em inglês. Além disso, foram
levantados textos básicos e livros importantes dentro da
temática investigada também foram incluídos; são em sua
maioria espanhóis. A literatura nacional tem necessidade de
artigos e textos com esta temática, e o presente artigo tem a
intenção de contribuir acrescentando informação para tornar a
prática profissional congruente com as práticas internacionais
mais atuais.

A Psicopofilaxia Cirúrgica trata-se de uma nova modalidade que
surge para facilitar o processo da hospitalização e da cirurgia,
assim como potencializar os recursos dos pacientes para
enfrentar o impacto da cirurgia.

Submeter-se a uma intervenção cirúrgica gera alterações
significativas, desequilíbrios psicológicos que podem dificultar o
período pós-operatório. Antes e depois da cirurgia é importante
consultar um psicólogo para diminuir a ansiedade e racionalizar
o temor que toda cirurgia desencadeia.

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*
 Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar, pós-graduada
em Medicina Comportamental pela UNIFESP. Coordenadora do
Serviço de Psicologia do Instituto de Urologia Santa Rita.




O tratamento de crianças afastadas do
convívio familiar

Treatment of children away from home

Roseana Moraes Garcia

Pontifícia Universidade Católica.
Centro Winnicott de Campinas.
Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana.

Endereço de correspondência




Resumo

Este artigo tem por objetivo expor as várias alternativas
possíveis, segundo Winnicott, para o tratamento de crianças que
perderam, momentânea ou definitivamente, a vida em família.
Para que isso possa ser feito da melhor forma possível mostra-
se a importância do diagnóstico da criança, da seleção de
pessoal para trabalhar com ela e algumas outras características
que são essenciais a esse tipo de trabalho.

Palavras-chave: Winnicott, deprivação, diagnóstico,
tratamento.




Abstract

This article aims to presenting the various possible alternatives,
according to Winnicott for treatment of children who have lost,
momentarily or definitively, family life. For this is shown the
importance of the child's diagnosis, selection of staff to work
with them and some other features that are essential to this
type of work.
Key-word: Winnicott, deprivation, diagnosis, treatment.




1. Introdução

Winnicott teve uma vasta experiência com crianças que
perderam, momentânea ou definitivamente, a vida em família,
no seu trabalho como psiquiatra consultor na Segunda Guerra
Mundial. A experiência que lhe foi proporcionada por esse
trabalho ajudou-o a sedimentar, na sua teoria, a importância do
ambiente na constituição da personalidade e da identidade
individual. Ajudou-o também a construir uma técnica de
tratamento dessas crianças difíceis, a qual ainda não foi
devidamente estudada e aplicada aos problemas da
delinquência.

Em sua obra, ele afirmou várias vezes que, sempre que
possível, deve-se tentar criar condições para que crianças com
problemas sejam auxiliadas em seus próprios lares, se estes
existirem e puderem encarregar-se de um aspecto da
terapêutica. Essa recomendação é feita não apenas por ser
economicamente mais viável, mas porque, se o lar da criança
for razoavelmente bom, ele deve ser considerado o lugar mais
adequado para o seu crescimento e desenvolvimento.

Em geral, os pais são capazes de criar condições terapêuticas
para seus filhos que adoeceram emocionalmente, desde que
sejam adequadamente orientados e se lhes ofereça suporte para
tal tarefa. Contudo, se por um motivo ou por outro, a criança foi
afastada do convívio familiar, seja por abandono ou por morte
dos pais, seja por uma decisão judicial, ou mesmo por uma
necessidade momentânea, ela precisará de cuidados, e muito.

A grande preocupação de Winnicott era tentar oferecer a esse
tipo de criança a assistência mais adequada, para que os
cuidados fossem realmente efetivos e ela pudesse aproveitá-los.
Para isso, ele estabeleceu como necessários: a) um bom
diagnóstico da deprivação1 sofrida pela criança; b) o tipo certo
de provisão ambiental para cada diagnóstico; e c) a seleção de
pessoas realmente adequadas para esse trabalho.

2. Diagnóstico para fins de tratamento
institucional

Para que o diagnóstico de uma criança deprivada seja útil e
norteie o profissional a escolher o ambiente mais adequado para
ela, é necessário que seja feito não com base nos sintomas da
criança, ou no quanto ela incomoda, ou nos sentimentos
despertados por ela no profissional. O fundamental no
diagnóstico de uma criança deprivada é tentar conhecer o
quanto lhe foi propiciado, inicialmente, por um ambiente
suficientemente bom "nas relações mãe-bebê e nas relações
triangulares pai-mãe-criança [antes da deprivação]; depois, à
luz disso, teremos que tentar avaliar o dano causado pela
deprivação, quando começou e como persistiu
subsequentemente" (Winnicott, 1965k/1987, p. 180). Como
fazer isso? A história da vida pregressa da criança torna-se de
vital importância para um diagnóstico como este, e o
profissional encarregado dessa tarefa deverá fazer o possível
para reunir o maior número de informações.

Além de a história de vida da criança ser importante para fins de
diagnóstico, é igualmente fundamental para ela saber que
alguém conhece toda a sua história. Aliás, esta é uma das
formas de auxiliar a criança na direção da integração. Num
texto de 1945, Winnicott diz que "ser conhecido significa sentir-
se integrado ao menos na pessoa do analista [...] o bebê que
não teve uma única pessoa que lhe juntasse os pedaços começa
com desvantagem a sua tarefa de auto-integrar-se"
(1945d/2000, p. 224). Mesmo que a criança, no momento, não
queira ser informada sobre a sua história, provavelmente mais
adiante será necessário que ela a conheça em detalhes,
principalmente no caso de famílias desfeitas e de filhos
ilegítimos. Essas crianças precisam conhecer os fatos para
conseguirem ser saudáveis psiquicamente. Muitas vezes, no
entanto, é impossível obter a história ou ela é muito falha, de
modo que a única maneira de avaliar se havia ou não, de fato,
um ambiente suficientemente bom no início da vida da criança é
fornecer a ela um bom ambiente e observar o uso que ela fará
dele. Mesmo assim, haverá a ressalva de que o uso que uma
criança deprivada pode fazer de um bom ambiente, quando
estiver menos doente e mais esperançosa, é tornar-se "cada vez
mais capaz de enfurecer-se com deprivações passadas"
(1965k/1987, p. 181), por meio de amostras, mesmo que
ínfimas, de deprivações atuais2 .

Geralmente, um diagnóstico satisfatório só pode ser feito depois
de um período de observação da criança, num grupo. A
observação cuidadosa de alguns comportamentos pode ajudar
nesse diagnóstico, como a capacidade para brincar, a habilidade
com jogos, a capacidade para fazer amigos e para manter um
esforço construtivo. Todos esses, se positivos, são sinais de
saúde da criança e é possível usar os aspectos saudáveis da
criança para ajudá-la em suas dificuldades.

Winnicott definiu seis categorias de deprivação familiar que a
criança pode ter vivido, são elas:

a) Bom lar comum, desfeito por um acidente com um ou ambos
os genitores.

b) Lar desfeito pela separação dos pais, que são bons pais.

c) Lar desfeito pela separação dos pais, que não são bons pais.

d) Lar incompleto, porque não existe pai (filho ilegítimo). A mãe
é boa; os avós podem assumir um papel parental ou ajudar, em
alguma medida.
e) Lar incompleto, porque não existe pai (filho ilegítimo). A mãe
não é boa.

f) Nunca houve um lar.

Além disso, deve ser feita uma classificação cruzada:

a) de acordo com a idade da criança, e a idade em que cessou o
ambiente suficientemente bom.

b) de acordo com a natureza e a inteligência da criança;

c) de acordo com o diagnóstico psiquiátrico da criança
(1965k/1987, p. 181).

Essa classificação do ambiente familiar para fins de diagnóstico
é importante, pois definirá, conjuntamente com os outros
critérios vistos até aqui, o tipo adequado de assistência
institucional e de terapêutica a ser adotada. Ou seja, se a
criança teve uma boa relação inicial com a família, essa relação
poderá ser recuperada caso lhe seja dada a oportunidade de
estabelecer uma relação pessoal com alguém suficientemente
bom que cuide dela e esteja disponível para uma comunicação
pessoal profunda. Nos casos em que não houve um bom início
(isto é, se ela sofreu privação), a criança precisa ter, pela
primeira vez, as experiências de um lar primário que seja
totalmente adaptado às suas necessidades especiais. Sem essa
adaptação, ela não conseguirá estabelecer as bases para sua
saúde psíquica. Para os casos extremos de deprivação –
lamentavelmente inúmeros – em que o prognóstico não é bom,
existe o risco de loucura, devido ao fracasso do ambiente em
lidar com as manifestações iniciais da tendência antissocial.
Nestes casos, chega a ser necessário o fornecimento de uma
estrutura rígida e estável – porém, justa e confiável – de
controle externo, de modo a conter a confusão que é
permanentemente sentida como ameaça.

