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CELI .EGINA JAl~l)IM PINTO
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COM A PALAVRA.
O SENHOR PRESIDENTE
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JOSESARNEY
o discurso do Plano Cruzado
4
COMA PALAVRA O
SENHOR PltESIDENTE
p
4
COMA PALAVRA O
SENHOR PRESIDENTE
o capítulo tem como objetivo analisar o rimeiro momento do
no discurso overnamental do a detendo-se nos
pronunciamentos do presidente da República José Sarncy durante
o período do mês de março. Estes documentos - es ecialmente
importantes porque marcam ~ do Plano Cruzado f, mais do
que isso, já definem, surpreendentemente, o seu sucesso. A 28 de
fevereiro o presidente anuncia o Plano de Estabilização Econômi-
ca; quinze dias após esta data anuncia o sucesso do Plano. inflaçao
o inimigo número um do ais, ra um problema i assa. .
s documentos a serem analisados são de três naturezas. O
primeiro, sem dúvida o mais importante, é o pronunciam~to d3
presidente em cadeia de rádio e televisão, quando anuncia nplano
(de refu;mas. U~ronunciamento presidcrlcial em cadeia nacional
é uma exceção, o presidente da República só fazum pronunciamen-
"todesta natureza quando tem uma mensagem especial a transmitir.
É um momento simbólico - o governo, na pessoa de seu mais alto
funcionário, se apresenta solenemente ao público. No horário de
audiência quase absoluta de televisão, às 20h:30m (entre o "Jornal
Nacional" e a chamada da novela das oito da RedeGlobo), uma voz
em offanuncia a formação da cadeia nacional e introduz o orador:
"com a palavra o Senhor Presidente da República José Sarney". O
presidente apresenta-se em sua mesa de trabalho ou em um púlpito,
ladea o ela bandeira nacional e lê seu pronunciamento.
O segun . tipo de documen to a ser analisado constitui-se de
transcriçoes do programa semanal "Conversa ao Pé do Rádio". No
que pese ser transmitido em cadeia de rádio, a natureza deste
documento é completamente diversa do pronunciamento em
cadeia derádio e tevê: em primeiro lugar, faz parte de uma rotina,
73
"todas as semanas no mesmo d~ e no mesmo horário o presidente
fala por alguns poucos minutos no rádio; em segundo, é um
programa transmitido às 6h:30m da manhã e portanto dirigido aos
trabalhadores urbanos e rurais em um dos raros momentos em que
ouvem rádio. Ao contrário dos pronunciamentos de exceção no
horário nobre de televisão, a "Conversa ao Pé do Rádio", desde seu
próprio título, é marcada pelo informalismo e por uma relação
direta entre o cidadão José Sarney e o povo. Não é o governo que
se-apresenta, mas a pessoa do presidente que conversa em uma
lingua e coloquial.
terceiro ipo de documento a ser analisado trata-se Q,e um
pronunciamen~ intrago~o. O presidente da República fala aos
governadores- e estado que foram especialmente convocados a
Brasília para se inteirarem do novo Plano. Íi o presidente falando a
s,eus pares políticos, correligionários ou não, que no momento
_eram peças fundamentais para o sucesso do Plano Cruzado. O
documento reveste-se de importância para os propósitos esta
, ise porque crvc, antes de tudo, como contraponto aos
ciarncn tos do presidente diri Tidos a i eiro.
análise que se segue não tomará cada documento como uma
unidade. Os documen rão tratados como um todo na medida
em que eles formam a matriz do discurso o ruzado: seu anúncio,
SÔd cõnvocação popular, a vitória. A natureza de cada documento
só será evocada quando ela for marcan te para o en tendimento das
construções discursivas.
Duas preocupações marcarão a análise: a primeira refere-se à
construção do enunciado - CRUZADO: o que é o Plano Cru-
zado; porque foi implementado; quais são as suas conseq üências. A
segunda refere-se à construção do sujeito no interior do discurso e
é especialmente importante na análise do discurso político, pois é
da capacidade de interpelação do sujeito cnuriciador, isto é, pela sua
capacidade de sujeição, ue se realiza o discurso. O sucesso político
do Plano Cruza advi da capacidade do enunciador de,
o 1tlCOScapazes de agir no social através da
sujeição.
~
74
o inimigo rrúm ero um: a inflação
r ')
o Plano de Estabilização Econômica) popularmente conhecido
como Plano Cruzado) constituiu-se em torno do combate à
inflação. Em linhas gerais poderia ser resumido da seguinte forma:
os grandes problemas nacionais (desenvolvimento) dívida externa)
fomeetc.) têm uma grande causa-a inflação) que é declarada pelo
Plano como a inimiga número um da sociedade brasileira e por isso
vale o esforço conjunto para combatê-Ia.
Antes de efetuar a desconstrução do conceito de inflação no
interior do discurso presidencial vale chamar a arcnção para a
ccntralidadc do tema na política brasileira a partir da década de 50.
Repetidas vezes desde a instauração da política dcscnvolvimcnrisra
de Juscelino Kubirschck, os enfrentamentos políticos e as grandes
crises nacionais tiveram entre suas questões de fundo o processo
inflacionário) como são exemplos a eleição presidencial de 1960
que elegeu Tânio Quadros) o golpe militar de 1964 eosanoscríticos
do governo Figueiredo. Sem espaço neste momento para uma
discussão ampla da política inflacionária no Brasil e das diversas
formas como essa foi articulada no discurso dos governos e dos
partidos políticos) necessita-se) mesmo assim) enfatizar um ponto
em particular: o discurso político brasileiro contemporâneo cons-
truiu a questão da inflação de forma tal que a média da população
do país) mesmo sem entender o mecanismo econômico que gera a·
inflação) a percebe como um grande mal na medida em que associa
inflação a aumento do custo de vida.
A partir da década de 70, a a sociação da ir Ilação om p ejuízo
foi perpassada pela popularização da Caderneta dePoupança, que
provocou uma espécie de ilusão coletiva de ganho exatamente
através do processo inflacionário. Se isto é verdade e tudo indica
que sim (basta apreciar a reação dos poupadores durante 1986)
não chega a invalidar) entretanto, a percepção do processo inflacio-
nário como causa da perda do poderaquisitivo. De fato a reação dos
poupadores não é ao fim da inflação; é, diferentemente, uma reação
à diminuição "dos ganhos" entendidos como reais e não percebi-
dos como correção monetária pura e simplesmente.
Em síntese, O que é necessário ter presente é a centralidade do
75
"
problema da inflação no discurso político brasileiro a partir da
década de 50 e sua internalização por parte da população do país,
o que se constitui em um ponto fundamental para se entender as
condições de emergência do discurso do Plano Cruzado e sua
conseqüente capacidade de criaruma grande rnobilização naeional.
No pronunciamento do dia 28 de fevereiro a INFLAÇÃO .é
apresentada pela primeira vez como o inimigo número um. Em .
duas oportunidades, a mesma construção está presente.
"A inflação tem sido o pior inimigo da sociedade".
"A inflação tornou-se o inimigo número um do povo" .
Já neste primeiro momento, o discurso define claramente o
inimigo - o "sujeito" em relação ao qual ela construirá o antago-
nismo. O grande inimigo nunca é definido analiticamente: é busca
inútil tentar achar rcs osta no discurso para as seguintes questões:
o que é a inflação? ~são suas caus~iEm contraposição, a
in ação é enuncia a corno uma síntese simbólica dos problemas do
país.
No programa "Conversa ao Pé do Rádio ", de 14 de março,
Sarney enuncia a inflação de uma forma definitiva: ':g inflação!
todos sabem,J~ o m~l". Este é um enunciado-síntese, a ele poderfi
ser acresceu ados, em uma relação paradigmárica, todos os outros
atributos da inflação no decorrer dos pronunciamentos do mêsde
março. O enunciado merece uma reflexão ainda que sucinta. Três
aspectos aqui são particularmente importantes: o primeiro articula
a idéia de consenso sobre a existência do problema "todos sabem";
o segundo refere-se à presença do verbo "ser" no passado, isto é,
todos sabem que alguma coisa era, mas não emais (note-se que
Sarney está falando quinze dias após o lan a nto Plano); o ter-
ceiro relaciona-se com a presença do rti o definido a inflação
era o mal, o que exclui a existência de qualquer outro mal-o úni-
co mal era a inflação. Portanto, a 14 de março todos já sabiam que
não existe mais "o mal": os problemas estavam resolvidos.
O enunciado não aparece solitário, ele é uma síntese e se
desdobra no decorrer de todo o mês. O quadro da página seguinte
esclarece a questão em foco.
i
!
,I
1
I

I
. ,
76
A inflação
28/02-
Tem sido ~
.. o pior inimigo da sociedade
Confisca ~ o salário
Confisca o pão
Tornará ~ .lctra morta reajustes e aumentos
reais de salário
( ,) ,. 1'"
e uma arigusna so itarra
(é) .Irnplacâvcl com os mais
desprotegidos
Tornou-se o inimigo número um: do povo
03/03
Tinha um aspecto perverso
Corrigia ~~ ocapital
Não corrigia o salário
14/03
(era) a vantagem dos cspcculadores
Era enganosa
Era 0 m al
A listagem acima permite a visualização das questões apontadas
anteriormente. Tomando os tempos verbais como referência,
percebe-se claramente que a inflação só aparece como problema
presente no dia do anúncio das medidas para contê-Ia, nos dois.
outros pronunciamentos já aparece como um problema do passa-
do. Quanto aos tempos verbais, ain-da é preciso chamar a atenção
para a presença do verbo "tornar" no futuro. O cnunciadocornplc-
to é o seguinte:
"A inflação a continuar nos índices atuais em poucos meses,
e até mesmo em poucos dias, tornará letra morta os reajustes
e os aumentos reais de salário que o trabalhador obteve com
tanto suor e com tanto risco".
Por que a presença deste futuro? f resposta é bastante simples.
No'enunciado, a questão central não é a inflação mas' .s reajuste
7
e os aumentos reais de salário". Na medida ern que o governo
congela os salários como uma das formas de combate à inflação não
poderia, sob pena de criar uma posição muito difícil para si,
enunciar o verbo no presente ou no passado. Enunciando-o no
futuro, resguarda duplamente a ação positiva do governo: por um
lado afirma que existe no momento ganhos reais, por outro toma
medidas para manrê-Ios.
Retomando a listagem acima cabe chamar a atenção para a
presença, por duas vezes, do artigo indefinido como introdutor às
características da inflação. O primeiro caso encon trá-se ainda dia 28
de fevereiro - "uma angústia solitária" ."Nesta afirmação a indefi-
nição é anulada pelo complemento "solitária" -se ela era solitária,
a inflação passa a ser "A ANGÚSTIA". Diferente, entretanto, c o
uso do arti o indefinido quando Sarney fala aos r adorcs.." ...
a inflação brasileira tinha um aspecto perverso". A inflação uando_
j:OllOc~para o grupo reduzido de políticos, p to
condensador e simbólico e passa para o campo dos problemas que
o governo necessita resolver. A construção "um aspecto perverso",
permite pensar a inflação como depositária de "outros aspectos",
perdendo assim qualificação simplista e simbólica dos pronun-
ciamentos para grande público.
Ainda em relação à questão da inflação apresentada 'como O
tvIAL, cabem algumas observações. Em primeiro lugar, apresentan-
do-a como O MAL, A ANGÚSTIA SOLITÁ1UA, o enunciador
desarticula-a da situação concreta do país. Todo o resto vai bcrn ,
não existindo portanto nenhuma relação entre a problemática
sócio-econômica do país e a inflação que, sem ser definida, sem ter
causas, aparece como um mal solitário e como a única ameaça:
vencendo-se O tvIAL, tudo estará bem. Em segundo lugar, deve-
se observar que este tvIAL está articulado na fala de Sarncy à causa
da pobreza das classes populares, as referências a "salário", "pão",
"mais dcsprotcgidos"; são claros indícios. A inflação não tem
causas, só tem efeitos no discurso de Sarney.
A identificação da inflação como o "O lvIAL" que ataca o país
permite ao discurso construí-Ia como o inimigo número um do
povo brasileiro. O discurso de Sarncy é sem dúvida um discurso
mobilizador-tem um objetivo claro de mobilizaro povoem favor
78
79
do plano de governo. O discurso mobilizador por excelência é um
discurso que constrói um inimigo-semprcse apresentando como
a negação de um estado de coisas dado. Mesmo que este-seja um
discurso conservador, a união de um lado se dá em contraposição
a um inimigo de outro. O discurso do Cruzado também se coloca
dentro desta lógica: de um lado o governo junto ao povo, de outro
a INFLAÇÃO. O~ue é -interessante e particular neste caso § a
incxistência de su ·eit hi cretos na constru ão o
a oni inflação e um ma s no Não existe em sua
base nenhum suje , ts õricarncnrc identificável. O
discurso não se coloca como antagônico a nenhum setor social, a
nenhum grupo de interesse: banqueiros, industriais, comerciantes,
assalariados, operários, todos estão mesmo lado no discurso
contra a inflação, esta última um "sujeito' inca az de ser corporj-
d
-
ficado or sujeitos históricos concretos na ro osta de Sarne J Essa
-ausência é muito SI cativa na medida em que possibilita a análise
em duas direçãe. primei ,na direção de uma caracterização do
discurso do Cruzado, onde a ausência indicaria uma tendência
conciliador-conservadora (nenhum dos setores sociais é responsá-
vel pela crise). A segunda, na direção da análise de política, onde a
ausência apontaria para o fracasso econômico do Plano, na medida
em que este não reconhece os pólos de poder responsáveis pela
inflação, pelo caos financeiro e pela depressão econômica.
Colocando a inflação como o grande mal - o inimigo número
um - os pronunciamentos tratam de construir a posição do
governo em relação ao problema. - posiçao do governo éapresentada
corpo a daquele que se prepara en renta e ence a 10 a 30. E par-
ticularmente 10 ssante que n s enuncia os que se referem à ação
do governo em relação à inflação, essa é sempre apresentada como
o adjetivo de um substantivo que ela mesma provoca: a inflação é
uma força dotada de características próprias e independente da
vontade e do fazer do governo até o momento do Plano. Alguns
exemplos são esclarecedores: '
"Desejamos combater a INÉRCIA INFLACIONÁRIA".
"Vamos continuar crescendo agora livres do ILU-
SIONISMO INFLACIONÁlUO".
"Estamos derrubando os N1UROS DA FORTALEZA
INFLACIONÁRIA" .
" ... enfrentar o PROBLE1v1A INFLACrONÁIUO".
ogoverno apresenta-se, após en unciar a questão, como capaz de
resolvê-Ia. Dois segmentos dos programas "Conversa ao Pé do
Rádio" de 14 e 21 de março, respectivamente, são significativos
neste particular.
1. "Com a inflação a vantagem era dos espcculadorcs.
Agora é a vez dos trabalhadores.
Sem inflação vamos ter mais desenvolvimento, mais
emprego, melhores preços e mais lucros ... já podemos afirmar
que deixamos para trás, junto com a inflação, a mentalidade
doentia da exploração e da mesquinhez."
2. "O congelamento dos preços e o combate à inflação
seguem tão. bem quanto o crescimento das atividades
produtivas. No princípio algumas indústrias que não
acreditavam no plano contra a inflação hesitaram, mas as
notícias que temos, as consta rações que fizemos é de que tais
voltaram a produzir."
Os dois fragmentos acima contêm um leque abrangente de
conseqüências do fim da inflação. A abrangência vai ao encontro do
que se apontou anteriormente: a incxistência de um referente
concreto contra o qual secombate. A inflação prejudica a todos, seu
fim beneficia igualmente a todos. A primeira afirmativa da passa-
gem citada acima deve ser analisada cuidadosamente ara não
causar conclusões equivocadas: o anta Tonismó claro s eculad -
8?'7trabalha~ pode levar à conclu'- de uc discurso se
coloca do lado da classe traba~ versus classe burguesa. No
emanto o parágrafo imediatamente posterior dilui qualquer in-
terpretação deste tipo: sem a inflação haveria "mais emprego,
melhores pre os, mais lucros". Os lucros não se contrapõem ao
trabalho . são resultados deste: são a negação da "mentalidade
doentia da xploração e da mesquinhez". O lucro está articulado
ao "cresci cn to das atividades produtivas", ao fato de que "as
80
•
"Ar:, principais decisões são as seguintes:
Criação de uma nova moeda - cruzado; cxrinção do
cruzeiro com paridade inicialde um cruzado por mil cruzeiros;
conversão automática em cruzados de noras, moedas e
depósitos a vista no sistema bancário, cxrin ção-cia correção
monetária gcneralizada;escala móvel de salários; congelamento
81
indústrias voltaram a produzir". Como a inflação é uma ameaça a
todos, todos são beneficiados com o seu fim: trabalhadores,
industriais, banqueiros.
Retomando as principais questões referentes à inflação nos pro-
nunciamentos de março, osseguintes pontos devem ser destacados:
L A inflação é apresentada como sendo a condensação de todos
os problemas brasileiros. Assimdefinida, ela é construída como um
dos pólos de um antagonismo, que coloca como sua antítese todo
o povo brasileiro, visto como o conjunto dos cidadãos. O discurso
de combate à inflação, por não constituir sujeitos sociais concretos,
por ser a luta contra um inimigo, não é um discurso de ruptura com
a conjuntura de forças vigentes, mas um discurso de conciliação.
(2. O discurso não é explicitamente antiinflacionário, mas de
declaração que a inflação acabou. Exatamente porque a inflação
não está imbuída de sujeitos concretos, a luta contra a inflação não
é uma luta que enfrenta resistência. Como não há "defensores de
interesses inflacionários" -a resistência da inflação é nula - com-
batê-Ia é um ato de vontade que foi levado a efeito pelo p'0verno e
pelo povo. No momcnjo em que a decisão foi tomada,/~eixou de
existir a infla ã- . Daí encontrar-se, já nos primeiros mo~o
discurso da vitória. .
~-~
O ano esta 1 lza ão Econô ica conhecido como .)Iano
ruza o, foi enunciado em detalhes pelo presiden te no seu
pronunciamento de 28 de fevereiro. Posteriormente todas as
questões referentes a ele foram tratadas pelos ministros. Ao enun-
ciar as medidas, dois aspectos têm realce: o destaque à posição da
classe trabalhadora, por um lado, e a preocupação; por outro, de
não colocar o Plano como a negação de qualqucrinrcressc dentro
do país. Em relação ao primeiro ponto merece ser transcrito em sua
íntegra o fragmento que enumera as medidas:
I
E
total de preços, tarifas e serviços; criação de um mercado
interbancário; seguro-desemprego, A...~TIGA E JUSTA
ASPIRAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA; garantia de
rendimentos dos depósitos da caderneta de poupança e
fortalecimento da nossa moeda em face de outras moedas."

II
I
Como está 'explícito, as medidas são enumeradas de uma forma
impessoal, sem' referência aos executores ou às suas possíveis
conseqüências e/ou repercussões. I-Iá apenas uma 'exceção, quan-
doé enunciada a criação do seguro-desemprego, "antiga e justa
aspiração da classe trabalhadora", Éo governo, em meioà descrição
de medidas que atingem diferentemente os diversos segmentos
sociais, nomeando somente a classe trabalhadora, mais ao queisto,
nomeando uma de suas medidas como o atendimento das "justas
reivindicações-da classe trabalhadora", Tal referência pode indicar
pelo menos dois caminhos, n~ise do di~urso: 10 rimeiro
indicaria a classe trabalhadora como o principal parceiro do govcr-
~ oposição '3 outros setores. RSta posição dificilmente se
sustenta pelo que já foi dado a observar uando da construção do
pólo de antagonismo no discurso; segundo indicaria exatamente
o contrário, o pólo de resistência às me· I as: a classe trabalhadora
não é portanto o sujeito parceiro mas o sujeito a ser conquistado.
