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REVISITANDO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO SISTEMA
PAULO FREIRE
Thiago Ingrassia Pereira – UFFS/Erechim
thiago.ingrassia@gmail.com
Resumo
Paulo Freire nos convida a pensar a educação com algo humano, radicalmente voltada à
liberdade e à emancipação dos sujeitos. No contexto dos anos 1960, no nordeste brasileiro, o
Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife promove ações e debates no âmbito
da extensão universitária, tendo em vista a efervescência do Movimento de Cultura Popular.
A universidade é pensada como parte de um sistema de educação assentado na cultura popular
e comprometida com as necessárias transformações sociais da desigual sociedade brasileira.
Ao completarmos 50 anos da publicação do nº 4 da Revista Estudos Universitários, promovo
uma discussão sobre o instigante ensaio de Jarbas Maciel sobre a fundamentação teórica do
sistema Paulo Freire, destacando sua atualidade e os desafios que continuam em nosso
horizonte de educadores populares no século XXI.

Palavras-chave: Sistema Paulo Freire. Educação Popular. Serviço de Extensão Cultural.

Introdução
Li muito pouco sobre Paulo Freire em minha graduação1. Cheguei até Pedagogia da
autonomia a partir de conversas com meu orientador de iniciação científica2. Curiosamente,
passei a ler Freire inserido em meus estudos sobre cultura política e democracia. Confesso
que achava o texto freireano “enrolado” e nutria certo preconceito com um autor da
“educação”. Sim, eu queria ser cientista social, ainda que o desejo de ser professor sempre
estivesse em meu horizonte.
Nossas experiências ao longo do curso de graduação e das próprias pesquisas que fazia
na bolsa foram me despertando para algumas questões que direcionariam minha vida
acadêmica. Junto à vida universitária e até por causa dela, me iniciei na docência num
cursinho pré-vestibular popular (ONGEP) de Porto Alegre, em agosto de 2003. Essa
experiência me direcionou para a área da educação, alterando meu primeiro entendimento
sobre esse extraordinário campo científico e de intervenção social.
Assim, ao completar dez anos como docente, tendo atuado em cursinhos populares,
ensino fundamental, médio e superior (graduação e pós-graduação), em instituições púbicas e
privadas, fui me construindo como educador. A pós-graduação na área da educação me

1
2

Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais na UFRGS.
Prof. Marcello Baquero (UFRGS).
permitiu ser um curioso em relação à obra de Freire. E essa curiosidade, sempre crescente, foi
me oportunizando compartilhar leituras, repensar minhas práticas e buscar novas
possibilidades de entendimento.
Em um desses espaços formativos3, cheguei ao texto que enseja essas breves reflexões
sobre a fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire. Assim, ao completar uma década de
docência, apresento para diálogo um texto que completou cinco décadas.

Antes da universidade
Para além das instituições formais de ensino, a educação é um movimento mais amplo
em termos culturais. Por isso, a escola como instituição foi se constituindo na correlação de
forças sociais que formaram a sociedade brasileira no século XX. Desde os pioneiros da
escola nova, o debate sobre os rumos da educação nacional estava posto, tendo em vista o
projeto modernizante em voga no país, principalmente, pós-1930.
Não promoverei um extenso debate sobre esse debate educacional na primeira metade
do século XX, mas é importante considerar que algumas posições políticas (escola nova,
católicos, movimentos populares) sobre a educação vão disputar o projeto nacional. Como
pano de fundo, temos a emergência de uma sociedade urbana e industrial, atrelada ao capital
internacional.
Essa ambiente abarca o surgimento e a consolidação de importantes sujeitos sociais,
como as empresas multinacionais, os sindicatos e muitos movimentos rurais e urbanos. O
aparato estatal passa a ser disputado por partidos políticos ideologicamente posicionados à
direita e à esquerda do espectro político. É no contexto pós- Era Vargas (1930-1945) que a
cena política nacional vê o surgimento e a consolidação de movimentos que aspiram direitos e
buscam seu lugar no processo de modernização do país.
A educação e o sistema de ensino, pela sua importância estratégica nesse processo,
não poderiam deixar de serem espaços políticos relevantes. Dessa forma,
a história da educação popular geralmente é contada a partir da década de 1960, que
no Brasil coincide com uma forte mobilização popular na qual se encontrava
inserida a educação, em especial a alfabetização de adultos. A referência mais
marcante desse movimento pedagógico-político-cultural é o projeto de Paulo Freire
em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963. Dentre os movimentos implantados
no Nordeste, todos no início da década de 1960, podem ser citados o Movimento de
Cultura Popular (MCP), criado na Prefeitura de Recife; a campanha ‘De pé no chão
também se aprende a ler’, instituída pela Prefeitura de Natal; e o Movimento de
3