3. Alternativas de tratamento

As alternativas que descrevo a seguir foram apresentadas por
Winnicott, a partir de suas ideias, naturalmente, mas também a
partir do que havia disponível em sua época e contexto social. É
importante acompanhar o que ele assinala como essencial em
cada uma das alternativas para poder adaptá-las ao nosso
contexto. O objetivo que guia o tratamento de crianças que
foram deprivadas de vida familiar é o fornecimento de uma
alternativa para a família que se perdeu. O importante é
reconstruir um ambiente de segurança e compreensão.
Dependendo do diagnóstico da criança, essa alternativa pode
ser, num extremo, a adoção ou, no outro extremo, a internação
em uma grande instituição. A variação das alternativas
depende, naturalmente, do que é possível encontrar, mas deve
estar sempre norteada pelo diagnóstico.

A primeira alternativa é a adoção3 que pode, em princípio, ser
pensada como a situação ideal para a criança, pois, também em
princípio, os pais adotivos estarão dispostos a lhe dar uma vida
familiar satisfatória, situação que não pôde ser fornecida pelos
pais biológicos. Contudo, para que um processo de adoção
tenha sucesso, algumas recomendações se fazem necessárias.
Em primeiro lugar, os pais adotivos precisam estar preparados e
dispostos a criar uma criança que já tem certo grau de
dificuldade. E, em segundo lugar, os pais devem saber que o
pré-requisito para que a criança possa aproveitar o que lhe será
oferecido, é ter tido, no início da vida, uma experiência familiar
suficientemente boa, pois só assim ela poderá resgatar aquilo
que teve e perdeu. Caso contrário, eles deverão estar
preparados para enfrentar períodos de franca atividade
antissocial, com roubos, mentiras e destrutividade, pois se o
ambiente oferecido por eles tornar-se confiável para a criança, a
esperança retorna e, com ela, os atos antissociais.

Se, por algum motivo, a adoção não é possível, a alternativa é
abrigar essa criança em uma instituição. Essas instituições
podem variar desde as bem pequenas, com poucas crianças,
nas quais a relação entre elas e seus cuidadores pode ser
pessoal e, portanto, efetivamente terapêutica, até as bem
grandes, nas quais as relações com as crianças são impessoais e
norteadas essencialmente por regras disciplinares.

As pequenas instituições, que comportam em média de seis a
dez crianças de diferentes idades e sexos, podem ser
administradas, de preferência, por um casal e reproduzir, o mais
fielmente possível, um ambiente familiar. Para que o trabalho
seja desenvolvido de maneira satisfatória, a escolha dessas
crianças terá que ser feita com o mesmo critério que é usado
para adoção: elas devem ter tido um começo suficientemente
bom, que forneça a matriz para o aproveitamento da nova
oportunidade. Segundo Winnicott, uma criança que não seja
adequada para esse tipo de tratamento pode prejudicar todo um
bom trabalho que esteja sendo feito pelos supervisores com as
outras crianças. Esse trabalho é emocionalmente exigente, pois
é pessoal e envolve afetividade. Se uma criança mais
perturbada põe o trabalho a perder, os supervisores podem
desanimar e desistir de dar o melhor de si, partindo para um
manejo menos pessoal e menos afetivo, o que seria um
transtorno para as outras crianças. Esse tipo de situação nos
mostra a importância do diagnóstico.

Se o número de crianças abrigadas numa instituição cresce, o
manejo delas vai perdendo em qualidade, pois será menos
pessoal e, portanto menos terapêutico. Tendo em vista que os
abrigos com um número pequeno de crianças são poucos e os
cuidadores insuficientes, as crianças mais doentes, isto é,
aquelas que tiveram poucas experiências iniciais satisfatórias,
poderão ser alocadas em abrigos maiores. Winnicott diz que não
é bom "fingir" que as crianças alojadas nessas grandes
instituições estão sendo tratadas, pois, de fato, elas

não estão sendo cuidadas com a finalidade de cura das suas
doenças. Os objetivos são, em primeiro lugar, prover teto,
comida e roupa a crianças que foram negligenciadas; em
segundo lugar, criar um tipo de vida em que as crianças tenham
ordem em vez de caos; e, em terceiro lugar, impedir, para o
maior número possível de crianças, a ocorrência de um choque
com a sociedade (1965k/1987, p. 189).

Em vez de estarem sendo tratadas – o que não seria possível –
elas estão sendo contidas em muitos níveis e não estão
abandonadas. Neste caso, a disciplina é essencial na medida em
que proporciona estabilidade para elas. Além disso, porque é um
alívio para algumas crianças saber que não terão que usar o
autocontrole todo o tempo. Contudo, se o ambiente tem que ser
rigoroso e severo para ter valor positivo para as crianças, é
necessário que seja coerente, confiável e justo na mesma
medida. Se não for assim, elas se sentirão desorientadas e
confusas.

4. Recursos humanos

Certamente o requisito mais difícil de ser preenchido quando se
trata de trabalho com crianças, principalmente com crianças
antissociais é encontrar pessoal adequado. Em termos de
serviço público, isso é muito difícil. A maneira como esses
funcionários são selecionados e avaliados, no setor público, não
condiz com as necessidades reais desse trabalho. Portanto, se o
objetivo é fazer algo efetivo e de qualidade com essas crianças
será necessário rever os critérios de seleção de pessoal.

Winnicott descreveu o que considerava ser importante na
personalidade das pessoas selecionadas para o trabalho junto a
crianças antissociais nos alojamentos e abrigos e recomendava,
primeiramente, que os supervisores dos assim chamados "lares"
fossem casais (se possível), de maneira que ambos os cônjuges
participassem na supervisão. Essa situação às vezes pode
complicar-se, principalmente se os supervisores tiverem seus
próprios filhos, mas o que Winnicott constatou na prática
cotidiana era que esse fato – a existência real de uma família –
enriquecia a vida do alojamento.

No que se refere às características desejáveis dos supervisores,
eles deveriam ser pessoas com capacidade para assimilar
experiências e para lidar de modo autêntico e espontâneo com
os acontecimentos e as relações, pois só assim, sendo eles
mesmos, teriam condição de agir natural e coerentemente todos
os dias. Essa mesma característica é assinalada pelo autor com
relação aos pais suficientemente bons. Num texto escrito em
1969, ele afirma que "se formos nós mesmos, os nossos filhos
podem passar a conhecer-nos. Se estivermos representando um
papel, seremos certamente descobertos quando nos
surpreenderem sem as nossas máscaras" (1993b/1993, p. 141).
Contudo, a melhor seleção é feita pelas crianças, pois esses
supervisores só aguentarão a tensão diária se forem capazes de
serem, sempre, eles mesmos. É desejável também que eles
possam estar atentos às necessidades das crianças no sentido
de poderem "atuar naturalmente".

Winnicott nos fornece um exemplo: se uma criança corta o dedo
e precisa do supervisor naquele momento e ele está envolvido
com alguma outra tarefa pessoal, ele deverá largar o que
estiver fazendo e atender a criança imediatamente, sendo capaz
de priorizar as necessidades das crianças e a seriedade desses
apelos, "pois essas crianças estão, com frequência, doentes
demais ou angustiadas demais para serem capazes de admitir
tanto as dificuldades pessoais do supervisor quanto as suas
próprias" (1947e/1987, p. 73). Seria igualmente desejável que
essas pessoas tivessem alguma habilidade especial, como
música, teatro, pintura, cerâmica etc., mas o essencial é que
gostem sinceramente de crianças. Como podemos ver, não é
fácil encontrar pessoas com esse perfil.

O supervisor com esse perfil não deve precisar seguir
prescrições ou planejamentos pré-estabelecidos porque o
importante é que, de posse de uma compreensão unitária dos
principais problemas a enfrentar, ele tenha liberdade e
capacidade de resolver as questões que vão surgindo no dia a
dia de uma maneira pessoal e verdadeira. Somente nessas
bases ele construirá uma relação real com as crianças e, por
isso, tornar-se-á importante para elas.

De qualquer modo, é fundamental que o número de crianças
que um supervisor tenha sob seus cuidados não ultrapasse o
que ele pode suportar emocionalmente,

pois se um número excessivo de crianças for confiado a um
supervisor, ele se verá obrigado a proteger-se expulsando
alguém que não esteja preparado para isso. Um ser humano só
consegue se preocupar seriamente com um determinado
número de pessoas, num mesmo momento. Se isso for
ignorado, o supervisor será obrigado a realizar um trabalho
superficial e inútil, e a substituir por uma gestão ditatorial a
combinação saudável de amor e energia que preferiria
manifestar. Caso contrário, e isso é muito comum, ele sucumbe,
e todo o trabalho que realizou se anula. Pois qualquer mudança
de supervisor produz vítimas entre as crianças e interrompe a
terapia natural do trabalho no alojamento. (1947e/1987, p. 80)

Outro aspecto essencial é que os supervisores possam contar,
eles mesmos, com supervisão, que pode ser feita por meio do
debate com a equipe técnica responsável 4 . A natureza desse
trabalho é tão difícil que os supervisores têm necessidade
absoluta de apoio e compreensão.

