Este documento descreve a guerra civil em Moçambique entre 1976 e 1992. A guerra foi travada entre o governo da FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que foi criada pela Rodésia para desestabilizar Moçambique. As causas incluíram insatisfação popular com as políticas de FRELIMO, apoio externo à RENAMO por parte da Rodésia e da África do Sul, e falhas no projeto de construção da nação de FRELIMO. A guerra durou 16 anos e só terminou com um acordo
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By Emídio E. Mangali
GUERRA CIVIL EM MOCAMBIQUE
1. Introdução
Não diferenciando-se de alguns países da região austral, Moçambique é um país com um passado
trágico. Tal tragédia deve-se ao facto de entre 1964 e 1992, ter sido caracterizado por dois (2)
conflitos grandes armados. Importa referir destes (conflitos) o primeiro envolveu a FRELIMO e o
exército colonial português entre os 1964 e 1974. No âmbito geral, com o advento das
independências das colónias ocidentais, muitos africanos esperavam lograr inúmeras vantagens
resultantes da liberdade. Em vez disso, tiveram que enfrentar novos e complexos desafios, como a
construção de estados-nação, a democracia, os conflitos interétnicos, guerras internas. Este facto
leva-nos ao segundo conflito (que evidentemente será debruçado ao longo deste trabalho)
envolvendo a RENAMO e o Governo de Moçambique, e decorreu entre os anos 1976 e 1992. Esta
guerra durou 16 anos, e só terminou em 1992 com a assinatura de um acordo geral ou acordos de
Roma.
2. Guerra civil: Conceito
De acordo com CAU (2011:30) termo “guerra civil” ou “guerra interna” provem do latim “bellum
civille”que se referia ás guerras internas do Império Romanoii. Guerra civil é caracterizada pelo
confronto armado entre grupos organizados dentro do mesmo estado – nação.
i Licenciado Em Ensino de Historia comHabilitações emGeografia
Mestrando Em Administração Publica
ii
Considerado a maior civilização da história ocidental. Durou cinco séculos: começou em 27 a.C. e
terminou em 476 d.C. Estendia-se do Rio Reno para o Egito, chegava à Grã-Bretanha e à Ásia Menor.
Assim, estabelecia uma conexão com a Europa, a Ásia e África. http://:www.todamateria.combr/império-
romano/
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Por sua vez COLLIER e HOEFFLER (2000) citados por COELHO (S/d:4) a guerra civil resultaria
da decisão de uma determinada parte da sociedade em rebelar-se contra o Estado do país, numa
lógica dicotómica de procura de algum ganho material ou político, ou de manifestação de um
ressentimento.
Duma forma geral, a guerra civil é luta armada entre estados ou entre classes sociais para
realização dos seus objectivos económicos e políticos, continuação da política por meios violentos.
Guerra civil é a mais aguda forma armada da luta de classes pelo poder de estado entre as classes e
os grupos sociais no interior de um pais.
3. Origem da guerra e da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO)
De acordo com FURQUIM (2015:22) para melhor entender o processo da formação da RENAMO,
é necessário compreender o contexto que a Rodésia, actual Zimbabwe estava inserida. A Rodésia
estava aliada à política racista de apartheidiii e de valoração do capitalismo também presente na
África do Sul. Após a independência de Moçambique, diversos ex-colonos portugueses acabaram
por se abrigarem no país. Muitos escolheram este lugar pois no contexto de guerra fria a Rodésia
era encarada como a “defesa do ocidente” face ao comunismo instaurado em Moçambique. Nesse
sentido, e aliado a questões económicas, a independência de Moçambique aliada a um carácter
socialista era uma iminente ameaça ao país.
Alem disso, MASSEKO (2019:4) afirma que, após o momento do golpe de Estado em Portugal à
Proclamação da Independência de Moçambique, foram desenvolvidos esforços com o intuito de
constituir movimentos de oposição à FRELIMO, e alguns destes eram constituídos por dissidentes
da própria frente, mas que não encontraram eco suficiente para se firmarem, por um lado, devido à
popularidade que a FRELIMO granjeava e, por outro, à repreensão da própria.
