Este documento discute as leituras bíblicas do 32o Domingo Comum do Ano B. Ele resume que:
1) A primeira leitura ensina como a viúva de Sarepta compartilhou seu pouco com Elias.
2) O evangelho contrasta os ricos que davam esmolas com excesso com a pobre viúva que deu tudo o que tinha.
3) A segunda leitura fala sobre como Jesus se doou inteiramente ao se sacrificar na cruz, diferentemente dos sacerdotes antigos.
1. DAR TUDO PARA DOAR-SE PLENAMENTE
BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007
TEMAS E COMENTÁRIOS AOS TEXTOS DO LECIONÁRIO DOMINICAL:
ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 32° DOM. COMUM - COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. A Ceia do Senhor é o memorial da doação plena de
Jesus Cristo ao Pai e a nós. A Palavra partilhada e o pão
repartido entre muitos apontam para uma realidade
desafiadora: chegarmos à partilha de tudo o que somos
e o que temos, de modo que todos tenham o suficiente e
necessário para viver como filhos de Deus. Assim esta-
remos concretizando o Reino que Jesus anunciou e con-
fiou aos que o seguem.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (1Rs 17,10-16): O profeta ensina a parti-
lhar
2. 1Rs 17 é o início daquilo que se costumou chamar
“ciclo de Elias”. Esse profeta, cujo nome é seu próprio
programa de vida (Elias significa “Meu Deus é Javé”),
aparece no Reino do Norte em tempo de seca. A falta da
chuva é vista como ausência do próprio Deus. A terra
ressequida serve de modelo para mostrar o que está
acontecendo em Israel: casando-se com Jezabel, o rei
Acab permitiu que sua esposa introduzisse no Reino do
Norte o culto a Baal, deus cananeu ao qual se atribuía o
dom da chuva e da fertilidade da terra. Conseqüente-
mente, Baal era também aquele que providenciava o
alimento (pão e azeite, no caso da viúva). Na perspecti-
va de Elias, contudo, a seca é sinônimo de abandono do
Deus vivo e verdadeiro, aquele mesmo Deus que liber-
tou seu povo da escravidão egípcia.
3. Como vive o profeta nessas situações? Num primei-
ro momento, é sustentado pelos corvos que, por ordem
de Deus, lhe providenciam alimento pela manhã e pela
tarde (17,6). Numa segunda etapa, Javé lhe ordena mi-
grar para Sarepta, na região de Sidônia, de onde veio
Jezabel. Baal é o deus dessa região. Aí o profeta inicia
seu aprendizado, e a realidade que lhe serve de escola é
a mais desastrosa possível: “Ao chegar à porta da cida-
de, viu uma viúva apanhando lenha… Ela respondeu:
Juro que não tenho pão, mas somente um punhado de
farinha e um pouco de óleo na jarra. Estou ajuntando
uns gravetos, e vou preparar um pãozinho para mim e
meu filho; vamos comer e depois esperar a morte” (vv.
10a.12b).
4. Elias reconhece que Baal não é Deus, pois essa
pobre viúva e seu filho são como “terra seca”. Estão à
espera da morte. Eles lembram de perto a situação de
muita gente, ontem e hoje. E faz pensar também nos
ídolos que geram a morte do povo em todos os tempos.
5. Qual a solução para que o povo não morra de fome?
Elias descobre que, a partir dos pobres, sem nome e sem
futuro, é possível reconstruir a vida com alegria e espe-
rança. E o texto aponta, como solução, a confiança no
Deus da vida que fala por meio dos profetas e a partilha
do pouco que se tem: “Não se preocupe! Vá e faça co-
mo você disse, mas antes prepare um pãozinho e traga-o
para mim! Depois pode preparar alguma coisa para você
e seu filho” (v. 13).
6. Temos a impressão de que a viúva estrangeira não
tinha mais nada a partilhar com o profeta, pois lhe sobra-
va apenas um punhado de farinha e um pouco de óleo.
Mas ela soube, confiando no Deus da vida que fala por
meio dos profetas, repartir o pouco que possuía. E seu
gesto não ficou sem resposta: “Ela e seu filho, além de
Elias, tiveram o que comer durante muito tempo. A fari-
nha da vasilha não acabou, nem diminuiu o óleo na jarra,
como o Senhor havia falado por meio de Elias!” (vv. 15b-
16).