A escolha do resto do pessoal que trabalhará no alojamento
também é bastante importante, pois a criança necessita que
todas as pessoas que cuidam dela tenham noção da importância
do seu papel. Assim, a cozinheira, o jardineiro, a faxineira, o
vigia, podem ser ou uma grande ajuda ou, ao contrário, um
grande estorvo.

5. Características essenciais ao trabalho
residencial

A assistência residencial para crianças tem como objetivo
fornecer certas condições ambientais que permitam a elas
retomar seu processo de amadurecimento pessoal. Isso é
fundamental no caso de crianças com tendência antissocial, pois
a psicanálise enquanto tratamento individual não é efetiva na
maioria desses casos.

Quais são essas condições ambientais? A primeira delas é a
confiabilidade. Geralmente, crianças que necessitam de uma
assistência institucional viveram em ambientes nos quais, por
alguma razão, deixaram de confiar. Aqui confiança tem o
sentido de previsibilidade. Assim, os "lares" e alojamentos têm
que ser, acima de tudo, ambientes confiáveis e previsíveis. Num
atendimento de 24 horas como é o atendimento residencial, as
crianças passam a viver a vida privada dos profissionais que
cuidam delas e, como esses profissionais são seres humanos,
eles são falíveis. Todavia, trata-se de um trabalho profissional e
terapêutico, o qual deve atender às necessidades das crianças.
Assim, é preciso que a condição de trabalho do pessoal
envolvido com assistência institucional seja a melhor possível.
Nessa área, diz Winnicott,

não cabem meias soluções. É uma questão de cuidar bem de
poucas crianças e ceder as outras a uma grande instituição com
métodos ditatoriais, até que a sociedade possa conseguir algo
melhor. O bom trabalho deve ser pessoal, para que não seja
cruel e torturante para a criança e para o profissional. O
trabalho só vale a pena ser feito se for pessoal e se aqueles que
o estão realizando não estiverem sobrecarregados.
(1965k/1987, p. 191)

Como se vê, Winnicott não é dado a idealizações nem cria
metas falsas. Essas são as condições nas quais a confiabilidade
poderá existir, ajudando a criança a desfazer seu sentimento de
imprevisibilidade. A terapia por assistência institucional está
consideravelmente calcada nessa questão.

A segunda condição é o fornecimento de holding. A criança em
assistência institucional precisa reencontrar o holding que foi
perdido ou interrompido – holding que começa com estar sendo
seguro nos braços da mãe, que deveria, em condições normais,
ter-se ampliado com a mãe segurando situações tensas ou
difíceis, ou, como diz Winnicott, "segurando a situação no
tempo" – e que, agora, precisa ser fornecido pelos profissionais
que cuidam dela.

A terceira condição é que o trabalho residencial não pode ter
uma atitude moralista; pelo contrário, ele precisa dar condições
para que a moralidade inata da criança aflore. O comportamento
das crianças antissociais não pode ser atribuído ao pecado ou
coisa que o valha. Para ser realmente terapêutico, o tratamento
institucional deve estar baseado firmemente na pessoa e no
caráter de cada criança.

A quarta condição a ser atendida pelo ambiente cuidador é que,
às vezes, uma das crianças começa a incomodar mais do que as
outras, e os profissionais ficam tentados a transformá-la em
"bode expiatório". Em geral, isso acontece porque essa criança
está sendo a porta-voz do grupo, que pode permanecer
tranquilo enquanto ela está fazendo os ataques, por procuração.
As pessoas que cuidam das crianças não devem, nesse
momento, ter atitudes moralistas, nem de retaliação, também
não devem tentar curar os sintomas ou oferecer suborno.
Segundo Winnicott, elas têm unicamente que sobreviver:

Nesse contexto, a palavra sobreviver significa não só que vocês
continuarão vivendo e que conseguirão passar por isso ilesos,
mas também que não serão provocados à retaliação. Se vocês
sobreviverem, então, e só então poderão sentir-se usados de
um modo perfeitamente natural pela criança que está se
tornando uma pessoa e adquiriu recentemente a capacidade
para fazer um gesto de natureza amorosa um tanto
simplificado. (1984g/1987, p. 232)

A quinta e última condição é que o sentimentalismo deve ser
banido de qualquer tratamento terapêutico com as crianças em
atendimento institucional. À medida que ela encontrar pessoas
confiáveis e resgatar a confiança e a crença nessas pessoas e
em si mesma terá condições de ser levada gradualmente a se
responsabilizar pelas consequências dos seus atos destrutivos.
Para isso, ela não precisa de indulgências, mas de justiça e
confiabilidade.

Como se pode ver, as indicações e recomendações dadas por
Winnicott sobre como tratar crianças que perderam seus lares
continuam bastante atuais e podem, adaptadas à nossa
realidade, ser aproveitadas para a construção de políticas
públicas de prevenção e tratamento da delinqüência no nosso
país.

Referências

Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W.
Winnicott. Rio de Janeiro: Imago.

Loparic, Z. (2001). Esboço do paradigma winnicottiano.
Cadernos de História e Filosofia das Ciências, 11(2), 7-58.

Garcia, R. M. (2004). A tendência antissocial em D. W.
Winnicott. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo.

Winnicott, D. W. (1987). Assistência residencial como terapia. In
D. Winnicott (1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo:
Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1970;
respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1984g)

Winnicott, D. W. (1987). A criança desapossada e como ela
pode ser compensada pela falta da vida familiar. In D. Winnicott
(1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1950; respeitando-se a
classificação de Hjulmand, temos 1965k)
Winnicott, D. W. (1987). Privação e delinquência. São Paulo:
Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1984;
respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1984a)

Winnicott, D. W. (1987). A tendência antissocial. In D. Winnicott
(1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1956; respeitando-se a
classificação de Hjulmand, temos 1958c)

Winnicott, D. W. (1987). Tratamento em regime residencial para
crianças difíceis. In D. Winnicott (1984/1984a), Privação e
delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original
publicado em 1947; respeitando-se a classificação de Hjulmand,
temos 1947e)

Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro:
Imago. (Trabalho original publicado em 1988; respeitando-se a
classificação de Hjulmand, temos 1988)

Winnicott, D. W. (1993). A construção da confiança. In D.
Winnicott (1993/1993a), Conversando com os pais. São Paulo:
Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1969;
respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1993b)

Winnicott, D. W. (1993). Conversando com os pais. São Paulo:
Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1993;
respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1993a)

Winnicott, D. W. (2000). Desenvolvimento emocional primitivo.
In D. Winnicott (2000/1958a), Textos selecionados: da pediatria
à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original
publicado em 1945; respeitando-se a classificação de Hjulmand,
temos 1945d)

Winnicott, D. W. (2000). Textos selecionados: da pediatria à
psicanálise (DavyBogomoletz, trad.). Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a
classificação de Hjulmand, temos 1958a)