Banca de qualificação de projeto de tese, PPGEDU/UFRGS, maio de 2012, véspera do XIV Fórum de Estudos:
leituras de Paulo Freire na UFFS/Erechim. Estive na companhia dos professores Jaime Zitkoski (orientador),
Balduino Andreola, Jorge Ribeiro e Carlos Rodrigues Brandão, este último, o responsável pela indicação de
leitura de Jarbas Maciel.
Educação de Base (MEB), criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
em convênio com o governo federal (STRECK, 2010, p. 301).

Em todos esses movimentos o ativismo esteve presente, cumprindo papel importante
para alicerçar uma cultura participativa. Contudo, o próprio contexto foi produzindo a
necessidade de maior organização das ideias que brotavam da prática cotidiana. Assim,
o encontro com Paulo Freire e outros intelectuais orgânicos nas décadas de 1950 e
1960 complementa um quadro de fundamentação teórica e prática. Neste encontro,
os movimentos populares ganham uma sistematização e identidade de classe que
ainda se encontrava difusa (RODRIGUES, 2008, p. 33).

Temos a possibilidade histórica de sistematização das experiências e aprofundamento
teórico para a ação. O humanismo cristão, o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo
se constituíram em bases teóricas fecundas para o debate que nasce nas práticas sociais
concretas e na percepção sobre as desigualdades e injustiças sociais, chegando à universidade.

Na universidade
A experiência da Universidade do Recife4 nos anos 1960 é fundamental para
pensarmos o papel da universidade em relação aos setores populares. O Serviço de Extensão
Cultural (SEC) vai ser o espaço de encontro de ativistas e intelectuais preocupados com a
inserção da universidade na vida cultual, econômica e política da sociedade.
De certa forma, os debates e ações do Movimento de Cultura Popular (MCP) servirão
de base para se pensar, a partir da universidade, estratégias de intervenção social sustentadas
em reflexões consistentes sobre o contexto social da época. De acordo com Freire (1994, p.
167), “o Serviço de Extensão Cultural da Universidade, então chamada do Recife, nasceu de
um sonho nosso, do então reitor prof. dr. João Alfredo Gonçalves da Costa Lima e meu”.
Entre tantas estratégias, a construção da Revista Estudos Universitários permitiu a
publicação das questões que faziam parte dos diálogos e ações presentes nos trabalhos de
educação popular. As reflexões que apresentarei a seguir são extraídas do número 4 da
Revista, de abril – junho de 1963. Especificamente, me deterei no diálogo com o ensaio de
Jarbas Maciel5 intitulado “A fundamentação teórica do sistema Paulo Freire”, entre as páginas
4

Atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Freire, de forma elogiosa, se refere em Cartas a Cristina (12ª carta) ao conjunto de pessoas que trabalhou em
seus projetos na universidade: “creio interessante fazer referência, além de cumprir um dever, à excelente equipe
com quem me foi possível criar o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Equipe que se
distribuía na formulação e na coordenação de diferentes projetos. Todos na época bastante jovens e hoje
afirmados intelectuais nesta ou naquela área. Luiz Costa Lima, José Laurêncio de Melo, Juracy Andrade,
Sebastião Uchoa Leite, Orlando Aguiar da Costa Ferreira, Jarbas Maciel, Jomard Muniz de Brito, Roberto
Cavalcanti de Albuquerque, Francisco Bandeira de Mello, a quem se juntou depois um bom grupo de educadoras
e educadores empenhados na compreensão e na prática da educação popular” (FREIRE, 1994, p. 172-173).

