1. Previdência no Brasil
debates, dilemas e escolhas
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2. Governo Federal
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Ministro – Paulo Bernardo Silva
Secretário-Executivo – João Bernardo de Azevedo Bringel
Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico e
institucional às ações governamentais – possibilitando a
formulação de inúmeras políticas públicas e de programas de
desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade,
pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.
Presidente
Luiz Henrique Proença Soares
Diretoria
Alexandre de Ávila Gomide
Anna Maria T. Medeiros Peliano
Cinara Maria Fonseca de Lima
João Alberto De Negri
Marcelo Piancastelli de Siqueira
Paulo Mansur Levy
Chefe de Gabinete
Persio Marco Antonio Davison
Assessor-Chefe de Comunicação
Murilo Lôbo
URL: http://www.ipea.gov.br
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
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3. Previdência no Brasil
debates, dilemas e escolhas
Paulo Tafner
Fabio Giambiagi ORGANIZADORES
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5. APRESENTAÇÃO
É com grande prazer que o Ipea presenteia o público com o livro Previdência no
Brasil: debates, dilemas e escolhas, uma coletânea de artigos de pesquisadores da
casa e de outras instituições. O livro oferece diversas dimensões da vida econômica
e social que afetam ou são afetadas pelo sistema previdenciário brasileiro. A proposta é,
basicamente, refletir sobre os temas atuais que coabitam com a questão da previdência
social e, a partir daí, propor políticas futuras para mudanças e aprimoramentos.
Ao longo dos últimos anos, em muitos países desenvolvidos, houve necessidade
de reformas dos sistemas previdenciários. O alargamento do papel do Estado no
pós-guerra trouxe, entre tantas ações promovidas pelo welfare state, a expansão
dos benefícios previdenciários. No entanto, o desenho inicial desses sistemas não
mais acompanhou as diversas mudanças ocorridas nas sociedades, implicando seu
colapso com crescentes despesas e, em alguns casos, elevados déficits. Mas isso
não foi privilégio dos países ricos. Mesmo países em desenvolvimento, com popu-
lação jovem, também passaram a apresentar sintomas de estresse fiscal, exigindo
que reformas fossem realizadas.
Entre vários fatores que contribuíram para esse colapso, destacam-se as pro-
fundas mudanças demográficas e no mercado de trabalho, com destaque para a
crescente inserção da força de trabalho feminina, o novo padrão de emprego e,
para economias menos desenvolvidas como a brasileira, o padrão da informalidade.
Essas mudanças foram decisivas para a sustentabilidade dos sistemas previdenciários
e formaram as forças motrizes das reformas. A participação da população idosa no
total da população cresceu ininterruptamente, atingindo patamares próximos de
20%, com evidentes impactos financeiros. Mesmo com prosperidade econômica, as
receitas passaram a não cobrir mais os gastos com benefícios, exigindo parcelas
crescentes dos orçamentos públicos. A política de bem-estar foi colocada em xeque
e ajustes tornaram-se necessários.
A busca por soluções tornou-se premente e novos desenhos institucionais
foram experimentados. Alguns países optaram por ajustes nos parâmetros dos
sistemas, podendo ser mais ou menos severos, enquanto outros elegeram mudanças
estruturais. Há bons argumentos para as duas opções, cabendo a cada país moldar
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6. seu sistema segundo as vantagens e limitações específicas. Uma coisa, porém, é
certa: qualquer que seja a preferência, é necessário que os sistemas de previdência
busquem seu equilíbrio financeiro e econômico.
A necessidade de reformas passou a existir na agenda político-econômica
dos países e o Brasil não ficou de fora. Muito embora já tenha passado por duas
reformas desde a Constituição de 1988, o sistema brasileiro continua com graves
desequilíbrios financeiros, mesmo tendo ainda parcela reduzida de população idosa.
Essa limitação vem se agravando continuamente e representa, hoje, verdadeiro
sorvedouro de recursos públicos, limitando a capacidade de investimento do Estado
brasileiro e exigindo elevada carga tributária. O crescimento do déficit
previdenciário e seu conseqüente impacto na estrutura econômica e social têm
motivado especialistas a buscarem alternativas de mudanças.