Evangelho (Mc 12,38-44): Dar tudo para doar-se ple-
namente
7. Jesus está em Jerusalém e, mais exatamente, no Tem-
plo, centro religioso, político, econômico e ideológico da
época. Aí ele se defronta com os que pretendem perpetu-
ar os tempos de dominação e exploração do povo (cf., por
contraste, 1,15). No texto de hoje ele se defronta com os
doutores da Lei (vv. 38-40), anunciando sua condenação.
Eles representam o centro ideológico de Israel pois, sendo
peritos na Bíblia, são também especialistas no Direito,
sabendo burlar as leis em seu benefício, explorando con-
seqüentemente os que não têm amparo legal.
8. Vamos dividir a perícope deste domingo em dois
momentos, vv. 38-40 e vv. 41-44. À primeira vista, pare-
cem dois textos desligados um do outro. Contudo, exami-
nando bem, podemos perceber algumas ligações, pois a
viúva que aparece nos vv. 41-44 pertence justamente ao
grupo social mais explorado pelos doutores da Lei (cf. v.
40). Entre ela e os primeiros há um contraste gritante:
eles são ostensivos, “teólogos”, arrogantes, ricos e explo-
radores; ela se apresenta na veste esfarrapada de viúva,
vive a teologia do pobre, passa despercebida aos olhos
dos grandes, é explorada. Aos primeiros está reservada a
pior condenação, ao passo que o gesto da viúva é a única
coisa boa que Jesus vê em Jerusalém.
a. O saber que leva à exploração e ostentação (vv. 38-40)
9. Jesus está cercado pela massa do povo e ensina (v.
38a). Desde o início do Evangelho de Marcos, o povo
descobriu que o ensinamento de Jesus contrasta com o
dos doutores da Lei (cf. 1,22). Agora é o momento do
confronto final. Jesus pede que a massa do povo se afaste
deles. E as principais razões são estas: 1. “Eles gostam de
andar com roupas vistosas”. O fato se refere, provavel-
mente, ao modo como os doutores da Lei se vestiam no
dia de sábado. Eles eram diferentes do povo e, por isso,
autênticos. Queriam se impor pelo aparato externo (o que
dizer dos “distintivos”, hábitos e condecorações de ho-
je?). 2. “Gostam de ser cumprimentados nas praças públi-
cas”, ou seja, queriam ser os primeiros a receber o reco-
nhecimento do povo, pois se consideravam os mais im-
portantes. 3. “Gostam das primeiras cadeiras nas sinago-
2. gas”. Ocupavam as poltronas diante do cofre que guar-
dava os livros sagrados. Essas se situavam num lugar
elevado, à vista de todos, de modo que o povo os identi-
ficava imediatamente como mestres. 4. “Gostam dos
melhores lugares nos banquetes”. Ocupavam os lugares
perto do festejado, onde havia confortáveis almofadas.
Pura ostentação.
10. A essas alturas podemos intuir o contraste com o
episódio da viúva. Ela se vestia como pobre, não era
reconhecida nas praças senão por sua pobreza e aban-
dono, não tinha cadeira cativa nas sinagogas, nem era
convidada aos banquetes, e o que tinha para sobreviver
era muito pouco ou quase nada (cf. 1ª leitura).
11. O mais grave de tudo isso é que, em nome da reli-
gião, os doutores da Lei exploravam as viúvas e os po-
bres. De fato, era tarefa deles servir de apoio legal às
viúvas. Porém, faziam isso “piedosamente”, exigindo
pela prestação de serviço um pagamento tal que as viú-
vas, muitas vezes, tinham que lhes ceder a propriedade.
