Este documento discute como amar a Deus significa amar o povo, especialmente os mais necessitados. A primeira leitura fala sobre Deus defender os pobres, estrangeiros, viúvas e órfãos. O evangelho explica que amar ao próximo como a si mesmo é cumprir o maior mandamento. A segunda leitura convida a lembrar a resistência das primeiras comunidades cristãs contra os ídolos e em favor do Deus vivo.
1. AMAR O POVO É AMAR A DEUS
BORTOLINE, José, Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades, Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 30° DOMINGO COMUM – COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. As comunidades se reúnem para celebrar a fé, fazen-do
memória da resistência e da vitória sobre os ídolos
mortos (cf. 2ª leitura 1Ts 1,5c-10). Nessas comunidades
e fora delas há muitos imigrantes, viúvas, órfãos, empo-brecidos
e explorados. Deus é seu aliado e defensor do
povo que sofre (cf. 1ª leitura Ex 22,20-26).
2. Nós nos reunimos para nos encontrar com Deus. Mas
para chegar a ele é preciso passar pela porta de entrada
que é o povo com suas angústias e esperanças, pois Deus
não quer um amor elitista e intimista. Ele nos garante,
por meio de seu Filho Jesus, que ser-lhe fiel é sentir com
o povo que sofre, ama e espera (cf. evangelho Mt 22,34-
40).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Ex 22,21-27): Deus é aliado e defensor dos
pobres
3. Os versículos escolhidos como primeira leitura deste
domingo pertencem ao Código da Aliança (Ex 19,23-
23,33). Aí encontramos a constituição que regulamenta a
vida do povo de Deus e suas relações. Essas leis são
expressão de um povo que não quer repetir um sistema
de dominação e opressão como o do Egito. Os redatores
do Êxodo as situam no deserto, após a saída da escravi-dão
egípcia, pois foi lá que os hebreus sonharam com
uma sociedade alternativa, guiados pelo projeto de Javé
que os libertou do poder que mata.
4. Os versículos que lemos privilegiam os segmentos
sociais mais desprotegidos daquele tempo: os estrangei-ros
(imigrantes), as viúvas, os órfãos, os pobres e os
endividados. Os estrangeiros não têm a proteção do clã,
sendo facilmente submetidos a maus-tratos e exploração;
as viúvas, ao perder o marido, não têm quem as defenda
e lhes garanta a propriedade; os órfãos de pai acabam
sendo escravizados pelos gananciosos; os pobres se vê-em
cada vez mais endividados, sem chance de escapar à
usura dos que detêm o poder e a força; finalmente, os
que para não entregar a vida penhoraram seus bens não
têm quem os defenda.
5. A constituição do povo de Deus nasce do desejo que
todos tenham direito à liberdade que suscita a vida, pois
a vida está acima de tudo, inclusive da propriedade.
6. O povo de Deus experimentou o que significa viver
como imigrante explorado. A memória dessa experiência
o estimula a criar uma lei que proteja quem está só e
desenraizado do próprio chão: "Não maltratem nem o-primam
o estrangeiro, pois vocês foram estrangeiros no
Egito" (v. 21). A grande lição que um povo oprimido faz
é esta: ao se ver livre da opressão, jamais deverá repetir
os esquemas de seus opressores, pois só quem foi explo-rado
conhece o valor da liberdade e da vida para todos.
7. Em Israel, viúvas e órfãos são símbolo das pessoas
mais desamparadas, pois não têm quem as defenda. O
Deus de Israel, que não deseja a opressão, se torna seu
defensor: "Se os oprimirem, eles clamarão a mim e eu
escutarei os seus clamores. Então minha cólera vai in-flamar-
se e eu vou matar vocês pela espada. Suas mulhe-res
se tornarão viúvas e seus filhos ficarão órfãos" (vv.
23-24).