Quanto aos indivíduos que mais detestavam a FRELIMO, temendo represálias, fugiram para o
estrangeiro, levando consigo uma audácia para a sabotagem do regime. De acordo com Malyn
Newitt, o governo de Ian Smith foi o primeiro a dar algum apoio aos moçambicanos dissidentes,
na medida em que foi recrutando elementos de unidades militares e paramilitares negras que
haviam combatido nas tropas portuguesas. Todas as evidências indicam que alguns moçambicanos,
dissidentes e portugueses, tiveram uma comparticipação na fundação da RENAMO, todavia, esta
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foi criada pela Rhodesian Central Intelligence Organization, como força auxiliar das suas tropas e
o primeiro nome da organização foi em língua inglesa, a Mozambique National Resistance (MNR).
(Idem).
A RENAMO foi criada com objectivo de proporcionar guias e intérpretes para as operações
militares rodesianas contra as bases de guerrilheiros nacionalistas zimbabueanos em Moçambique;
e o de trabalhar para a desestabilização da FRELIMO. Os seus primeiros recrutas foram antigos
membros africanos das forças especiais portuguesas e dissidentes da FRELIMO, que por diversos
motivos haviam abandonado o regime. De acordo com Newitt, quando a RENAMO foi concebida
na sua totalidade era uma unidade militar e não um movimento político, e foi delegada para dirigir
os ataques à Moçambique, a fim de que cortassem as comunicações, desviassem a atenção do
governo e agissem em auxílio das forças rodesianas em operações especiais contra a guerrilha dos
nacionalistas zimbabueanos. (Idem).
Dois dos seus principais dirigentes foram André Matade Matsangaíssa, ex combatente da
FRELIMO que fugiu de Moçambique após dissidências internas com o partido e Afonso
Dhlakama, que serviu no exército colonial português durante a guerra de independência contra a
FRELIMO.A RENAMO inicia os ataques em território moçambicano financiados tanto pela
Rodésia, quanto pela África do Sul a partir de 1977. (FURQUIM, 2015:22).
4. Causas da guerra civil
4.1 Causas internas
Na história da humanidade, em nenhum momento as guerras foram consideradas benéficas,
principalmente para o povo que é a maior vítima, mesmo que em alguns casos seja o caminho
viável. Apesar dos prejuízos, os conflitos acontecem e ocupam lugares cimeiros nos panteões da
história universal. Conforme Jean-Yves Calvez, isto acontece muitas vezes em razão das
incoerências da vida constitucional.
Na África, as causas dos conflitos não fogem à regra, Jacques Soustelle enfatiza que depois da
descolonização africana foram notórias por toda a parte ditaduras e a falta de respeito pelos direitos
do homem. Ao trilharmos na linha do pensamento do Mazula (2002) citado por MASSEKO
(2019:7) destaca como causa interna dos conflitos que assolam o continente africano a
inadequação das políticas e estratégias de desenvolvimento, que não respondem às expectativas
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dos cidadãos, gerando descontentamento e insatisfação, facto que acaba ocasionando as guerras
civis. O mesmo pensamento é partilhado por Mazrui ao afimar que, na África, uma das causas das
guerras civis é o descontentamento das ideologias adoptadas pelos novos Estados.
Ao longo desta guerra a RENAMO foi conquistando considerável apoio popular e este vinha
principalmente de camadas que se sentiam excluídas ou marginalizadas, pois a FRELIMO mudou
a face desde os tempos da luta de libertação nacional, tornando-se mais autoritária com o seu povo,
não permitindo ideias contrárias às suas, facto que derruba a democracia. (Idem).
Na mesma perspectiva, foram proibidas as práticas mágico-religiosas tomadas como
obscurantismo e fortemente lutou-se contra o analfabetismo. Desta maneira, nega-se a cultura, que
é identidade de um povo. Por coincidência o próprio pai do líder da RENAMO foi chefe
tradicional, que serviu ao regime colonial e foi destronado depois da independência nacional. Alem
disso, as várias congregações religiosas e comerciantes foram reprimidos. Foi este empilhado de
situações que possibilitou que a RENAMO se tornasse a maior expressão de oposição interna,
apesar de tanta desumanidade causada à população.