5
25 e 58. O SEC, como lembra Freire, foi abortado em suas concepções e práticas fundantes
pelo golpe de estado de abril de 1964. Portanto, foram menos de dois anos que Freire e sua
equipe tentaram construir uma experiência importante de extensão universitária dentro de um
projeto de universidade popular.
Jarbas Maciel, segundo Carlos Rodrigues Brandão, “mais do que Paulo, é ele quem
discorre com mais dados e fatos sobre o que foi a experiência de extensão universitária da
equipe” 6. A extensão universitária é compreendida como uma postura diante das demandas
sociais dos grupos populares. É radicalmente contrária à noção tradicionalmente colocada de
extensão como alargamento da universidade, uma ida da universidade à comunidade, como se
coubesse à universidade aplicar ou ensinar seus conhecimentos aos que nela não estão. Aliás,
esse é um aspecto de reflexão decisivo: compreender a universidade pública como uma
instituição diretamente vinculada àqueles que nela não estão, mas a mantêm com sua
participação no fundo público. Quanto a isso, é ilustrativa essa argumentação de Maciel:
Por isso, entendemos que a verdadeira práxis da extensão cultural, entre nós, deva
partir daí. Sua motivação afunda raízes na grande contradição da Universidade
Brasileira que, entre outras coisas, põe em choque 1 % da nossa população com os
99% restantes, isolados na mais completa cegueira espiritual e embrutecidos no
abandono de uma forma de escravização social e econômica. Parece uma ironia que
esses 99% do povo brasileiro devessem, mesmo alienados da Universidade,
sustentá-la social e economicamente. Entretanto, assim o é. A extensão, por
conseguinte, para ser verdadeiramente funcional, deve estar voltada para esses 99 %
a imensa maioria do povo brasileiro – no sentido de saldar, simplesmente, uma
pesada dívida que não é apenas acidental e nem recente, porque é uma dívida
histórica. Quando fazemos extensão cultural nestes termos, estamos lutando
inclusive contra os erros e os vícios de nosso passado colonial (MACIEL, 1963, p.
25-26).

Não me aprofundarei no debate sobre a extensão universitária, muito embora sua
função estratégica no atual debate sobre a reforma universitária7. Por outro lado, a extensão
praticada pelo SEC nos anos 1960 está alicerçada na compreensão filosófica de valorização da
cultura popular e no entendimento político acerca da educação como prática da liberdade.
Ao ler o ensaio de Jarbas Maciel, me associo à interpretação de Brandão quanto aos
6

Trecho extraído de texto digitado intitulado “Paulo Freire, a educação, a cultura e a universidade: memórias de
uma história há cinquenta anos atrás”, de autoria de Brandão e me enviado por correio eletrônico em 28 de maio
de 2012. Ressalto que questionei o Prof. Brandão sobre se esse seu texto tinha sido publicado. Observem a
resposta: “Thiago, ele foi publicado em uma revista eletrônica. Quem sabe de fato é o querido argonauta e
educador Jason Mafra. Mando este e-mail pra ele também. Que vocês, educadores, se conversem e entendam.
Sou apenas um humilde antropólogo. Valeu, Carlos”. Em pesquisa na internet, não encontrei o ensaio em
questão publicado.
7
O espaço de diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes populares potencializa a extensão (comunicação,
para Freire) como eixo fecundo para novas práticas epistemológicas no âmbito universitário. Nesse sentido,
Boaventura de Sousa Santos fala da “ecologia dos saberes”, uma espécie de “extensão ao contrário” (SANTOS,
2005).
três postulados fundamentais do sistema de educação Paulo Freire. Tais postulados conferem
substantividade à proposta dos educadores populares. São eles:
1. A igualdade ontológica de todos os homens.
2. A acessibilidade ilimitada do conhecimento e da cultura.
3. A comunicabilidade ilimitada do conhecimento e da cultura.
Partindo das práticas sociais dos movimentos de cultura popular, o SEC potencializa o
debate acadêmico ao incorporar elementos filosóficos, antropológicos e até linguísticos, tendo
em vista o debate sobre a leitura do mundo que antecede a leitura da palavra, premissa tão
cara aos processos de alfabetização de adultos que estão na base das propostas do SEC. Ao
considerar o grande relevo adquirido pela alfabetização de adultos, Maciel avança em sua
problematização e anuncia a construção de um sistema de educação articulado que começaria
na alfabetização, mas perpassaria diferentes níveis de formação humana. Para Brandão, no
texto mencionado anteriormente:
E este é o momento em que Jarbas Maciel anuncia - pela primeira vez, imagino - a
extensão do Método Paulo Freire a todo um Sistema Paulo Freire de Educação. Um
sistema gerado na universidade, e que deveria desaguar na criação de uma nova
universidade popular.