Essa preocupação ultrapassou os limites da academia e dos centros de
pesquisa e hoje já mobiliza as autoridades da área previdenciária. A criação pelo
governo federal do Fórum Nacional da Previdência Social, no âmbito do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), é um exemplo salutar da busca de aprimo-
ramentos de nosso sistema, de modo a torná-lo estruturalmente equilibrado e
sustentável. Mas sabemos também – e esta publicação detalha esse conhecimento
– que sistemas de previdência não têm uma forma final, pois estão sujeitos a
variações demográficas, do mercado de trabalho, do desempenho da economia. O
caminho aqui proposto é indicar, de forma objetiva e clara, ajustes que nos permitam
perenizar o sistema brasileiro de previdência, garantindo as conquistas realizadas,
mas dotando-o de vigor financeiro e atuarial.
Luiz Henrique Proença Soares
Presidente do Ipea
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7. AGRADECIMENTOS
O livro Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas é uma obra elaborada a
partir da cooperação e dedicação de várias pessoas. Escrito por inúmeras mãos,
cumpre a difícil função de aprofundar e orientar o debate sobre uma questão tão
cara em nossa sociedade atualmente: a previdência social.
Aqui estão presentes contribuições valiosas para uma discussão mais ampla
sobre as mudanças pelas quais passa essa instituição, sem, no entanto, se ater a um
discurso militante. A finalidade deste projeto não é convencer o público de que
aqui se encontram as únicas soluções para o problema. Acreditamos que, além das
visões apresentadas nesta edição, existem outras tão importantes quanto a nossa e
que, uma vez reunidas, serão de grande valor para a nossa sociedade.
Nossa intenção, antes de tudo, é fazer com que as idéias expostas neste trabalho
se tornem instrumentos importantes para um aprofundado debate, e que este
debate, por sua vez, permita a formulação de políticas públicas que visem corrigir
as distorções dessa grave questão social. Confiamos que, finalizada a leitura, con-
quistaremos o leitor, mesmo o mais leigo, para que seja capaz de elaborar por si só
uma reflexão bastante atual sobre o sistema de previdência social.
Comprometidos com essa missão estão os esforços de dedicados técnicos do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assim como dos pesquisadores
de diversas instituições externas que não hesitaram um só momento em participar
deste laborioso projeto.
Agradecemos aos autores Sérgio Guimarães Ferreira, Ana Amélia Camarano,
Solange Kanso, Milko Matijascic, José Cechin, Andrei Domingues Cechin, José
Márcio Camargo, Maurício Cortez Reis, Marcelo Neri, Mônica Mora, Ricardo
Varsano, Rodrigo Leandro de Moura e Jaime de Jesus Filho.
Agradecemos também a Isabela Estermínio de Melo, que contribuiu para a
elaboração de gráficos e tabelas que constam neste trabalho, e a Felipe Pinheiro e
Marcelo de Sales Pessoa pela participação na preparação inicial dos trabalhos.
Carolina Botelho M. da C. Giglio foi fundamental na fase final do trabalho,
lendo e conferindo inúmeras vezes os originais de modo a facilitar o trabalho da
equipe editorial.
agradecimentos.pmd 7 23/3/2007, 15:51
8. Somos gratos ainda à equipe do Editorial do Ipea-RJ, composta por Roberto
das Chagas Campos, Camila Guimarães Simas (que também assina a capa), Carlos
Henrique Santos Vianna, Leandro Daniel Ingelmo, Lúcia Duarte Moreira,
Alejandro Sainz de Vicuña, Tamara Sender, Elisabete de Carvalho Soares, Míriam
Nunes da Fonseca, Eliezer Moreira e comandada por Marcos Hecksher, responsá-
vel pelo trabalho de edição, revisão, diagramação e editoração desta obra.
Antonio Semeraro Rito Cardoso e Ângela Moura nos forneceram apoio
operacional e administrativo.
Somos também muito gratos a Maria Tereza de Marsillac Pasinato, Juliana
Leitão e Mello e Marcos Eugênio da Silva, que leram e comentaram alguns dos
capítulos presentes.