Fora isso importa buscar PRITHER (795:2003) e FORQUIM (27-30:2015) na medita em que estes
fazem uma analise da percussão da guerra não apenas no âmbito rural. Estes autores fazem uma
critica ao Geffray, pois quando trata-se da guerra, não se pode apenas olhar para as regiões rurais é
necessário também pensar a conformação dos espaços urbanos durante o período socialista e
também o período da guerra para entender as distinções que deram-se formando entre esses dois
espaços sociais, para então tentar compreender as questões do projecto nacional pertinentes a esse
estudo. Com a estruturação do socialismos, a intervenção estatal nas questões económica trazia a
questão do trabalho nas novas empresas nacionais para os residentes no espaço urbano. Nesse
processo a Frelimo interferiu implementando a sua politica segunda qual o trabalho é o agente
dignificante e constituinte do homem novo, dai que muitos viram-se obrigados a trabalhar como
forma cumprir com as políticas estabelecidas pelo partido.
Em linhas gerais, esta maneira de lidar com a população urbana só prova que durante a guerra,
diversas regiões do pais viviam a violência perpetrada pelos estado de diversas formas.
Fazendo uma analise reflexiva notamos até início da década de 80, a RENAMO, a nível interno
não era um movimento político, e que, a nível externo foi criada para a defesa de interesses
rodesianos, sul africanos e americanos. Basta olhar ainda pelo envolvimento das forças da
RENAMO e das rodesianas para o ataque aos depósitos de petróleos na Beira, em Março de 1976,
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período em que a FRELIMO nem havia se declarado marxista-leninista. Fora isso, GEFFRAY
(1991: 117-119) frisa ainda que a Renamo era acima de tudo uma organização militar e não
possuía uma ideologia claramente definida. A sua propaganda estruturava-se em torno de uma
oposição explícita às políticas da Frelimo centrado-se na defesa das tradições e das autoridades
tradicionais.
VIERA citado por MASSEKO (2019:9) também partilha da mesma opinião e trás um
posicionamento segundo qual antes de 1977 (da afirmação do marxismo-leninismo pelo partido
FRELIMO) não existia qualquer contradição ou frustração interna que fundamentasse um conflito
armado.
Importa ainda citar Geffray (1991) que não nega as origens da formação da Renamo por incentivo
dos serviços secretos sul-africanos. O autor explica o conflito do ponto de vista das falhas do
projecto da Frelimo (nomeadamente as aldeias comunais) e analisa as estratégias sociais rurais
através das quais a Renamo conseguiu granjear um forte apoio junto das populações acabando, no
entanto, por concluir que esta apenas possuía o projecto da continuidade da violência para se
reproduzir, confluindo numa grande desilusão.
No âmbito geral as guerras africanas têm origem no factor étnico, o que ocasiona lutas interétnicas,
devido ao seguidismo de carácter étnico regional das populações em relação aos seus líderes. Para
caso de Moçambique questiona-se se o último conflito armado tem esta mesma motivação.
Para BADEN (2003) e ROESCH (1992) (apud CARDOSO, 2009:49) as contradições étnicas.
podem parcialmente terem contribuído na eclosão do conflito, devido à dominância de grupos
particulares nas respectivas lideranças, com a Renamo ligada aos Ndau do Centro e Norte de
Moçambique e a Frelimo dominada pelos intelectuais baseados ao Sul do rio Save, de etnia
Shangane, com uma profunda desconfiança pelos primeiros e pela envolvente espiritual que lhes é
associada. Por sua vez MASSEKO (2019:9) é da opinião segunda qual a guerra civil de
Moçambique não esta aliada aos factores étnicos, ate porque no inicio a FRELIMO, era dirigida
por um antropólogo e sociólogo (Eduardo Mondlane) e também pelo facto do primeiro presidente
de Moçambique independente (Samora Machel) ter como base do seu discurso a luta contra o
tribalismo, promovendo desta feita a unidade nacional, pese embora em algum momento da
história do país o factor étnico consubstanciou a ascensão de certos cargos públicos.
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4.2 Causas externas
Com o fim da guerra fria e o término da influência das superpotências nos assuntos domésticos de
países do Terceiro Mundo, contrariamente ao que se pensava não houve uma diminuição do
número de guerras civis. Para CEPALUNI e MENDONÇA (2006) alguns conflitos armados
ocorriam fortemente influenciados pela lógica da guerra fria: as guerras do Camboja, de El
Salvador, da Guatemala e de Moçambique são exemplos disso.