Deve-se tor:nar em consideração que naquele momento a classe
trabalhadora (operários urbario-indusrria is) era o único sujeito
politicamente construído por um discurso de oposição ao governo.
O segundo ponto em relação à apresentação do plano refere-se
·àsua colocação não-antagônica a nenhum setor, e neste particular
dois grupos são focos de preocupação: a classe média e a.iniciativa
privada. O "recado" para a classe média é claro: "a poupança
cQQQnu~~oteg~da" ~"~glléj7 e_pre:ta~õesdo B,NH ~o,n?elado~',
Para a rrucianva 'privada a posiçao e ainda mais explícita: ~
pretendemos imobilizar o dinamismo do mercado e a u'an a da
•. •.
InICIativa nva a .
A apresentação do Plano reforça as características do discurso já
mencionadas - o Plano apresenta uma proposta de consenso onde
não existe antagonismo entre sujeitos concretos e históricos.
82
o presidente fala
A questão do sujeito enunciador do discurso presidenci31 brasileiro
é particularmente importante por duas características da discur-
sividadc da política contemporânea do país: a herança gcrulista e a
incxistência de agrcrniações polírico-partidárias fortemente cnrai-
zadas na sociedade civil. Este não é o espaço para aprofundar estas
questões, entretanto cabe localizá-Ias um pouco mais precisarncn-
te~ra introduzir a problemática específica que está sendo tratada.
~A heran{agetulista. A memória política do povo brasilci o
tem um ponto de encontro na 1 rura e . et ar as. Não foi o
longo tempo em que permaneceu no governo que lhe dá esta
centralidade, r.p.asantesde tudo as formas como Getúlio CQ!lStitIlÜJ.:,.
se~uanto sujeito naq.uçle período, a forma como "determinou"
sua "entrada na história" e, além disso, as formas como a luta polí-
tica posterior tem incorporado esta tradição (a disputa entre dife-
rentes forças políticas pelo direito às homenagens a cada dia 24 de
agosto é um exemplo contundente do que se está querendo dizer).
O período da história política brasileira que está definitivamente
(pelo menos até o momento) gravado no imaginário popular
brasileiro tem nome e sobrenome e chama-se Getúlio Vargas. O
Estado Novo, denominação do período em que Vargas foi ditador,
só tem sign ificado, atualmcn te, para estudiosos e pa ra rcrnancsccn tes
de suas prisões políticas. .
&.inexisténcia de agremiações políticasfortemente enraizad as
na sociedade civil. A história repu J.:>licana
brasileira é. a hist' .
gQlítica sem . os. A questão é centra para o entendimento da
política contemporânea brasileira. Entender este problema envolve
descartar uma visão simplista da política latino-americana em geral
e do Brasil em particular, envolve perceber o próprio "Estado
Novo" não como o responsável pela situação, mas apenas como
mais um elo desta história sem partidos. A facilidade com que
Vargas acabou com as agremiações partidárias em 1937 se repete
com os militares na década de 60. Os decretps que determinaram
o fim dos partidos parecem ter tido o po er ma rICO e . r
o 1 10 olí' . . o {a perma-
nência das clivagens Blancos/Colorados no Uruguai C União
83
Cívica Radical/J usticialismo na Argentina, no que pese os aterra-
dores períodos ditatoriais pelos quais estes aíses ram, são boas
referências como ntraste e rea 1 adc política brasilcir
Esta inexistência provoca uma série conseqüências a
~e para os propósitos deste estudo duas delas são
particularmente importantes: ~9a . e-sc às próprias formas
como se dá a co i -o dc for as no il1tcrior do Estad ,ondc o
xeutiva aparece acima dos artidos o íticos, sendo que a estes
esta ervado---um ugar na ante-sala do poder, lugar de espectador
privilegiado, nada mais, além disso. A pLCSCl F na política
brasileira atual e o og são bons
exemplos do papel su a terno do partido político enquanto insti-
tuição cnraizada na sociedade.
y A segunda conseqüência deriva da primeira. Na medida em que
as relações do poder e o equilíbrio de forças passam apenas tcnua-
mente pelospartidos,~~~~~
~~~Desta forma, uma questão se impõe: se o pre:..
sidcn te da República não tira do respaldo partidário sua sustenta-
çã~onde esta se localiza? Responder a esta questão é uma tarefa
lnstigante mas resistirei à tentação - o que interessa aqui é pensar
que, na medida em que esta resposta não está dada pelo discurso
político, o presidente se constitui no seu in terior como fonte do seu
próprio poder.
Destas rápidas observações, poder-se-ia concluir que há uma
tendência no discurso político brasileiro de "irnperializar" o presi-
dente da República, quer colocando-o acima das lutas políticas,
quer lhe atribuindo a "essência" de onde emana o poder. Frente a
estas observações, torna-se funda cntal a análise do suo . o enun-
ciador no discurso presidencial. sujeito da enunciação " já e
sempre, constituído pcla.intcr-di cursivi a e e orma específica,
inserido no que poderia ser chamado de discurso político brasileiro;
o sujeito enunciador se constrói no ato da fala redimensionando o
sujeito da enunciação. O sujeito enunciador se concretiza através de
três posicionalidades: o' U"; O "NÓS", o "GOVERNO", onde
o "eu" é central. A análise que se segue pretende apreender as
formas como estas três posicionalidades se constroem, sua unifor-
midade, suas fragmentações.
84
A presença do "eu" como local de construção do sujeito
enunciador é dupla e diferentemente importante. Por um lado
deve-se considerar o statusteórico do "eu" na construção do sujeito
. individual. Aenuncia ão o "e ", s do Lac 1) o momento da
Ínser ãoeda iferenciaçãodosujeitoc . otalnalinguagem-
o "eu" é a marca a inserção individual) é o reconhecimento ao
mesmo e o "tu" e conse üentementc de outros "cus"! que
~am de acordo com qucm fula, -
teses de Lac 1978) são profícuas )ara sc cnsar algumas
dimensões o olítico -a presença do "eu" enquanto enuncia or
não pode ser considerada como um modo dc fala)J~ _
~a-pãrtic Ja-rãCinseFÇa~~u en~
Por outro lado, rornarído a presença d "eu" a partir do
reconhecimento da "impcrializaçâo" da figura do presidentc,~
análise deste tipo específico de construção do su·cito enunciador é
uma dimensão n amental ara o cntendi ento das formas dc
construção o SUjeIto na política brasileir c das formas como se
'---
apresentam as relações dc oder E do-socie ade civil.
eu presidencial se constrói no discurso de março de uma
forma particular calcado em dois pilares: a construção do poder
pessoal - o "eu" decide; e a construção da relação Estado-
sociedade civil - o "eu" é quem fala com o povo. Como já foi
apontado anteriormente, a fala presidencial do mês de março tem
um momento em que se dirige a seus pares - aos governadores de
estado. A comparação entre um fragmcnto da fala inaugural de 28
de fevereiro com a dirigida aos governadores baliza claramente a
inserção do "eu" na política nacional.
A 28 de fevereiro) em cadeia de rádio e televisão) o presidente
anuncia o "eu" logo na introdução) quando fala do programa de
reformas.
"Vcnho meditando há tempos sobre sua oportunidade,
medimos conseqüências, avaliamos riscos e pesamos resultados.
Minha consciência c meu dever para com o país não me
fizeram hesitar. A política tem um compromisso e os homens
de Estado não podem fugir à força do destino na hora de
decisões maiores."
85
Para os governadores o presidente declara:
"Há alguns meses, venho meditando sobre o problema
da inflação e discutindo com meus auxiliares dessa área
o que deveríamos fazer e estabelecemos alternativas, estu-
dando detalhadamentc todos os planos, acompanhamos
os países que viveram de certo modo a mesma experiên-
cia."
A comparação entre os dois parágrafos permite algumas obscr-
vaçõcs intcressanrcs. Nópronunciarnente de 28/2 o "eu" é ccnrral ,
mediado apenas por uma passagem do "nós" que não se afirma,
pois logo em seguida o "eu" retoma o discurso. No pronunciamen-
to aos governadores a situação se inverte: é o "nós" que comanda
a ação, "nós" este que está claramente definido (eu e meus
auxiliares), o "eu" tem pouca presença. Tnteressante perceber corno
os textos se organizam em torno da expressão que se repete:
"Venho meditando". No primeiro caso o "eu" medita sobre a
oportunidade das medidas; o ato de meditar (ato solitário) denota
sentido de continuidade, de tempo e de seriedade. O "dono" da
meditação é o dono da decisão (oportunidade das medidas), é
também o que rcrn consciência e dever, e, mais do que isso, se define
paradigmaticamente como homens de Estado, que tomam deci-
sões - o "eu" portanto decide. No segundo caso, a expressão
organiza o texto de forma direta: o "eu" não medita sobre tomar
decisões, mas apenas sobre a existência do problema, a decisão se
desloca para o "nós", claramente colocado como o governo. No
primeiro caso o presidente imperial se constrói na sua relação com
o povo, no segundo um interIocutor do governo comunica a seus
pares uma grave decisão. Ou tros fragnicn to~ destes mesmos
pJ:9-ounciamcn tos reforçam a-posiçao dicotÔmica do presidenre-:-
Estes referem-se à relação do "eu" enunciador com as medidas
tomadas. No pronunciamento de 28 de fevereiro os seguintes
fragmentos são bons exemplos:
"- determinei mudanças fundamentais."
"- minha decisão não foi tomada em nenhuma hora de
86
87
precipitação, ela é assumida num momento de confiança no
meu país."
"- decidi conceder um abono geral"; "cuidei de estabe-
lecer também o reajuste automático."
"- preparei com muito trabalho o caminho para que estas
medidas pudessem ser tomadas."
Para os governadores a declaração é. sucinta:
"Fui" obrigado a tomar medidas graves."
No primeiro caso, fica transparente o exercício da autoridade
pessoal. Os verbos são fortes: por um lado, }")ETER.JUNAR,
DECIDIRe revelam um trabalho contínuo e solitário, por outro,
PREPARAR, CUIDAR EM ESTABELECER. "Preparei com
muito trabalho" está muito próximo de "venho meditando". Toda
a ação é pessoal e conotativa de quem tem poder. Na fala aos gover-
nadores o "eu" apresenta-se de maneira completamente distinta: a
oração é enunciada de forma diversa (fui obrigado). Não há tomada
de decisão, há apenas conseqüências - o que obrigou, ou quem
obrigou? O sujeito não aparece como responsável por sua ação.
Na construção do "eu" na fala de março, um momento fun-
damental é a relação que se estabelece entre o "cu" e o "povo".
Entre as formas de interpelação -leia-se construção do sujeito-
o momento que o sujeito enunciador se enuncia através de sua
relação com o outro é um momento privilegiado. Esta relação
ganha significado ainda mais especial na medida em que se toma em
consideração as condições de emergência do discurso político
brasileiro, isto é, as formas específicas como a irnpcrialização
presidencial foi construída na história republicana. São, fundamen-
talmente, duas as formas como é consrruida a relação eu-povo
brasileiro: através de um exercício de autoridade e através da relação
informal.
O exercício da autoridade se constrói através da voz de comando
e tem como rcfcrcncial a posição do cnunciador enquanto sujeito
da enunciação. A autoridade se constitui no interior do discurso,
mas ao mesmo tempo ela tem uma existência anterior "- a
existência da autoridade presidencial. A 28 de fevereiro o presiden te
declara nos parágrafos conclusivos de seu pronunciamento:
"Posso me dirigir a você, brasileira ou brasileiro, para
investi-Ia num fiscal do presiden te
conclamo para esta luta os brasileiros."
Na "Conversa ao Pé do Rádio" de 14 de março o enunciado
praticamente se repete:
"Quero convocar o povo
Convoco portanto brasileiros e brasileiras."
o presidente "INVESTE", "CONCLAlvlA", "CONVOCA".
Três observações devem ser feitas: a primeira refere-se ao fato da
autoridade anterior. Só pode investir e convocar quem tem poder
para tal-o poder anterior ao momento da cnunciação. A segunda
ressalta o caráter particular do verbo investir. A investid ura é um ato
de autoridade, um ato de poder: o senhor investe seu cavaleiro de
poderes que são por direito do primeiro. A investidura sempre
pressupõe a autoridade de investir - um ato de vontade do sobe-
rano. a Slmet da investidura caracteriza-se como não-de-
mocrática a nor· é um atº-detrajetória única/o investido não ttm
voz. OS OISOU rosver O -convocareconclamar-noquepcse
iarnbérn serem argumcn tos de autoridadc - têm sen tido mais
difuso. Pensando em uma relação simétrica cn trepares é fácil pensar
nos seguintes enunciados
Convoco
Os correligionários a
Os companheiros a
Conclamo
Os camaradas a
88
mas é de difícil aceitação pensar em substituir os verbos por
"investir" sem pensar em substituir os termos que se seguem no
enunciado. A convocação e a conclamação têm dupla trajetória,
podemnãoseraceitas-o conclama o e/ou o convocado têm voz.
Finalmente, uma erceira o se - diz respeito ao fato de que a
relação de autorida c entre o eu e o povo, através dos verbos
destacados pretende um efeito específico, isto é, a mobilização
popular. Pela primeira vez desde o golpe militar de 1964 o Estado
se mobiliza e não ~ o alvo da mobilização contra si, como havia
acontecido nacampanha pelas "diretas-já", em 1984.
Bastante diferente da construção descrita acima é a encontrada
no programa "Conversa ao Pé do Rádio" dia 7 de março de 1986
- o primeiro programa após o lançamento oficial do Plano de
Estabilização Econômica. Neste momento o argumento de auto-
ridade desaparece e o que toma o seu lugar é uma linguagem
informal que tende a uma relação de reciprocidade, onde o poder
parece ter-se deslocado:
-
"Há uma semana ... resolvi pedir ao povo que ajudasse o
governo na fiscalização
Todos recordam o apelo quefizàs brasileiras e aos brasileiros'
para que assumissem o papel de meus represen tan tcs pessoais.
Tenho certeza de que consegui transmitir sinceridade no
pedido.
o nosso povo, que ao aceitar o meu pedido
Faço um apelo a todos os brasileiros ...
E por isso, eu repito, você é o presidente porque o
presidente é você."
Tanto tomando este enunciado em termos gerais como analisan-
do suas partes é possível perceber a diferença da colocação do " "
Os verbos deixam aqui de ser ordens - o verbo central é e ir
acompanhado dedais substantivos que seguema mesma lin a: o
89
apelo; o pedido. Tais signos invertem a relação de poder, que não
se localiza mais no "eu" mas naquele ao qual se pede alguma coisa,
naquele para o qual se faz um apelo. Uma semana antes, o
presidente investira o povo como fiscal, agora ele recoloca a
invcstidura "rodos recordam o apelo que fiz". O apelo não nega,
por outro lado,a autoridade presidencial, na medida em que o
apelo foi feito para que o povo "assumisse o papel de meus
representantes pessoais". O que muda radicalmcn te é a forma como
a autoridade é cxcrcida. Em um primeiro momento o poder estava
com o presidente, em um segundo está .com o povo; a síntese
aparece quando se dá a sirnbiosc "você é () presidente porque o
presidente é vo~ê". Este enunciado final cria algumas complicações
em termos de análise política: em si ele permite algumas interpre-
tações diversificadas. Caberia por exemplo sem nenhum problema
em um discurso totalitário, mas definitivamente este não é o caso.
A interpretação que mais se aproxima da relação do enunciado com
o resto do discurso parece sera que aponta para o discurso populista 
de Estado, inserido em condições de emergência particulares, onde
se acentua a ausência de partidos e a impcrialização do presidente.
É dentro desta dinâmica que se pode entender o deslocamento do
"eu" entre investir, apelar e pedir.
Finalmente, em relação à constru ção do "eu" deve-se ressaltar os
momentos que o "eu" fala de si, não de sua ação, Il1aSde sua
natureza - a questão fundamental aqui é a do destino. A 28 de
fevereiro aparece:
"Chegamos à cxaustão nos paliativos e não foi para isso que
incxplicávcis caminhos do destino me fizeram presidente da
República."
A 14 de março a construção se repete:
"O destino me entregou esta tarefa."
Quando o "eu" fala de destino refere-se à morte do presidente
eleito Tancredo Neves, entretanto a questão n50 se limita a esta
constatação. Em primeiro lugar, porque é claro, para qualquer
90
observador, que a situação vivida por um político com a trajetória
de José Sarncy, que havia chegado à posição de vicc-prcsidcnrc,
rompendo para isso até mesmo com O partido que presidia, não
configura nenhuma artimanha do destino. Um vicc-prcsidcntc
chegar à presidência da República é um ato de rotina política
prevista em constituição, portanto não tem nada de inexplicável.
O discurso entretanto constrói o ato do destino e para isso não
tem dificuldade pois tem como matéria-prima a trágica noite de 14
de março de 1985 seguida da agonia e morte de Tancredo. Estas
situações foram vividas pela população dcntro de um imaginário
que combinava destino e misticismo e que foi cuidadosamente
orquestrado pelas randcs redes nacionais de tevê. Dentro deste
qua ro mtra lscursivo o "eu" cnunciador do Plano Cruzado
encontra espaço para se construir, em alguns momentos, como
agente passivo de uma ação provocada pelo destino. Na falado dia
28 de fevereiro o sentido claramente rncssiânicode uma missãoestá
presente através da ação provocada pelos "incxplicávcis caminhos..."
A construção do sujeito enquanto "nós" possibilita a análise a
partir de duas dimensões no discurso político; o "nós" como
momen to privilegiado da relação do "eu" com o povo e o "nós" em
contraposição a vocês - a quem o discurso se dirige.
No discurso de março a segunda dimensão é claramente domi-
nante: o "nós" refere-se ao governo e é indicador de decisões e
sucessos ao longo do ano que havia passado) n50 indica entretanto
tomadas de decisões precisas, estas s50 enunciadas pelo "eu"
(DETERMINEI).
O "nós" que se constrói como governo, apesar de momentos de
ambigüidade, aparece fundamentalmente como urna ação que teve
lugar no passado e se mantém até o momento ou uma ação que terá
lugar no futuro; constrói-se como vitorioso e eficiente - é a ação
competente do governo. No anúncio das medidas a 28 de fevereiro
o "nós" é restaurador.
"resgatamos a democracia .
recuperamos a economIa .
devolvemos os empregos .
promovemos a restauração do poder de compra do salário...
91
voltamos a comandar nosso destino de economia dinâmica e
autodeterrninada ..."
O" ,,,. I id
nos aqui parece estar c ararncnrc construi o como governo,
principalmente pelo uso dos verbos devolver e promover a
restauração, ....,.é o "nós" devolvendo a vocês (os assalariados).
O "nós" assim construído perde a sua transparência quando o
pronunciamento constrói a síntese das medidas.
".0 Brasil passou a ser respeitado, o povo e o governo,
juntos, edificaram esta primeira etapa da restauração nacional."