Finalmente, nossos sinceros agradecimentos ao presidente do Ipea, Luiz
Henrique Proença Soares, e ao diretor de Estudos Macroeconômicos, Paulo Mansur
Levy, pela preciosa contribuição para que este projeto alcançasse êxito.
Paulo Tafner
Fabio Giambiagi
Organizadores
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9. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
Paulo Tafner e Fabio Giambiagi
PARTE 1
O CONTEXTO DO DEBATE SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL
CAPÍTULO 1
SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 29
Paulo Tafner
CAPÍTULO 2
SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO
MUNDO: SEM “ALMOÇO GRÁTIS” 65
Sergio Guimarães Ferreira
CAPÍTULO 3
DINÂMICA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E
IMPLICAÇÕES PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL 95
Ana Amélia Camarano e Solange Kanso
PARTE 2
DISCUTINDO REGIMES E REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS
CAPÍTULO 4
SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA EM PAÍSES
INDUSTRIALIZADOS: A CRISE E SUAS SOLUÇÕES 141
Sergio Guimarães Ferreira
CAPÍTULO 5
REFORMA DA PREVIDÊNCIA NOS PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO: O ETERNO RETORNO 185
Milko Matijascic
PARTE 3
ELEMENTOS QUE JUSTIFICAM A NECESSIDADE DE REFORMA DO SISTEMA
PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL
CAPÍTULO 6
DESEQUILÍBRIOS: CAUSAS E SOLUÇÕES 219
José Cechin e Andrei Domingues Cechin
CAPÍTULO 7
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL:
INCENTIVANDO A INFORMALIDADE 263
José Márcio Camargo e Maurício Cortez Reis
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10. PARTE 4
PARÂMETROS PARA REFORMA DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL
CAPÍTULO 8
INFORMALIDADE 285
Marcelo Neri
CAPÍTULO 9
FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL 321
Ricardo Varsano e Mônica Mora
CAPÍTULO 10
TESTANDO A PROPRIEDADE REDISTRIBUTIVA
DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO:
UMA ABORDAGEM SEMIPARAMÉTRICA 349
Rodrigo Leandro de Moura, Paulo Tafner e Jaime de Jesus Filho
CAPÍTULO 11
SIMULANDO O DESEMPENHO DO SISTEMA
PREVIDENCIÁRIO: SEUS EFEITOS SOBRE A POBREZA
SOB MUDANÇAS NAS REGRAS DE PENSÃO E APOSENTADORIA 401
Paulo Tafner
CAPÍTULO 12
ALGUMAS PROPOSTAS PARA O APRIMORAMENTO DE NOSSO SISTEMA 441
Paulo Tafner e Fabio Giambiagi
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11. INTRODUÇÃO
Paulo Tafner*
Fabio Giambiagi**
Em praticamente todos os países, os sistemas previdenciários passaram a sofrer
pressões por reformas a partir das décadas finais do século passado. Essas pressões
refletem as profundas mudanças que ocorreram nas relações econômicas e sociais.
As manifestações visíveis dessas dificuldades estruturais são primariamente ex-
pressas em termos de crescentes déficits dos sistemas previdenciários.
As reformas começaram na década de 1970 nos países desenvolvidos e, na
grande maioria dos casos, o processo de ajustamento se estendeu por todo o período
desde então, chegando até o presente. Na América Latina, o processo de reforma
se concentrou na década de 1990, mas de forma pioneira e inovadora, o Chile, em
1981, fez uma reforma radical de seu sistema previdenciário, transferindo-o ao
setor privado.
Como outros exemplos ilustrativos, podem ser citados: a Bélgica, que em
1972 eliminou a indexação de benefícios e em 1992 promoveu ajustamentos nas
taxas de reposição; a Alemanha, que promoveu uma primeira reforma em 1972,
com subseqüentes modificações nas décadas de 1980 e 1990, entre as quais a
equiparação das idades de aposentadorias de homens e mulheres buscando reduzir o
custo de seu sistema, uma vez que em 1993 este atingiu perigosos 10,3% do
produto;1 a França, que fez uma grande reforma em 1983, já estando em curso
nova rodada de reformas, tendo em vista fatores demográficos e de desempenho
do mercado de trabalho;2 a Itália, que promoveu uma reforma em 1992, visando
adiar a data de aposentadoria dos trabalhadores;3 e o Japão, cuja reforma de 1994
foi motivada fortemente pelo componente demográfico. O caso do Japão é muito
* Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
** Coordenador do Grupo de Acompanhamento de Conjuntura da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea. Cedido pelo BNDES.