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  • 1. O impacto da cirurgia e os aspectos psicológicos do paciente: uma revisão The impact of the surgery and the psychological aspects of the patient: a review Kelly de Juan* Serviço de Psicologia do Instituto de Urologia Santa Rita RESUMO Este artigo objetiva mostrar os diferentes aspectos do impacto emocional que uma cirurgia promove. Visa também discorrer sobre os aspectos psicológicos que caracterizam o paciente cirúrgico. Fornece ainda uma alternativa para amenizar este impacto no psiquismo, através da Psicoprofilaxia Cirúrgica, uma preparação psicológica antes da cirurgia para que o paciente seja preparado e enfrente melhor o evento cirúrgico. Palavras-chave: Cirurgia, Impacto psicológico, Psicoprofilaxia. ABSTRACT The purpose of this article is to point out the different aspects of the emotional impact that surgery can have, as well as those that are typically experienced. The article also suggests an alternative way to minimize these impacts. The strategy is to inform patients as a way of psychological preparation before surgery so that patients may be prepared to better face the surgical event. Keywords: Surgery, Psychological impact, Pre operative psychological preparation. Qualquer evento novo ou desconhecido gera nas pessoas um sentimento de ansiedade e medo. A ansiedade é a reação ao perigo ou à ameaça. Cientificamente ansiedades imediatas ou de período curto, são definidas como reações de luta e fuga. É assim denominada porque visa lutar ou fugir do perigo. Dessa maneia objetiva prioritariamente proteger o organismo. No âmbito da cirurgia, não é diferente. É possível supor que a antecipação desse evento desencadeia sentimentos potencialmente negativos baseados na avaliação cognitiva de cada indivíduo. As avaliações cognitivas dependem dos dados de realidade que o indivíduo possui, os quais são constituídos através das
  • 2. experiências que teve ao longo da vida, dos significados atribuídos a estes eventos e de suas formulações sobre a cirurgia, neste caso específico. A maneira que o paciente percebe a ameaça, no caso a cirurgia, ou seja, o significado que atribui a ela, é mais importante do que a própria cirurgia. A partir da percepção, surgem comportamentos de ajuste, os quais têm como objetivo enfrentar o estresse e a ansiedade desencadeados por este momento (Peniche, Jouclas& Chaves 1999). Quando um paciente recebe a notícia de que terá que se submeter a um procedimento cirúrgico, automaticamente ficará focalizado nas implicações deste evento em sua vida. A doença, o diagnóstico e a necessidade da cirurgia como forma de tratamento significam que a saúde da pessoa está debilitada. Assim, o passo seguinte é se adaptar a esse contexto de forma adequada. Fiorentino (2005) destaca que a situação cirúrgica requer que o individuo se reacomode e se adapte à nova situação. A situação cirúrgica é complexa sendo, pois, um evento multideterminado, com diversas variáveis combinadas que interagem constantemente entre si. Seguindo essa linha de raciocínio, é necessária uma visão completa do fenômeno. Existem cinco tipos de variáveis interdependentes que são observadas: as físico-químicas, as biológicas, as psicológicas, as sociais e as culturais; cada qual com suas características particulares. É importante a avaliação da experiência vivida pelo paciente para favorecer a máxima cooperação do mesmo e promover a aderência ao tratamento para que a recuperação seja mais rápida. (Tercero, Hernandez, Luque& Morales, 2005). Assim, de acordo com esse enfoque todo acontecimento humano é um fenômeno biopsicosociocultural. Sob esta ótica, o ato cirúrgico, considerado um evento deste nível, compreende a totalidade de fatores envolvidos, desde as reações da pessoa diante do diagnóstico, da necessidade da cirurgia, associadas ao funcionamento e à organização do ambiente e da equipe, assim como o desenvolvimento da cirurgia, as técnicas relacionadas, seus resultados e até a cultura em que o paciente está inserido interfere no fenômeno como um todo. O paciente tem que lidar com o fato de estar doente, enfrentar a situação cirúrgica, e se reorganizar, já que existe uma ruptura em seu cotidiano. O evento cirúrgico provoca no paciente sensação de ausência de controle. Durante o procedimento, o paciente é manipulado pela equipe médica, caracterizando, pois, uma situação de dependência, a qual também deve ser elaborada pela pessoa. O paciente sente-se ameaçado, por se submeter a uma técnica invasiva.
  • 3. O efeito número um da reação de ansiedade é alterar o organismo para a possível existência do perigo. Portanto, há uma mudança automática e imediata na atenção para verificar no ambiente, ameaças em potencial. A hospitalização isolada causa estresse e este é ainda maior em pacientes cirúrgicos (Caunt, 1992; Dobree, 1990; Raddife, 1993; Suvindole, 1989 apud Garretson, 2004). O caráter estressante do acontecimento cirúrgico depende diretamente das características da doença; sua duração, a intensidade, a gravidade, os sintomas que produz, a incapacidade que gera e a possibilidade de cura por outros meios. Pode gerar também uma dor importante, um sentimento de impotência, mudanças permanentes nas funções corporais, insegurança e alterações na qualidade de vida. No que se refere à qualidade de vida, esta pode ser entendida enquanto fenômeno que se inter-relaciona com as diversas dimensões do ser humano e tem sido objeto de inúmeros estudos na comunidade científica. Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde definiu qualidade de vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive, considerando seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A qualidade de vida influencia e é influenciada pelo status da saúde geral do individuo. Trata-se de uma relação de causa e efeito, a qual interfere na interpretação do individuo sobre sua qualidade de vida (Mathisenet al, 2007). Dessa forma, o evento cirúrgico e suas implicações têm relação direta com a percepção da qualidade de vida de uma pessoa. Sendo assim, tudo o que estiver ligado à cirurgia, causará mudanças na dinâmica do paciente. Segundo Terceroet al (2005), toda e qualquer intervenção cirúrgica é uma situação crítica que expõe o indivíduo a um estresse físico e emocional. Desperta componentes pessoais complexos que se manifestam em emoções, fantasias, atitudes e comportamentos que prejudicam o desenvolvimento da prática médica (Ferraro, 2000). Os estressores mais significativos dentro da situação cirúrgica, de acordo com Méndez, Ortigosa e Pedroche (1996) são: o diagnóstico, a doença, a dor, a hospitalização, os procedimentos médicos, o temor de não despertar da anestesia, as conseqüências da cirurgia, a perda da autonomia e a morte. Estes geram medos bem específicos. Suporte pré-operatório e intervenções complementares durante a reabilitação maximizem a qualidade de vida do individuo (Mathisenet al, 2007).
  • 4. Mathisenet al (2007) também ressaltam a importância de uma intervenção psicológica em casos cirúrgicos, já que contribuem para a manutenção da qualidade de vida do paciente. Gil, Gibbons, Jeneson, Hopkins e vonGruenigen (2007) acrescentam que para aumentar o nível de qualidade de vida, as variáveis que permeiam o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico devem ser abordadas e trabalhadas. Acrescentam anda que existe uma correlação positiva entre bem-estar físico e mental. Para que o estresse pré-cirúrgico seja reduzido, o método mais comum e mais utilizado é a preparação psicológica, em que são fornecidos dados sobre o procedimento e sobre o comportamento a ser adotado. Intervenções psicológicas e educacionais tão se tornando cada vez mais importantes. Fazem parte do enfrentamento da situação cirúrgica (Mitchell, 2007). Ao antecipar o ato cirúrgico, com todas as particularidades já mencionadas, é muito comum o paciente experimentar o sentimento de ansiedade. Diante da intervenção cirúrgica o paciente tem necessidade de saber e entender o que acontece e o que vai acontecer com ele. Esta é considerada uma ansiedade funcional porque pode possibilitar reflexão, debate e busca de conhecimento. A prática clínica e o contato com os pacientes permitem a definição de que a ansiedade se caracteriza por ser um estado emocional subjetivo, direcionada para o futuro, que gera desconforto somático subjetivo, bem como alterações somáticas manifestas. Existe um nível de ansiedade considerado normal e positivo. São reações próprias da personalidade e sua presença não representa nenhum estado excepcional da pessoa, pelo contrário, são parte do funcionamento natural de cada um, pois atua como uma força motivadora de todas as condutas e comportamentos das pessoas. Esse tipo de ansiedade faz com que o individuo busque coisas, movimenta a vida das pessoas, as deixa alerta. Porém, existe um limite. Até este ponto, a ansiedade mobiliza esses aspectos positivos e necessários mencionados anteriormente; ultrapassando esse tênue limite, a ansiedade passa a ser extremamente prejudicial ao indivíduo. O seu efeito passa a ser limitador. Impede que o indivíduo realize as coisas. É acompanhada por reações fisiológicas características, tais como: taquicardia, hiperventilação, aumento da pressão arterial, sudorese, tremor etc.; além de reações cognitivas, tais como alteração do fluxo de pensamentos, ausências (branco) etc., e reações comportamentais, nas quais o indivíduo inicia uma série de atividades e não consegue terminá-las, quando o indivíduo demonstra intensa agitação psicomotora, ou ainda quando paralisa e não consegue prosseguir suas atividades.
