Autoridades religiosas corruptas que buscam prestígio
1. AUTORIDADES RELIGIOSAS CORRUPTAS
QUE BUSCAM PRESTÍGIO
Pe. José Bortoline, Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades, Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 31° DOMINGO COMUM – COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. É fácil termos um discurso profético quando se trata
de denunciar a corrupção e a busca de prestígio fora das
instituições eclesiais. Porém, quando se trata de olhar
para dentro de casa, tudo se torna difícil. Preferimos,
talvez, fazer vista grossa ou, quem sabe, querer tapar o
sol com peneira.
2. A Palavra de Deus toca hoje nossa realidade. Por
meio de Malaquias, denuncia a corrupção religiosa que
profana o nome de Deus diante do povo (cf. 1ª leitura
Ml 1,14b-2,2b.8-10). Jesus desabona as autoridades
religiosas que, em nome da fé, acobertam a ambição e a
busca de prestígio, garantindo que Deus humilha quem
se exalta e exalta quem se humilha (cf. evangelho Mt
23,1-12). Paulo é figura do autêntico agente de pastoral,
pois não dissocia Palavra e vida. Ao contrário, é por sua
vida que anuncia a Palavra (cf. 2ª leitura 1Ts 2,7b-
9.13).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Ml 1,14b-2,2b.8-10): Autoridades religiosas
corruptas
3. Malaquias é o último dos profetas clássicos. Pouco
se sabe de sua vida. Os estudiosos discutem a respeito de
seu nome, pois o livro foi assim chamado em vista do
que se diz em 3,1: “Estou mandando o meu mensageiro
para preparar o caminho à minha frente”. Malaquias
significa “meu mensageiro” ou “mensageiro de Javé”.
4. Esse profeta surgiu cerca de cinqüenta anos depois
de Ageu e Zacarias, os profetas da reconstrução do Tem-plo
de Jerusalém após o exílio. Na época de Malaquias o
Templo já está construído. Mas o culto aí celebrado tor-nou-
se puro rito, e os responsáveis por isso são os sacer-dotes
corruptos.
5. Malaquias denuncia os sacerdotes. No texto de hoje
descobrimos várias acusações contra as autoridades reli-giosas.
Por causa de sua corrupção, o nome de Deus foi
desrespeitado entre as nações (1,14); não levaram a sério
a glória do nome de Javé (2,2); abandonaram a estrada;
fizeram tropeçar a muitos pelo ensinamento; desfizeram
a aliança com Levi (2,8); não andaram nos caminhos de
Deus e fizeram discriminação de pessoas no ensinamen-to
(2,9).
6. A denúncia de Malaquias é severa. Depois do exílio,
a vida do povo judeu foi reconstruída sobre o alicerce da
religião. Esta deveria ser a identidade do povo, o modo
como o povo se relacionava com Deus. Todavia, os sa-cerdotes
se tornaram corruptos e violaram a aliança. A
corrupção aparece no fato de eles discriminarem pessoas
no ensinamento (2,8.10). Pesa sobre as autoridades reli-giosas
a mesma denúncia que os profetas antes do exílio
lançavam contra o poder político. E fica no ar uma per-gunta:
Qual corrupção é pior: a das autoridades políticas
ou a das autoridades religiosas? Estas últimas têm a a-gravante
de usarem o nome de Deus para justificar sua
corrupção!
7. A sentença contra as autoridades religiosas corruptas
já foi dada (cf. 2,2). Elas, que deviam abençoar o povo
(isto é, serem promotoras de vida para o povo), se tor-nam
malditas (ou seja, vão desaparecer).
8. Malaquias crê que o povo não é bobo. Ele percebe
quando as autoridades religiosas estão a serviço da vida
e quando usam a religião para manter seus privilégios:
“Por isso também eu torno vocês desprezíveis e rebaixa-dos
para todo o povo” (2,9).