É o próprio Jesus quem afirma: “Exploram as viúvas e
roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas ora-
ções” (v. 40a). “Por isso eles vão receber a pior conde-
nação” (v. 40b).
b. Dar tudo para doar-se plenamente (vv. 41-44)
12. Jesus está no Templo e observa como a multidão
deposita moedas no cofre. Marcos observa que muitos
ricos davam muito (v. 41b). As ofertas serviam, prova-
velmente, para o culto. Os especialistas dizem que um
sacerdote de plantão acolhia essas ofertas e proclamava
a quantia que cada um depositava. Nesse momento, o
ego dos ricos atingia picos elevados de exaltação. Além
disso, crendo que a abundância de bens fosse sinal da
bênção divina, sentiam-se privilegiados e amigos de
Deus.
13. O julgamento de Jesus é diferente. Ele vê uma po-
bre viúva que dá duas pequenas moedas, “tudo o que
possuía para viver” (v. 44b), chama os discípulos e dá a
sentença: os pobres são os verdadeiros adoradores de
Deus, pois “esta pobre viúva deu mais do que todos os
outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que
tinham de sobra, enquanto ela na sua pobreza, ofereceu
tudo, tudo o que possuía para viver” (vv. 43-44).
14. O texto mostra três contrastes: ricos que dão muito
x viúva que dá quase nada; ricos que dão o que lhes
sobra x viúva que dá tudo; ricos que dão esmola x viúva
que dá tudo o que possuía para viver. Com isso aprende-
mos que os pobres, e somente eles, são os verdadeiros
adoradores de Deus. Por quê? Deixemos que falem os
Antigos Pais da Igreja (Basílio, João Crisóstomo, Ambró-
sio): “Se tu, rico, fazes a oferta, não dás do que é teu, mas
do que roubaste anteriormente”.
2ª leitura (Hb 9,24-28): Jesus doou-se inteiramente
15. Os versículos que compõem a segunda leitura deste
domingo pertencem à segunda parte de Hebreus (5,11-
10,39) e, dentro dessa parte, a uma seção que tem como
tema o sacerdócio novo de Cristo (8,1-10,39). O autor
desse texto quer devolver esperança e força às comunida-
des tomadas pelo desânimo.
16. Os versículos de hoje fundem-se com o tema geral
deste domingo. Assim como a viúva de Sarepta partilhou
seus bens com Elias (1ª leitura), e a viúva do evangelho
ofereceu tudo, Jesus doou-se plenamente, uma vez por
todas, destruindo o pecado pelo sacrifício de si mesmo (v.
26b).
17. O autor de Hebreus estabelece um forte contraste
entre o sacerdócio antigo e o novo sacerdócio de Cristo.
No passado, uma vez por ano, no dia da expiação, o sumo
sacerdote entrava no Santo dos santos (o lugar mais sa-
grado do Templo) com o sangue das vítimas oferecidas
como expiação pelos pecados do povo. Depois disso,
voltava para diante do povo, tendo que repetir anualmente
o mesmo rito.
18. Jesus, o verdadeiro sacerdote, não entrou no Santo
dos santos. Com sua morte e ressurreição, ele entrou no
santuário do céu, na presença de Deus, em nosso favor (v.
26). Ele fez isso uma vez somente, e não com o sangue de
vítimas, mas pelo derramamento do próprio sangue na
cruz (vv. 25-28a). Seu sangue realizou aquilo que o san-
gue das vítimas não conseguia no passado, ou seja, o
pecado do povo está perdoado e o caminho para Deus
ficou aberto para sempre. O sumo sacerdote entrava e saía
do Templo, ao passo que Jesus entrou no santuário do céu
e aí permanece, junto de Deus (v. 24). No passado, o su-
mo sacerdote saía do Templo e se manifestava ao povo,
devendo, no ano seguinte, repetir o mesmo ritual para
apagar o pecado. Jesus também voltará e se manifestará,
não mais para apagar o pecado, mas para trazer a plenitu-
de da salvação aos que crêem nele (v. 28).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
19. As três leituras deste domingo giram em torno do mesmo tema: Dar tudo para
doar-se plenamente. Nossas comunidades descobriram que a partilha dos bens e da
vida é a melhor forma de expressar nossa adesão ao projeto de Deus. Há partilha
em nossas comunidades? O que significa doar-se plenamente nos ministérios que já
existem ou que ainda estão para nascer? O que propor, concretamente, para as clas-
ses média e alta? Deus está querendo as esmolas delas? conseqüências disso para a
caminhada da comunidade?