De acordo com ARNSON e ZARTMAN (2005) intitulada Rethinking the Economics of War: The
Intersection of Need, Creed, and Greed citados por CEPALUNI e MENDONÇA (2006) há uma
serie de conflitos civis sobreviventes após a guerra fria e as razões dos mesmos resumem-se em
seguintes pontos: “necessidade”, “crença” e “ganância”.
A necessidade origina-se do sentimento de injustiça causado pela repressão política e pela privação
económica. A crença pode significar a fé “cega” ou um sentimento de identidade de um grupo. Por
último, a já a “ganância” refere-se ao desejo de se apropriar de recursos públicos. Assim, a
discriminação baseada nas crenças e nos sentimentos de identidade junta-se às ambições pessoais
ou gripais de ganhos particulares para produzir conflitos com múltiplos motivos colectivos e
privados (Idem).
O conjunto de estas e outras acções levam MASSEKO (2019:10) e COELHO (2003:4) a pensarem
que muito provavelmente, a causa externa cimeira do conflito seja pelo facto de Samora Machel
ter sido solidário com o movimento de guerrilha zimbabueano contra o regime de Ian Smith, que
tinha suas bases em Moçambique, tal como anteriorimente referimos que a Renamo surge como
resultado das ambições rodesianas. Ao trilharmos na óptica do COELHO (2003:4) notamos que até
meados de 1980, o governo moçambicano fechou as fronteiras com a vizinha Rodésia em
cumprimento das sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) e como apoio à luta aos
movimentos de libertação do Zimbabué ao derrubar o regime rebelde de Ian Smith.
De acordo com NEWITT citado por MASSEKO (2019:9) no princípio, a política externa
moçambicana encontrava-se na mesma linha que caracterizava a administração do presidente
americano Jimmy Cárter (democrata), que combatia os regimes racistas na África Austral, durante
a segunda metade da década de 1970. O governo de Moçambique manifestou forte apoio aos
movimentos de libertação na África Austral, permitiu que o ANC pudesse instalar-se no país,
entrou para o movimento dos não-alinhados, não numa posição de neutralidade nos assuntos
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internacionais, mas no sentido de combater o imperialismo em todo o mundo, tendo votado na
ONU ao lado da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Em 1980, assistiu-se uma mudança do cenário e isso afectou o Moçambique, tudo começou
quando o republicano Ronald Reagan ascendeu à presidência dos EUA e por coincidência na
África do Sul, John Vorster estava sendo derrubado do poder, em 1978, e teve como sucessor
Pieter Willem Botha, menos liberal que o seu antecessor. Os dois governantes, recém-chegados ao
poder, fortaleceram as suas alianças, tornando eminente o perigo para os seus inimigos. Neste
processo, Moçambique e Angola ficaram do lado errado, ou seja, foram considerados como
inimigos, tanto a nível global como regional. Por conta das estratégias socialistas de
desenvolvimento por eles adoptada foram vistas como aliadas da União Soviética e do comunismo
mundial, e devido ao seu apoio ao ANC tornaram-se inimigas acérrimas do regime branco da
África do Sul. (MASSEKO, 2019:9).
A FRELIMO foi apresentada como uma organização submetida aos interesses dos países
socialistas, facto que a tornou vulnerável à agressão de países imperialistas. Reagan e os que
estavam interessados em promover a Guerra Fria, independente do verdadeiro motivo, tinham a
soberana oportunidade, e a África do Sul soube segurá-la no momento certo, não tardando em
desfrutá-la. Imediatamente, prestou apoio aos movimentos rebeldes nos países vizinhos, criando
uma autêntica desestabilização à região. Contudo, o autor afirma que o principal motivo da
desestabilização na África Austral não era o de combater os regimes comunistas, que apoiavam
movimentos como a ANC da África do Sul e a SWAPO da Namíbia, mas havia interesses
económicos. (Idem).