8. Os vv. 25-27 falam das relações entre grandes e pe-quenos,
sinal de que, ao serem elaboradas essas leis,
Israel vivia num caos social onde dominava a exploração
econômica. Os juros cobrados ao pobre são exploração
que vai se avolumando até forçar o pobre a viver no
relento: "Se vocês emprestarem dinheiro a alguém de
meu povo, a um pobre que vive ao lado de vocês, não o
explorem, dele cobrando juros. Se tomarem como pe-nhor
o manto do próximo, devem devolvê-lo antes do
pôr-do-sol, pois é a única veste que ele tem para o seu
corpo, e é sua coberta para dormir" (vv. 25-27a). Como
criar uma sociedade justa se não se devolve aos pobres o
que lhes foi roubado? A quem invocar num país de em-pobrecidos
às custas de minorias estabelecidas? Invocar
o direito? E o direito defende o pobre? "Se ele gritar a
mim, eu o escutarei, porque sou misericordioso" (v.
27b).
Evangelho (Mt 22,34-40): Amar o povo é amar a
Deus
9. Durante vários domingos pudemos acompanhar o
conflito entre Jesus e as lideranças injustas representadas
pelos fariseus, saduceus, anciãos do povo e doutores da
Lei. Eles querem conservar as coisas como estão, pois
lhes é muito vantajoso. Por isso procuram, de muitas
maneiras, envolver o Mestre da Justiça, a fim de pode-rem
condená-lo à morte. Agora é a vez dos fariseus que,
por conveniência, se aliaram com os saduceus contra
Jesus.
10. Os fariseus eram observantes rigorosos de todos os
detalhes da Lei. O desejo mais cobiçado por um fariseu
era o de ser chamado de "irrepreensível". A própria pa-lavra
"fariseu" mostra como eles se imaginavam: amigos
de Deus, "separados" do povo pecador e ignorante que,
desconhecendo a Lei e suas exigências, só podia ser
considerado maldito tanto por Deus quanto por eles.
11. A tradição vinda da sinagoga catalogou todos os
mandamentos possíveis. Naquele tempo era possível
contar 613 mandamentos: 365 proibições (não se deve
fazer) e 248 prescrições (é preciso fazer). A amizade de
Deus dependia disso. A graça também. Entre os mestres
religiosos daquele tempo havia muita discussão a respei-to
de qual seria o maior dentre todos esses mandamen-tos.
E os rabinos afirmavam que todos eles, do maior ao
menor, tinham a mesma importância. Alguns, todavia,
afirmavam que a observância do sábado seria a síntese
de toda a Lei.
12. E o povo? Ora, o povo não conhecia essas coisas,
pois só os alfabetizados é que podiam ter acesso a esse
tipo de religião elitizada. O povo era impuro. Só os fari-seus,
os "separados", é que podiam ter acesso a Deus
2. mediante o cumprimento de todos os mandamentos,
prescrições e proibições.
13. E Jesus? Ele vive no meio do povo e não participa da
vida das elites, que se sentem incomodadas. E por isso
tentam minar a autoridade com que ele ensina e promove
o povo. Organizados em grupo, querem fazê-lo cair nu-ma
armadilha (v. 35). A expressão "preparar uma arma-dilha",
em grego, se diz peirazein. Com isso Mateus nos
alerta: os fariseus estão agindo da mesma forma que agiu
o diabo por ocasião das tentações de Jesus no deserto (cf.
4,1). Jesus não pode esperar outra coisa dos que susten-tam
uma sociedade injusta senão ações que, apesar de
maquiladas com verniz de religião, são expressão da
própria ação do diabo.
14. Os fariseus esperam uma resposta definitiva do Mes-tre
da Justiça a respeito do maior mandamento da Lei (v.
36). Eles pretendem que Jesus diga que todos os man-damentos
são igualmente importantes. Jesus responde
(vv. 37-38) citando uma passagem do Deuteronômio:
"Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma, e de todo o teu entendimento" (6,5), isto
é, plenamente e em todos os momentos da vida. Junto
com outros textos (Dt 11,13-21 e Nm 15,36-41), essa
passagem do Antigo Testamento constituía a oração de
todo judeu piedoso no início do dia. Mas Jesus, que con-fiou
o Reino aos pobres em espírito e perseguidos por
causa da justiça, acrescenta outro mandamento, tão im-portante
como o primeiro: "Amarás ao teu próximo co-mo
a ti mesmo" (v. 39; cf. Lv 19,18). E conclui afirman-do
que "toda a Lei e os Profetas dependem desses dois
mandamentos" (v. 40). Esses dois mandamentos são a
expressão maior da vontade de Deus. São o resumo de
toda a Bíblia.