Evangelho (Mt 23,1-12): Jesus desmascara nossa bus-ca
de prestígio
9. O conflito entre Jesus e as autoridades — como
pudemos observar ao longo desses últimos domingos do
Tempo Comum — foi se avolumando. Agora, no capítu-lo
23, ele chega ao ponto máximo. Jesus ensina o povo a
não confiar nas autoridades que o mantêm dominado.
a. Jesus se posiciona, (v. 1)
10. Uma frase aparentemente banal: “Jesus falou às
multidões e aos seus discípulos” (v. 1) nos oferece pre-ciosa
informação. Jesus toma posição entre o povo (mul-tidões
e discípulos dele) e as autoridades do povo (dou-tores
da Lei e fariseus). Ele está cortando o caminho das
autoridades injustas. A partir daqui o povo não irá mais
servir aos interesses delas, pois Jesus vai desmascará-las,
mostrando o novo que a justiça do Reino traz.
b. desmascara as autoridades injustas, (vv. 2-7)
11. Jesus mostra ao povo e aos discípulos dele que os
doutores da Lei e os fariseus pretendem ser os autênticos
intérpretes de Moisés: “Os doutores da Lei e os fariseus
têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés” (v. 2;
literalmente se diz: “Na cátedra de Moisés tomaram as-sento
os doutores da Lei e os fariseus”).
12. De acordo com Dt 18,15.18, Deus garantiu a Moisés
que um profeta o substituiria. Ora, sabemos que os pro-fetas
eram pessoas profundamente comprometidas com a
causa da justiça. Deus prometeu um profeta, mas o que
apareceu? Apareceram os doutores da Lei e os fariseus,
defensores do legalismo. Construíram uma religião sem
profecia, a religião do puro e do impuro. Moisés foi pro-tagonista
da libertação do povo; seus pretensos intérpre-tes
tornaram-se protagonistas da opressão religiosa e do
jugo da lei.
13. Jesus é irônico: “Por isso vocês devem fazer e ob-servar
tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas a-ções!
Pois eles falam e não praticam” (v. 3). Será que
Jesus está falando sério? Será que o povo vai seguir uma
autoridade hipócrita? Não. A ironia de Jesus é cortante.
Mais adiante (v. 7), mostra ao povo que essas autorida-des
apreciam o título de Mestre. E Jesus lhes tira esse
título (cf. v. 8). Quem for inteligente que entenda a iro-nia
de Jesus!
14. O desmascaramento das autoridades injustas começa
mostrando que elas são agentes de opressão e não de
liberdade e vida para o povo: “Amarram pesados fardos
2. e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos
não estão dispostos a movê-los sequer com um dedo” (v.
4). Anteriormente Jesus tocou esse tema: o povo anda
encurvado e oprimido pela religião (cf. 11,28-30). Ele
veio para libertá-lo desse jugo, pois sua carga é leve.
15. O desmascaramento continua com a demonstração
de como as autoridades religiosas buscam prestígio na
vida civil e na vida religiosa: “Vejam como usam faixas
largas na testa e nos braços, e como põem na roupa lon-gas
franjas, com trechos da Escritura” (v. 5). Os filacté-rios
(faixas largas) eram caixas pretas de pergaminho
contendo trechos significativos da Lei (Dt 11,13-22; 6,4-
9; Ex 13,11-16; 13,2-10). Desde os 13 anos os judeus
carregavam uma caixa na testa e outra no braço esquerdo
durante a oração da manhã e ao longo dos dias de traba-lho.
Jesus diz que as autoridades religiosas alargam essas
caixas (sua busca de prestígio não tem medida). Com
isso pretendiam mostrar a todos que eram pessoas com-prometidas
com o projeto de Deus. Pura busca de prestí-gio!
16. Jesus mostra, ainda, como procuram as “mesas das
autoridades” nos banquetes, os “primeiros bancos” nas
sinagogas e fazem questão de serem reconhecidas em
público, sendo chamadas de Mestre (vv. 6-7). É pura
busca de prestígio na vida civil e na vida religiosa. Esses
privilégios mantêm o povo dominado sob o peso de e-norme
fardo. Se alguém não virar a mesa, jamais o povo
será libertado!
c. aponta o novo da justiça do Reino, (vv. 8-10)
17. Jesus dá as costas às autoridades injustas e mostra às
multidões e aos discípulos dele o novo do Reino. O novo
consiste em não ambicionar privilégios. Há um só Mes-tre,
um só Pai, um só Líder. Todos, indistintamente, são
irmãos, filhos de Deus e seguidores do Cristo. Com isso
Jesus suprime todas as hierarquias. Nós estamos tão
acostumados a elas, e as buscamos, ambicionamos, que
nem nos damos conta da gravidade dessa busca e ambi-ção.