  • 5. Não há dúvidas que a neuroendocrinologia das emoções tem correlação estreita com a percepção clínica da ansiedade e do estresse, além das mudanças fisiológicas que tornam-se detectáveis. A ansiedade é comumente e facilmente observada no paciente diante do ato cirúrgico. Este passa a ter condutas contraproducentes que dificultam o desenvolvimento do processo operatório (Penicheet al, 1999). Daí a importância de uma intervenção. De acordo com Lopez-Roig, Pastor e Rodrigues-Marin (1993) o aumento do nível da ansiedade coincide com a proximidade da cirurgia, caracterizando a ansiedade situacional. Os níveis de ansiedade dependem também do ´locus´ de controle, ou seja, os tipos de variáveis que podem determinar a ansiedade, as quais se alteram de indivíduo para indivíduo. Garcia et al (2004) acrescentam que as variáveis podem ser determinadas por características demográficas, a história clínica do paciente, variáveis da personalidade, tipo de funcionamento psicológico, cognitivo, afetivo e interacional, a relação médico-paciente e a própria experiência de hospitalização. É importante identificá-las para que sejam manejadas adequadamente. Platas (1990) diferencia três tipos de ansiedades básicas presentes ao longo da situação da cirurgia. A primeira é a ansiedade confusional e é referente ao período pré-operatório. Existe uma desestruturação do paciente, um desequilíbrio como consequência da confusão. O paciente fica indeciso, vacilante, descoordenado etc. Existem alguns comportamentos que podem ajudar a enfrentar esta fase; são eles: ordenar, classificar, perguntar, entender, refletir, planejar, programar e controlar. Nesta etapa o ato cirúrgico em si tem um peso relativamente pequeno. É importante que o profissional forneça explicações breves de forma sensível, assim como proposto na invernenção de psicoprofilaxia. Na fase seguinte o paciente experimenta a ansiedade paranóide. Existe uma ameaça de desestruturação por um ataque externo. As manifestações comuns são o medo, a desconfiança, o temor, e inclusive uma paralisação por pânico, uma ansiedade muito intensa. Como condutas niveladoras: a prevenção, a cautela, a indagação, a escuta e o contra-ataque. O ato cirúrgico nesta etapa tem papel central. É a característica do período operatório. Tende a decair se a equipe tem um bom vínculo com o paciente. O período pós-operatório imediato, na sala de recuperação da anesteia, é um período em que o indivíduo fica vulnerável e bastante instável com capacidade psicológica adaptativa alterada, já que como consequência do procedimento
  • 6. anestésico, o processo de questionamento e busca de dados que orientam a avaliação cognitiva fica modificado; assim, medos e incertezas tendem a aumentar. A ansiedade seguinte é a depressiva, pois existe uma ameaça de desestruturação. As manifestações mais comuns são: tristeza, aborrecimento, fadiga, insônia, impotência e euforia. Para nivelar tais manifestações, criar, trabalhar, ler, estabelecer relações sociais, comer, beber, dormir, estudar e se divertir são os comportamentos mais indicados ao paciente. Neste período a incidência do ato cirúrgico no psiquismo aumenta. O nível vai diminuindo lentamente conforme s recuperação e a elaboração do evento cirúrgico. Platas (1990) lembra ainda que uma dessas fases predomina sobre as outras e por consequência, demandam tipos diferentes de intervenção e manejo. O profissional deve identificar qual a necessidade maior do paciente e atuar para que minimize os efeitos da fase predominante. Para identificar em que fase está o paciente, Platas (1990) descreve atitudes e comportamentos clássicos dos pacientes a serem observados e identificados para uma atuação profissional mais adequada. Perguntas em excesso e repetidas sobre detalhes técnicos da intervenção, dificuldades de compreensão da situação, sinais de desorientação espacial e/ou temporal, ou alterações da fala e insistência por garantir o prestígio da equipe, caracterizam o predomínio da ansiedade confusional. Os indicativos do predomínio da ansiedade paranóide são: um tom agressivo, perguntas desafiadoras, intenção de aproximação e curiosidade por aspectos pessoais e afetivos da vida dos membros da equipe, excesso de reclamações, questionamentos, protestos e ameaças, tendência a verificar repetidamente o diagnóstico e confrontá-lo com diferentes profissionais, idealização, estabelecimento de um vínculo de adoração com um ou mais membros da equipe. Já os comportamentos comuns do paciente com predomínio da ansiedade depressiva são os seguintes: euforia, excesso de otimismo, logorréia, e abuso de humor, tristeza acentuada, anorexia, insônia, choro intenso, autoabandono, insistência por estabelecer vínculos afetivos com algum membro da equipe e tendência a maximizar a importância da cirurgia. A seguir, são apresentados os desencadeantes, que são situações e/ ou circunstâncias que favorecem o aparecimento de um ou outro tipo de ansiedade, mais comuns de cada etapa. Os primeiros se referem à ansiedade confusional: medidas de emergência, mudança de planos, terminologia excessivamente técnica, exagero no número de pessoas da equipe, as mudanças de pessoal da equipe, muitas prescrições medicamentosas e/ou troca de uma por outras e a complexidade do instrumental cirúrgico.
  • 7. Os desencadeantes da ansiedade paranóide: todas as medidas que impliquem sofrimento e dor física, roupas cirúrgicas, entrevistas aos familiares dos pacientes sem conhecimento do paciente, atitudes autoritárias e excessivamente rígidas, a imobilização física e uso abusivo de sedativos. O manejo da dor é significativamente favorável (Raders, Aubry, Friberg, Huygens & Koch, 2007). Um trabalho psicológico pré- cirúrgico tem sido considerado importante. Sentimentos negativos existentes nesta etapa, podem prejudicar o enfrentamento do paciente, culmimando com o comprometimento de sua recuperação (Roth, Lowery, Davis & Wilkins, 2007). Por fim, a ansiedade depressiva tem como desencadeantes a anestesia geral, a prostração e as indicações de repouso, a presença de flores, imagens e altares no quarto, falta de cores na decoração, geram despersonalização e alteram o humor do paciente, presença de religiosos, dietas alimentares muito rígidas, outros doentes dividindo o mesmo quarto, muitas pessoas no quarto ou a proibição de visitas. Essa ansiedade se alterna com a sensação de medo e estresse. O estresse promove mudanças biológicas e fisiológicas, e por sua ação funcional pode converter-se num fator de risco diante do procedimento cirúrgico, complicando seus resultados e comprometendo a recuperação pós-operatória (Lopez-Roig, et al, 1993). Söderman, Lisspers e Sundin (2007) mostraram que o estresse e a ansiedade pré-cirúrgica aumentam os tempos de recuperação; são obstáculos contraproducentes na reabilitação do paciente. Foi demonstrado que quanto maior o nível de estresse de um paciente antes da cirurgia, maior é a demora do processo de cicatrização, maior a debilidade do sistema imunológico e pode mostrar-se pouco colaborador com os procedimentos médicos. O nível de estresse pós-operatório se agrava se o paciente tem em sua história pessoal, experiência de temor ou fobia diante de enfermidades. A incidência depende também do momento atual do paciente. É um momento de crise, e como tal gera instabilidade. Para enfrentar isso o indivíduo necessita se adaptar à sua nova realidade, tarefa essa realizada pela equipe de psicologia, através da Psicoprofilaxia Cirúrgica, cujos benefícios já explorados anteriormente (Juarez, 2005). Diante da ansiedade causada pela situação cirúrgica, ma intervenção baseada na formação e na educação sobre a doença e suas implicações, assim como o tratamento proporciona um suporte emocional significativo (Rawlet al, 2002). A Psicoprofilaxia Cirúrgica surge para amenizar o impacto provocado pela cirurgia no psiquismo do paciente. É um tipo de intervenção que prepara o paciente para lidar com o evento
  • 8. cirúrgico através de técnicas de enfrentamento. É importante, para o profissional que trabalha com psicoprofilaxia cirúrgica, levar em consideração que o paciente ocupa uma posição vulnerável (Spalding, 2003). Dessa maneira, fornecer suporte psicológico e social, é uma importante ajuda para o enfrentamento da cirurgia. Proporciona adaptação emocional e interpessoal (Chamberlain, Tulman, Coleman, Stwart&Samarel, 2006). Rawlet al (2002) concluem que intervenções psicológicas pré-operatórias proporcionam melhora na qualidade de vida do paciente, já que diminui riscos de depressão, diminui grau de ansiedade e aumentam o sentimento de bem-estar mental do individuo. É uma maneira que o paciente tem para lidar melhor com a situação em que se encontra. Rinaldi (2001) destaca que a exploração dos fatores desencadeantes, diante da iminência da cirurgia, é relevante para que o psiquismo da pessoa reaja frente ao estressor. As características de personalidade do paciente, produto de sua história evolutiva são determinantes. Allard (2007) concluiu que o uso de técnicas é eficiente na redução do estresse. As diferenças são significantes já que melhoram o estado emocional geral do paciente. Isso acontece porque o paciente passa a ter controle de seus sentimentos e por conseqüência, da situação em que se encontra. O autor sugere que o profissional transmita o conteúdo da informação ao paciente começando do mais simples e esquemático até o mais completo e detalhado, subdividindo cada segmento de informação em sessões diferentes e progressivas. O profissional com essa consciência, de abordar o paciente como um todo, tem mais probabilidade de atingir a eficácia em sua intervenção. Além dos aspectos levantados, a Autora destaca a importância de avaliar a vulnerabilidade do sujeito, através da observação da maneira que recebem a notícia da necessidade da cirurgia e a localização anatômica da mesma. Rinaldi (2001) descreve vulnerabilidade como fundamentalmente psicológica, de caráter preditivo que permite prever o nível de diminuição dos recursos psicológicos, que poderiam predispor a aparição de transtornos ou futuras enfermidades. Em síntese, a psicoprofilaxia cirúrgica é uma alternativa que ajuda o paciente a enfrentar e aliviar sintomas e problemas específicos derivados da situação da intervenção cirúrgica e o prepara emocionalmente para a tal situação. Permite, ainda,