5. Fases da guerra civil em Moçambique
5.1 Primeira fase (1976 - 1980)
Para esta fase é não menos importante ressaltar que na África do Sul existiam duas (2) posições,
uma sob liderança do primeiro-ministro John Vorster, lançou em Outubro de 1974 a iniciativa
Constellation of Southern African States (CONSAS) que tinha como objectivo que prevenir e
assegurar a defesa do regime do apartheid, contra qualquer tentativa dos Estados da região de se
intrometerem nos assuntos internos da África do Sul. Outra era a posição dos militares que tinham
como aliado o ministro da defesa P. W. Botha que advogavam uma política de confronto com os
movimentos de libertação. Nesta fase nasceu a Resistência Nacional Moçambicana (RNM) (actual
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RENAMO) e esta teve apoio da Rodésia onde os colonos em rebelião contra a coroa britânica
continuavam a ter dificuldades visto que sofriam sanções económicas por parte da ONU, as quais
Moçambique também aplicava fechando a fronteira com a Rodésia em 1976. Por sua vez o
governo rodesiano retaliou, apoiando a criação da Renamo e recrudescendo o confronto com o
regime da Frelimo. (CARDOSO, 2009: 52).
O apoio da Rodésia do Sul á RENAMO centrava as suas atenções no corredor da Beira e nos
locais onde se concentravam os nacionalistas zimbabueanos. Por sua vez a África do Sul fez um
investimento de grande vulto de modo que a RENAMO expandisse para todo o pais e para que
afirmasse progressivamente como movimento autónomo e com objectivos políticos próprios ou
seja retalhar contra o apoio prestado pelo Moçambique ao Congresso Nacional Africano (ANC)
seu principal oponente. (COELHO, S/d:13).
Os regimes minoritários da África e da Rodésia do Sul moveram agressões militares contra infra-
estruturas económicas moçambicanas como forma de estabilizar a economia. Portugal, sob regime
fascista de Salazar, estabeleceu relações politico-diplomáticas com a Rodésia do Sul e deu apoio
económico e militar. Salazar almejava destruir o governo socialista de Moçambique para continuar
com seus interesses coloniais, e construir um escudo de regimes minoritários brancos e racistas na
sob região austral do continente, juntamente com África do Sul e a Rodésia do sul. Portanto, para
alem da África do Sul do Apartheid considerado o principal patrocinador, a Renamo tinha apoio de
grupos anticomunistas (da extrema direita e das igrejas) nos pauses como Portugal, Republica
Federal Alemã e dos EUA (HALON e SMART, 2008:9).
Durante a guerra civil, uma serie de fatalidades caracterizou a vida dos moçambicanos para alem
da agressão militar da RAS e da Rodésia do Sul, cujos raids arreios tinham alvos de interesse
económico, alegadamente porque as autoridades moçambicanas apoiavam e alojavam os militantes
do African National Congress (ANC) e da Zimbabwe African National Union (ZANU) (Idem).
As primeiras operações com alguma envergadura da RENAMO em território moçambicano
tiveram lugar em 1977, por vezes com o apoio directo dos helicópteros do exército rodesiano. Ate
1979 a RENAMO sofria vários atrasos quando as tropas da Frelimo conseguiram destruir a sua
sede na província de Sofala e mataram o líder Matsangaissa. Em Fevereiro de 1980, as eleições
organizadas na Rodésia levaram a ZANU ao poder de forma pacífica. (CARDOSO, 2009:52).
Em linhas gerais, LULAT (2008:27) citado pelo relatório do projecto Advogados sem fronteiras
(LOWERS WITHOUT BORDERS) (S/d:27) esta primeira fase é destacada pelo surgimento da
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RENAMO, nos meandros dos Serviços de Inteligência da Rodésia do Sul de Ian Smith, com
objectivo primário de desestabilizar a economia do recém-formado Estado moçambicano, impedir
a consolidação do modelo de desenvolvimento socialista, atacar as bases da Zimbabwe African
National Union (ZANU) estabelecidas em Moçambique e forçar a FRELIMO a interromper o
apoio que dava à ZANU e à Zimbabwe People’s Revolutionary Army (ZIPRA) durante este
período, a RENAMO agiu em função da planificação militar feita pela Rodésia do Sul e agiu
preferencialmente na zona centro de Moçambique, cobrindo províncias como Manica, Sofala e
Tete. Nas suas acções, a Renamo atacou um grande número de entidades governamentais, tais
como administrações distritais, escolas e hospitais. Várias estradas e vias de comunicação. Estas
acções tiveram um enorme papel desestabilizador na economia, uma vez que não só obrigaram o
governo a concentrar importantes recursos numa máquina de guerra, mas principalmente porque
levaram ao êxodo de muitos milhares de pessoas do campo para as cidades e para os países
vizinhos, diminuindo assim a produção agrícola.