Vejamos, então, as etapas do Sistema Paulo Freire de educação, esboçadas no contexto
dos anos 1960:
1 – Alfabetização infantil
2 – Alfabetização de adultos
3 – Ciclo primário rápido
4 – Extensão Cultural (níveis popular, secundário, pré-universitário e universitário)
5 – Universidade Popular (Instituto de Ciências do Homem)
6 – Centro de Estudos Internacionais

Cada etapa descrita acima está descrita por Maciel em seu ensaio. Cumpre destacar
que as etapas 2 e 4 estavam em estágio mais avançado, tendo em vista as ações concretas
realizadas pelo SEC e seus parceiros.

Para além da universidade: desafios contemporâneos
Mais do que realizar a denúncia das situações concretas de opressão e desigualdade
sociais, a equipe do SEC da Universidade do Recife deteve-se no anúncio de um sistema de
educação que fosse coerente com as bases políticas e filosóficas das ações educativas em voga
a partir dos movimentos de cultura popular. A universidade não se basta a si mesma, ou seja,
é condicionada por circunstâncias sociais que direcionam suas ações. O SEC se constituiu em
laboratório de sistematização de experiências e na proposição de aprofundamento conceitual.
O atual processo de expansão universitária recolocou na agenda a discussão sobre a
“universidade popular” 8. Contudo, essa discussão parece desconsiderar, ainda que faça
menção ao conjunto de autores e preposições da educação popular, as concepções construídas
há cinquenta anos no nordeste brasileiro.
Esse pequeno texto procurou dar visibilidade aos pressupostos construídos nos anos
1960 e que se mantêm atuais na luta por uma educação inclusiva, emancipatória e justa.
Porém, esse projeto torna-se ainda mais desafiador em um contexto desigual, como é a
sociedade brasileira. Construir instituições democráticas em uma sociedade atravessada por
hierarquias é um grande desafio.
As reflexões dos anos 1960, bem como as realizadas nos anos 19809, podem servir
para sustentar nossos argumentos, pois nos indicam a historicidade da luta dos educadores
populares por uma educação libertadora que contribua para a transformação social.

Referências
BRANDÃO, C. R. Paulo Freire, a educação, a cultura e a universidade: memórias de
uma história há cinquenta anos atrás. Digitado, s/d, 17f.
FREIRE, P. Cartas a Cristina. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
MACIEL, J. A fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire. Revista de Cultura da
Universidade do Recife, Recife, n. 4, p. 25-58, abril/junho, 1963.
RODRIGUES, A. C. Educação popular: histórico e concepções teóricas. In: MELLO, M.
(Org.). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA/ATEMPA, 2008, p. 3160.
SANTOS, B. S. Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
STRECK, D. R. Entre emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e
movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 15, n. 44, p. 300310, mai/ago 2010.

8

Várias novas universidades assumem o discurso “popular”, sejam em relação a políticas de acesso (escola
pública, cotas raciais, de renda etc) ou a princípios epistemológicos (valorização dos saberes populares). Vivo a
experiência da UFFS que busca ser uma universidade pública e popular, contudo, é um movimento contraditório.
9
Ver a publicação “Universidade e compromisso popular”, organizada por Paulo Freire, Adriano Nogueira e
Débora Mazza, a partir de seminário na PUC – Campinas em 1986. Disponível em:
<http://acervo.paulofreire.org/xmlui>. Acesso em 12 set 2013.