15. Não existe, portanto, como desejavam os fariseus, um
amor a Deus e outro ao próximo, pois amar as pessoas
como a si mesmo é amá-las "de todo o coração, de toda a
alma, e de todo o entendimento". E isso os fariseus não
admitiam, pois consideravam o povo maldito, impuro e
merecedor de desprezo. Amar a Deus, portanto, é amar o
povo, porta de entrada da religião.
16. No evangelho de João Jesus diz: "Eu dou a vocês um
mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim co-mo
eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros"
(13,34). Não há, contudo, diferença entre o que aí se
afirma e o que Jesus diz no evangelho de Mateus. De
fato, ele e o Pai nos amam de modo extraordinário. E
amar o próximo "como a si mesmo" é amar com a mes-ma
extraordinariedade com que fomos e somos amados.
17. Os fariseus imaginavam que seria possível ser fiel a
Deus sem ser fiel ao povo que eles desprezavam. Mas o
Mestre da Justiça garante que é necessário pôr-se, ao
mesmo tempo, diante de Deus e diante das pessoas, sem
estabelecer prioridades ou graus de valor.
2ª leitura (1Ts 1,5c-10): Fazer memória da resistência
18. Os versículos que compõem a segunda leitura deste
domingo fazem parte da ação de graças de Paulo por
causa da fé, amor e esperança dos tessalonicenses (cf. a
segunda leitura do domingo passado). Eles acolheram a
Palavra de Deus com alegria do Espírito Santo no meio
de tribulações (v. 6).
19. Tribulação é uma palavra importante no vocabulário
das cartas paulinas. Ela recorda as pressões e opressões
sofridas por aqueles que se comprometem com o projeto
de Deus. A fidelidade a esse projeto provoca conflitos, e
os que não querem mudanças sociais procuram a todo
custo impedir o avanço da Palavra que liberta. Paulo
sentiu isso na própria pele, tendo chegado a Tessalônica
coberto de feridas e com as marcas da tortura sofrida em
Filipos. Apesar dessa aparente fragilidade, os tessaloni-censes
deram crédito à Palavra, tomando Paulo como
ponto de referência: "Vocês se fizeram imitadores nos-sos…
acolhendo a Palavra… apesar de tantas tribula-ções".
Tornaram-se também imitadores do Senhor que,
por sua fidelidade ao Pai, enfrentou a cruz.
20. A comunidade de Tessalônica, por sua vez, se tornou
modelo para todos os fiéis de duas regiões importantes,
Macedônia e Acaia (v. 7). A resistência dessa comuni-dade
ultrapassou fronteiras, de modo que todos fazem
memória da resistência dos tessalonicenses (v. 8). Isso
porque o Espírito Santo é luz na caminhada (cf. v. 6). De
boca em boca a notícia da resistência vai se alastrando,
como óleo sobre a água, de modo que outros vão toman-do
consciência de que existe um Deus vivo e verdadeiro
chamando à vida, desmascarando os ídolos mortos (v. 9).
21. Os vv. 9-10 são, provavelmente, um antigo hino cris-tão.
Eles sintetizam a caminhada das comunidades que,
aos poucos, abandonam os falsos deuses para servir ao
Deus vivo e verdadeiro, animadas pela esperança da
vinda de Jesus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
22. Deus é aliado e defensor dos pobres. A primeira leitura (Ex 22,20-26) nos pergunta:
Quais são os segmentos sociais mais desprotegidos e pisados da nossa sociedade? Qual é o
fardo que pesa sobre eles? É possível sermos aliados de Deus na defesa e promoção dessas
pessoas?
23. Amar a Deus é amar o povo. O evangelho (Mt 22,34-40) é um alerta contra um tipo
de religião intimista e personalista. Deus está atento ao povo com suas angústias, esperan-ças
e dons. A missão não acontece sem essa condição, pois amar a Deus é amar o povo que
sofre.
24. Fazer memória da resistência. A 2ª leitura (1Ts 1,5c-10) convida a recordar a resis-tência
das comunidades, as lutas e vitórias contra os ídolos mortos e a adesão ao Deus vivo
e verdadeiro. Ser cristão supõe o desmascaramento de todo tipo de idolatria, que mantêm o
povo à margem da vida.