5.2 Segunda fase 1980 -1988
A segunda fase arrancou com o desaparecimento da Rodésia e a proclamação da independência,
internacionalmente reconhecida e desta forma marcando o surgimento do actual Zimbabwe, em 18
de Abril de 1980. Com a queda do sistema de segurança criado pelo regime de Ian Smith, a
RENAMO perde o apoio directo até então recebido da Rodésia do Sul. De modo a manter o grupo
operativo, a extinta força de defesa e segurança da Rodésia do Sul e seus extintos serviços secretos
negociam secretamente com a África do Sul para assumir o controlo do movimento. Ciente da
utilidade estratégica do grupo, a África do Sul aceita acolher a RENAMO e inicia um programa de
instrução e treinamento que iriam transformar a RENAMO de um movimento inexpressivo para
uma verdadeira máquina de guerra. Visto que esta forneceu um apoio logístico (armas, treino,
meios de comunicação por rádio) decisivo para a sua expansão (GEFFRAY, 1991;
De acordo com ALAO (1994 apud LOWERS WITHOUT BORDERS, S/d:27) a segunda fase do
conflito armado é caracterizada por uma maior capacidade militar do movimento (seja em termos
de equipamentos ou em termos numéricos). Nesta fase, a violência generalizou-se e os níveis de
atrocidades foram significativos. Durante esta fase, a brutalidade das acções da RENAMO
estendeu-se por todo o país embora as províncias de Niassa e Cabo Delgado manterem níveis
mínimos de violência. O recrutamento forçado de pessoas para engrossarem as fileiras do regime
tornou-se comum. Apesar de a RENAMO ser considerada como a principal promotora da
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violência contra a população civil, esta fase testemunha também um aumento de violência
cometida pelas forças de defesa e segurança contra a população civil.
Devido a pressão internacional, em 1980 o Governo de Moçambicano viu-se forçado a liberar
a agricultura e diminuir a propriedade do estado e desta forma desfez um dos principais pontos do
III Congresso da Frelimo, em 1977, que defendia o reforço do papel do Estado na direcção,
planificação e controlo da economia nacional. (CARDOSO, 2009:44). Ate 1982 o pais sofreu uma
grande crise não só devido a guerra mas também a Devido à seca em 1982 que criou uma
grave fome. Fora isso, Maputo, sofreu graves ataques alegadamente para destruir bases do ANC e
desta forma de pararam de prestar ajuda à Moçambique, forçando a Frelimo a alterar a sua mira
para este. Em Abril de 1983, no IV Congresso da Frelimo, foram feitas reformas na lei da
agricultura, e o país começou viu-se obrigado a pedir ajuda financeira de países ocidentais,
inclusive os Estados Unidos. Nesse processo Moçambique teve que assinar um acordo com
o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional em 1987, e com isso viu-se obrigado a
abandonar a ideologia Marxista-Leninista, e a República Popular de Moçambique tornou-se
na República de Moçambique. (LOWERS WITHOUT BORDERS, S/d:27).
5.3 Terceira fase 1988 – 1992
Após a assinatura do Acordo de Nkomati entre o governo moçambicano e a África do Sul, que vi-
sava essencialmente acabar com o apoio que Moçambique dava ao ANC e ao Imkonto we Sizwe
em troca do fim do apoio que a África do Sul dava a RENAMO, o conflito armado entrou para a
terceira fase. Diferente das fases anteriores onde a RENAMO agiu essencialmente sob comando
dos seus patrocinadores, a RENAMO é convencida a internalizar o conflito. Sem deixar de dar o
apoio necessário a RENAMO, a África do Sul decide enviar todos os homens da RENAMO e toda
sua base logística para o Malawi (LULAT, 2008 apud. LOWERS WITHOUT BORDERS, 27:27).