Se a "restauração nacional" é a palavra-síntese dos enunciados
acima, o "nós" pode aparecer não corno o "governo" mas como o
governo mais o povo. Entretanto o enunciado parece ocupar uma
dupla posição: ao mesmo tempo em que constrói um posiciona-
mento claramente governamental, deixa espaço para a construção
governo-povo, sem no entanto permitir que as vitórias do governo
sejam vividas como vitórias independentes do povo.
a mesmo tipo de construção do "nós" repete-se no programa
"Conversa ao Pé do Rádio" de 14 de março. Novamente a ação
aparece no passado como a definidora do sucesso presente e um
fragmento é especialmente significativo.
"Vencemos todas as dificuldades) felizmente vencemos,
deixamos para trás o medoc a violência, deixamos para trás o
ódio que separava os brasileiros.
Podemos dizer que deixamos para trás o cruzeiro."
Neste pequeno trecho do programa, o "nós" se confunde com
o povo através da negação de uma série de problemas que são
construídos como equivalentes: medo-violência-ódio-cruzeiro. O
"nós" é a nova situação - a Nova Repú blica (governo e.povo) -
medo) violência e ódio referem-se à situação anterior-ao governo
autoritário. O corte entre o velho e o novo fica claro, quando se
cnu ncia.
92
93
- . ---_ ..._..--._---_._----~--~_._---
...••.
"Neste país ninguém é discriminado por motivos políticos,
ideológicos, religiosos, econômicos, sociais ou profissionais."
Este novo país é, pois, articulado sem mediações ao fim do
cruzeiro (que pode ser lido como fim de inflação). Este é um
momento único no discurso de março, é o momento no qual
aparece a ruptura com a situação anterior. A pergunta que necessita
ser respondida é: por que o aparecimento deste discurso de rup-
tura neste momento específico? Parece que a resposta deve ser
buscada na euforia da mobilização dos primeiros quinze dias do
Plano. O pronunciamento tem uma 1ar~lInente ufanista
presente mesma na sua c ru ã lea , on e to as as
afirmações sao intro UZl as por cixarnos para trás". O fra gmen to
citado acima é seguido de
"Podemos dizer que deixamos para trás a inflação. Deixamos
para trás desgraças como a correção monetária.
Deixamos para trás a inflação ... "
Em síntese, este pronunciamento é um excelente exemplo da
forma como o "n s" a-r-:R
-' e cons rUI o no iscurso ao mesmo
tempo em que articula o povo, preserva a unidade do governo.
O "nós" enquanto governo também aparece como futuro tanto
no pronunciamento de fevereiro como de 14 de março. Ao
contrário do "nós" no passado, este não é ambíguo, colocando-se
claramente como "o governo". Destespronunciafl1entosasseguintcs
passagens são esclarcccdoras: A 28 de fevereiro ..
"Tomaremos todas as decisões ...
- desejamos cortar a inércia inflacionária
- não pretendemos imobilizar o dinheiro
- vamos continuar crescendo
- cstarnos certos que o sistema financeiro [cumprirá as
suas funções]
- ainda enfrentamos a força de hábitos [inflacionários]
- não bastará nossa firmeza."
I
I
•
A 14 de março
"Não vamos perrmnr que a covardia, a tibieza ou a
desconfiança criem qualquer nostalgia."
Os fragmentos acima permitem perceber dois tipos distintos de
construção no qle pese unidos pela centralidade do "nós" enquan-
to governo. pP.HmeirQ}efere-se a um argumento de autoridade-
o nós se coloca como o árbitro e executor d35 medidas, através das
expressões "tomaremos todas as decisões", "não vamos permitir".
~ cons.truªt. é articulada através de verbos com significa-
õfulCO){íue transmitem sentido de pretensão, intenções e não
ordens e tomadas de decisão: desejar, pretender; construir; estar
certo; enfrentar .(acompanhado do ainda). Para se entender esta
perda de ênfase do "nós", deve-se prestar a atenção a quem estas
afirmações são dirigidas. Não é o governo falando com °povo, mas
o governo dirigindo-se aos setores mais poderosos da sociedade: a
banqueiros e à iniciativa privada em geral: "Não pretendemos
imobilizar o dinamismo do mercado e a pujança da iniciativa
privada". No momento em que o discurso refere-se especificamen-
te ao sistema financeiro, fica clara a forma como este é construído
no Plano.
,
"Estamos certos de que o sistema financeiro neste novo . 11_.-
ambiente de seguran a cumprirá cOl"n. ficiência redobram ~~
.suas fun ões de transfe· fundos 3ra a nossa atividade I
produtiva." .-r-:-:- ~ cJ-.a- ~ ...9-
~ ~~? I
!
O "nós" governamental perde sua autoridade cse relaciona com !
o outro - "o sistema financeiro" respeitando sua força, seu poder
que está além do governo: o "nós" nada fará cumprir em relação a
este segmento da sociedade, apenas tem expectativas em relação a
ele.
Já foi referido anteriormente o caráter conservador do discurso
de março-86, caracterizado pela ausência total de uma posição de
ruptura, de corte entre dois grupos na sociedade etc. O exercíciode
autoridade do "nós" enquanto governo reforça o caráter: o "nós"
94
só exerce sua posição de poder, complcrarncn te, quando o interlo-
cutor é diluído como por exemplo "nós não permitiremos".
Quando o intcrlocutor é nomeado, e especialmente quando se re-
fere à classe dominante (setores), o "nós" passa apenas a "desejar".
Paralelamente ao "nós" construído como governo, mesmo que
em alguns rnorncntos diluído, aparece ao lon go do discurso de
março o "nós" como a soma de governo e povo. Esta construção
pretende 'provocar um efeito específico, isto é, trazer o povo para
junto do governo para que se assegure a vitória do Plano. Este é o
momento de mobilização através da construção de um novo sujeito
que tem uma tarefa específica: fiscalizar os preços dos produtos
congelados pelo governo.
A 7 de março, no programa semanal de rádio, a construção
referida acima aparece claramente:
"Agora não podemos nos dispersar e não podemos relaxar.
Vamos manter a fiscalização, vamos fazer valer a força da lei,
sem violência, mas com firmeza, para que os preços sejam
respeitados e o congelamento funcione."
nmelra a lrmaçã (não podemos nos dispersar), ,temum valor
~foi uma frase famosa de Tancredo Nevcsquando eleito
presidente da República. O "n6s" está claramcn te indicado como
o conjunto dos brasileiros. Mesmo quando o discurso se refere à lei
(vamos fazer valer a força da lei) não é ao governo que o "nós" se
refere, mas a todos; isto fica explícito pela,alusão aos distúrbios de
rua ocorridos nosprimeiros dias do Plano Cruzado. O mesmo tipo
de "nós", reaparece na "Conversa ao Pé do Rádio" do dia 21 de
março.
"Temos todos nós, brasileiros, interesses em manterestáveis
o,s preços."
--+ É portanto através da mobiliza ão como fiscal que o "nós"
~ nstrOlal en . a ep enaentreo overnoeo ov .Aquiosujeito
enunciador constrói-se e constrói o sujeito enunciado sem media-
ções. Quando a relação se constitui a.parrir da presença do "eu" e
95
do povo, ou do "nós" e do povo, a identificação entre sujeito
enunciador-enunciado é construída por uma identificação pautada
na diferença. O "povo" é diferente do "nós" e do "eu" porque estes
últimos aparecem como a au toridadc, como o governo, como o
Estado, como o presiden te "imperial". Ao con rrário, a construção
do "nós" sem mediações é o "nós" que tem possibilidades de ser
um "nós" democrático. Isto no entanto envolve alguns outros
problemas: entre eles destaca-se como fundamental o fato de que
a presença deste "nós" não obrigatoriamente indica um discurso
democrático (pode em alguns casos indicar até um discurso. tota-
litário), mas, por-outro lado, sua ausência dificilmente indicará um
discurso democrático. Este só é possível na medida em que a
decisão política for mediada por um "nós" que não envolva a
existência de um princípio de poder por somente uma das partes
que o formam.
Ainda em relação à presença do "nós" no discurso de março,
deve-se fazer referência à forma específica como aparece no
pronunciamento dos governadores. Como já foi observado quan-
do da análise da construção do "eu", este é um momento bastante
particular na medida em que o inrcrlocuror nJO é o povo, mas pares
políticos. O "nós" neste momento constrói-se como governo sem
nenhuma ambigüidade, governo este que é distinto de governado-
res, que estavam no lugar de interlocutor das decisões do primeiro.
O "nós" neste pronunciamento aparece da seguinte forma:
"estabelecemos alternativas ...
estudamos dcralhadarncnrc todos os planos ...
acompanhamos os países q uc viveram a mesma cx-
• A • "
pertenCIa ...
o "nós" := governo se constrói pela seriedade e eficiência na
tomada de decisão, muito distinto do "nós" ufanisrico que aparece
nos pronunciamentos que se dirigem ao povo.
O governo é a r forma através da qual o su'eito de
~ ;:n~ncia~o se constrói enquanto sujeito enllnciador. Pelo seu
próprio sentido institucional, o governo tem um significado instau-
rado na inrcrdiscursividadc, enquanto o "eu" e o "nós" não
96
possuem significado anterior ao discurso enunciado, .só se consti-
tuindo enquanto dotados de significantes no momento da fala. A
qualidade particular do "governo" deve ser considerada na análise
da sua inserção discursiva e, mais do que isto, deve-se tomar em
conta a forma como o "governo" se constitui nos discursos
anteriores ao momento do Plano Cruzado. Não cabe nos limites
das preocupações deste capítulo uma análise detalhada dos
significados do "governo" no discurso político brasileiro; entretan-
to, mesmo com esta ressalva,vale chamar atenção para um aspecto:
o antigovernismo do discurso popular, entendido aqui como o
discurso do senso comum.
O discurso do senso comum oscilou por muitas décadas entre
dois sentimentos: o antigovernismo e a dissociação entre vida
pessoal e política governamental. O primeiro está longe de ser
indicador de um alto grau de polirização; ao contrário, está
relacionado com Um sentimento de apoliricismo que poderia ser
resumido da seguinte maneira: o governo é corrupto e incapaz de
solucionar problemas, em suma a famosa frase - "eu tenho horror
de política". O segu ndo refere-se ao não-reconheci men to por parte
do cidadão da estreita relação entre as políticas governamentais e a
trajetória de sua vida pessoal. Este distanciamento não impede que
se institua uma relação personalizada entre indivíduos ou grupos
com o governo, principalmente ao nívc da política local. O
governo federal, entretanto, tende a ser percebido como uma
entidade distante, com interesses próprios, sem interferências nos
problemas concretos do cotidiano, o que provoca uma postura de
indiferença, de descrença, chegando ao que se poderia chamar de
um antigovernismo. ~.
O discurso do Plano Cruzado é uma tentativa concreta de
reverter o discurso antigoverno. No que pese a ccnrralidade do
"eu" que se relaciona com o que se está chamando de "impcriali-
zação" do presidente, o discurso para se realizar enquanto tal
necessita de construire/ou reconstruirosignificado do "governo".
A instauração do "governo" no discurso ocorre por duas vias:
através da relação do governo com o povo e através da própria defi-
nição da função e natureza do governo enquanto tal. A primeira re-
lação se constitui a partir de duas consrruçõcs-padrão: "o governo
97
precisa do povo" e "o povo está com o governo". Por que o
governo precisa do povo? No discurso de março a resposta é dada
de maneira simples - porque o governo para ser eficaz precisa de
colaboração. Esta colaboração é limitada e restrita à função de
fiscalizar o congelamento dos preços. O governo, como se verá
logo a seguir, é um executor- de políticas e para isso necessita de
ajuda. Esta construção aparece nos quatro programas "Conserva ao
Pé do Rádio" do mês de março. Ovcxcrnp lo retirado do programa
de 7 de março é-significativo:
"Resolvi 'pedir ao povo para que ajudasse o governo na
fiscalização... _
ajudem a fazer uma fiscalização que o governo, com todos
os seus funcionários, órgãos e forças não conseguiria jamais
realizar. "
v O fragmento acima revela três aspectos im )ortantes na consrru-
~ ção do overno' em 'meir lugar deve-se prestar a atenção na
intermediaçao do "eu" na relação governo-povo. Não é o governo
que solicita ajuda, mas o "eu" que pede ao povo; em~, a
presença do governo como uma entidade que se encontra separada
do povo, entidade que toma a decisão e que só depois solicita a
presença deste e,~, esta solicitação é feita para uma tarefa
específica, isto é, scalizar uma política do governo. Para que o
apelo seja respondido positivamente o povo deve estar apoiando o
governo. O discurso não pede este apoio, ele vai mais longe, ele
constrói no próprio discurso este apoio, através da construção do
povo apoiando e do governo merecendo este apoio. Dois exemplos
aqui são significativos: '
A 19 de março o discurso coloca:
"O país tem vivido momentos de inequívoca sintonia do
governo com toda a sociedade brasileira."
E a 21 do mesmo mês aparece:
"O governo defende o interesse do povo e o povo ajuda o
governo a ser eficaz. "
98
o governo portanto se constrói como o canal de reprcscntaçãQ
~ CIOSinte resses do povo E, para que a construção se complete, o
""dlscurso avança na caracterização do governo com um claro intuito
de reverter o. discurso do senso comum -. o governo se define. A
definição do governo aproxima-se bastante da construção do "nós"
governamental- o princípio articulador é a eficácia, o trabalho. A '
14. de março o presidente explicitamente declara:
~O~![( ;0 governo não é uma festa é um mutirão de trabalho."
.~?/- ~- , -
A declaração: "O governo nãoé uma festa" só ganha sentido por
sua negação "o governo é uma festa", o que se completaria corn a
afirmação "este governo não é uma festa". I'or nenhum princípio _
da teoria política ou da tradi ão olítica os conceitos de governo e
esta poderiam estar associadQs. É impensávcl, por exemp o, ima-
ginar uma afirmação como esta no discurso de overnante
inglês, francês, soviético ou mesmo americano. .ntrcrant a afir-
mação em um pronunciamento do residente brasl elro· tem um
sentido de ru tura com o passado não só em re açao ao governo
mas também em relação ao iscurso do senso comum (não seria a
[esta uma mistura de ineficácia e corrupção?). À festa se contrapõe
o trabalho - a eficácia. Dos enunciados que conferem funções ao
governo Iistarn-se as seguinte afirmações:
111
rr'
o governo vigiará com energia
não poupará empenho e energia
vem patrocinando mudanças na sociedade brasileira
fará cumprir a lei ..
se compromete a ser exemplo de rra balho.
.-----------------a..i:I
É este "governo" que exerce autoridade, punindo (e apenas ao
governo cabe punir, nem o "eu" nem o "nós" punem), que é o local
de mudanças e que dá o exemplo de trabalho, que busca apoio no
povo para cumprir sua tarefa e que tem o apoio do povo, exatamen-
te porque cumpre a sua tarefa.
99
o outro no discurso presidencial
A ro ematIca os su ·eitos enunciado deve começara ser discutida
pela ccntralidade destes no discurso político. Todo o discurso, por
sua própria natureza, constitui e é constituído por sujeitos. Todo
o discurso também se dirige ao "outro", daí todo o discurso
estabelecer urnarelação de sujeição entre o sujeito enunciador e o
outro, aquele ~quem procura sujcitar- o discurso só existe através
da sujeição.
Transpondo esta problemática geral iscurso político, a
questão adquire novos contornos O discurso político por sua
natureza, tem sua sobrevivênsia re ro u .
número de novos sujeitos que cons roi, o que não acontece por
exemplo com o discurso científico, que pode sobreviver c reproduzir-
se em uma pequena comunidade de estudiosos. Por cssa sua
característica, o Iscurso po I ico se constrOl na ans!a c su·citar o
q~e provoca efeitos concretos na dinâmica da Slla construção.
Enquanto os discursos científicos sujeitam pelo enunciado da
ciência, o discurso político acrescenta, ao enunciado dos seus
princípios, o enunciado do próprio sujeito. Entre o sujeito cnun-
ciador e O "indivíduo concreto" a quem se pretende sujeitar,
/J e!!.ÇQil.tr:a--se
o sujeito <;J)I]Oc:.@do
que se poderia chamaraté mcsmo
,de '·VI uo ncreto ro etado· uanto li cito su·cita no
discurso O criün ciador. Iara melhor colocar a questão vale a
exemplificação: umdlSCurso político x que tem como enunciador
Z é enunciado em uma sociedade y que é composta pelos sujeitos
sociais a, b, c, construídos por discursos anteriores. Este discurso
não exerce sua natureza de sujeitar através de uma relação Z ~ a,
b , c, mas através da seguinte construção: Z ~ A, )~, C, D = a, b, c,
onde as letras maiúsculas representam a rearricuIação dos sujeitos
sociais em um dado discurso político. A presença de "D", sujeito
social não existente entre os sujeitos inrcrdiscursivos, indica a
possibilidade que se abre ao discurso político de construir novos
sujeitos. No caso estu~a neste ca itulo têm-se três sujeitos
enunciados principais, ov, o t a alhado e fisca] o presiden-
te, onde os dois prirncir corresp m às lctras maiúsculas na
equação e o último à letra "D". Em qualquer dos casos, esta
100
gg
interme Ia é fun amenta no lscurso político: s~
sujeit er s aâo curso.e- ~al~ nã~
a situaçao pode ocorrer somente em casos dC(]}scursÜSãftamente
técnicos dirigidos a platéias muito bem-definidas: a apresentação de
uma política econômica por parte de um ministro de Estado a um ,
grupo de empresários pode prescindir de tal inrcrrncdiação, não
sendo entretanto isso a regra.
Em relação ao discurso do Plano Cruzado, o momento de
construção de sujeitos enunciados é de crucial importância, pois é
através dela que o discurso busca a sua legitimidade, ou, melhor
dito, busca construir sua posição hegemônica na sociedade bra-
sileira.
A o ruzad permite perceber com clareza
a pr ocupação central dos sujeitos cnunciador de construírem
dois sujeitos enunciados:~ e os t 3 hador . Esta preocu-
pação permite pensar em~ trajetória possível para o discurso
político brasileiro do ano de 1986, isto é, atrajcrória populista de
construção de posicionalidades populares por frações do grupo
dominante, que ao mesmo tempo rcdcfincrn sua própria posição
em relação a outras frações e desconstroem e reconstroem posicio-
nalidades olíticas de discursos anteriores c/ou discursos antagô-
nicos. A nálise do Iscurso e março· dica que se por um lado há
claras manifestações de iscurso populista, por outro a trajetória é
truncada; a indicação das manifestações é a própria presença dos
sujeitos, povo e trabalhadores; a indicação do limite é a ausência da
construção do antagonismo) substituído pela postura implícita)
nunca declarada) do consenso, da pretensão, do grande pacto
soc~l. ~
O sujeito "povo havia estado ausente do discurso
bras} elro u todo o o re
momen tos e discurso mobilizador o ov era substituído por
pátria e nação e nos momentos de oposiçao o povo apenas aparecia
como o contraste à exceção, no caso aqueles que constituíam a
oposição - os subversivos. O ano de 1981 marca a reentrada do
povo no discurso político através da campanha das diretas; no ano
seguinte foi também o povo que festejou a vitória de Tancredo e
chorou nas ruas o fim de uma esperança.
101
A morte de Tancredo, a ascensão dcSarney à presidência, marca,
por um ano, a ausência do povo no discurso político. Ele reaparece
com a fala inaugural do Plano Cruzado a 28 de fevereiro - é o
governo através do "eu" presidencial que reintroduz no discurso o
conceito de povo. No discrso de março ov surge porque é
convocado pelo -governo; é solicitado a ser agente do r
po lOCO com uma-tarefa es ecí apoiar o governo porque este
e cn e os seus interesses apesar de estes interesses serem sempre
apresentados de forma difusa. O sujeito "povo" enunciado por
Sarney tem qualidades específicas: o povo tem coragem para
dominar o seu inimigo número um - a inflação.