1. Note-se que, no caso da Alemanha, devido ao processo de unificação na década de 1990, ainda está em andamento o ajuste de dois
sistemas diferentes, o que tem levado vários analistas a preverem nova rodada de reformas para breve (BÖRSCH-SUPAN, 1997; FITZENBERGER
et al., 1995).
2. Ver, a respeito, Blanchet e Marioni (1996), Dangerfield (1994) e Marchand e Thélot (1991).
3. Deve-se destacar que a Itália, já em 1990, apresentava grave desequilíbrio demográfico: o número de crianças por mulher era apenas
de 1,3 e a expectativa de vida ao nascer era de 73,6 anos para homens e 80,2 para mulheres. Esses números agravaram-se ainda mais
e eram, em 1995, respectivamente, 1,18, 75,3 e 81,7. Ver, a respeito, Livi Bacci (1995).
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12. 12 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
interessante porque seu sistema de previdência adquiriu o formato vigente (antes
da reforma) em 1961 e sobreviveu sem reformas por mais de 30 anos. Nesse mesmo
período, as pressões demográficas foram devastadoras: a taxa de fertilidade caiu de
2,8 em 1965 para 1,4 em 1996; a taxa de dependência (proporção de habitantes
de 65 anos somada à proporção de habitantes com idade entre 20 e 65 anos)
saltou de 0,10 em 1940 para 0,24 em 1995. O resultado foi que os gastos subiram
de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1961 para 14,1% em 1996.4
Também os casos da Suécia, do Canadá e da Espanha são exemplos do pro-
gressivo processo de reforma de seus sistemas, e em especial a Suécia e a Espanha
são modelos distintivos. A Suécia foi o primeiro país a ter um sistema de cobertura
universal desvinculado da ocupação. Já a partir da segunda década do século pas-
sado dispunha de um sistema universalizado. Passou por progressivas reformas
em 1935, 1946 e 1976. Dada a preocupante dimensão nas contas públicas que a
previdência assumiu, comprometendo 20% do PIB em 1994, nesse mesmo ano o
país empreendeu nova reforma de seu sistema, implementada a partir de 1998,
reduzindo a taxa de reposição, estabelecendo penalidades no caso de aposentadorias
antecipadas para as coortes nascidas a partir de 1938 (ver ARONSSON; WALKER,
1997; WADENSJO, 1996)5 e pondo em prática um sistema “quase capitalizado”
(ver capítulo 4). A Espanha, em 1900, estabelece o seguro social obrigatório para
trabalhadores do setor público e, somente em 1919, cria o sistema de previdência
para trabalhadores com baixa renda. A partir de 1939 o sistema se expande e se
universaliza, mas apenas em 1950 adquire características de universalização, com
os contornos formais que o definiram até as reformas mais recentes. A primeira
delas ocorre em 1963, ajustando limites de contribuição por categoria profissional,
propondo a criação de fundos específicos dos planos de previdência e a eliminação
de limites de renda para participação no sistema. Novas reformas ocorreram em
1977, 1985 e, com o crescimento da participação dos gastos de previdência (11,5%
do PIB em 1994) e em função das transformações demográficas (expectativa de
vida passou de 69,9 em 1960 para 76,9 em 1991), nova reforma foi realizada em
1997.6
Canadá e Reino Unido são sistemas com peculiaridades interessantes. No
Canadá a pressão por reformas iniciou-se apenas nos anos finais do século XX,
pois seus gastos com previdência, que representavam apenas 2,0% de seu produto
4. Ver, a respeito, Yashiro e Oshio (1999), Takayama (1992) e Yashiro (1997).
5. A Suécia, a Itália e a Polônia são casos inovadores pela introdução de um sistema baseado na capitalização nocional. Ver detalhes no
capítulo 4.