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Thiago ingrassia pereira uffs

  • 1. REVISITANDO A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO SISTEMA PAULO FREIRE Thiago Ingrassia Pereira – UFFS/Erechim thiago.ingrassia@gmail.com Resumo Paulo Freire nos convida a pensar a educação com algo humano, radicalmente voltada à liberdade e à emancipação dos sujeitos. No contexto dos anos 1960, no nordeste brasileiro, o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife promove ações e debates no âmbito da extensão universitária, tendo em vista a efervescência do Movimento de Cultura Popular. A universidade é pensada como parte de um sistema de educação assentado na cultura popular e comprometida com as necessárias transformações sociais da desigual sociedade brasileira. Ao completarmos 50 anos da publicação do nº 4 da Revista Estudos Universitários, promovo uma discussão sobre o instigante ensaio de Jarbas Maciel sobre a fundamentação teórica do sistema Paulo Freire, destacando sua atualidade e os desafios que continuam em nosso horizonte de educadores populares no século XXI. Palavras-chave: Sistema Paulo Freire. Educação Popular. Serviço de Extensão Cultural. Introdução Li muito pouco sobre Paulo Freire em minha graduação1. Cheguei até Pedagogia da autonomia a partir de conversas com meu orientador de iniciação científica2. Curiosamente, passei a ler Freire inserido em meus estudos sobre cultura política e democracia. Confesso que achava o texto freireano “enrolado” e nutria certo preconceito com um autor da “educação”. Sim, eu queria ser cientista social, ainda que o desejo de ser professor sempre estivesse em meu horizonte. Nossas experiências ao longo do curso de graduação e das próprias pesquisas que fazia na bolsa foram me despertando para algumas questões que direcionariam minha vida acadêmica. Junto à vida universitária e até por causa dela, me iniciei na docência num cursinho pré-vestibular popular (ONGEP) de Porto Alegre, em agosto de 2003. Essa experiência me direcionou para a área da educação, alterando meu primeiro entendimento sobre esse extraordinário campo científico e de intervenção social. Assim, ao completar dez anos como docente, tendo atuado em cursinhos populares, ensino fundamental, médio e superior (graduação e pós-graduação), em instituições púbicas e privadas, fui me construindo como educador. A pós-graduação na área da educação me 1 2 Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais na UFRGS. Prof. Marcello Baquero (UFRGS).
  • 2. permitiu ser um curioso em relação à obra de Freire. E essa curiosidade, sempre crescente, foi me oportunizando compartilhar leituras, repensar minhas práticas e buscar novas possibilidades de entendimento. Em um desses espaços formativos3, cheguei ao texto que enseja essas breves reflexões sobre a fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire. Assim, ao completar uma década de docência, apresento para diálogo um texto que completou cinco décadas. Antes da universidade Para além das instituições formais de ensino, a educação é um movimento mais amplo em termos culturais. Por isso, a escola como instituição foi se constituindo na correlação de forças sociais que formaram a sociedade brasileira no século XX. Desde os pioneiros da escola nova, o debate sobre os rumos da educação nacional estava posto, tendo em vista o projeto modernizante em voga no país, principalmente, pós-1930. Não promoverei um extenso debate sobre esse debate educacional na primeira metade do século XX, mas é importante considerar que algumas posições políticas (escola nova, católicos, movimentos populares) sobre a educação vão disputar o projeto nacional. Como pano de fundo, temos a emergência de uma sociedade urbana e industrial, atrelada ao capital internacional. Essa ambiente abarca o surgimento e a consolidação de importantes sujeitos sociais, como as empresas multinacionais, os sindicatos e muitos movimentos rurais e urbanos. O aparato estatal passa a ser disputado por partidos políticos ideologicamente posicionados à direita e à esquerda do espectro político. É no contexto pós- Era Vargas (1930-1945) que a cena política nacional vê o surgimento e a consolidação