Nas catorze referências feitas ao "povo" no discurso de março,
sete referem-se à criação de identidade entre governo e povo e esta
identidade é criada ou através da ação conjunta ou através da
caracterização da própria identidade. No primeiro caso o governo
convoca o povo para ação. No pronunciamen to de 28 de fevereiro,
em duas oportunidades, aparece esta relação. No segundo parágra-
fo, .Samey afirma:
"Juntos, Governo e Povo, tomemos uma decisão grave e
difícil, ela marcará a sorte de nossa sociedade nos próximos
anos. "
Em outra passagem do mesmo pronunciamento, ao referir-se às
realizações do ano de 1986, Sarney enuncia:
"O povo e o governo juntos cdificararn essa primeira etapa
da obra de restauração nacional."
Os parágrafos indicam duas formas de construir a "ação" do
povo, a primeira via convocação, a scgu nda via construção de um
passado comum. A 14 de março as duas formas se fundem:
"Quero convocar o povo para uma outra batalha, a batalha
da produção."
O importante aqui @<l forma rr..~,..,. ° residente introduz
102
,.
r
, .;;; o ovo no discurso - como parceiro con vocado pelo governo. A
~{lL~
ação do overno nunca a arece co ma res osta à ação do povo
~inde cn , o povo que age, que tem interesses própnos, não
I- ~curso. Os interesses do povo s6 se constroem na
y medida em que o governo os defende.
O segundo casoda relação governo-povo no discurso constitui-
se na construção da identificação entre os dois. A 14 de março,
Sarney declara:
"O governo e o povo deixaram de ser coisasdiversas) mas
expressão de um único desejo"
A forma repete-se a 21 do mesmo mês:
-
"O que está acontecendo hoje no Brasil é um perfeito en-
tendimento entre o povo e o governo. É um ato inédito em
nossa História. O governo defende o interesse do povo e o
povo ajuda o governo a ser eficaz) a acenar."
Analisando conjun tarncnre estes dois fragmentos, pode-se
observar) por um lado, a ambigüidade da rcIaç50 do governo com
o povo' expresso em dois momentos que aci mcnte são 1 os C0111 o
cguivalcntes: único cscJo = mrcrcsscs do povo. Por outro lado)
poder-se-ia estabelecer uma outra equivalência: governo e povo
deixaram de ser coisas diversas - "é um fato inédito na nossa
História". E finalmente aparece no segundo fragmento a posição
do povo: ajudar o governo. Portanto, no que pese a existência da
construção de uma ação conjunta entre governo e povo, que se
coloca no discurso como tendo até um passado comum, o momen-
to é construído como excepcional, não pela ação do povo mas pela
ação do governo, que age e pede auxílio ao povo. Esta relação está
sintetizada em um parágrafo do mesmo dia 21.
"Este Brasilsério, do trabalho) das grandes medidas, é sem
dúvida o país que o povo quer."
Ainda sobre o sujeito "povo" vale.observar uma longa passagem
103
do pronunciamento de 28 de fevereiro, passagem retoricamente
construída, onde o presidcn te fala da coragem do povo: !..
"
"Mas não bastará a nossa firmeza se f..
ilrar a coragem do
povo.
Foi a coragem do povo que nos rcinrrod uziu na democracia;
foiacoragem do povo que restaurou o crescimento econômico;
foi a coragem do povo que assegurou a negociação soberana
da nossa dívida externa, será a coragem do nosso povo que vai
derrotar a inflação.
E essa coragem do povo será e é a minha coragem."
t;f ora em 1 elr ? O termo pode ser
substituído por muitos outros sem nenhuma alteração de sentido,
como por exemplo sacrifício, apoio, ação. O sentido vago é.
importante no discurso. Cabe ao interlocutor preencher a lacuna a
partir dos discursos prévios que o forma: de que coragem se fala?
Sobre que manifestação de coragem o discurso se pronuncia? Este
exemplo deixa claro o argumento retórico da rnobilização .do
discurso de março, que ao mesmo tempo em que busca a mobili-
zação, constrói vagamente o sujeito mobilizado, reservando desta
forma espaço maiorpara sua ação em um discurso de compromisso,
onde poucas coisas ficam claras.
O trabalhador é ~'1!1~aiS importanteifo discur-
so de março - o ~ antes de tudo endereçado a ele; A
exemplo da construção do sujeito "povo", o trabalhador também
se instaura no discurso através de sua relação com o governo, que
antes de tudo defende o seu interesse. ..
"A defesa do poder de compra dos assalariados" (28/2).
"O trabalhador. .. deve ver na moeda que recebe no fim de
cada mês a retribuição de seus esforços" (7/3).
"Oportunidade de emprego para os tra balhadorcs".
Estas construções estão muito próximas das observadas em
relação ao povo. O governo também defende os interesses dos
trabalhadores, entretanto em relação a estes últimos O discurso
104
reconhece interesses concretos· anteriores, o que não é o caso do
povo. A 28 de fevereiro, quando Sarney descreve as medidas do
Plano de Estabilização Econômica, refere-se a um único sujeito
quando anuncia a criação do seguro-desemprego.
"Justa aspiração da classe trabalhadora."
Mais adiante, no mesmo pronunciamento, Sarncy, comentando
os efeitos da inflação, diz que essa acaba com
"Aumentos reais de salários que o trabalhador obteve com
tanto suor e tanto risco.')
Nota-se, nos dois enunciados acima, que o discurso constrói o
trabalhador como um sujeito independente em relação ao governo,
ele tem aspirações e conquistas anteriores. O último fragmento é
particularmente interessante, pois o presiden te refere-se "ao suor e
ao risco", é pouco viável que esteja falando da luta salarial dos
trabalhadores, senão por outra coisa, porque o governo não iria
caracterizá-Ia como tendo riscos. É mais plausível articular suor e
risco com trabalho, com merecimento.
Avançando na ná Ise o su °cito "gabalhador" cabe responder
a qual trabalhador o discurso se refere. De maneira geral o
trabalhador do discurso pode ser associado ao operário urbano,
apesar de isso nunca estar explícito no discurso. Tal associação
torna-se possível por duas razões:.a primeira deve ser encontrada
nas condições de erncr ê' iscurso. Ern 1986 a única'
oposição or anizada Nova Re ú lic ~ra~o~'I~)~T~~J....U.-v-~~
SIn ical, CUT armada e operários urbanos e tendo sua r ndc
~rça no centro paulisr . É no discurso
petista quese encontra a construção mais e a orada do trabalhador.
A Nova República e especialmente o Plano Cruzado necessitam
reconstruir a posicionalidade deste segmento social. Soma-se às
condições de emergência uma' série de indicadores claros no
interior do próprio discurso, como o "seguro-desemprego", "a de-
fesa do poder de compra do assalariado", "o primeiro a ser defen-
dido será o trabalhador brasileiro", "oportunidades de emprego".
105
Mesmo com estas indicações) o discurso) em certos momentos,
abre mão das especificidades que levam a relacionar trabalhador
com o operário. O melhor exemplo está no pronunciamento de 14
de março.
"Com a inflação) a vantagem era dos cspccu ladorcs, agora
é a vez do trabalhador; a vez dos lucros sólidos) ganha mais
quem produz e vende por melhores preços) é a vez da
competência) é a vez da produtividade."
Trabalhador neste segmento é quem trabalha) que é equivalente
a ter lucros sólidos) porque quem os tem é quem produz mais) isto
é) quem trabalha mais) quem é trabalhador e não especulador.
Aqui) ao mesmo tempo que aparece aquele que poderia ser iden-
tificado como o antagonismo fundamental construido no discurso
do Plano Cruzado) se concretiza a diluição do sujeito "trabalha-
dor" e conseqüentemente a diluição do próprio antagonismo. O
trabalhador deixa) neste momento) de ser aquele que tem sua
atividade na indústria; o operário) assim como o cspcculador, perde
sua especificidade enquanto sujeito concreto. Na medida em que
lucro e trabalho são equivalentes) todos podem ser trabalhadores ao
mesmo tempo que todos podem ser virtualmente cspcculadorcs.
o fiscal do - a garantia do sucesso
kb~~~~
O discurso do Cruzado realiza-se no primeiro mês. Foi lançado a
28 de fevereiro e no fim do mês de março a "inflação já não existe)
a especulação é coisa do passado) e o Brasil é um país sério e de
trabalho". A questão que se coloca é de corno se construiu tão
rapidamente o discurso do sucesso. A resposta está na capacidade
deste discurso de construir um sujeito novo C unificado - o fiscal
do presidente. Este é o grande ganho na obra de engenharia política
que constituiuo Plano Cruzado) isto é.sua capacidade de constituir
um novo sujeito com uma qualidade in rcrpclativa invejável. Como
este sujeito se constitui? Antes de buscar no discursoseu aparecimen-
to explícito) que se dá desde o primeiro momento) deve-se retomar
106
,.~
F
as questões anteriormente discutidas, que são) em última análise) as
condições de emergência do mais importante sujeito da política
brasileira na história recente do país. REsumidamente pode-se
en erar estas condições como as seguintes:
.edução da pro emanca s cIo-econômica brasileira ~fom ;
d~go; o pça· e u ação ets}) à inflação) que per e
s'iiaaefinição econômica perden o desta forma suas causas estru-
turais), e ganha uma dimensão simbólica - de inimigo número um
d~OVO brasileiro. O combate tor~a-se uma questão de vontade.
2. ato de vontade se concretiza em um plano, o Plano de
Esta ilização Econômica apresentado como um conjunto de
medidas - de atos do gove.rno - que transformarão as condições
sociais, de miséria, de fome etc, e as condições econômicas (falta de
inv stimento, desvalorização dos salários etc.,) do país.
O Plano se constrói na relação do presidente da República
com o povo. Mais do que um plano governamental, é um plano
pessoal. O "eu" presidencial sofre as angústias solitárias dos proble-
mas do país, medita sobre esses e sobre os caminhos do destino
(caminhos messiânicos) que o colocam na presidência da República
e) frente a isso) decide e apresenta ao país o Plano de Estabilização
Econômica .
. O presidente, de posse da solução) se dirige aos trabalhadores
e a povo, a quem o plano deve atender sem abrir mão da posição
que o Estado autoritário lhe confere, o "eu" presidencial constitui
os dois sujeitos) nascidos diretamente do discurso) sem existência
anterior, sem memória, sem história. Nenhuma luta popular é
articulada, nenhuma vitória é lembrada. O país era o caos (governo
militar) e a tragédia (a morte de Tancredo Nevés). No ·caos e na
tragédia não existia o povo, nem o trabalhador, ele é construído de
maneira fluida e sem história: é instaurado autoritariamente pelo
"eu" presidencial no discurso inaugural.
Em suma, [as condições de emer"· ra o nascimento do
~scal do preSIdente po em ser resum~urso de carae::.
tcrísticas messiânicas de Sarne onde os problemas são unificados
simbolicamente na mflação, onde a solução se constrói como um
ato de vontade do "eu" presidencial, onde a unidade do enunciador
se constrói através da unidade do enunciado - todos, o povo e os
107
trabalhadores (todos os que trabalham) tornam-se um só sujeito:
o fiscal do presidenre=-> que tem existência, mais uma vez, no
discurso, através de um ato de vontade.
Na fala inaugural o eu presidencial dá vida à sua criação:
"Todos estaremos mobilizados nesta luta, cada brasileir~
ou brasileiro será e deverá ser um fiscal dos preços.
E aí posso me dirigir a você, brasileira e brasileiro, para
investi-Ionurn fiscal do presiden te, para a execução fiel desse
programa em todos os cantos deste Brasil."
o fiscal do' presidente nasce, portanto, da unificação de cada
cidadão (brasileira ebrasilciro; você). É o "indivíduo" desnudado
de toda e qualquer qualidade de sujeito que é in vestido como fiscal.
O discurso ignora qualquer mediação histórica, de classe, de
posição política. Um exemplo fictício esclarece a questão: se o
discurso enunciasse "brasileira e brasileiro [ou você], não importando
qual sua filiação política partidária, deve ser um fiscal...", ter-se-ia
uma construção distinta - o eu enunciador reconheceria a existên-
cia prévia da fragmentação do sujeito político, o sujeito partidário,
mas isso não acontece: antes do fiscal, existia apenas o "você":
brasileira e brasileiro. '
Em pronunciamentos nos dias 4 e 14 de março, o fiscal do
presidente ganha uma "função" qualificada, não é apenas aquele
que controla os preços, mas torna-se o povo fazendo história.
A 4 de março o fiscal é nomeado da seguinte forma:
"maior voluntariado vivido na nossa história e de uma
mobilização conseqüente em todos, espontaneamente de-
monstrando confiança no presiden te."
Dez dias depois:
"A todos a minha palavra é não esmorecer. Os fiscais do
presidente continuam. mobilizados ... é o povo brasileiro
fazendo história."
Nas duas passagens acima, reforça-se a criação prcsidcncial- o
108
I
~
sopro de vida constantemente renovado. f:através desta criação-
da confiança do outro no "eu" - que o povo faz história. A
construção do outro (o fiscal) chega a seu momento de ápice no dia
21 de março, no programa radiofônico "Conversa ao Pé do Rádio".
Este é um momento de especial importância no discurso de sujeição
do fiscal porque é o único momento de complexidade na constr~-
ção.
"Cada brasileiro tornou-se o fiscal do presidente. No
princípio para garantir o cumprimcn to dos preços e agora para
o que envolve o cumprimento da lei.
Ser fiscal do presidente é exigir serviços pó blicos eficazes.
Ser fiscal do presidente é exigir que as escolas ensinem,
sejam organizadas, que aassistência médica funcione, que os
serviços de transporte cumpram horários e se cobrem tarifas
corretas.
Ser fiscal do presidente é confiar na igualdade de todos
pcran te a lei.
Ser fiscal do presidente é impedirque os preços congelados
nos níveis do dia 28 de fevereiro sejam remarcados ou
alterados. .
Ser fiscal do presidente é, principalmen te, não deixar que
o paíspare sob qualquer pretexto. É impedir que os pessimistas
tenham sucesso, é impedir que os boarciros espalhem o
pânico. É desmascarar as mentiras contra o povo.
Ser fiscal do presidente é chamar as autoridades para que
elas façam curnprira lei. Ser fiscal do presidente não é fazer
justiça com as próprias mãos, mas acreditar que o governo furá
cumprir a lei, doa a quem doer."
A definição do que é ser fiscal do presidente, a partir do texto
acima, tem três momentos claros. O primeiro é a separação
presidente/governo. O presidente dcfine o fiscal çomo aquele que
exige do governo que cumpra o seu dever (escolas, saúde, serviços
públicos etc.). É clara aqui a dicotomia prcsidente/governo; seria
impensável o "eu" exigir que o outro exija do "eu" o cumprimen to
do dever. O presidente - o "eu" - coloca-se portanto acima do'
109
governo em uma relação direta com o fiscal. Aqui aparece uma
tendência populista do discurso, que entretanto é logo quebrada
pela segunda forma de definição do fiscal: a confiança na igualdade
de todos perante a lei. A lei é o governo (o governo fará cumprir a
lei), e o fiscal deve confiar no seu cumprimento ao mesmo tempo
que deve exigir o cumprimento da lei (escolas, saúde ctc.). Um
enigma aparentemente de dificil solução, só possível de en-
tendimento se forem tomadas em consideração as condições de
emergênciado"eu imperial": o eu construídosobre um frágil poder
e numa relação ambígua com o governo.
A contradição se resolve na terceira forma de construção do
fiscal: entre a fórmula eu = fiscal versus governo e a fórmula do eu
= governo H fiscal, a segunda é vencedora. O texto conclui rcco-
locando o fiscal em sua "função" de conrrolador de preços. O fiscal
tem sua existência porque tem uma função, que é a de defender o
Plano de Estabilização Econômica contra os inimigos do governo.
A função, em última instância, "é chamar a autoridade", "é
acreditar no governo". O fiscal garante o sucesso do discurso do
Cruzado porque se constrói como o sucesso de um plano de
governo personalizado no "eu" presidencial.
"
.,
I
~otas eonclusg
À guisa de conclusão serão indicados ai uns on tos
lscurs eSl enCla o mês de março-8 ,relacionados a duas
-rspectiv 6· a primeira refere-se à própria dinâmica d9. constr ção
so que inau ura o Plano Cru gunda efcre-se à
relação entre a análise de discurso c a análisede po itica , preten-
dendo mostrar os efeitos concretos do discursivo na luta política.
No que se relaciona à dinâmica da construção do discurso de
março-86, três pontos devem ser destacados:
L O discurso de março-86 não é um momento inicial de uma
construção discursiva que se contrói ao longo do ano, isto é, no
decorrer da implantação do Plano Cruzado. Ao con rrário, é um
discurso que já corirérn em seu interior o sucesso do projeto político
que propõe.
111
i)E~C(~ ).r·i,--~
~ =
lcgislativo; judiciário) orno os artidos olítico., no caso do
discurso de março o PMDB e o PFL. Nenhum destes dois pólos
aparecem como dotados de poder; esse emana dodiscurso única e
exclusivamente do presidente da Repú blica. O fenômeno pode ser
analisado a partir de dois conceitos: tanto pode ser um fenômeno
dc condensação como de deslizamento. O primeiro caracterizaria
uma situação ondc o presidente, com condições de liderança
particulares, como no caso de um líder carismárico , apareça no
discurso como um "eu" sin rctizador, representando a força de um
partido ou de ,um governo. No segundo caso caracteriza uma
situação onde o poder emana de fora das instituições políticas
legítimas e principalrnente legalmente constiruidas, daí não apare-
cer no discurso, havendo um deslizarncnro para a figura do "eu"
presidencial enunciador, que aparece como dotado de grande soma
de poder.
O discurso de março-86 parece aproximar-se basran te do segun-
do caso. Não é crível pensar em José Sarney como um líder parti-
dário e/ou popular capaz de constituir-se como sujeito enu nciador
através do artifício de condensação. Muito mais verossímil, no que
pese mais pessimista, é pensar na fraqueza das instituições políticas
no país e na inconsistência dos partidos políticos, que mais uma vez
encobrem nesta nova fase da história brasileira o centro de decisão
política, que com a abertura democrática não perdem poder, mas
perdem voz, buscando por isso o sujeito presidente da República
-atá-se frente a um fenômeno de dcslizarncnto.
8O Plano Cruzado foi um gr~nde ucesso poh ~ c um grande
~ e,nSluanto política economlCa. I'ais resultados não são
conseqüência de um ano de implementaçao do Plano, pois estavam
dados já no discurso de março. O sucesso político do Plano está
marcado, por um lado, pela construção da eficácia do governo, que
aparece como dotado de vontade política para resolver o problema
central dopaís - a inflação. Como a resolução é uma questão de
vontade e o governo tem está vontade, não existe mais o problema.