  • 9. detectar traumas produzidos por ocasião da intervenção cirúrgica, como também prevenir e diminuir os efeitos dos estressores da situação. Por fim, o processo preventivo serve como diagnóstico e prognóstico através da avaliação da vulnerabilidade do indivíduo. Para a elaboração deste artigo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica na literatura especializada na base de dados da Pubmed, cujos textos são em inglês. Além disso, foram levantados textos básicos e livros importantes dentro da temática investigada também foram incluídos; são em sua maioria espanhóis. A literatura nacional tem necessidade de artigos e textos com esta temática, e o presente artigo tem a intenção de contribuir acrescentando informação para tornar a prática profissional congruente com as práticas internacionais mais atuais. A Psicopofilaxia Cirúrgica trata-se de uma nova modalidade que surge para facilitar o processo da hospitalização e da cirurgia, assim como potencializar os recursos dos pacientes para enfrentar o impacto da cirurgia. Submeter-se a uma intervenção cirúrgica gera alterações significativas, desequilíbrios psicológicos que podem dificultar o período pós-operatório. Antes e depois da cirurgia é importante consultar um psicólogo para diminuir a ansiedade e racionalizar o temor que toda cirurgia desencadeia. REFERÊNCIAS Allard N. C. (2007). Day surgery for breast cancer: effects of a psychoeducational telephone intervention on functional status and emotional distress. OncolNurs Forum. 34(1),133-141. Chamberlain W. M., Tulman L., Coleman E. A., Stewart C. B., Samarel N. (2006). Women's perceptions of the effectiveness of telephone support and education on their adjustment to breast cancer.OncolNursForum. 33(1), 138-144. Ferraro, A. (2000, Outubro). Psicoprofilaxisquirurgica. Revista Crescimiento Interior 66 (7). Fiorentino, S. (2005). Psicoproflaxisquirurgica: como dominar elmiedo a operarse. Diário de Cuyo. Estilo. Garcia, S. B.; Lado, M. C.; Makler, C.; Besada, M.; Mucci, M. C.; Covaro, J.A.(2004). Estratégias de itervención “psi” ensituaciones médicas: psicoproficalxiaquirurgica. (Trabalho apresentado no Congresso de Salus Mental de La Ciudad de Buenos Aires) Garretson, S. (2004).Benefits of pré-operative information programmes.NursingStandart, 18 (47), 33-37.
  • 10. Juarez, F.( 2005). Psicoprofilaxisquirurgica: como dominar elmiedo a operarse. Diário de Cuyo. Gil, K. M.; Gibbons, H. E.;Jenison, E. L.; Hopkins, M. P.; vonGruenigen, V. E. (2007). Baseline characteristics influencing quality of life in women undergoing gynecologic oncology surgery.Health Qual Life Outcomes, 5(25). Mathisen, L.; Andersen, M. H.; Veenstra, M.; Wahl A. K.; Hanestad, B. R.; Fosse E. (2007). Quality of life can both influence and be an outcome of general health perceptions after heart surgery. Health Qual Life Outcomes 5(27). Lopez-Roig, S.; Pastor, M. A., Rodrigues-Marin, J. em: Carrillo, F. X. M.; Antón, D. M.; Rodrigues, J. O. (1993). Intervenciónconductualen contextos comunitarios I: programas aplicados de prevención. Madrid: Piramide. Mendez, F.; Ortigosa, J.;Pedroche, S. (1996). Preparación s laHospitalización Infantil: Afrontamiento Del Estrés. Revista de PsicologiaConductual, 4 (2), 191-224. Mitchell M.(2007). Psychological care of patients undergoing elective surgery.Nurs Stand. 21(30), 48-55; 58,60. Peniche, A. C. G.; Jouclas, V. M. G.; Chaves, E. C. (1999).A influência da ansiedade na resposta do paciente no período pós- operatório. Ver. Esc. Enf. USP 33 (4), 391-403. Platas, E. M. (1990). Psicoprofilaxisquirurgica: lapreparación psicológica para las intervenciones quirurgicas. Barcelona: EdicionesRol. Raders P, Aubry M, Friberg M, Huygens C, Koch T. (2007). Nurses' views on ease of patient care in postoperative pain management. Br J Nurs. 16(5), 312-317. Rawl SM, Given BA, Given CW, Champion VL, Kozachik SL, Kozachik SL, Barton D, Emsley CL, Williams SD. (2002). Intervention to improve psychological functioning for newly diagnosed patients with cancer. OncolNursForum. 29(6), 967- 975. Rinaldi, G. (2001). PrevenciónPsicosomáticadel paciente quirurgico. Padós. Buenos Aires. Roth RS, Lowery JC, Davis J, Wilkins EG. (2007). Psychological factors predict patient satisfaction with postmastectomy breast reconstruction. PlastReconstrSurg. 119(7), 2008-2015; discussion 2016-2017. Soderman E, Lisspers J, Sundin O. (2007). Impact of depressive mood on lifestyle changes in patients with coronary artery disease.J Rehabil Med. 39(5), 412-417.
  • 11. Spalding, N. J. (2003). Reducing anxiety by pre-operative education: make the future familiar. OccupationalTherapyInternational, 10(4), 278-293. Tercero, Q.G.; Hernandez, R.A.; Luque, C.M.; Morales, G.P. (2005). Psicoprofilaxisquirurgica (PPQ). Departamiento de Psiquiatria y Medicina del Adolescente 1(1). * Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar, pós-graduada em Medicina Comportamental pela UNIFESP. Coordenadora do Serviço de Psicologia do Instituto de Urologia Santa Rita. O tratamento de crianças afastadas do convívio familiar Treatment of children away from home Roseana Moraes Garcia Pontifícia Universidade Católica. Centro Winnicott de Campinas. Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana. Endereço de correspondência Resumo Este artigo tem por objetivo expor as várias alternativas possíveis, segundo Winnicott, para o tratamento de crianças que perderam, momentânea ou definitivamente, a vida em família. Para que isso possa ser feito da melhor forma possível mostra- se a importância do diagnóstico da criança, da seleção de pessoal para trabalhar com ela e algumas outras características que são essenciais a esse tipo de trabalho. Palavras-chave: Winnicott, deprivação, diagnóstico, tratamento. Abstract This article aims to presenting the various possible alternatives, according to Winnicott for treatment of children who have lost, momentarily or definitively, family life. For this is shown the importance of the child's diagnosis, selection of staff to work with them and some other features that are essential to this type of work.
  • 12. Key-word: Winnicott, deprivation, diagnosis, treatment. 1. Introdução Winnicott teve uma vasta experiência com crianças que perderam, momentânea ou definitivamente, a vida em família, no seu trabalho como psiquiatra consultor na Segunda Guerra Mundial. A experiência que lhe foi proporcionada por esse trabalho ajudou-o a sedimentar, na sua teoria, a importância do ambiente na constituição da personalidade e da identidade individual. Ajudou-o também a construir uma técnica de tratamento dessas crianças difíceis, a qual ainda não foi devidamente estudada e aplicada aos problemas da delinquência. Em sua obra, ele afirmou várias vezes que, sempre que possível, deve-se tentar criar condições para que crianças com problemas sejam auxiliadas em seus próprios lares, se estes existirem e puderem encarregar-se de um aspecto da terapêutica. Essa recomendação é feita não apenas por ser economicamente mais viável, mas porque, se o lar da criança for razoavelmente bom, ele deve ser considerado o lugar mais adequado para o seu crescimento e desenvolvimento. Em geral, os pais são capazes de criar condições terapêuticas para seus filhos que adoeceram emocionalmente, desde que sejam adequadamente orientados e se lhes ofereça suporte para tal tarefa. Contudo, se por um motivo ou por outro, a criança foi afastada do convívio familiar, seja por abandono ou por morte dos pais, seja por uma decisão judicial, ou mesmo por uma necessidade momentânea, ela precisará de cuidados, e muito. A grande preocupação de Winnicott era tentar oferecer a esse tipo de criança a assistência mais adequada, para que os cuidados fossem realmente efetivos e ela pudesse aproveitá-los. Para isso, ele estabeleceu como necessários: a) um bom diagnóstico da deprivação1 sofrida pela criança; b) o tipo certo de provisão ambiental para cada diagnóstico; e c) a seleção de pessoas realmente adequadas para esse trabalho. 2. Diagnóstico para fins de tratamento institucional Para que o diagnóstico de uma criança deprivada seja útil e norteie o profissional a escolher o ambiente mais adequado para ela, é necessário que seja feito não com base nos sintomas da criança, ou no quanto ela incomoda, ou nos sentimentos despertados por ela no profissional. O fundamental no diagnóstico de uma criança deprivada é tentar conhecer o quanto lhe foi propiciado, inicialmente, por um ambiente suficientemente bom "nas relações mãe-bebê e nas relações triangulares pai-mãe-criança [antes da deprivação]; depois, à luz disso, teremos que tentar avaliar o dano causado pela