de movimentos que aspiram direitos e buscam seu lugar no processo de modernização do país. A educação e o sistema de ensino, pela sua importância estratégica nesse processo, não poderiam deixar de serem espaços políticos relevantes. Dessa forma, a história da educação popular geralmente é contada a partir da década de 1960, que no Brasil coincide com uma forte mobilização popular na qual se encontrava inserida a educação, em especial a alfabetização de adultos. A referência mais marcante desse movimento pedagógico-político-cultural é o projeto de Paulo Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963. Dentre os movimentos implantados no Nordeste, todos no início da década de 1960, podem ser citados o Movimento de Cultura Popular (MCP), criado na Prefeitura de Recife; a campanha ‘De pé no chão também se aprende a ler’, instituída pela Prefeitura de Natal; e o Movimento de 3 Banca de qualificação de projeto de tese, PPGEDU/UFRGS, maio de 2012, véspera do XIV Fórum de Estudos: leituras de Paulo Freire na UFFS/Erechim. Estive na companhia dos professores Jaime Zitkoski (orientador), Balduino Andreola, Jorge Ribeiro e Carlos Rodrigues Brandão, este último, o responsável pela indicação de leitura de Jarbas Maciel.
  • 3. Educação de Base (MEB), criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em convênio com o governo federal (STRECK, 2010, p. 301). Em todos esses movimentos o ativismo esteve presente, cumprindo papel importante para alicerçar uma cultura participativa. Contudo, o próprio contexto foi produzindo a necessidade de maior organização das ideias que brotavam da prática cotidiana. Assim, o encontro com Paulo Freire e outros intelectuais orgânicos nas décadas de 1950 e 1960 complementa um quadro de fundamentação teórica e prática. Neste encontro, os movimentos populares ganham uma sistematização e identidade de classe que ainda se encontrava difusa (RODRIGUES, 2008, p. 33). Temos a possibilidade histórica de sistematização das experiências e aprofundamento teórico para a ação. O humanismo cristão, o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo se constituíram em bases teóricas fecundas para o debate que nasce nas práticas sociais concretas e na percepção sobre as desigualdades e injustiças sociais, chegando à universidade. Na universidade A experiência da Universidade do Recife4 nos anos 1960 é fundamental para pensarmos o papel da universidade em relação aos setores populares. O Serviço de Extensão Cultural (SEC) vai ser o espaço de encontro de ativistas e intelectuais preocupados com a inserção da universidade na vida cultual, econômica e política da sociedade. De certa forma, os debates e ações do Movimento de Cultura Popular (MCP) servirão de base para se pensar, a partir da universidade, estratégias de intervenção social sustentadas em reflexões consistentes sobre o contexto social da época. De acordo com Freire (1994, p. 167), “o Serviço de Extensão Cultural da Universidade, então chamada do Recife, nasceu de um sonho nosso, do então reitor prof. dr. João Alfredo Gonçalves da Costa Lima e meu”. Entre tantas estratégias, a construção da Revista Estudos Universitários permitiu a publicação das questões que faziam parte dos diálogos e ações presentes nos trabalhos de educação popular. As reflexões que apresentarei a seguir são extraídas do número 4 da Revista, de abril – junho de 1963. Especificamente, me deterei no diálogo com o ensaio de Jarbas Maciel5 intitulado “A fundamentação teórica do sistema Paulo Freire”, entre as páginas 4 Atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Freire, de forma elogiosa, se refere em Cartas a Cristina (12ª carta) ao conjunto de pessoas que trabalhou em seus projetos na universidade: “creio interessante fazer referência, além de cumprir um dever, à excelente equipe com quem me foi possível criar o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Equipe que se distribuía na formulação e na coordenação de diferentes projetos. Todos na época bastante jovens e hoje afirmados intelectuais nesta ou naquela área. Luiz Costa Lima, José Laurêncio de Melo, Juracy Andrade, Sebastião Uchoa Leite, Orlando Aguiar da Costa Ferreira, Jarbas Maciel, Jomard Muniz de Brito, Roberto Cavalcanti de Albuquerque, Francisco Bandeira de Mello, a quem se juntou depois um bom grupo de educadoras e educadores empenhados na compreensão e na prática da educação popular” (FREIRE, 1994, p. 172-173). 5