A partir deste período a RENAMO passa a actuar com maior vigor nas províncias nortenhas de
Niassa e Cabo Delgado, sem deixar de empreender acções nas restantes províncias do país. Com a
nova postura sul-africana, a RENAMO ganha maior independência na definição de suas acções
estratégicas, operacionais e tácticas e passa a reivindicar suas acções para ganhar maior controlo
territorial. De acordo com BRANCO (13:2003) o início do processo de transição sul-africano e o
consequente fim do apoio do regime do apartheid à Resistência Nacional Moçambicana
(RENAMO) favoreceu o início dos contactos. Desta forma, o governo de Moçambique pediu à
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Igreja e ao estado para que pudessem encontrar uma oportunidade de negociar. Ate Fevereiro de
1989, os membros da Igreja haviam afirmado que a Renamo concordara em uma conversa sobre a
paz. Tal encontro só veio acontecer em 1990 na cidade de Roma, Itália. Em Dezembro seguinte,
foi atingido um cessar-fogo parcial, mas ambos partidos quebraram-no em uma questão de meses.
Nesta fase, a Frelimo adopta uma nova constituição na qual legalizava o multipartidarismo e
permitia economia de mercado livre e privatizava propriedade do Estado. Contudo, a guerra
continuou até 1992. É nesta ordem de ideia que LOWERS WITHOUT BORDERS (S/d:28) cita
CABÁ (1997 segundo qual provavelmente até 1992 a RENAMO tinha sob seu controlo cerca de
80% do território nacional.
Ao trilharmos na linha do pensamento do BRANCO (2003:14) nota-se que o cessar fogo foi lento
ou falhado na medida em que a retirada das tropas zimbabweanas, que ocupavam os corredores da
Beira e do Limpopo, do território moçambicano e com a criação do exército único foi complexo.
Durante as negociações, as partes moçambicanas decidiram convidar a ONU a participar na
comissão responsável pela supervisão da implementação do acordo de paz. Após dois anos de
negociações, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama assinaram, a 4 de Outubro de 1992, o Acordo
Geral de Paz em Roma. Importa ainda frisar que a solicitação do apoio a ONU por parte governo
de Moçambique visava o desarmamento das tropas beligerantes.
Importa anda referir que como forma de aliciar a Renamo a optar pela paz os doadores
internacionais concederam um pacote de ajuda moderada à Renamo, o que tornou a disputa
politica pacífica uma opção atractiva aos olhos dos rebeldes (COLLIER, 2000 apud CARDOSO,
2009:58). Outro factor, assaz importante, foi a promessa de conceder à Renamo, por parte dos
italianos, entre 20 a 32 milhões de dólares (VENÂNCIO e CHAN, 1998 apud CARDOSO,
2009:58).
6. Fim da guerra
Evidentemente, nota-se que com a Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou dividido em duas
esferas (o americano e o soviético). Como tal, vários conflitos eclodiram ao redor da terra,
resultantes da competição entre as potências referidas, munidas cada uma do seu projecto
mundialista. Para a consecução de seus interesses, principalmente em África, os ocidentais criaram
movimentos armados para conseguir as mudanças que tanto almejavam, em detrimento da via de
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desenvolvimento socialista, tal como aconteceu em Moçambique com a RENAMO. Terminada a
Guerra Fria, com a queda da União Soviética, considerada o baluarte do comunismo, os ventos
democráticos voltaram a soprar para todos os cantos do continente, mesmo onde outrora soprara
com menor intensidade (MASSEKO, 2019:13).
Com o fim da guerra, Moçambique viu-se obrigado a abandonar o sistema socialista, quando notou
que a própria URSS também estava em crise. Assim sendo, o pais necessitou de um financiamento
internacional das grandes instituições financeiras, sendo, no entanto, obrigado a fazer a sua
reabilitação económica. Simultaneamente foram tomadas outras medidas políticas com o objectivo
de adaptar a constituição do país à liberalização económica e política, abandonando a via de
orientação socialista em benefício da economia de mercado e do sistema multipartidário. (Ibdem)
Em linhas gerais, a ideia de que o último conflito armado em Moçambique era interesse de
capitalistas ocidental é consumada, na medida em que tanto a FRELIMO assim como a RENAMO
não venceram, mas sim os ocidentais, pois são os que pressionam o governo à sua vontade. Mais
uma vez, os promotores da guerra (o regime sul-africano do Apartheid e aos americanos) foram os
grandes vencedores, na medida em que cada um teve o que esperou. A África do Sul investiu na
guerra como forma de inviabilizar o crescimento económico que os países da linha da frente
almejavam, desestabilizando, neste caso, a espinha dorsal que é Moçambique, dado a sua posição
estratégica e privilegiada, e os americanos ganharam mais um aliado na sua luta contra o
comunismo internacional durante a Guerra Fria. (Idem).