  • 13. deprivação, quando começou e como persistiu subsequentemente" (Winnicott, 1965k/1987, p. 180). Como fazer isso? A história da vida pregressa da criança torna-se de vital importância para um diagnóstico como este, e o profissional encarregado dessa tarefa deverá fazer o possível para reunir o maior número de informações. Além de a história de vida da criança ser importante para fins de diagnóstico, é igualmente fundamental para ela saber que alguém conhece toda a sua história. Aliás, esta é uma das formas de auxiliar a criança na direção da integração. Num texto de 1945, Winnicott diz que "ser conhecido significa sentir- se integrado ao menos na pessoa do analista [...] o bebê que não teve uma única pessoa que lhe juntasse os pedaços começa com desvantagem a sua tarefa de auto-integrar-se" (1945d/2000, p. 224). Mesmo que a criança, no momento, não queira ser informada sobre a sua história, provavelmente mais adiante será necessário que ela a conheça em detalhes, principalmente no caso de famílias desfeitas e de filhos ilegítimos. Essas crianças precisam conhecer os fatos para conseguirem ser saudáveis psiquicamente. Muitas vezes, no entanto, é impossível obter a história ou ela é muito falha, de modo que a única maneira de avaliar se havia ou não, de fato, um ambiente suficientemente bom no início da vida da criança é fornecer a ela um bom ambiente e observar o uso que ela fará dele. Mesmo assim, haverá a ressalva de que o uso que uma criança deprivada pode fazer de um bom ambiente, quando estiver menos doente e mais esperançosa, é tornar-se "cada vez mais capaz de enfurecer-se com deprivações passadas" (1965k/1987, p. 181), por meio de amostras, mesmo que ínfimas, de deprivações atuais2 . Geralmente, um diagnóstico satisfatório só pode ser feito depois de um período de observação da criança, num grupo. A observação cuidadosa de alguns comportamentos pode ajudar nesse diagnóstico, como a capacidade para brincar, a habilidade com jogos, a capacidade para fazer amigos e para manter um esforço construtivo. Todos esses, se positivos, são sinais de saúde da criança e é possível usar os aspectos saudáveis da criança para ajudá-la em suas dificuldades. Winnicott definiu seis categorias de deprivação familiar que a criança pode ter vivido, são elas: a) Bom lar comum, desfeito por um acidente com um ou ambos os genitores. b) Lar desfeito pela separação dos pais, que são bons pais. c) Lar desfeito pela separação dos pais, que não são bons pais. d) Lar incompleto, porque não existe pai (filho ilegítimo). A mãe é boa; os avós podem assumir um papel parental ou ajudar, em alguma medida.
  • 14. e) Lar incompleto, porque não existe pai (filho ilegítimo). A mãe não é boa. f) Nunca houve um lar. Além disso, deve ser feita uma classificação cruzada: a) de acordo com a idade da criança, e a idade em que cessou o ambiente suficientemente bom. b) de acordo com a natureza e a inteligência da criança; c) de acordo com o diagnóstico psiquiátrico da criança (1965k/1987, p. 181). Essa classificação do ambiente familiar para fins de diagnóstico é importante, pois definirá, conjuntamente com os outros critérios vistos até aqui, o tipo adequado de assistência institucional e de terapêutica a ser adotada. Ou seja, se a criança teve uma boa relação inicial com a família, essa relação poderá ser recuperada caso lhe seja dada a oportunidade de estabelecer uma relação pessoal com alguém suficientemente bom que cuide dela e esteja disponível para uma comunicação pessoal profunda. Nos casos em que não houve um bom início (isto é, se ela sofreu privação), a criança precisa ter, pela primeira vez, as experiências de um lar primário que seja totalmente adaptado às suas necessidades especiais. Sem essa adaptação, ela não conseguirá estabelecer as bases para sua saúde psíquica. Para os casos extremos de deprivação – lamentavelmente inúmeros – em que o prognóstico não é bom, existe o risco de loucura, devido ao fracasso do ambiente em lidar com as manifestações iniciais da tendência antissocial. Nestes casos, chega a ser necessário o fornecimento de uma estrutura rígida e estável – porém, justa e confiável – de controle externo, de modo a conter a confusão que é permanentemente sentida como ameaça. 3. Alternativas de tratamento As alternativas que descrevo a seguir foram apresentadas por Winnicott, a partir de suas ideias, naturalmente, mas também a partir do que havia disponível em sua época e contexto social. É importante acompanhar o que ele assinala como essencial em cada uma das alternativas para poder adaptá-las ao nosso contexto. O objetivo que guia o tratamento de crianças que foram deprivadas de vida familiar é o fornecimento de uma alternativa para a família que se perdeu. O importante é reconstruir um ambiente de segurança e compreensão. Dependendo do diagnóstico da criança, essa alternativa pode ser, num extremo, a adoção ou, no outro extremo, a internação em uma grande instituição. A variação das alternativas depende, naturalmente, do que é possível encontrar, mas deve estar sempre norteada pelo diagnóstico. A primeira alternativa é a adoção3 que pode, em princípio, ser pensada como a situação ideal para a criança, pois, também em
  • 15. princípio, os pais adotivos estarão dispostos a lhe dar uma vida familiar satisfatória, situação que não pôde ser fornecida pelos pais biológicos. Contudo, para que um processo de adoção tenha sucesso, algumas recomendações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, os pais adotivos precisam estar preparados e dispostos a criar uma criança que já tem certo grau de dificuldade. E, em segundo lugar, os pais devem saber que o pré-requisito para que a criança possa aproveitar o que lhe será oferecido, é ter tido, no início da vida, uma experiência familiar suficientemente boa, pois só assim ela poderá resgatar aquilo que teve e perdeu. Caso contrário, eles deverão estar preparados para enfrentar períodos de franca atividade antissocial, com roubos, mentiras e destrutividade, pois se o ambiente oferecido por eles tornar-se confiável para a criança, a esperança retorna e, com ela, os atos antissociais. Se, por algum motivo, a adoção não é possível, a alternativa é abrigar essa criança em uma instituição. Essas instituições podem variar desde as bem pequenas, com poucas crianças, nas quais a relação entre elas e seus cuidadores pode ser pessoal e, portanto, efetivamente terapêutica, até as bem grandes, nas quais as relações com as crianças são impessoais e norteadas essencialmente por regras disciplinares. As pequenas instituições, que comportam em média de seis a dez crianças de diferentes idades e sexos, podem ser administradas, de preferência, por um casal e reproduzir, o mais fielmente possível, um ambiente familiar. Para que o trabalho seja desenvolvido de maneira satisfatória, a escolha dessas crianças terá que ser feita com o mesmo critério que é usado para adoção: elas devem ter tido um começo suficientemente bom, que forneça a matriz para o aproveitamento da nova oportunidade. Segundo Winnicott, uma criança que não seja adequada para esse tipo de tratamento pode prejudicar todo um bom trabalho que esteja sendo feito pelos supervisores com as outras crianças. Esse trabalho é emocionalmente exigente, pois é pessoal e envolve afetividade. Se uma criança mais perturbada põe o trabalho a perder, os supervisores podem desanimar e desistir de dar o melhor de si, partindo para um manejo menos pessoal e menos afetivo, o que seria um transtorno para as outras crianças. Esse tipo de situação nos mostra a importância do diagnóstico. Se o número de crianças abrigadas numa instituição cresce, o manejo delas vai perdendo em qualidade, pois será menos pessoal e, portanto menos terapêutico. Tendo em vista que os abrigos com um número pequeno de crianças são poucos e os cuidadores insuficientes, as crianças mais doentes, isto é, aquelas que tiveram poucas experiências iniciais satisfatórias, poderão ser alocadas em abrigos maiores. Winnicott diz que não é bom "fingir" que as crianças alojadas nessas grandes instituições estão sendo tratadas, pois, de fato, elas não estão sendo cuidadas com a finalidade de cura das suas doenças. Os objetivos são, em primeiro lugar, prover teto, comida e roupa a crianças que foram negligenciadas; em segundo lugar, criar um tipo de vida em que as crianças tenham
  • 16. ordem em vez de caos; e, em terceiro lugar, impedir, para o maior número possível de crianças, a ocorrência de um choque com a sociedade (1965k/1987, p. 189). Em vez de estarem sendo tratadas – o que não seria possível – elas estão sendo contidas em muitos níveis e não estão abandonadas. Neste caso, a disciplina é essencial na medida em que proporciona estabilidade para elas. Além disso, porque é um alívio para algumas crianças saber que não terão que usar o autocontrole todo o tempo. Contudo, se o ambiente tem que ser rigoroso e severo para ter valor positivo para as crianças, é necessário que seja coerente, confiável e justo na mesma medida. Se não for assim, elas se sentirão desorientadas e confusas. 4. Recursos humanos Certamente o requisito mais difícil de ser preenchido quando se trata de trabalho com crianças, principalmente com crianças antissociais é encontrar pessoal adequado. Em termos de serviço público, isso é muito difícil. A maneira como esses funcionários são selecionados e avaliados, no setor público, não condiz com as necessidades reais desse trabalho. Portanto, se o objetivo é fazer algo efetivo e de qualidade com essas crianças será necessário rever os critérios de seleção de pessoal. Winnicott descreveu o que considerava ser importante na personalidade das pessoas selecionadas para o trabalho junto a crianças antissociais nos alojamentos e abrigos e recomendava, primeiramente, que os supervisores dos assim chamados "lares" fossem casais (se possível), de maneira que ambos os cônjuges participassem na supervisão. Essa situação às vezes pode complicar-se, principalmente se os supervisores tiverem seus próprios filhos, mas o que Winnicott constatou na prática cotidiana era que esse fato – a existência real de uma família – enriquecia a vida do alojamento. No que se refere às características desejáveis dos supervisores, eles deveriam ser pessoas com capacidade para assimilar experiências e para lidar de modo autêntico e espontâneo com os acontecimentos e as relações, pois só assim, sendo eles mesmos, teriam condição de agir natural e coerentemente todos os dias. Essa mesma característica é assinalada pelo autor com relação aos pais suficientemente bons. Num texto escrito em 1969, ele afirma que "se formos nós mesmos, os nossos filhos podem passar a conhecer-nos. Se estivermos representando um papel, seremos certamente descobertos quando nos surpreenderem sem as nossas máscaras" (1993b/1993, p. 141). Contudo, a melhor seleção é feita pelas crianças, pois esses supervisores só aguentarão a tensão diária se forem capazes de serem, sempre, eles mesmos. É desejável também que eles possam estar atentos às necessidades das crianças no sentido de poderem "atuar naturalmente". Winnicott nos fornece um exemplo: se uma criança corta o dedo e precisa do supervisor naquele momento e ele está envolvido