  • 4. 25 e 58. O SEC, como lembra Freire, foi abortado em suas concepções e práticas fundantes pelo golpe de estado de abril de 1964. Portanto, foram menos de dois anos que Freire e sua equipe tentaram construir uma experiência importante de extensão universitária dentro de um projeto de universidade popular. Jarbas Maciel, segundo Carlos Rodrigues Brandão, “mais do que Paulo, é ele quem discorre com mais dados e fatos sobre o que foi a experiência de extensão universitária da equipe” 6. A extensão universitária é compreendida como uma postura diante das demandas sociais dos grupos populares. É radicalmente contrária à noção tradicionalmente colocada de extensão como alargamento da universidade, uma ida da universidade à comunidade, como se coubesse à universidade aplicar ou ensinar seus conhecimentos aos que nela não estão. Aliás, esse é um aspecto de reflexão decisivo: compreender a universidade pública como uma instituição diretamente vinculada àqueles que nela não estão, mas a mantêm com sua participação no fundo público. Quanto a isso, é ilustrativa essa argumentação de Maciel: Por isso, entendemos que a verdadeira práxis da extensão cultural, entre nós, deva partir daí. Sua motivação afunda raízes na grande contradição da Universidade Brasileira que, entre outras coisas, põe em choque 1 % da nossa população com os 99% restantes, isolados na mais completa cegueira espiritual e embrutecidos no abandono de uma forma de escravização social e econômica. Parece uma ironia que esses 99% do povo brasileiro devessem, mesmo alienados da Universidade, sustentá-la social e economicamente. Entretanto, assim o é. A extensão, por conseguinte, para ser verdadeiramente funcional, deve estar voltada para esses 99 % a imensa maioria do povo brasileiro – no sentido de saldar, simplesmente, uma pesada dívida que não é apenas acidental e nem recente, porque é uma dívida histórica. Quando fazemos extensão cultural nestes termos, estamos lutando inclusive contra os erros e os vícios de nosso passado colonial (MACIEL, 1963, p. 25-26). Não me aprofundarei no debate sobre a extensão universitária, muito embora sua função estratégica no atual debate sobre a reforma universitária7. Por outro lado, a extensão praticada pelo SEC nos anos 1960 está alicerçada na compreensão filosófica de valorização da cultura popular e no entendimento político acerca da educação como prática da liberdade. Ao ler o ensaio de Jarbas Maciel, me associo à interpretação de Brandão quanto aos 6 Trecho extraído de texto digitado intitulado “Paulo Freire, a educação, a cultura e a universidade: memórias de uma história há cinquenta anos atrás”, de autoria de Brandão e me enviado por correio eletrônico em 28 de maio de 2012. Ressalto que questionei o Prof. Brandão sobre se esse seu texto tinha sido publicado. Observem a resposta: “Thiago, ele foi publicado em uma revista eletrônica. Quem sabe de fato é o querido argonauta e educador Jason Mafra. Mando este e-mail pra ele também. Que vocês, educadores, se conversem e entendam. Sou apenas um humilde antropólogo. Valeu, Carlos”. Em pesquisa na internet, não encontrei o ensaio em questão publicado. 7 O espaço de diálogo entre os saberes acadêmicos e os saberes populares potencializa a extensão (comunicação, para Freire) como eixo fecundo para novas práticas epistemológicas no âmbito universitário. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos fala da “ecologia dos saberes”, uma espécie de “extensão ao contrário” (SANTOS, 2005).