Por ultimo, o pais introduziu o multipartidarismo que culminou com a realização das primeiras
eleições democráticas no país. Estas tiveram lugar de 27 a 29 de Outubro de 1994 e foram
conduzidas de forma pacífica e organizada, sem incidentes ou irregularidades de maior dimensão.
Destas elisões, Joaquim Chissano, candidato da Frelimo, recebeu 53,3% dos votos nas eleições
presidenciais, enquanto Afonso Dhlakama, candidato da Renamo, teve 33,73%. Um total de
5.402.940 pessoas, que representavam 87,9% do eleitorado, participaram nas eleições. Nas
eleições legislativas, a Frelimo ganhou 44,3% dos votos, arcando com 129 assentos parlamentares,
enquanto que a Renamo recebeu 37,78%, conquistando 112 lugares. (CARDOSO, 2009:70-71).
7. Consequências da guerra
No final da guerra, em 1992, Moçambique foi classificado como o país mais pobre do mundo
(CARDOSO, 2009:45).
13. 13
Este conflito provocou uma polarização marcada das populações e o padrão de povoamento
tornou-se um indicador privilegiado da sua adesão política (GEFFRAY, 1991: 123-125).
O controlo geográfico do território e a origem da tropa recrutada foi dual: enquanto que a Frelimo
controlava as cidades, onde se abastecia de soldados, a Renamo controlava extensas áreas do
interior do país e tinha portanto um exército essencialmente constituído por gente do campo
(SEIBERT, 2003: 264). Um estudo conduzido após o final da guerra concluiu que mais de 10% do
total da população se deslocou para os países vizinhos e que mais de 25% se refugiou nas cidades e
noutras áreas controladas pelo governo (MASLEN apud TEMUDO, 2005:7)
Embora Conseguissem receber benefícios substanciais os soldados que combateram na guerra
viram a sua inserção no mercado de trabalho dificultada pelo facto de serem associados a condutas
de mau comportamento (CARDOSO, 2009:62).
A população fugiu dos campos para cidade e estas por sua vez foram ficando cada vez mais
densamente povoadas e sem capacidade para lidar de forma apropriada com esse afluxo em massa
de migrantes rurais (Idem).
8.Conclusão
Das leituras cruzadas e análises feitas, nota-se que alem do que se pensava, o fim da guerra fria
contribuiu na eclosão de conflito que aos poucos foram atingindo contornos alarmantes. Muitos
autores apontam a RENAMO como principal agente dos crimes perpetrados ao longo da guerra, e
esta por sua vez refuta assumir toda culpa pois, segundo a mesma, as forças governamentais em
alguns momentos massacravam a população (oponentes das aldeias comunais) principalmente, na
zona rural. Ao longo desta pesquisa notamos que a RENAMO foi criada como um instrumento que
visa servir aos regimes racistas da região, (Ian Smith da Rodésia, e Apartheid na África do Sul).
Moçambique tentou criar um novo estado num ambiente com políticas antagónicas ao comunismo
14. 14
e socialismo no auge da guerra fria e consequentemente foi considerado inimigo. Alem disso, esta
região ainda estava sendo devastada por alguns conflitos que na tentativa de conceder apoio aos
movimentos de guerrilha destes países, os factos viraram-se contra ele (Moçambique).
A África do Sul sob regime do apartheid foi oprimindo e segregar os seus próximos buscou apoio
do ocidente dando a justificação segunda qual visava desestabilizar o comunismo implementado
em alguns países da região. Profundamente analisando, concluímos que na verdade a África do Sul
queria impedir o progresso da SADCC. de modo a garantir sua estabilidade económica a nível
regional, feito isso, todos os países seriam seus subordinados.
9. Referencias Bibliográficas
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