  • 17. com alguma outra tarefa pessoal, ele deverá largar o que estiver fazendo e atender a criança imediatamente, sendo capaz de priorizar as necessidades das crianças e a seriedade desses apelos, "pois essas crianças estão, com frequência, doentes demais ou angustiadas demais para serem capazes de admitir tanto as dificuldades pessoais do supervisor quanto as suas próprias" (1947e/1987, p. 73). Seria igualmente desejável que essas pessoas tivessem alguma habilidade especial, como música, teatro, pintura, cerâmica etc., mas o essencial é que gostem sinceramente de crianças. Como podemos ver, não é fácil encontrar pessoas com esse perfil. O supervisor com esse perfil não deve precisar seguir prescrições ou planejamentos pré-estabelecidos porque o importante é que, de posse de uma compreensão unitária dos principais problemas a enfrentar, ele tenha liberdade e capacidade de resolver as questões que vão surgindo no dia a dia de uma maneira pessoal e verdadeira. Somente nessas bases ele construirá uma relação real com as crianças e, por isso, tornar-se-á importante para elas. De qualquer modo, é fundamental que o número de crianças que um supervisor tenha sob seus cuidados não ultrapasse o que ele pode suportar emocionalmente, pois se um número excessivo de crianças for confiado a um supervisor, ele se verá obrigado a proteger-se expulsando alguém que não esteja preparado para isso. Um ser humano só consegue se preocupar seriamente com um determinado número de pessoas, num mesmo momento. Se isso for ignorado, o supervisor será obrigado a realizar um trabalho superficial e inútil, e a substituir por uma gestão ditatorial a combinação saudável de amor e energia que preferiria manifestar. Caso contrário, e isso é muito comum, ele sucumbe, e todo o trabalho que realizou se anula. Pois qualquer mudança de supervisor produz vítimas entre as crianças e interrompe a terapia natural do trabalho no alojamento. (1947e/1987, p. 80) Outro aspecto essencial é que os supervisores possam contar, eles mesmos, com supervisão, que pode ser feita por meio do debate com a equipe técnica responsável 4 . A natureza desse trabalho é tão difícil que os supervisores têm necessidade absoluta de apoio e compreensão. A escolha do resto do pessoal que trabalhará no alojamento também é bastante importante, pois a criança necessita que todas as pessoas que cuidam dela tenham noção da importância do seu papel. Assim, a cozinheira, o jardineiro, a faxineira, o vigia, podem ser ou uma grande ajuda ou, ao contrário, um grande estorvo. 5. Características essenciais ao trabalho residencial A assistência residencial para crianças tem como objetivo fornecer certas condições ambientais que permitam a elas
  • 18. retomar seu processo de amadurecimento pessoal. Isso é fundamental no caso de crianças com tendência antissocial, pois a psicanálise enquanto tratamento individual não é efetiva na maioria desses casos. Quais são essas condições ambientais? A primeira delas é a confiabilidade. Geralmente, crianças que necessitam de uma assistência institucional viveram em ambientes nos quais, por alguma razão, deixaram de confiar. Aqui confiança tem o sentido de previsibilidade. Assim, os "lares" e alojamentos têm que ser, acima de tudo, ambientes confiáveis e previsíveis. Num atendimento de 24 horas como é o atendimento residencial, as crianças passam a viver a vida privada dos profissionais que cuidam delas e, como esses profissionais são seres humanos, eles são falíveis. Todavia, trata-se de um trabalho profissional e terapêutico, o qual deve atender às necessidades das crianças. Assim, é preciso que a condição de trabalho do pessoal envolvido com assistência institucional seja a melhor possível. Nessa área, diz Winnicott, não cabem meias soluções. É uma questão de cuidar bem de poucas crianças e ceder as outras a uma grande instituição com métodos ditatoriais, até que a sociedade possa conseguir algo melhor. O bom trabalho deve ser pessoal, para que não seja cruel e torturante para a criança e para o profissional. O trabalho só vale a pena ser feito se for pessoal e se aqueles que o estão realizando não estiverem sobrecarregados. (1965k/1987, p. 191) Como se vê, Winnicott não é dado a idealizações nem cria metas falsas. Essas são as condições nas quais a confiabilidade poderá existir, ajudando a criança a desfazer seu sentimento de imprevisibilidade. A terapia por assistência institucional está consideravelmente calcada nessa questão. A segunda condição é o fornecimento de holding. A criança em assistência institucional precisa reencontrar o holding que foi perdido ou interrompido – holding que começa com estar sendo seguro nos braços da mãe, que deveria, em condições normais, ter-se ampliado com a mãe segurando situações tensas ou difíceis, ou, como diz Winnicott, "segurando a situação no tempo" – e que, agora, precisa ser fornecido pelos profissionais que cuidam dela. A terceira condição é que o trabalho residencial não pode ter uma atitude moralista; pelo contrário, ele precisa dar condições para que a moralidade inata da criança aflore. O comportamento das crianças antissociais não pode ser atribuído ao pecado ou coisa que o valha. Para ser realmente terapêutico, o tratamento institucional deve estar baseado firmemente na pessoa e no caráter de cada criança. A quarta condição a ser atendida pelo ambiente cuidador é que, às vezes, uma das crianças começa a incomodar mais do que as outras, e os profissionais ficam tentados a transformá-la em "bode expiatório". Em geral, isso acontece porque essa criança
  • 19. está sendo a porta-voz do grupo, que pode permanecer tranquilo enquanto ela está fazendo os ataques, por procuração. As pessoas que cuidam das crianças não devem, nesse momento, ter atitudes moralistas, nem de retaliação, também não devem tentar curar os sintomas ou oferecer suborno. Segundo Winnicott, elas têm unicamente que sobreviver: Nesse contexto, a palavra sobreviver significa não só que vocês continuarão vivendo e que conseguirão passar por isso ilesos, mas também que não serão provocados à retaliação. Se vocês sobreviverem, então, e só então poderão sentir-se usados de um modo perfeitamente natural pela criança que está se tornando uma pessoa e adquiriu recentemente a capacidade para fazer um gesto de natureza amorosa um tanto simplificado. (1984g/1987, p. 232) A quinta e última condição é que o sentimentalismo deve ser banido de qualquer tratamento terapêutico com as crianças em atendimento institucional. À medida que ela encontrar pessoas confiáveis e resgatar a confiança e a crença nessas pessoas e em si mesma terá condições de ser levada gradualmente a se responsabilizar pelas consequências dos seus atos destrutivos. Para isso, ela não precisa de indulgências, mas de justiça e confiabilidade. Como se pode ver, as indicações e recomendações dadas por Winnicott sobre como tratar crianças que perderam seus lares continuam bastante atuais e podem, adaptadas à nossa realidade, ser aproveitadas para a construção de políticas públicas de prevenção e tratamento da delinqüência no nosso país. Referências Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago. Loparic, Z. (2001). Esboço do paradigma winnicottiano. Cadernos de História e Filosofia das Ciências, 11(2), 7-58. Garcia, R. M. (2004). A tendência antissocial em D. W. Winnicott. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós- Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. Winnicott, D. W. (1987). Assistência residencial como terapia. In D. Winnicott (1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1970; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1984g) Winnicott, D. W. (1987). A criança desapossada e como ela pode ser compensada pela falta da vida familiar. In D. Winnicott (1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1950; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1965k)
  • 20. Winnicott, D. W. (1987). Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1984; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1984a) Winnicott, D. W. (1987). A tendência antissocial. In D. Winnicott (1987/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1956; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1958c) Winnicott, D. W. (1987). Tratamento em regime residencial para crianças difíceis. In D. Winnicott (1984/1984a), Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1947; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1947e) Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1988; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1988) Winnicott, D. W. (1993). A construção da confiança. In D. Winnicott (1993/1993a), Conversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1969; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1993b) Winnicott, D. W. (1993). Conversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1993; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1993a) Winnicott, D. W. (2000). Desenvolvimento emocional primitivo. In D. Winnicott (2000/1958a), Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1945; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1945d) Winnicott, D. W. (2000). Textos selecionados: da pediatria à psicanálise (DavyBogomoletz, trad.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1958; respeitando-se a classificação de Hjulmand, temos 1958a)