  • 5. três postulados fundamentais do sistema de educação Paulo Freire. Tais postulados conferem substantividade à proposta dos educadores populares. São eles: 1. A igualdade ontológica de todos os homens. 2. A acessibilidade ilimitada do conhecimento e da cultura. 3. A comunicabilidade ilimitada do conhecimento e da cultura. Partindo das práticas sociais dos movimentos de cultura popular, o SEC potencializa o debate acadêmico ao incorporar elementos filosóficos, antropológicos e até linguísticos, tendo em vista o debate sobre a leitura do mundo que antecede a leitura da palavra, premissa tão cara aos processos de alfabetização de adultos que estão na base das propostas do SEC. Ao considerar o grande relevo adquirido pela alfabetização de adultos, Maciel avança em sua problematização e anuncia a construção de um sistema de educação articulado que começaria na alfabetização, mas perpassaria diferentes níveis de formação humana. Para Brandão, no texto mencionado anteriormente: E este é o momento em que Jarbas Maciel anuncia - pela primeira vez, imagino - a extensão do Método Paulo Freire a todo um Sistema Paulo Freire de Educação. Um sistema gerado na universidade, e que deveria desaguar na criação de uma nova universidade popular. Vejamos, então, as etapas do Sistema Paulo Freire de educação, esboçadas no contexto dos anos 1960: 1 – Alfabetização infantil 2 – Alfabetização de adultos 3 – Ciclo primário rápido 4 – Extensão Cultural (níveis popular, secundário, pré-universitário e universitário) 5 – Universidade Popular (Instituto de Ciências do Homem) 6 – Centro de Estudos Internacionais Cada etapa descrita acima está descrita por Maciel em seu ensaio. Cumpre destacar que as etapas 2 e 4 estavam em estágio mais avançado, tendo em vista as ações concretas realizadas pelo SEC e seus parceiros. Para além da universidade: desafios contemporâneos Mais do que realizar a denúncia das situações concretas de opressão e desigualdade sociais, a equipe do SEC da Universidade do Recife deteve-se no anúncio de um sistema de educação que fosse coerente com as bases políticas e filosóficas das ações educativas em voga
  • 6. a partir dos movimentos de cultura popular. A universidade não se basta a si mesma, ou seja, é condicionada por circunstâncias sociais que direcionam suas ações. O SEC se constituiu em laboratório de sistematização de experiências e na proposição de aprofundamento conceitual. O atual processo de expansão universitária recolocou na agenda a discussão sobre a “universidade popular” 8. Contudo, essa discussão parece desconsiderar, ainda que faça menção ao conjunto de autores e preposições da educação popular, as concepções construídas há cinquenta anos no nordeste brasileiro. Esse pequeno texto procurou dar visibilidade aos pressupostos construídos nos anos 1960 e que se mantêm atuais na luta por uma educação inclusiva, emancipatória e justa. Porém, esse projeto torna-se ainda mais desafiador em um contexto desigual, como é a sociedade brasileira. Construir instituições democráticas em uma sociedade atravessada por hierarquias é um grande desafio. As reflexões dos anos 1960, bem como as realizadas nos anos 19809, podem servir para sustentar nossos argumentos, pois nos indicam a historicidade da luta dos educadores populares por uma educação libertadora que contribua para a transformação social. Referências BRANDÃO, C. R. Paulo Freire, a educação, a cultura e a universidade: memórias de uma história há cinquenta anos atrás. Digitado, s/d, 17f. FREIRE, P. Cartas a Cristina. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. MACIEL, J. A fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire. Revista de Cultura da Universidade do Recife, Recife, n. 4, p. 25-58, abril/junho, 1963. RODRIGUES, A. C. Educação popular: histórico e concepções teóricas. In: MELLO, M. (Org.). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA/ATEMPA, 2008, p. 3160. SANTOS, B. S. Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. STRECK, D. R. Entre emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 15, n. 44, p. 300310, mai/ago 2010. 8 Várias novas universidades assumem o discurso “popular”, sejam em relação a políticas de acesso (escola pública, cotas raciais, de renda etc) ou a princípios epistemológicos (valorização dos saberes populares). Vivo a experiência da UFFS que busca ser uma universidade pública e popular, contudo, é um movimento contraditório. 9 Ver a publicação “Universidade e compromisso popular”, organizada por Paulo Freire, Adriano Nogueira e Débora Mazza, a partir de seminário na PUC – Campinas em 1986. Disponível em: <http://acervo.paulofreire.org/xmlui>. Acesso em 12 set 2013.