6. Para maiores detalhes, ver Barea (1995), Fernández Cordón (1996), Herce et al. (1996) e Piñera e Weisntein (1996).
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13. INTRODUÇÃO 13
em 1970, saltaram para 5,3% em 1995, com tendência ascendente,7 percentual
reduzido se comparado aos demais países desenvolvidos. O caso do Reino Unido
é distintivo porque o sistema público sempre foi limitado, cabendo aos fundos
privados praticamente metade da cobertura de previdência.
Na América Latina, as reformas começaram na década de 1980 e, desde
então, mais de uma dezena de países passou por reformas de seus sistemas. O
processo foi iniciado com o Chile, em 1981,8 e se concentrou fortemente na década
de 1990: Peru (1993), Colômbia (1994), Argentina (1994), Uruguai (1996), Bolívia
(1997), México (1997), Brasil (1998 e 2003), El Salvador (1998), Nicarágua (2001)
e Costa Rica (2001).
A onda reformista que varreu a América Latina variou em termos de formas
de implementação, desenho do sistema, intensidade, e mesmo sistemas políticos
sob os quais foram feitas as reformas. Teve, entretanto, uma característica em
comum: em maior ou menor grau visou equilibrar sistemas públicos e abrir espaço
para atuação da iniciativa privada (ver capítulo 5). É importante lembrar que isso
é um traço distintivo e pioneiro das reformas na América Latina. Distintivo porque
as reformas foram feitas muito antes de esses países terem completado o que se
convencionou chamar de transição demográfica,9 que, como será visto, constitui-se
em um dos maiores motivadores das reformas implementadas nos países desen-
volvidos; pioneiro porque na América Latina transitou-se de sistemas estatais regidos
pelo princípio de repartição para sistemas privados e compulsórios de poupança
regidos pelo princípio de capitalização.
Por sua disseminação e amplitude, as reformas da América Latina ensejaram
um caloroso debate acerca do papel do Estado enquanto provedor de seguro. O
fato de o Chile ditatorial ser o primeiro país a promover a reforma de seu sistema
em moldes bastante liberais motivou debate igualmente caloroso acerca das con-
dições políticas para implantação de reformas chamadas de estruturais, que redu-
ziram fortemente o papel do Estado e transferiram para o setor privado o papel
proeminente dos sistemas previdenciários.10 Argumentou-se ainda que o processo
de reforma que assolou a América Latina envolvia mecanismos internacionais de
7. Ver, a respeito, Baker e Benjamin (1996) e Burtless e Moffitt (1986).
8. O caso brasileiro apresenta uma história muito interessante de progressiva extensão de benefícios até a universalização definida na
Constituição de 1988. Sobre essas reformas, ver, entre outros, Coelho (2003), Esping-Andersen (2003), Mesa-Lago (1994, 1996, 1997,
2003), Ensignia e Diaz (1997), Holzmann, (1997); Lacey (1996); Madrid (1999); Matijascic (2002); Queisser (1995); Remmer (1998);
Smith, Acuña e Gamarra (1994).
9. Detalhes sobre aspectos demográficos poderão ser vistos no capítulo 3.
10. Há farta literatura sobre isso. Ver, a respeito, entre outros, Brooks (1998), Kay (1999), Mesa-Lago (1999), Muller (2000) e Huber e
Stephens (2000). Orenstein (2000) e Muller (1999) analisam países do Leste Europeu. Discussão detalhada é encontrada no capítulo 5.