Não é isso um fardo pesado para o nosso povo?
d. a verdadeira “grandeza” (vv. 11-12)
18. Jesus acabou de afirmar que não há hierarquia. O
único valor absoluto é a fraternidade que se põe a servi-ço:
“O maior de vocês deve ser aquele que serve a vo-cês”
(v. 11). Trata-se de serviço-profecia, como fez Moi-sés,
como fez Jesus. A verdadeira “grandeza” é a doação
da vida para libertar o povo dos fardos que o oprimem.
Deixemos a Deus a tarefa de exaltar as pessoas, pois
somente a ele compete humilhar quem se exalta e exaltar
quem se humilha (cf. v. 12). Mas tenhamos certeza de
uma coisa: Deus dá a cada um o contrário daquilo que
ambicionou.
2ª leitura (1Ts 2,7b-9.13): Um retrato de agente de
pastoral
19. Os versículos que compõem a segunda leitura deste
domingo são o autêntico retrato da liderança religiosa.
De fato, Malaquias denunciava os sacerdotes corruptos e
Jesus puxava o tapete das autoridades religiosas do seu
tempo. Paulo, ao contrário, apresenta a postura do agente
de pastoral que vive no meio do povo.
20. Ele tinha sido fariseu e conhecia a Lei como os peri-tos.
Mas em meio aos tessalonicenses apresenta-se como
mãe que, segurando a criança à altura dos seios, alimen-ta-
a e a aquece (v. 7). Ele não se contenta em apresentar
uma mensagem. Quer dar mais: “Desejávamos dar-lhes
não somente o Evangelho de Deus, mas até a própria
vida; a tal ponto chegou a nossa afeição por vocês” (v.
8).
21. É muito estranho que, num contexto patriarcal-machista
como o da época de Paulo, ele se apresente
com as características da mãe. Isso deve ter soado como
novidade escandalosa para muita gente. Também o mo-do
de viver de Paulo chocava: ele chegou a Tessalônica
com as marcas da tortura sofrida em Filipos; chegou
marcado no corpo e ferido na alma. E diferentemente de
todos os demais pregadores ambulantes, não se deixa
conduzir pela ambição do lucro: trabalha de dia para
ganhar seu sustento, e à noitinha anuncia a Palavra, exa-tamente
como fazemos em nossas comunidades. Depois
da canseira do dia, além dos problemas em casa, ainda
achamos um tempinho para a comunidade, a catequese, a
pastoral etc.
22. Trabalhando com as próprias mãos (v. 9), Paulo se
põe ao nível dos escravos e marginalizados. E com toda
a ternura, afeição, dedicação, garra e alegria que caracte-rizam
as mulheres que trabalham em nossas pastorais.
23. Paulo não separou o Evangelho da vida. Pelo contrá-rio,
unia-os de tal maneira que os tessalonicenses aderi-ram
com alegria a ele e à mensagem que comunicava
com a vida. E acabaram descobrindo, nas palavras e
gestos de Paulo, a própria Palavra de Deus (v. 13). Ele
deixou de lado a teologia do fariseu e falou de Deus a
partir da vida. Dessa forma apontou o caminho de Deus
que se funde e se confunde com o caminho das pessoas e
comunidades.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
24. Autoridades religiosas corruptas (cf. Ml 1,14b-2,2b.8-10). A 1ª leitura é uma denúncia das auto-ridades
religiosas que se corrompem e promovem um culto vazio. Por que não denunciarmos também a
corrupção religiosa? Temos medo?
25. Jesus desmascara nossa busca de prestígio (cf. Mt 23,1-12). O discurso da Igreja continua sendo
uma palavra profética? Por que muitas pessoas se desinteressaram pela religião? Há busca de prestígio
na Igreja? Como se manifesta?
26. Um retrato de agente de pastoral (cf. 1Ts 2,7b-9.13). Paulo mostra o caminho de toda pessoa
comprometida com Deus. É um caminho de doação, entrega, sacrifício e testemunho. Como suprimir a
distância entre a palavra pregada e a vida vivida? O fato de Paulo se apresentar como mãe ilumina nossa
prática pastoral?