Por outro lado, este sucesso se constitui a partir da in trod ução
na política brasileira do cidadão - o fiscal do Sarncy. A soma de
eficácia do governo com a participação cívica Uo cidadãogarante o
sucesso do plano. ~)
112
•I
Se o Plano foi um sucesso político o mesmo não pode ser
afirmado em relação à sua face econômica. Sem entrar na discussão
da eficácia do choque heterodoxo, o que se pode analisar a partir
do discurso de março é a forma como a inflação foi construída. A
inflação não continha responsáveis, nem interesses, isto é, não era'
alimentada por sujeitos históricos concretos. Aparece como anima-
da por moto próprio - como o inimigo. Em vista disso, o discurso
não é capaz de provocar uma ruptura, colocando de um lado
aqueles que lutam contra a inflaçãoe de outro os que se aproveitam
dela. É a natureza conciliatória e conservadora que determina de
a~o o fracasso econômico do Plano.
l.~./.t.inalmente, a questão que deve ser respondida refere-se ao
efêlfo do discurso do Cruzado a médio prazo. Apontar-se-ão aqui
os dois mais marcantes. O nmeiro efere-se ao r torno do anti
vernism Aue se soma agora ao antiestatismo: o governo é cor-
rupto e inefic:ar.EStCretorno tem roupagens novas na medida em
que tem um novo intcrlocutor, a direita empresarial, que ganhou
espaço para seu discurso liberal na medida em que o Plano Cruzado
falhou .
.~ O s~-ttrrd<o)rrõSlu:illlttãadd
é o surgimento de um novo sujeito - o
fiscald siludido Eumsu'eito esor alll~a o pquesuaongemfoi
o cidadão, à espera de uma voz que lhe restitua a ilusão- cons-
truída en uanto fiscal em um discurso auroritárjo. É inca az de se
organizar- talvezesteja à espera que um novo discurso autoritário
~
/
113

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Aula 21.08.13 Com a palavra_o_senhor_presidente

  • 1. f f-- - ;fi? ~5 _~GA " - CELI .EGINA JAl~l)IM PINTO n~lO - ~~ COM A PALAVRA. O SENHOR PRESIDENTE / JOSESARNEY o discurso do Plano Cruzado 4 COMA PALAVRA O SENHOR PltESIDENTE
  • 2. p 4 COMA PALAVRA O SENHOR PRESIDENTE o capítulo tem como objetivo analisar o rimeiro momento do no discurso overnamental do a detendo-se nos pronunciamentos do presidente da República José Sarncy durante o período do mês de março. Estes documentos - es ecialmente importantes porque marcam ~ do Plano Cruzado f, mais do que isso, já definem, surpreendentemente, o seu sucesso. A 28 de fevereiro o presidente anuncia o Plano de Estabilização Econômi- ca; quinze dias após esta data anuncia o sucesso do Plano. inflaçao o inimigo número um do ais, ra um problema i assa. . s documentos a serem analisados são de três naturezas. O primeiro, sem dúvida o mais importante, é o pronunciam~to d3 presidente em cadeia de rádio e televisão, quando anuncia nplano (de refu;mas. U~ronunciamento presidcrlcial em cadeia nacional é uma exceção, o presidente da República só fazum pronunciamen- "todesta natureza quando tem uma mensagem especial a transmitir. É um momento simbólico - o governo, na pessoa de seu mais alto funcionário, se apresenta solenemente ao público. No horário de audiência quase absoluta de televisão, às 20h:30m (entre o "Jornal Nacional" e a chamada da novela das oito da RedeGlobo), uma voz em offanuncia a formação da cadeia nacional e introduz o orador: "com a palavra o Senhor Presidente da República José Sarney". O presidente apresenta-se em sua mesa de trabalho ou em um púlpito, ladea o ela bandeira nacional e lê seu pronunciamento. O segun . tipo de documen to a ser analisado constitui-se de transcriçoes do programa semanal "Conversa ao Pé do Rádio". No que pese ser transmitido em cadeia de rádio, a natureza deste documento é completamente diversa do pronunciamento em cadeia derádio e tevê: em primeiro lugar, faz parte de uma rotina, 73
  • 3. "todas as semanas no mesmo d~ e no mesmo horário o presidente fala por alguns poucos minutos no rádio; em segundo, é um programa transmitido às 6h:30m da manhã e portanto dirigido aos trabalhadores urbanos e rurais em um dos raros momentos em que ouvem rádio. Ao contrário dos pronunciamentos de exceção no horário nobre de televisão, a "Conversa ao Pé do Rádio", desde seu próprio título, é marcada pelo informalismo e por uma relação direta entre o cidadão José Sarney e o povo. Não é o governo que se-apresenta, mas a pessoa do presidente que conversa em uma lingua e coloquial. terceiro ipo de documento a ser analisado trata-se Q,e um pronunciamen~ intrago~o. O presidente da República fala aos governadores- e estado que foram especialmente convocados a Brasília para se inteirarem do novo Plano. Íi o presidente falando a s,eus pares políticos, correligionários ou não, que no momento _eram peças fundamentais para o sucesso do Plano Cruzado. O documento reveste-se de importância para os propósitos esta , ise porque crvc, antes de tudo, como contraponto aos ciarncn tos do presidente diri Tidos a i eiro. análise que se segue não tomará cada documento como uma unidade. Os documen rão tratados como um todo na medida em que eles formam a matriz do discurso o ruzado: seu anúncio, SÔd cõnvocação popular, a vitória. A natureza de cada documento só será evocada quando ela for marcan te para o en tendimento das construções discursivas. Duas preocupações marcarão a análise: a primeira refere-se à construção do enunciado - CRUZADO: o que é o Plano Cru- zado; porque foi implementado; quais são as suas conseq üências. A segunda refere-se à construção do sujeito no interior do discurso e é especialmente importante na análise do discurso político, pois é da capacidade de interpelação do sujeito cnuriciador, isto é, pela sua capacidade de sujeição, ue se realiza o discurso. O sucesso político do Plano Cruza advi da capacidade do enunciador de, o 1tlCOScapazes de agir no social através da sujeição. ~ 74
  • 4. o inimigo rrúm ero um: a inflação r ') o Plano de Estabilização Econômica) popularmente conhecido como Plano Cruzado) constituiu-se em torno do combate à inflação. Em linhas gerais poderia ser resumido da seguinte forma: os grandes problemas nacionais (desenvolvimento) dívida externa) fomeetc.) têm uma grande causa-a inflação) que é declarada pelo Plano como a inimiga número um da sociedade brasileira e por isso vale o esforço conjunto para combatê-Ia. Antes de efetuar a desconstrução do conceito de inflação no interior do discurso presidencial vale chamar a arcnção para a ccntralidadc do tema na política brasileira a partir da década de 50. Repetidas vezes desde a instauração da política dcscnvolvimcnrisra de Juscelino Kubirschck, os enfrentamentos políticos e as grandes crises nacionais tiveram entre suas questões de fundo o processo inflacionário) como são exemplos a eleição presidencial de 1960 que elegeu Tânio Quadros) o golpe militar de 1964 eosanoscríticos do governo Figueiredo. Sem espaço neste momento para uma discussão ampla da política inflacionária no Brasil e das diversas formas como essa foi articulada no discurso dos governos e dos partidos políticos) necessita-se) mesmo assim) enfatizar um ponto em particular: o discurso político brasileiro contemporâneo cons- truiu a questão da inflação de forma tal que a média da população do país) mesmo sem entender o mecanismo econômico que gera a· inflação) a percebe como um grande mal na medida em que associa inflação a aumento do custo de vida. A partir da década de 70, a a sociação da ir Ilação om p ejuízo foi perpassada pela popularização da Caderneta dePoupança, que provocou uma espécie de ilusão coletiva de ganho exatamente através do processo inflacionário. Se isto é verdade e tudo indica que sim (basta apreciar a reação dos poupadores durante 1986) não chega a invalidar) entretanto, a percepção do processo inflacio- nário como causa da perda do poderaquisitivo. De fato a reação dos poupadores não é ao fim da inflação; é, diferentemente, uma reação à diminuição "dos ganhos" entendidos como reais e não percebi- dos como correção monetária pura e simplesmente. Em síntese, O que é necessário ter presente é a centralidade do 75
  • 5. " problema da inflação no discurso político brasileiro a partir da década de 50 e sua internalização por parte da população do país, o que se constitui em um ponto fundamental para se entender as condições de emergência do discurso do Plano Cruzado e sua conseqüente capacidade de criaruma grande rnobilização naeional. No pronunciamento do dia 28 de fevereiro a INFLAÇÃO .é apresentada pela primeira vez como o inimigo número um. Em . duas oportunidades, a mesma construção está presente. "A inflação tem sido o pior inimigo da sociedade". "A inflação tornou-se o inimigo número um do povo" . Já neste primeiro momento, o discurso define claramente o inimigo - o "sujeito" em relação ao qual ela construirá o antago- nismo. O grande inimigo nunca é definido analiticamente: é busca inútil tentar achar rcs osta no discurso para as seguintes questões: o que é a inflação? ~são suas caus~iEm contraposição, a in ação é enuncia a corno uma síntese simbólica dos problemas do país. No programa "Conversa ao Pé do Rádio ", de 14 de março, Sarney enuncia a inflação de uma forma definitiva: ':g inflação! todos sabem,J~ o m~l". Este é um enunciado-síntese, a ele poderfi ser acresceu ados, em uma relação paradigmárica, todos os outros atributos da inflação no decorrer dos pronunciamentos do mêsde março. O enunciado merece uma reflexão ainda que sucinta. Três aspectos aqui são particularmente importantes: o primeiro articula a idéia de consenso sobre a existência do problema "todos sabem"; o segundo refere-se à presença do verbo "ser" no passado, isto é, todos sabem que alguma coisa era, mas não emais (note-se que Sarney está falando quinze dias após o lan a nto Plano); o ter- ceiro relaciona-se com a presença do rti o definido a inflação era o mal, o que exclui a existência de qualquer outro mal-o úni- co mal era a inflação. Portanto, a 14 de março todos já sabiam que não existe mais "o mal": os problemas estavam resolvidos. O enunciado não aparece solitário, ele é uma síntese e se desdobra no decorrer de todo o mês. O quadro da página seguinte esclarece a questão em foco. i ! ,I 1 I I . , 76
  • 6. A inflação 28/02- Tem sido ~ .. o pior inimigo da sociedade Confisca ~ o salário Confisca o pão Tornará ~ .lctra morta reajustes e aumentos reais de salário ( ,) ,. 1'" e uma arigusna so itarra (é) .Irnplacâvcl com os mais desprotegidos Tornou-se o inimigo número um: do povo 03/03 Tinha um aspecto perverso Corrigia ~~ ocapital Não corrigia o salário 14/03 (era) a vantagem dos cspcculadores Era enganosa Era 0 m al A listagem acima permite a visualização das questões apontadas anteriormente. Tomando os tempos verbais como referência, percebe-se claramente que a inflação só aparece como problema presente no dia do anúncio das medidas para contê-Ia, nos dois. outros pronunciamentos já aparece como um problema do passa- do. Quanto aos tempos verbais, ain-da é preciso chamar a atenção para a presença do verbo "tornar" no futuro. O cnunciadocornplc- to é o seguinte: "A inflação a continuar nos índices atuais em poucos meses, e até mesmo em poucos dias, tornará letra morta os reajustes e os aumentos reais de salário que o trabalhador obteve com tanto suor e com tanto risco". Por que a presença deste futuro? f resposta é bastante simples. No'enunciado, a questão central não é a inflação mas' .s reajuste 7
  • 7. e os aumentos reais de salário". Na medida ern que o governo congela os salários como uma das formas de combate à inflação não poderia, sob pena de criar uma posição muito difícil para si, enunciar o verbo no presente ou no passado. Enunciando-o no futuro, resguarda duplamente a ação positiva do governo: por um lado afirma que existe no momento ganhos reais, por outro toma medidas para manrê-Ios. Retomando a listagem acima cabe chamar a atenção para a presença, por duas vezes, do artigo indefinido como introdutor às características da inflação. O primeiro caso encon trá-se ainda dia 28 de fevereiro - "uma angústia solitária" ."Nesta afirmação a indefi- nição é anulada pelo complemento "solitária" -se ela era solitária, a inflação passa a ser "A ANGÚSTIA". Diferente, entretanto, c o uso do arti o indefinido quando Sarney fala aos r adorcs.." ... a inflação brasileira tinha um aspecto perverso". A inflação uando_ j:OllOc~para o grupo reduzido de políticos, p to condensador e simbólico e passa para o campo dos problemas que o governo necessita resolver. A construção "um aspecto perverso", permite pensar a inflação como depositária de "outros aspectos", perdendo assim qualificação simplista e simbólica dos pronun- ciamentos para grande público. Ainda em relação à questão da inflação apresentada 'como O tvIAL, cabem algumas observações. Em primeiro lugar, apresentan- do-a como O MAL, A ANGÚSTIA SOLITÁ1UA, o enunciador desarticula-a da situação concreta do país. Todo o resto vai bcrn , não existindo portanto nenhuma relação entre a problemática sócio-econômica do país e a inflação que, sem ser definida, sem ter causas, aparece como um mal solitário e como a única ameaça: vencendo-se O tvIAL, tudo estará bem. Em segundo lugar, deve- se observar que este tvIAL está articulado na fala de Sarncy à causa da pobreza das classes populares, as referências a "salário", "pão", "mais dcsprotcgidos"; são claros indícios. A inflação não tem causas, só tem efeitos no discurso de Sarney. A identificação da inflação como o "O lvIAL" que ataca o país permite ao discurso construí-Ia como o inimigo número um do povo brasileiro. O discurso de Sarncy é sem dúvida um discurso mobilizador-tem um objetivo claro de mobilizaro povoem favor 78
  • 8. 79 do plano de governo. O discurso mobilizador por excelência é um discurso que constrói um inimigo-semprcse apresentando como a negação de um estado de coisas dado. Mesmo que este-seja um discurso conservador, a união de um lado se dá em contraposição a um inimigo de outro. O discurso do Cruzado também se coloca dentro desta lógica: de um lado o governo junto ao povo, de outro a INFLAÇÃO. O~ue é -interessante e particular neste caso § a incxistência de su ·eit hi cretos na constru ão o a oni inflação e um ma s no Não existe em sua base nenhum suje , ts õricarncnrc identificável. O discurso não se coloca como antagônico a nenhum setor social, a nenhum grupo de interesse: banqueiros, industriais, comerciantes, assalariados, operários, todos estão mesmo lado no discurso contra a inflação, esta última um "sujeito' inca az de ser corporj- d - ficado or sujeitos históricos concretos na ro osta de Sarne J Essa -ausência é muito SI cativa na medida em que possibilita a análise em duas direçãe. primei ,na direção de uma caracterização do discurso do Cruzado, onde a ausência indicaria uma tendência conciliador-conservadora (nenhum dos setores sociais é responsá- vel pela crise). A segunda, na direção da análise de política, onde a ausência apontaria para o fracasso econômico do Plano, na medida em que este não reconhece os pólos de poder responsáveis pela inflação, pelo caos financeiro e pela depressão econômica. Colocando a inflação como o grande mal - o inimigo número um - os pronunciamentos tratam de construir a posição do governo em relação ao problema. - posiçao do governo éapresentada corpo a daquele que se prepara en renta e ence a 10 a 30. E par- ticularmente 10 ssante que n s enuncia os que se referem à ação do governo em relação à inflação, essa é sempre apresentada como o adjetivo de um substantivo que ela mesma provoca: a inflação é uma força dotada de características próprias e independente da vontade e do fazer do governo até o momento do Plano. Alguns exemplos são esclarecedores: ' "Desejamos combater a INÉRCIA INFLACIONÁRIA". "Vamos continuar crescendo agora livres do ILU- SIONISMO INFLACIONÁlUO".