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14. 14 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
transmissão de idéias, sobretudo aquelas de cunho neoliberal, amplamente apoiadas
nas instituições multilaterais, ainda que a reforma chilena tenha ocorrido mais de
uma década antes do principal documento proponente de reformas.11
Mas por que os sistemas previdenciários estão em xeque mundo afora? Basi-
camente por três razões: primeiro, porque algumas variáveis que determinam o
equilíbrio dos sistemas estão sofrendo alterações que caminham no sentido de
reduzir o período de contribuição e/ou aumentar o tempo de recebimento de
benefícios. Segundo, porque essas variáveis (ligadas principalmente a mudanças
demográficas e do mercado de trabalho) são, em sua grande maioria, determinadas
fora do sistema de previdência e são, em geral, variáveis de resultado, ou seja,
variáveis sobre as quais pouco se pode fazer diretamente, ainda que isso seja possível
e necessário. Terceiro, porque a estrutura de incentivos dos sistemas previdenciários
age no sentido de reforçar os efeitos desestabilizadores de variáveis externas. Essa
estrutura é regulada por normas legais que, com freqüência, são rígidas (no caso
brasileiro, mas não apenas nele, elas são constitucionais), o que limita, e algumas
vezes praticamente impede, que ajustamentos dos sistemas previdenciários sejam
feitos com a velocidade adequada, com conseqüências negativas sobre sua
sustentabilidade.
O ponto inicial para se compreender a questão das reformas é entender, pelo
menos em linhas gerais, os sistemas de previdência. Se no passado mais remoto do
século XVIII os infortúnios associados ao mundo laboral, como o acidente de
trabalho, a invalidez, a perda de capacidade de trabalho decorrente da velhice e
mesmo a morte prematura do arrimo, eram questões privadas e condenavam a
família à miséria e à degradação, aos poucos formou-se o entendimento de que
essas questões transcendiam a esfera privada. Desse entendimento decorre a idéia
de que os custos do infortúnio e da perda de capacidade laboral poderiam e deveriam
ser mitigados pelo conjunto da sociedade – ou pelo menos pelo conjunto daqueles
que estavam diretamente envolvidos na atividade laboral, ou estivessem mais ex-
postos a riscos. É essa, aliás, a forma como nascem os primeiros sistemas de cober-
tura previdenciária: planos de cobertura de eventos restritos a apenas algumas – e
às vezes apenas uma – categorias profissionais.12
11. Ver, a respeito, Stallings (1994), Lo Vuollo (1996) e World Bank (1994).
12. A idéia de um seguro contra a depreciação permanente do capital humano é anterior ao modelo alemão e remete às sociedades de
assistência mútua organizadas por guildas na própria Alemanha, antes de Bismarck. Também na França napoleônica bancos forneciam
seguro contra invalidez subsidiado pelo Estado. O que distinguia o caso alemão pós-Bismarck de mecanismos de proteção predecessores
era sua natureza compulsória e contributiva, estruturada sob a forma de sistema gerenciado e suportado pelo Estado.
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15. INTRODUÇÃO 15
Por suas características, a organização desses sistemas foi, desde seu início,
na Alemanha, em 1889, a partir de iniciativa do chanceler Otto von Bismarck,13
fundada sob a forma e a técnica de seguros, baseada em contribuições compulsórias
de trabalhadores (segurados) e de patrões. Os segurados que porventura fossem
atingidos pelos infortúnios do destino ou que perdessem sua capacidade laboral
por velhice (na Alemanha, a partir de 70 anos de idade) passavam a usufruir de
benefícios – normalmente reposição de uma fração de sua renda quando em ativi-
dade – em dinheiro, razão pela qual, nessas situações, passavam a ser chamados de
beneficiários.14
Ao fundar um sistema de seguro social sob controle, gerenciamento e operação
do Estado e estruturado com base em contribuições de trabalhadores e de seus
patrões, o Estado moderno trouxe para si o risco implícito associado a esse sistema.
Entenda-se risco implícito aquele associado ao desequilíbrio entre o montante
esperado de contribuições e o montante esperado de pagamentos (benefícios).
Esses riscos decorrem de alteração das variáveis que em geral não estão sob controle
dos sistemas de previdência e muitas vezes não estão sequer sob controle direto do
Estado. A mais evidente dessas variáveis é a mudança da estrutura demográfica,
mas existem outras, como as condições macroeconômicas e, em especial, aquelas
ligadas ao mercado de trabalho. O primeiro tipo de desequilíbrio – o demográfico –
tem sido, em geral, a mola propulsora das reformas dos países desenvolvidos, mas
não apenas deles.