  • 9. "Estamos derrubando os N1UROS DA FORTALEZA INFLACIONÁRIA" . " ... enfrentar o PROBLE1v1A INFLACrONÁIUO". ogoverno apresenta-se, após en unciar a questão, como capaz de resolvê-Ia. Dois segmentos dos programas "Conversa ao Pé do Rádio" de 14 e 21 de março, respectivamente, são significativos neste particular. 1. "Com a inflação a vantagem era dos espcculadorcs. Agora é a vez dos trabalhadores. Sem inflação vamos ter mais desenvolvimento, mais emprego, melhores preços e mais lucros ... já podemos afirmar que deixamos para trás, junto com a inflação, a mentalidade doentia da exploração e da mesquinhez." 2. "O congelamento dos preços e o combate à inflação seguem tão. bem quanto o crescimento das atividades produtivas. No princípio algumas indústrias que não acreditavam no plano contra a inflação hesitaram, mas as notícias que temos, as consta rações que fizemos é de que tais voltaram a produzir." Os dois fragmentos acima contêm um leque abrangente de conseqüências do fim da inflação. A abrangência vai ao encontro do que se apontou anteriormente: a incxistência de um referente concreto contra o qual secombate. A inflação prejudica a todos, seu fim beneficia igualmente a todos. A primeira afirmativa da passa- gem citada acima deve ser analisada cuidadosamente ara não causar conclusões equivocadas: o anta Tonismó claro s eculad - 8?'7trabalha~ pode levar à conclu'- de uc discurso se coloca do lado da classe traba~ versus classe burguesa. No emanto o parágrafo imediatamente posterior dilui qualquer in- terpretação deste tipo: sem a inflação haveria "mais emprego, melhores pre os, mais lucros". Os lucros não se contrapõem ao trabalho . são resultados deste: são a negação da "mentalidade doentia da xploração e da mesquinhez". O lucro está articulado ao "cresci cn to das atividades produtivas", ao fato de que "as 80 •
  • 10. "Ar:, principais decisões são as seguintes: Criação de uma nova moeda - cruzado; cxrinção do cruzeiro com paridade inicialde um cruzado por mil cruzeiros; conversão automática em cruzados de noras, moedas e depósitos a vista no sistema bancário, cxrin ção-cia correção monetária gcneralizada;escala móvel de salários; congelamento 81 indústrias voltaram a produzir". Como a inflação é uma ameaça a todos, todos são beneficiados com o seu fim: trabalhadores, industriais, banqueiros. Retomando as principais questões referentes à inflação nos pro- nunciamentos de março, osseguintes pontos devem ser destacados: L A inflação é apresentada como sendo a condensação de todos os problemas brasileiros. Assimdefinida, ela é construída como um dos pólos de um antagonismo, que coloca como sua antítese todo o povo brasileiro, visto como o conjunto dos cidadãos. O discurso de combate à inflação, por não constituir sujeitos sociais concretos, por ser a luta contra um inimigo, não é um discurso de ruptura com a conjuntura de forças vigentes, mas um discurso de conciliação. (2. O discurso não é explicitamente antiinflacionário, mas de declaração que a inflação acabou. Exatamente porque a inflação não está imbuída de sujeitos concretos, a luta contra a inflação não é uma luta que enfrenta resistência. Como não há "defensores de interesses inflacionários" -a resistência da inflação é nula - com- batê-Ia é um ato de vontade que foi levado a efeito pelo p'0verno e pelo povo. No momcnjo em que a decisão foi tomada,/~eixou de existir a infla ã- . Daí encontrar-se, já nos primeiros mo~o discurso da vitória. . ~-~ O ano esta 1 lza ão Econô ica conhecido como .)Iano ruza o, foi enunciado em detalhes pelo presiden te no seu pronunciamento de 28 de fevereiro. Posteriormente todas as questões referentes a ele foram tratadas pelos ministros. Ao enun- ciar as medidas, dois aspectos têm realce: o destaque à posição da classe trabalhadora, por um lado, e a preocupação; por outro, de não colocar o Plano como a negação de qualqucrinrcressc dentro do país. Em relação ao primeiro ponto merece ser transcrito em sua íntegra o fragmento que enumera as medidas: I E
  • 11. total de preços, tarifas e serviços; criação de um mercado interbancário; seguro-desemprego, A...~TIGA E JUSTA ASPIRAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA; garantia de rendimentos dos depósitos da caderneta de poupança e fortalecimento da nossa moeda em face de outras moedas." II I Como está 'explícito, as medidas são enumeradas de uma forma impessoal, sem' referência aos executores ou às suas possíveis conseqüências e/ou repercussões. I-Iá apenas uma 'exceção, quan- doé enunciada a criação do seguro-desemprego, "antiga e justa aspiração da classe trabalhadora", Éo governo, em meioà descrição de medidas que atingem diferentemente os diversos segmentos sociais, nomeando somente a classe trabalhadora, mais ao queisto, nomeando uma de suas medidas como o atendimento das "justas reivindicações-da classe trabalhadora", Tal referência pode indicar pelo menos dois caminhos, n~ise do di~urso: 10 rimeiro indicaria a classe trabalhadora como o principal parceiro do govcr- ~ oposição '3 outros setores. RSta posição dificilmente se sustenta pelo que já foi dado a observar uando da construção do pólo de antagonismo no discurso; segundo indicaria exatamente o contrário, o pólo de resistência às me· I as: a classe trabalhadora não é portanto o sujeito parceiro mas o sujeito a ser conquistado. Deve-se tor:nar em consideração que naquele momento a classe trabalhadora (operários urbario-indusrria is) era o único sujeito politicamente construído por um discurso de oposição ao governo. O segundo ponto em relação à apresentação do plano refere-se ·àsua colocação não-antagônica a nenhum setor, e neste particular dois grupos são focos de preocupação: a classe média e a.iniciativa privada. O "recado" para a classe média é claro: "a poupança cQQQnu~~oteg~da" ~"~glléj7 e_pre:ta~õesdo B,NH ~o,n?elado~', Para a rrucianva 'privada a posiçao e ainda mais explícita: ~ pretendemos imobilizar o dinamismo do mercado e a u'an a da •. •. InICIativa nva a . A apresentação do Plano reforça as características do discurso já mencionadas - o Plano apresenta uma proposta de consenso onde não existe antagonismo entre sujeitos concretos e históricos. 82
  • 12. o presidente fala A questão do sujeito enunciador do discurso presidenci31 brasileiro é particularmente importante por duas características da discur- sividadc da política contemporânea do país: a herança gcrulista e a incxistência de agrcrniações polírico-partidárias fortemente cnrai- zadas na sociedade civil. Este não é o espaço para aprofundar estas questões, entretanto cabe localizá-Ias um pouco mais precisarncn- te~ra introduzir a problemática específica que está sendo tratada. ~A heran{agetulista. A memória política do povo brasilci o tem um ponto de encontro na 1 rura e . et ar as. Não foi o longo tempo em que permaneceu no governo que lhe dá esta centralidade, r.p.asantesde tudo as formas como Getúlio CQ!lStitIlÜJ.:,. se~uanto sujeito naq.uçle período, a forma como "determinou" sua "entrada na história" e, além disso, as formas como a luta polí- tica posterior tem incorporado esta tradição (a disputa entre dife- rentes forças políticas pelo direito às homenagens a cada dia 24 de agosto é um exemplo contundente do que se está querendo dizer). O período da história política brasileira que está definitivamente (pelo menos até o momento) gravado no imaginário popular brasileiro tem nome e sobrenome e chama-se Getúlio Vargas. O Estado Novo, denominação do período em que Vargas foi ditador, só tem sign ificado, atualmcn te, para estudiosos e pa ra rcrnancsccn tes de suas prisões políticas. . &.inexisténcia de agremiações políticasfortemente enraizad as na sociedade civil. A história repu J.:>licana brasileira é. a hist' . gQlítica sem . os. A questão é centra para o entendimento da política contemporânea brasileira. Entender este problema envolve descartar uma visão simplista da política latino-americana em geral e do Brasil em particular, envolve perceber o próprio "Estado Novo" não como o responsável pela situação, mas apenas como mais um elo desta história sem partidos. A facilidade com que Vargas acabou com as agremiações partidárias em 1937 se repete com os militares na década de 60. Os decretps que determinaram o fim dos partidos parecem ter tido o po er ma rICO e . r o 1 10 olí' . . o {a perma- nência das clivagens Blancos/Colorados no Uruguai C União 83
  • 13. Cívica Radical/J usticialismo na Argentina, no que pese os aterra- dores períodos ditatoriais pelos quais estes aíses ram, são boas referências como ntraste e rea 1 adc política brasilcir Esta inexistência provoca uma série conseqüências a ~e para os propósitos deste estudo duas delas são particularmente importantes: ~9a . e-sc às próprias formas como se dá a co i -o dc for as no il1tcrior do Estad ,ondc o xeutiva aparece acima dos artidos o íticos, sendo que a estes esta ervado---um ugar na ante-sala do poder, lugar de espectador privilegiado, nada mais, além disso. A pLCSCl F na política brasileira atual e o og são bons exemplos do papel su a terno do partido político enquanto insti- tuição cnraizada na sociedade. y A segunda conseqüência deriva da primeira. Na medida em que as relações do poder e o equilíbrio de forças passam apenas tcnua- mente pelospartidos,~~~~~ ~~~Desta forma, uma questão se impõe: se o pre:.. sidcn te da República não tira do respaldo partidário sua sustenta- çã~onde esta se localiza? Responder a esta questão é uma tarefa lnstigante mas resistirei à tentação - o que interessa aqui é pensar que, na medida em que esta resposta não está dada pelo discurso político, o presidente se constitui no seu in terior como fonte do seu próprio poder. Destas rápidas observações, poder-se-ia concluir que há uma tendência no discurso político brasileiro de "irnperializar" o presi- dente da República, quer colocando-o acima das lutas políticas, quer lhe atribuindo a "essência" de onde emana o poder. Frente a estas observações, torna-se funda cntal a análise do suo . o enun- ciador no discurso presidencial. sujeito da enunciação " já e sempre, constituído pcla.intcr-di cursivi a e e orma específica, inserido no que poderia ser chamado de discurso político brasileiro; o sujeito enunciador se constrói no ato da fala redimensionando o sujeito da enunciação. O sujeito enunciador se concretiza através de três posicionalidades: o' U"; O "NÓS", o "GOVERNO", onde o "eu" é central. A análise que se segue pretende apreender as formas como estas três posicionalidades se constroem, sua unifor- midade, suas fragmentações. 84
  • 14. A presença do "eu" como local de construção do sujeito enunciador é dupla e diferentemente importante. Por um lado deve-se considerar o statusteórico do "eu" na construção do sujeito . individual. Aenuncia ão o "e ", s do Lac 1) o momento da Ínser ãoeda iferenciaçãodosujeitoc . otalnalinguagem- o "eu" é a marca a inserção individual) é o reconhecimento ao mesmo e o "tu" e conse üentementc de outros "cus"! que ~am de acordo com qucm fula, - teses de Lac 1978) são profícuas )ara sc cnsar algumas dimensões o olítico -a presença do "eu" enquanto enuncia or não pode ser considerada como um modo dc fala)J~ _ ~a-pãrtic Ja-rãCinseFÇa~~u en~ Por outro lado, rornarído a presença d "eu" a partir do reconhecimento da "impcrializaçâo" da figura do presidentc,~ análise deste tipo específico de construção do su·cito enunciador é uma dimensão n amental ara o cntendi ento das formas dc construção o SUjeIto na política brasileir c das formas como se '--- apresentam as relações dc oder E do-socie ade civil. eu presidencial se constrói no discurso de março de uma forma particular calcado em dois pilares: a construção do poder pessoal - o "eu" decide; e a construção da relação Estado- sociedade civil - o "eu" é quem fala com o povo. Como já foi apontado anteriormente, a fala presidencial do mês de março tem um momento em que se dirige a seus pares - aos governadores de estado. A comparação entre um fragmcnto da fala inaugural de 28 de fevereiro com a dirigida aos governadores baliza claramente a inserção do "eu" na política nacional. A 28 de fevereiro) em cadeia de rádio e televisão) o presidente anuncia o "eu" logo na introdução) quando fala do programa de reformas. "Vcnho meditando há tempos sobre sua oportunidade, medimos conseqüências, avaliamos riscos e pesamos resultados. Minha consciência c meu dever para com o país não me fizeram hesitar. A política tem um compromisso e os homens de Estado não podem fugir à força do destino na hora de decisões maiores." 85
  • 15. Para os governadores o presidente declara: "Há alguns meses, venho meditando sobre o problema da inflação e discutindo com meus auxiliares dessa área o que deveríamos fazer e estabelecemos alternativas, estu- dando detalhadamentc todos os planos, acompanhamos os países que viveram de certo modo a mesma experiên- cia." A comparação entre os dois parágrafos permite algumas obscr- vaçõcs intcressanrcs. Nópronunciarnente de 28/2 o "eu" é ccnrral , mediado apenas por uma passagem do "nós" que não se afirma, pois logo em seguida o "eu" retoma o discurso. No pronunciamen- to aos governadores a situação se inverte: é o "nós" que comanda a ação, "nós" este que está claramente definido (eu e meus auxiliares), o "eu" tem pouca presença. Tnteressante perceber corno os textos se organizam em torno da expressão que se repete: "Venho meditando". No primeiro caso o "eu" medita sobre a oportunidade das medidas; o ato de meditar (ato solitário) denota sentido de continuidade, de tempo e de seriedade. O "dono" da meditação é o dono da decisão (oportunidade das medidas), é também o que rcrn consciência e dever, e, mais do que isso, se define paradigmaticamente como homens de Estado, que tomam deci- sões - o "eu" portanto decide. No segundo caso, a expressão organiza o texto de forma direta: o "eu" não medita sobre tomar decisões, mas apenas sobre a existência do problema, a decisão se desloca para o "nós", claramente colocado como o governo. No primeiro caso o presidente imperial se constrói na sua relação com o povo, no segundo um interIocutor do governo comunica a seus pares uma grave decisão. Ou tros fragnicn to~ destes mesmos pJ:9-ounciamcn tos reforçam a-posiçao dicotÔmica do presidenre-:- Estes referem-se à relação do "eu" enunciador com as medidas tomadas. No pronunciamento de 28 de fevereiro os seguintes fragmentos são bons exemplos: "- determinei mudanças fundamentais." "- minha decisão não foi tomada em nenhuma hora de 86
  • 16. 87 precipitação, ela é assumida num momento de confiança no meu país." "- decidi conceder um abono geral"; "cuidei de estabe- lecer também o reajuste automático." "- preparei com muito trabalho o caminho para que estas medidas pudessem ser tomadas." Para os governadores a declaração é. sucinta: "Fui" obrigado a tomar medidas graves." No primeiro caso, fica transparente o exercício da autoridade pessoal. Os verbos são fortes: por um lado, }")ETER.JUNAR, DECIDIRe revelam um trabalho contínuo e solitário, por outro, PREPARAR, CUIDAR EM ESTABELECER. "Preparei com muito trabalho" está muito próximo de "venho meditando". Toda a ação é pessoal e conotativa de quem tem poder. Na fala aos gover- nadores o "eu" apresenta-se de maneira completamente distinta: a oração é enunciada de forma diversa (fui obrigado). Não há tomada de decisão, há apenas conseqüências - o que obrigou, ou quem obrigou? O sujeito não aparece como responsável por sua ação. Na construção do "eu" na fala de março, um momento fun- damental é a relação que se estabelece entre o "cu" e o "povo". Entre as formas de interpelação -leia-se construção do sujeito- o momento que o sujeito enunciador se enuncia através de sua relação com o outro é um momento privilegiado. Esta relação ganha significado ainda mais especial na medida em que se toma em consideração as condições de emergência do discurso político brasileiro, isto é, as formas específicas como a irnpcrialização presidencial foi construída na história republicana. São, fundamen- talmente, duas as formas como é consrruida a relação eu-povo brasileiro: através de um exercício de autoridade e através da relação informal. O exercício da autoridade se constrói através da voz de comando e tem como rcfcrcncial a posição do cnunciador enquanto sujeito da enunciação. A autoridade se constitui no interior do discurso, mas ao mesmo tempo ela tem uma existência anterior "- a
  • 17. existência da autoridade presidencial. A 28 de fevereiro o presiden te declara nos parágrafos conclusivos de seu pronunciamento: "Posso me dirigir a você, brasileira ou brasileiro, para investi-Ia num fiscal do presiden te conclamo para esta luta os brasileiros." Na "Conversa ao Pé do Rádio" de 14 de março o enunciado praticamente se repete: "Quero convocar o povo Convoco portanto brasileiros e brasileiras." o presidente "INVESTE", "CONCLAlvlA", "CONVOCA". Três observações devem ser feitas: a primeira refere-se ao fato da autoridade anterior. Só pode investir e convocar quem tem poder para tal-o poder anterior ao momento da cnunciação. A segunda ressalta o caráter particular do verbo investir. A investid ura é um ato de autoridade, um ato de poder: o senhor investe seu cavaleiro de poderes que são por direito do primeiro. A investidura sempre pressupõe a autoridade de investir - um ato de vontade do sobe- rano. a Slmet da investidura caracteriza-se como não-de- mocrática a nor· é um atº-detrajetória única/o investido não ttm voz. OS OISOU rosver O -convocareconclamar-noquepcse iarnbérn serem argumcn tos de autoridadc - têm sen tido mais difuso. Pensando em uma relação simétrica cn trepares é fácil pensar nos seguintes enunciados Convoco Os correligionários a Os companheiros a Conclamo Os camaradas a 88
  • 18. mas é de difícil aceitação pensar em substituir os verbos por "investir" sem pensar em substituir os termos que se seguem no enunciado. A convocação e a conclamação têm dupla trajetória, podemnãoseraceitas-o conclama o e/ou o convocado têm voz. Finalmente, uma erceira o se - diz respeito ao fato de que a relação de autorida c entre o eu e o povo, através dos verbos destacados pretende um efeito específico, isto é, a mobilização popular. Pela primeira vez desde o golpe militar de 1964 o Estado se mobiliza e não ~ o alvo da mobilização contra si, como havia acontecido nacampanha pelas "diretas-já", em 1984. Bastante diferente da construção descrita acima é a encontrada no programa "Conversa ao Pé do Rádio" dia 7 de março de 1986 - o primeiro programa após o lançamento oficial do Plano de Estabilização Econômica. Neste momento o argumento de auto- ridade desaparece e o que toma o seu lugar é uma linguagem informal que tende a uma relação de reciprocidade, onde o poder parece ter-se deslocado: - "Há uma semana ... resolvi pedir ao povo que ajudasse o governo na fiscalização Todos recordam o apelo quefizàs brasileiras e aos brasileiros' para que assumissem o papel de meus represen tan tcs pessoais. Tenho certeza de que consegui transmitir sinceridade no pedido. o nosso povo, que ao aceitar o meu pedido Faço um apelo a todos os brasileiros ... E por isso, eu repito, você é o presidente porque o presidente é você." Tanto tomando este enunciado em termos gerais como analisan- do suas partes é possível perceber a diferença da colocação do " " Os verbos deixam aqui de ser ordens - o verbo central é e ir acompanhado dedais substantivos que seguema mesma lin a: o 89
  • 19. apelo; o pedido. Tais signos invertem a relação de poder, que não se localiza mais no "eu" mas naquele ao qual se pede alguma coisa, naquele para o qual se faz um apelo. Uma semana antes, o presidente investira o povo como fiscal, agora ele recoloca a invcstidura "rodos recordam o apelo que fiz". O apelo não nega, por outro lado,a autoridade presidencial, na medida em que o apelo foi feito para que o povo "assumisse o papel de meus representantes pessoais". O que muda radicalmcn te é a forma como a autoridade é cxcrcida. Em um primeiro momento o poder estava com o presidente, em um segundo está .com o povo; a síntese aparece quando se dá a sirnbiosc "você é () presidente porque o presidente é vo~ê". Este enunciado final cria algumas complicações em termos de análise política: em si ele permite algumas interpre- tações diversificadas. Caberia por exemplo sem nenhum problema em um discurso totalitário, mas definitivamente este não é o caso. A interpretação que mais se aproxima da relação do enunciado com o resto do discurso parece sera que aponta para o discurso populista de Estado, inserido em condições de emergência particulares, onde se acentua a ausência de partidos e a impcrialização do presidente. É dentro desta dinâmica que se pode entender o deslocamento do "eu" entre investir, apelar e pedir. Finalmente, em relação à constru ção do "eu" deve-se ressaltar os momentos que o "eu" fala de si, não de sua ação, Il1aSde sua natureza - a questão fundamental aqui é a do destino. A 28 de fevereiro aparece: "Chegamos à cxaustão nos paliativos e não foi para isso que incxplicávcis caminhos do destino me fizeram presidente da República." A 14 de março a construção se repete: "O destino me entregou esta tarefa." Quando o "eu" fala de destino refere-se à morte do presidente eleito Tancredo Neves, entretanto a questão n50 se limita a esta constatação. Em primeiro lugar, porque é claro, para qualquer 90
  • 20. observador, que a situação vivida por um político com a trajetória de José Sarncy, que havia chegado à posição de vicc-prcsidcnrc, rompendo para isso até mesmo com O partido que presidia, não configura nenhuma artimanha do destino. Um vicc-prcsidcntc chegar à presidência da República é um ato de rotina política prevista em constituição, portanto não tem nada de inexplicável. O discurso entretanto constrói o ato do destino e para isso não tem dificuldade pois tem como matéria-prima a trágica noite de 14 de março de 1985 seguida da agonia e morte de Tancredo. Estas situações foram vividas pela população dcntro de um imaginário que combinava destino e misticismo e que foi cuidadosamente orquestrado pelas randcs redes nacionais de tevê. Dentro deste qua ro mtra lscursivo o "eu" cnunciador do Plano Cruzado encontra espaço para se construir, em alguns momentos, como agente passivo de uma ação provocada pelo destino. Na falado dia 28 de fevereiro o sentido claramente rncssiânicode uma missãoestá presente através da ação provocada pelos "incxplicávcis caminhos..." A construção do sujeito enquanto "nós" possibilita a análise a partir de duas dimensões no discurso político; o "nós" como momen to privilegiado da relação do "eu" com o povo e o "nós" em contraposição a vocês - a quem o discurso se dirige. No discurso de março a segunda dimensão é claramente domi- nante: o "nós" refere-se ao governo e é indicador de decisões e sucessos ao longo do ano que havia passado) n50 indica entretanto tomadas de decisões precisas, estas s50 enunciadas pelo "eu" (DETERMINEI). O "nós" que se constrói como governo, apesar de momentos de ambigüidade, aparece fundamentalmente como urna ação que teve lugar no passado e se mantém até o momento ou uma ação que terá lugar no futuro; constrói-se como vitorioso e eficiente - é a ação competente do governo. No anúncio das medidas a 28 de fevereiro o "nós" é restaurador. "resgatamos a democracia . recuperamos a economIa . devolvemos os empregos . promovemos a restauração do poder de compra do salário... 91
  • 21. voltamos a comandar nosso destino de economia dinâmica e autodeterrninada ..." O" ,,,. I id nos aqui parece estar c ararncnrc construi o como governo, principalmente pelo uso dos verbos devolver e promover a restauração, ....,.é o "nós" devolvendo a vocês (os assalariados). O "nós" assim construído perde a sua transparência quando o pronunciamento constrói a síntese das medidas. ".0 Brasil passou a ser respeitado, o povo e o governo, juntos, edificaram esta primeira etapa da restauração nacional." Se a "restauração nacional" é a palavra-síntese dos enunciados acima, o "nós" pode aparecer não corno o "governo" mas como o governo mais o povo. Entretanto o enunciado parece ocupar uma dupla posição: ao mesmo tempo em que constrói um posiciona- mento claramente governamental, deixa espaço para a construção governo-povo, sem no entanto permitir que as vitórias do governo sejam vividas como vitórias independentes do povo. a mesmo tipo de construção do "nós" repete-se no programa "Conversa ao Pé do Rádio" de 14 de março. Novamente a ação aparece no passado como a definidora do sucesso presente e um fragmento é especialmente significativo. "Vencemos todas as dificuldades) felizmente vencemos, deixamos para trás o medoc a violência, deixamos para trás o ódio que separava os brasileiros. Podemos dizer que deixamos para trás o cruzeiro." Neste pequeno trecho do programa, o "nós" se confunde com o povo através da negação de uma série de problemas que são construídos como equivalentes: medo-violência-ódio-cruzeiro. O "nós" é a nova situação - a Nova Repú blica (governo e.povo) - medo) violência e ódio referem-se à situação anterior-ao governo autoritário. O corte entre o velho e o novo fica claro, quando se cnu ncia. 92
  • 22. 93 - . ---_ ..._..--._---_._----~--~_._--- ...••. "Neste país ninguém é discriminado por motivos políticos, ideológicos, religiosos, econômicos, sociais ou profissionais." Este novo país é, pois, articulado sem mediações ao fim do cruzeiro (que pode ser lido como fim de inflação). Este é um momento único no discurso de março, é o momento no qual aparece a ruptura com a situação anterior. A pergunta que necessita ser respondida é: por que o aparecimento deste discurso de rup- tura neste momento específico? Parece que a resposta deve ser buscada na euforia da mobilização dos primeiros quinze dias do Plano. O pronunciamento tem uma 1ar~lInente ufanista presente mesma na sua c ru ã lea , on e to as as afirmações sao intro UZl as por cixarnos para trás". O fra gmen to citado acima é seguido de "Podemos dizer que deixamos para trás a inflação. Deixamos para trás desgraças como a correção monetária. Deixamos para trás a inflação ... " Em síntese, este pronunciamento é um excelente exemplo da forma como o "n s" a-r-:R -' e cons rUI o no iscurso ao mesmo tempo em que articula o povo, preserva a unidade do governo. O "nós" enquanto governo também aparece como futuro tanto no pronunciamento de fevereiro como de 14 de março. Ao contrário do "nós" no passado, este não é ambíguo, colocando-se claramente como "o governo". Destespronunciafl1entosasseguintcs passagens são esclarcccdoras: A 28 de fevereiro .. "Tomaremos todas as decisões ... - desejamos cortar a inércia inflacionária - não pretendemos imobilizar o dinheiro - vamos continuar crescendo - cstarnos certos que o sistema financeiro [cumprirá as suas funções] - ainda enfrentamos a força de hábitos [inflacionários] - não bastará nossa firmeza."
  • 23. I I • A 14 de março "Não vamos perrmnr que a covardia, a tibieza ou a desconfiança criem qualquer nostalgia." Os fragmentos acima permitem perceber dois tipos distintos de construção no qle pese unidos pela centralidade do "nós" enquan- to governo. pP.HmeirQ}efere-se a um argumento de autoridade- o nós se coloca como o árbitro e executor d35 medidas, através das expressões "tomaremos todas as decisões", "não vamos permitir". ~ cons.truªt. é articulada através de verbos com significa- õfulCO){íue transmitem sentido de pretensão, intenções e não ordens e tomadas de decisão: desejar, pretender; construir; estar certo; enfrentar .(acompanhado do ainda). Para se entender esta perda de ênfase do "nós", deve-se prestar a atenção a quem estas afirmações são dirigidas. Não é o governo falando com °povo, mas o governo dirigindo-se aos setores mais poderosos da sociedade: a banqueiros e à iniciativa privada em geral: "Não pretendemos imobilizar o dinamismo do mercado e a pujança da iniciativa privada". No momento em que o discurso refere-se especificamen- te ao sistema financeiro, fica clara a forma como este é construído no Plano. , "Estamos certos de que o sistema financeiro neste novo . 11_.- ambiente de seguran a cumprirá cOl"n. ficiência redobram ~~ .suas fun ões de transfe· fundos 3ra a nossa atividade I produtiva." .-r-:-:- ~ cJ-.a- ~ ...9- ~ ~~? I ! O "nós" governamental perde sua autoridade cse relaciona com ! o outro - "o sistema financeiro" respeitando sua força, seu poder que está além do governo: o "nós" nada fará cumprir em relação a este segmento da sociedade, apenas tem expectativas em relação a ele. Já foi referido anteriormente o caráter conservador do discurso de março-86, caracterizado pela ausência total de uma posição de ruptura, de corte entre dois grupos na sociedade etc. O exercíciode autoridade do "nós" enquanto governo reforça o caráter: o "nós" 94
  • 24. só exerce sua posição de poder, complcrarncn te, quando o interlo- cutor é diluído como por exemplo "nós não permitiremos". Quando o intcrlocutor é nomeado, e especialmente quando se re- fere à classe dominante (setores), o "nós" passa apenas a "desejar". Paralelamente ao "nós" construído como governo, mesmo que em alguns rnorncntos diluído, aparece ao lon go do discurso de março o "nós" como a soma de governo e povo. Esta construção pretende 'provocar um efeito específico, isto é, trazer o povo para junto do governo para que se assegure a vitória do Plano. Este é o momento de mobilização através da construção de um novo sujeito que tem uma tarefa específica: fiscalizar os preços dos produtos congelados pelo governo. A 7 de março, no programa semanal de rádio, a construção referida acima aparece claramente: "Agora não podemos nos dispersar e não podemos relaxar. Vamos manter a fiscalização, vamos fazer valer a força da lei, sem violência, mas com firmeza, para que os preços sejam respeitados e o congelamento funcione." nmelra a lrmaçã (não podemos nos dispersar), ,temum valor ~foi uma frase famosa de Tancredo Nevcsquando eleito presidente da República. O "n6s" está claramcn te indicado como o conjunto dos brasileiros. Mesmo quando o discurso se refere à lei (vamos fazer valer a força da lei) não é ao governo que o "nós" se refere, mas a todos; isto fica explícito pela,alusão aos distúrbios de rua ocorridos nosprimeiros dias do Plano Cruzado. O mesmo tipo de "nós", reaparece na "Conversa ao Pé do Rádio" do dia 21 de março. "Temos todos nós, brasileiros, interesses em manterestáveis o,s preços." --+ É portanto através da mobiliza ão como fiscal que o "nós" ~ nstrOlal en . a ep enaentreo overnoeo ov .Aquiosujeito enunciador constrói-se e constrói o sujeito enunciado sem media- ções. Quando a relação se constitui a.parrir da presença do "eu" e 95
  • 25. do povo, ou do "nós" e do povo, a identificação entre sujeito enunciador-enunciado é construída por uma identificação pautada na diferença. O "povo" é diferente do "nós" e do "eu" porque estes últimos aparecem como a au toridadc, como o governo, como o Estado, como o presiden te "imperial". Ao con rrário, a construção do "nós" sem mediações é o "nós" que tem possibilidades de ser um "nós" democrático. Isto no entanto envolve alguns outros problemas: entre eles destaca-se como fundamental o fato de que a presença deste "nós" não obrigatoriamente indica um discurso democrático (pode em alguns casos indicar até um discurso. tota- litário), mas, por-outro lado, sua ausência dificilmente indicará um discurso democrático. Este só é possível na medida em que a decisão política for mediada por um "nós" que não envolva a existência de um princípio de poder por somente uma das partes que o formam. Ainda em relação à presença do "nós" no discurso de março, deve-se fazer referência à forma específica como aparece no pronunciamento dos governadores. Como já foi observado quan- do da análise da construção do "eu", este é um momento bastante particular na medida em que o inrcrlocuror nJO é o povo, mas pares políticos. O "nós" neste momento constrói-se como governo sem nenhuma ambigüidade, governo este que é distinto de governado- res, que estavam no lugar de interlocutor das decisões do primeiro. O "nós" neste pronunciamento aparece da seguinte forma: "estabelecemos alternativas ... estudamos dcralhadarncnrc todos os planos ... acompanhamos os países q uc viveram a mesma cx- • A • " pertenCIa ... o "nós" := governo se constrói pela seriedade e eficiência na tomada de decisão, muito distinto do "nós" ufanisrico que aparece nos pronunciamentos que se dirigem ao povo. O governo é a r forma através da qual o su'eito de ~ ;:n~ncia~o se constrói enquanto sujeito enllnciador. Pelo seu próprio sentido institucional, o governo tem um significado instau- rado na inrcrdiscursividadc, enquanto o "eu" e o "nós" não 96
  • 26. possuem significado anterior ao discurso enunciado, .só se consti- tuindo enquanto dotados de significantes no momento da fala. A qualidade particular do "governo" deve ser considerada na análise da sua inserção discursiva e, mais do que isto, deve-se tomar em conta a forma como o "governo" se constitui nos discursos anteriores ao momento do Plano Cruzado. Não cabe nos limites das preocupações deste capítulo uma análise detalhada dos significados do "governo" no discurso político brasileiro; entretan- to, mesmo com esta ressalva,vale chamar atenção para um aspecto: o antigovernismo do discurso popular, entendido aqui como o discurso do senso comum. O discurso do senso comum oscilou por muitas décadas entre dois sentimentos: o antigovernismo e a dissociação entre vida pessoal e política governamental. O primeiro está longe de ser indicador de um alto grau de polirização; ao contrário, está relacionado com Um sentimento de apoliricismo que poderia ser resumido da seguinte maneira: o governo é corrupto e incapaz de solucionar problemas, em suma a famosa frase - "eu tenho horror de política". O segu ndo refere-se ao não-reconheci men to por parte do cidadão da estreita relação entre as políticas governamentais e a trajetória de sua vida pessoal. Este distanciamento não impede que se institua uma relação personalizada entre indivíduos ou grupos com o governo, principalmente ao nívc da política local. O governo federal, entretanto, tende a ser percebido como uma entidade distante, com interesses próprios, sem interferências nos problemas concretos do cotidiano, o que provoca uma postura de indiferença, de descrença, chegando ao que se poderia chamar de um antigovernismo. ~. O discurso do Plano Cruzado é uma tentativa concreta de reverter o discurso antigoverno. No que pese a ccnrralidade do "eu" que se relaciona com o que se está chamando de "impcriali- zação" do presidente, o discurso para se realizar enquanto tal necessita de construire/ou reconstruirosignificado do "governo". A instauração do "governo" no discurso ocorre por duas vias: através da relação do governo com o povo e através da própria defi- nição da função e natureza do governo enquanto tal. A primeira re- lação se constitui a partir de duas consrruçõcs-padrão: "o governo 97
  • 27. precisa do povo" e "o povo está com o governo". Por que o governo precisa do povo? No discurso de março a resposta é dada de maneira simples - porque o governo para ser eficaz precisa de colaboração. Esta colaboração é limitada e restrita à função de fiscalizar o congelamento dos preços. O governo, como se verá logo a seguir, é um executor- de políticas e para isso necessita de ajuda. Esta construção aparece nos quatro programas "Conserva ao Pé do Rádio" do mês de março. Ovcxcrnp lo retirado do programa de 7 de março é-significativo: "Resolvi 'pedir ao povo para que ajudasse o governo na fiscalização... _ ajudem a fazer uma fiscalização que o governo, com todos os seus funcionários, órgãos e forças não conseguiria jamais realizar. " v O fragmento acima revela três aspectos im )ortantes na consrru- ~ ção do overno' em 'meir lugar deve-se prestar a atenção na intermediaçao do "eu" na relação governo-povo. Não é o governo que solicita ajuda, mas o "eu" que pede ao povo; em~, a presença do governo como uma entidade que se encontra separada do povo, entidade que toma a decisão e que só depois solicita a presença deste e,~, esta solicitação é feita para uma tarefa específica, isto é, scalizar uma política do governo. Para que o apelo seja respondido positivamente o povo deve estar apoiando o governo. O discurso não pede este apoio, ele vai mais longe, ele constrói no próprio discurso este apoio, através da construção do povo apoiando e do governo merecendo este apoio. Dois exemplos aqui são significativos: ' A 19 de março o discurso coloca: "O país tem vivido momentos de inequívoca sintonia do governo com toda a sociedade brasileira." E a 21 do mesmo mês aparece: "O governo defende o interesse do povo e o povo ajuda o governo a ser eficaz. " 98
  • 28. o governo portanto se constrói como o canal de reprcscntaçãQ ~ CIOSinte resses do povo E, para que a construção se complete, o ""dlscurso avança na caracterização do governo com um claro intuito de reverter o. discurso do senso comum -. o governo se define. A definição do governo aproxima-se bastante da construção do "nós" governamental- o princípio articulador é a eficácia, o trabalho. A ' 14. de março o presidente explicitamente declara: ~O~![( ;0 governo não é uma festa é um mutirão de trabalho." .~?/- ~- , - A declaração: "O governo nãoé uma festa" só ganha sentido por sua negação "o governo é uma festa", o que se completaria corn a afirmação "este governo não é uma festa". I'or nenhum princípio _ da teoria política ou da tradi ão olítica os conceitos de governo e esta poderiam estar associadQs. É impensávcl, por exemp o, ima- ginar uma afirmação como esta no discurso de overnante inglês, francês, soviético ou mesmo americano. .ntrcrant a afir- mação em um pronunciamento do residente brasl elro· tem um sentido de ru tura com o passado não só em re açao ao governo mas também em relação ao iscurso do senso comum (não seria a [esta uma mistura de ineficácia e corrupção?). À festa se contrapõe o trabalho - a eficácia. Dos enunciados que conferem funções ao governo Iistarn-se as seguinte afirmações: 111 rr' o governo vigiará com energia não poupará empenho e energia vem patrocinando mudanças na sociedade brasileira fará cumprir a lei .. se compromete a ser exemplo de rra balho. .-----------------a..i:I É este "governo" que exerce autoridade, punindo (e apenas ao governo cabe punir, nem o "eu" nem o "nós" punem), que é o local de mudanças e que dá o exemplo de trabalho, que busca apoio no povo para cumprir sua tarefa e que tem o apoio do povo, exatamen- te porque cumpre a sua tarefa. 99
  • 29. o outro no discurso presidencial A ro ematIca os su ·eitos enunciado deve começara ser discutida pela ccntralidade destes no discurso político. Todo o discurso, por sua própria natureza, constitui e é constituído por sujeitos. Todo o discurso também se dirige ao "outro", daí todo o discurso estabelecer urnarelação de sujeição entre o sujeito enunciador e o outro, aquele ~quem procura sujcitar- o discurso só existe através da sujeição. Transpondo esta problemática geral iscurso político, a questão adquire novos contornos O discurso político por sua natureza, tem sua sobrevivênsia re ro u . número de novos sujeitos que cons roi, o que não acontece por exemplo com o discurso científico, que pode sobreviver c reproduzir- se em uma pequena comunidade de estudiosos. Por cssa sua característica, o Iscurso po I ico se constrOl na ans!a c su·citar o q~e provoca efeitos concretos na dinâmica da Slla construção. Enquanto os discursos científicos sujeitam pelo enunciado da ciência, o discurso político acrescenta, ao enunciado dos seus princípios, o enunciado do próprio sujeito. Entre o sujeito cnun- ciador e O "indivíduo concreto" a quem se pretende sujeitar, /J e!!.ÇQil.tr:a--se o sujeito <;J)I]Oc:.@do que se poderia chamaraté mcsmo ,de '·VI uo ncreto ro etado· uanto li cito su·cita no discurso O criün ciador. Iara melhor colocar a questão vale a exemplificação: umdlSCurso político x que tem como enunciador Z é enunciado em uma sociedade y que é composta pelos sujeitos sociais a, b, c, construídos por discursos anteriores. Este discurso não exerce sua natureza de sujeitar através de uma relação Z ~ a, b , c, mas através da seguinte construção: Z ~ A, )~, C, D = a, b, c, onde as letras maiúsculas representam a rearricuIação dos sujeitos sociais em um dado discurso político. A presença de "D", sujeito social não existente entre os sujeitos inrcrdiscursivos, indica a possibilidade que se abre ao discurso político de construir novos sujeitos. No caso estu~a neste ca itulo têm-se três sujeitos enunciados principais, ov, o t a alhado e fisca] o presiden- te, onde os dois prirncir corresp m às lctras maiúsculas na equação e o último à letra "D". Em qualquer dos casos, esta 100
  • 30. gg interme Ia é fun amenta no lscurso político: s~ sujeit er s aâo curso.e- ~al~ nã~ a situaçao pode ocorrer somente em casos dC(]}scursÜSãftamente técnicos dirigidos a platéias muito bem-definidas: a apresentação de uma política econômica por parte de um ministro de Estado a um , grupo de empresários pode prescindir de tal inrcrrncdiação, não sendo entretanto isso a regra. Em relação ao discurso do Plano Cruzado, o momento de construção de sujeitos enunciados é de crucial importância, pois é através dela que o discurso busca a sua legitimidade, ou, melhor dito, busca construir sua posição hegemônica na sociedade bra- sileira. A o ruzad permite perceber com clareza a pr ocupação central dos sujeitos cnunciador de construírem dois sujeitos enunciados:~ e os t 3 hador . Esta preocu- pação permite pensar em~ trajetória possível para o discurso político brasileiro do ano de 1986, isto é, atrajcrória populista de construção de posicionalidades populares por frações do grupo dominante, que ao mesmo tempo rcdcfincrn sua própria posição em relação a outras frações e desconstroem e reconstroem posicio- nalidades olíticas de discursos anteriores c/ou discursos antagô- nicos. A nálise do Iscurso e março· dica que se por um lado há claras manifestações de iscurso populista, por outro a trajetória é truncada; a indicação das manifestações é a própria presença dos sujeitos, povo e trabalhadores; a indicação do limite é a ausência da construção do antagonismo) substituído pela postura implícita) nunca declarada) do consenso, da pretensão, do grande pacto soc~l. ~ O sujeito "povo havia estado ausente do discurso bras} elro u todo o o re momen tos e discurso mobilizador o ov era substituído por pátria e nação e nos momentos de oposiçao o povo apenas aparecia como o contraste à exceção, no caso aqueles que constituíam a oposição - os subversivos. O ano de 1981 marca a reentrada do povo no discurso político através da campanha das diretas; no ano seguinte foi também o povo que festejou a vitória de Tancredo e chorou nas ruas o fim de uma esperança. 101
  • 31. A morte de Tancredo, a ascensão dcSarney à presidência, marca, por um ano, a ausência do povo no discurso político. Ele reaparece com a fala inaugural do Plano Cruzado a 28 de fevereiro - é o governo através do "eu" presidencial que reintroduz no discurso o conceito de povo. No discrso de março ov surge porque é convocado pelo -governo; é solicitado a ser agente do r po lOCO com uma-tarefa es ecí apoiar o governo porque este e cn e os seus interesses apesar de estes interesses serem sempre apresentados de forma difusa. O sujeito "povo" enunciado por Sarney tem qualidades específicas: o povo tem coragem para dominar o seu inimigo número um - a inflação. Nas catorze referências feitas ao "povo" no discurso de março, sete referem-se à criação de identidade entre governo e povo e esta identidade é criada ou através da ação conjunta ou através da caracterização da própria identidade. No primeiro caso o governo convoca o povo para ação. No pronunciamen to de 28 de fevereiro, em duas oportunidades, aparece esta relação. No segundo parágra- fo, .Samey afirma: "Juntos, Governo e Povo, tomemos uma decisão grave e difícil, ela marcará a sorte de nossa sociedade nos próximos anos. " Em outra passagem do mesmo pronunciamento, ao referir-se às realizações do ano de 1986, Sarney enuncia: "O povo e o governo juntos cdificararn essa primeira etapa da obra de restauração nacional." Os parágrafos indicam duas formas de construir a "ação" do povo, a primeira via convocação, a scgu nda via construção de um passado comum. A 14 de março as duas formas se fundem: "Quero convocar o povo para uma outra batalha, a batalha da produção." O importante aqui @<l forma rr..~,..,. ° residente introduz 102 ,.
  • 32. r , .;;; o ovo no discurso - como parceiro con vocado pelo governo. A ~{lL~ ação do overno nunca a arece co ma res osta à ação do povo ~inde cn , o povo que age, que tem interesses própnos, não I- ~curso. Os interesses do povo s6 se constroem na y medida em que o governo os defende. O segundo casoda relação governo-povo no discurso constitui- se na construção da identificação entre os dois. A 14 de março, Sarney declara: "O governo e o povo deixaram de ser coisasdiversas) mas expressão de um único desejo" A forma repete-se a 21 do mesmo mês: - "O que está acontecendo hoje no Brasil é um perfeito en- tendimento entre o povo e o governo. É um ato inédito em nossa História. O governo defende o interesse do povo e o povo ajuda o governo a ser eficaz) a acenar." Analisando conjun tarncnre estes dois fragmentos, pode-se observar) por um lado, a ambigüidade da rcIaç50 do governo com o povo' expresso em dois momentos que aci mcnte são 1 os C0111 o cguivalcntes: único cscJo = mrcrcsscs do povo. Por outro lado) poder-se-ia estabelecer uma outra equivalência: governo e povo deixaram de ser coisas diversas - "é um fato inédito na nossa História". E finalmente aparece no segundo fragmento a posição do povo: ajudar o governo. Portanto, no que pese a existência da construção de uma ação conjunta entre governo e povo, que se coloca no discurso como tendo até um passado comum, o momen- to é construído como excepcional, não pela ação do povo mas pela ação do governo, que age e pede auxílio ao povo. Esta relação está sintetizada em um parágrafo do mesmo dia 21. "Este Brasilsério, do trabalho) das grandes medidas, é sem dúvida o país que o povo quer." Ainda sobre o sujeito "povo" vale.observar uma longa passagem 103
  • 33. do pronunciamento de 28 de fevereiro, passagem retoricamente construída, onde o presidcn te fala da coragem do povo: !.. " "Mas não bastará a nossa firmeza se f.. ilrar a coragem do povo. Foi a coragem do povo que nos rcinrrod uziu na democracia; foiacoragem do povo que restaurou o crescimento econômico; foi a coragem do povo que assegurou a negociação soberana da nossa dívida externa, será a coragem do nosso povo que vai derrotar a inflação. E essa coragem do povo será e é a minha coragem." t;f ora em 1 elr ? O termo pode ser substituído por muitos outros sem nenhuma alteração de sentido, como por exemplo sacrifício, apoio, ação. O sentido vago é. importante no discurso. Cabe ao interlocutor preencher a lacuna a partir dos discursos prévios que o forma: de que coragem se fala? Sobre que manifestação de coragem o discurso se pronuncia? Este exemplo deixa claro o argumento retórico da rnobilização .do discurso de março, que ao mesmo tempo em que busca a mobili- zação, constrói vagamente o sujeito mobilizado, reservando desta forma espaço maiorpara sua ação em um discurso de compromisso, onde poucas coisas ficam claras. O trabalhador é ~'1!1~aiS importanteifo discur- so de março - o ~ antes de tudo endereçado a ele; A exemplo da construção do sujeito "povo", o trabalhador também se instaura no discurso através de sua relação com o governo, que antes de tudo defende o seu interesse. .. "A defesa do poder de compra dos assalariados" (28/2). "O trabalhador. .. deve ver na moeda que recebe no fim de cada mês a retribuição de seus esforços" (7/3). "Oportunidade de emprego para os tra balhadorcs". Estas construções estão muito próximas das observadas em relação ao povo. O governo também defende os interesses dos trabalhadores, entretanto em relação a estes últimos O discurso 104
  • 34. reconhece interesses concretos· anteriores, o que não é o caso do povo. A 28 de fevereiro, quando Sarney descreve as medidas do Plano de Estabilização Econômica, refere-se a um único sujeito quando anuncia a criação do seguro-desemprego. "Justa aspiração da classe trabalhadora." Mais adiante, no mesmo pronunciamento, Sarncy, comentando os efeitos da inflação, diz que essa acaba com "Aumentos reais de salários que o trabalhador obteve com tanto suor e tanto risco.') Nota-se, nos dois enunciados acima, que o discurso constrói o trabalhador como um sujeito independente em relação ao governo, ele tem aspirações e conquistas anteriores. O último fragmento é particularmente interessante, pois o presiden te refere-se "ao suor e ao risco", é pouco viável que esteja falando da luta salarial dos trabalhadores, senão por outra coisa, porque o governo não iria caracterizá-Ia como tendo riscos. É mais plausível articular suor e risco com trabalho, com merecimento. Avançando na ná Ise o su °cito "gabalhador" cabe responder a qual trabalhador o discurso se refere. De maneira geral o trabalhador do discurso pode ser associado ao operário urbano, apesar de isso nunca estar explícito no discurso. Tal associação torna-se possível por duas razões:.a primeira deve ser encontrada nas condições de erncr ê' iscurso. Ern 1986 a única' oposição or anizada Nova Re ú lic ~ra~o~'I~)~T~~J....U.-v-~~ SIn ical, CUT armada e operários urbanos e tendo sua r ndc ~rça no centro paulisr . É no discurso petista quese encontra a construção mais e a orada do trabalhador. A Nova República e especialmente o Plano Cruzado necessitam reconstruir a posicionalidade deste segmento social. Soma-se às condições de emergência uma' série de indicadores claros no interior do próprio discurso, como o "seguro-desemprego", "a de- fesa do poder de compra do assalariado", "o primeiro a ser defen- dido será o trabalhador brasileiro", "oportunidades de emprego". 105
  • 35. Mesmo com estas indicações) o discurso) em certos momentos, abre mão das especificidades que levam a relacionar trabalhador com o operário. O melhor exemplo está no pronunciamento de 14 de março. "Com a inflação) a vantagem era dos cspccu ladorcs, agora é a vez do trabalhador; a vez dos lucros sólidos) ganha mais quem produz e vende por melhores preços) é a vez da competência) é a vez da produtividade." Trabalhador neste segmento é quem trabalha) que é equivalente a ter lucros sólidos) porque quem os tem é quem produz mais) isto é) quem trabalha mais) quem é trabalhador e não especulador. Aqui) ao mesmo tempo que aparece aquele que poderia ser iden- tificado como o antagonismo fundamental construido no discurso do Plano Cruzado) se concretiza a diluição do sujeito "trabalha- dor" e conseqüentemente a diluição do próprio antagonismo. O trabalhador deixa) neste momento) de ser aquele que tem sua atividade na indústria; o operário) assim como o cspcculador, perde sua especificidade enquanto sujeito concreto. Na medida em que lucro e trabalho são equivalentes) todos podem ser trabalhadores ao mesmo tempo que todos podem ser virtualmente cspcculadorcs. o fiscal do - a garantia do sucesso kb~~~~ O discurso do Cruzado realiza-se no primeiro mês. Foi lançado a 28 de fevereiro e no fim do mês de março a "inflação já não existe) a especulação é coisa do passado) e o Brasil é um país sério e de trabalho". A questão que se coloca é de corno se construiu tão rapidamente o discurso do sucesso. A resposta está na capacidade deste discurso de construir um sujeito novo C unificado - o fiscal do presidente. Este é o grande ganho na obra de engenharia política que constituiuo Plano Cruzado) isto é.sua capacidade de constituir um novo sujeito com uma qualidade in rcrpclativa invejável. Como este sujeito se constitui? Antes de buscar no discursoseu aparecimen- to explícito) que se dá desde o primeiro momento) deve-se retomar 106 ,.~
  • 36. F as questões anteriormente discutidas, que são) em última análise) as condições de emergência do mais importante sujeito da política brasileira na história recente do país. REsumidamente pode-se en erar estas condições como as seguintes: .edução da pro emanca s cIo-econômica brasileira ~fom ; d~go; o pça· e u ação ets}) à inflação) que per e s'iiaaefinição econômica perden o desta forma suas causas estru- turais), e ganha uma dimensão simbólica - de inimigo número um d~OVO brasileiro. O combate tor~a-se uma questão de vontade. 2. ato de vontade se concretiza em um plano, o Plano de Esta ilização Econômica apresentado como um conjunto de medidas - de atos do gove.rno - que transformarão as condições sociais, de miséria, de fome etc, e as condições econômicas (falta de inv stimento, desvalorização dos salários etc.,) do país. O Plano se constrói na relação do presidente da República com o povo. Mais do que um plano governamental, é um plano pessoal. O "eu" presidencial sofre as angústias solitárias dos proble- mas do país, medita sobre esses e sobre os caminhos do destino (caminhos messiânicos) que o colocam na presidência da República e) frente a isso) decide e apresenta ao país o Plano de Estabilização Econômica . . O presidente, de posse da solução) se dirige aos trabalhadores e a povo, a quem o plano deve atender sem abrir mão da posição que o Estado autoritário lhe confere, o "eu" presidencial constitui os dois sujeitos) nascidos diretamente do discurso) sem existência anterior, sem memória, sem história. Nenhuma luta popular é articulada, nenhuma vitória é lembrada. O país era o caos (governo militar) e a tragédia (a morte de Tancredo Nevés). No ·caos e na tragédia não existia o povo, nem o trabalhador, ele é construído de maneira fluida e sem história: é instaurado autoritariamente pelo "eu" presidencial no discurso inaugural. Em suma, [as condições de emer"· ra o nascimento do ~scal do preSIdente po em ser resum~urso de carae::. tcrísticas messiânicas de Sarne onde os problemas são unificados simbolicamente na mflação, onde a solução se constrói como um ato de vontade do "eu" presidencial, onde a unidade do enunciador se constrói através da unidade do enunciado - todos, o povo e os 107
  • 37. trabalhadores (todos os que trabalham) tornam-se um só sujeito: o fiscal do presidenre=-> que tem existência, mais uma vez, no discurso, através de um ato de vontade. Na fala inaugural o eu presidencial dá vida à sua criação: "Todos estaremos mobilizados nesta luta, cada brasileir~ ou brasileiro será e deverá ser um fiscal dos preços. E aí posso me dirigir a você, brasileira e brasileiro, para investi-Ionurn fiscal do presiden te, para a execução fiel desse programa em todos os cantos deste Brasil." o fiscal do' presidente nasce, portanto, da unificação de cada cidadão (brasileira ebrasilciro; você). É o "indivíduo" desnudado de toda e qualquer qualidade de sujeito que é in vestido como fiscal. O discurso ignora qualquer mediação histórica, de classe, de posição política. Um exemplo fictício esclarece a questão: se o discurso enunciasse "brasileira e brasileiro [ou você], não importando qual sua filiação política partidária, deve ser um fiscal...", ter-se-ia uma construção distinta - o eu enunciador reconheceria a existên- cia prévia da fragmentação do sujeito político, o sujeito partidário, mas isso não acontece: antes do fiscal, existia apenas o "você": brasileira e brasileiro. ' Em pronunciamentos nos dias 4 e 14 de março, o fiscal do presidente ganha uma "função" qualificada, não é apenas aquele que controla os preços, mas torna-se o povo fazendo história. A 4 de março o fiscal é nomeado da seguinte forma: "maior voluntariado vivido na nossa história e de uma mobilização conseqüente em todos, espontaneamente de- monstrando confiança no presiden te." Dez dias depois: "A todos a minha palavra é não esmorecer. Os fiscais do presidente continuam. mobilizados ... é o povo brasileiro fazendo história." Nas duas passagens acima, reforça-se a criação prcsidcncial- o 108 I ~
  • 38. sopro de vida constantemente renovado. f:através desta criação- da confiança do outro no "eu" - que o povo faz história. A construção do outro (o fiscal) chega a seu momento de ápice no dia 21 de março, no programa radiofônico "Conversa ao Pé do Rádio". Este é um momento de especial importância no discurso de sujeição do fiscal porque é o único momento de complexidade na constr~- ção. "Cada brasileiro tornou-se o fiscal do presidente. No princípio para garantir o cumprimcn to dos preços e agora para o que envolve o cumprimento da lei. Ser fiscal do presidente é exigir serviços pó blicos eficazes. Ser fiscal do presidente é exigir que as escolas ensinem, sejam organizadas, que aassistência médica funcione, que os serviços de transporte cumpram horários e se cobrem tarifas corretas. Ser fiscal do presidente é confiar na igualdade de todos pcran te a lei. Ser fiscal do presidente é impedirque os preços congelados nos níveis do dia 28 de fevereiro sejam remarcados ou alterados. . Ser fiscal do presidente é, principalmen te, não deixar que o paíspare sob qualquer pretexto. É impedir que os pessimistas tenham sucesso, é impedir que os boarciros espalhem o pânico. É desmascarar as mentiras contra o povo. Ser fiscal do presidente é chamar as autoridades para que elas façam curnprira lei. Ser fiscal do presidente não é fazer justiça com as próprias mãos, mas acreditar que o governo furá cumprir a lei, doa a quem doer." A definição do que é ser fiscal do presidente, a partir do texto acima, tem três momentos claros. O primeiro é a separação presidente/governo. O presidente dcfine o fiscal çomo aquele que exige do governo que cumpra o seu dever (escolas, saúde, serviços públicos etc.). É clara aqui a dicotomia prcsidente/governo; seria impensável o "eu" exigir que o outro exija do "eu" o cumprimen to do dever. O presidente - o "eu" - coloca-se portanto acima do' 109
  • 39. governo em uma relação direta com o fiscal. Aqui aparece uma tendência populista do discurso, que entretanto é logo quebrada pela segunda forma de definição do fiscal: a confiança na igualdade de todos perante a lei. A lei é o governo (o governo fará cumprir a lei), e o fiscal deve confiar no seu cumprimento ao mesmo tempo que deve exigir o cumprimento da lei (escolas, saúde ctc.). Um enigma aparentemente de dificil solução, só possível de en- tendimento se forem tomadas em consideração as condições de emergênciado"eu imperial": o eu construídosobre um frágil poder e numa relação ambígua com o governo. A contradição se resolve na terceira forma de construção do fiscal: entre a fórmula eu = fiscal versus governo e a fórmula do eu = governo H fiscal, a segunda é vencedora. O texto conclui rcco- locando o fiscal em sua "função" de conrrolador de preços. O fiscal tem sua existência porque tem uma função, que é a de defender o Plano de Estabilização Econômica contra os inimigos do governo. A função, em última instância, "é chamar a autoridade", "é acreditar no governo". O fiscal garante o sucesso do discurso do Cruzado porque se constrói como o sucesso de um plano de governo personalizado no "eu" presidencial. " ., I ~otas eonclusg À guisa de conclusão serão indicados ai uns on tos lscurs eSl enCla o mês de março-8 ,relacionados a duas -rspectiv 6· a primeira refere-se à própria dinâmica d9. constr ção so que inau ura o Plano Cru gunda efcre-se à relação entre a análise de discurso c a análisede po itica , preten- dendo mostrar os efeitos concretos do discursivo na luta política. No que se relaciona à dinâmica da construção do discurso de março-86, três pontos devem ser destacados: L O discurso de março-86 não é um momento inicial de uma construção discursiva que se contrói ao longo do ano, isto é, no decorrer da implantação do Plano Cruzado. Ao con rrário, é um discurso que já corirérn em seu interior o sucesso do projeto político que propõe.
  • 41. lcgislativo; judiciário) orno os artidos olítico., no caso do discurso de março o PMDB e o PFL. Nenhum destes dois pólos aparecem como dotados de poder; esse emana dodiscurso única e exclusivamente do presidente da Repú blica. O fenômeno pode ser analisado a partir de dois conceitos: tanto pode ser um fenômeno dc condensação como de deslizamento. O primeiro caracterizaria uma situação ondc o presidente, com condições de liderança particulares, como no caso de um líder carismárico , apareça no discurso como um "eu" sin rctizador, representando a força de um partido ou de ,um governo. No segundo caso caracteriza uma situação onde o poder emana de fora das instituições políticas legítimas e principalrnente legalmente constiruidas, daí não apare- cer no discurso, havendo um deslizarncnro para a figura do "eu" presidencial enunciador, que aparece como dotado de grande soma de poder. O discurso de março-86 parece aproximar-se basran te do segun- do caso. Não é crível pensar em José Sarney como um líder parti- dário e/ou popular capaz de constituir-se como sujeito enu nciador através do artifício de condensação. Muito mais verossímil, no que pese mais pessimista, é pensar na fraqueza das instituições políticas no país e na inconsistência dos partidos políticos, que mais uma vez encobrem nesta nova fase da história brasileira o centro de decisão política, que com a abertura democrática não perdem poder, mas perdem voz, buscando por isso o sujeito presidente da República -atá-se frente a um fenômeno de dcslizarncnto. 8O Plano Cruzado foi um gr~nde ucesso poh ~ c um grande ~ e,nSluanto política economlCa. I'ais resultados não são conseqüência de um ano de implementaçao do Plano, pois estavam dados já no discurso de março. O sucesso político do Plano está marcado, por um lado, pela construção da eficácia do governo, que aparece como dotado de vontade política para resolver o problema central dopaís - a inflação. Como a resolução é uma questão de vontade e o governo tem está vontade, não existe mais o problema. Por outro lado, este sucesso se constitui a partir da in trod ução na política brasileira do cidadão - o fiscal do Sarncy. A soma de eficácia do governo com a participação cívica Uo cidadãogarante o sucesso do plano. ~) 112
  • 42. •I Se o Plano foi um sucesso político o mesmo não pode ser afirmado em relação à sua face econômica. Sem entrar na discussão da eficácia do choque heterodoxo, o que se pode analisar a partir do discurso de março é a forma como a inflação foi construída. A inflação não continha responsáveis, nem interesses, isto é, não era' alimentada por sujeitos históricos concretos. Aparece como anima- da por moto próprio - como o inimigo. Em vista disso, o discurso não é capaz de provocar uma ruptura, colocando de um lado aqueles que lutam contra a inflaçãoe de outro os que se aproveitam dela. É a natureza conciliatória e conservadora que determina de a~o o fracasso econômico do Plano. l.~./.t.inalmente, a questão que deve ser respondida refere-se ao efêlfo do discurso do Cruzado a médio prazo. Apontar-se-ão aqui os dois mais marcantes. O nmeiro efere-se ao r torno do anti vernism Aue se soma agora ao antiestatismo: o governo é cor- rupto e inefic:ar.EStCretorno tem roupagens novas na medida em que tem um novo intcrlocutor, a direita empresarial, que ganhou espaço para seu discurso liberal na medida em que o Plano Cruzado falhou . .~ O s~-ttrrd<o)rrõSlu:illlttãadd é o surgimento de um novo sujeito - o fiscald siludido Eumsu'eito esor alll~a o pquesuaongemfoi o cidadão, à espera de uma voz que lhe restitua a ilusão- cons- truída en uanto fiscal em um discurso auroritárjo. É inca az de se organizar- talvezesteja à espera que um novo discurso autoritário ~ / 113