Outra característica dos modelos de previdência que foram estabelecidos na
maioria dos países ao longo de todo o século XX é que foram estruturados num
sistema de repartição,15 o que implica que ele funciona como mecanismo de trans-
ferência e redistribuição de renda, com inexoráveis conflitos distributivos de duas
naturezas distintas: a) conflitos distributivos intrageracionais, ou seja, que existem
entre indivíduos de uma mesma geração, por exemplo, entre homens e mulheres,
pobres e ricos, entre indivíduos mais e menos escolarizados, entre pessoas saudáveis
e pessoas doentes, pessoas que trabalham e pessoas que não trabalham, pessoas
que poupam e pessoas que não poupam etc.; e b) conflitos distributivos
intergeracionais, aqueles entre jovens e velhos que disputam entre si os recursos e
os custos de transferências. Mais modernamente, aliás, tem sido reconhecido – e
13. Essa é a lógica que regeu a consolidação do seguro social implementada pelo chanceler Bismarck na Alemanha a partir de 1883 e
que deu origem a praticamente todos os planos de previdência do mundo até nossos dias.
14. Sistema alternativo financiado por impostos gerais destinados a garantir renda mínima vitalícia para idosos pobres foi instituído na
Dinamarca (1891), na Nova Zelândia (1898), na Austrália (1908) e na Inglaterra (1908).
15. Ver detalhes no capítulo 2. Em síntese, modelos de repartição envolvem redistribuições entre gerações, em favor das gerações mais
velhas, pela dissociação em termos de valor presente entre financiamento e benefício.
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16. 16 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
corretamente reconhecido – que o conflito intergeracional envolve também indi-
víduos que ainda não nasceram.16
É importante notar que a sociedade, através de mecanismos de escolha pú-
blica, define o grau e a forma da distribuição de recursos quando elege um parti-
cular sistema de previdência. Ocorre que, uma vez tomada a decisão inicial, ela
“vale para sempre” ou, mais precisamente, até que uma “reforma” seja feita. Em
geral, a iniciativa de estabelecimento de sistemas de previdência ocorreu com
envolvimento e deliberação de apenas uma geração, aquela dos que já se aposentaram,
fazendo com que as gerações mais novas arcassem com a maior parcela de custos.
Isso porque a geração mais jovem ou não estava apta a participar politicamente da
decisão ou simplesmente sequer havia nascido.
É certo também que, se alguns efeitos decorrentes dessas escolhas são previsíveis
e, nessa medida, refletem preferências e escolhas deliberadas, outros não o são.
Como afirmam Gillion et al. (2000, p. 13): “Some effects of social security, however,
may be undesired, due either to inherent trade-offs in the design of systems or to
consequences unanticipated when systems were designed”.
Mas há um quase consenso de que o desenho institucional que define os
sistemas de previdência tem peso crucial em seu desempenho. É ele, portanto, que
deve ser reformado e aprimorado através das reformas, até porque as outras variáveis
que o afetam, como a demografia e o crescimento econômico, não são controláveis.
Enquanto as economias se desenvolviam em ritmo forte no pós-guerra e a
população que crescia era jovem e economicamente ativa, os sistemas permitiram
forte transferência líquida de renda para as gerações mais velhas, sem que houvesse
graves desequilíbrios. Essa transferência líquida num ambiente de prolongado
crescimento econômico pôde propiciar alto padrão de vida aos aposentados. Esse
é o caso dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), dos Estados Unidos e do Canadá, cujos aposentados desfrutam
de elevado nível de bem-estar. A conjugação de sistemas generosos de previdência
com pressão política exercida por grupos sociais organizados, especialmente no
campo trabalhista, fez com que até mesmo trabalhadores com baixa qualificação e
produtividade pudessem auferir benefício previdenciário de elevado valor.17
Mas quando o fator demográfico age no sentido de elevar a participação
relativa dos idosos e a concorrência internacional define um padrão competitivo
16. Ver, por exemplo, Rangel e Zeckhauser (2001), Bohn (2001) e Campbell et al. (2001).
17. Ver, a respeito, Myles (2002).
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17. INTRODUÇÃO 17
com desemprego estrutural mais elevado, o sistema apresenta dificuldades de fi-
nanciamento e de sustentabilidade, passando a exigir reformas.
O caso brasileiro não foge a esse padrão. Ao longo do século XX expandiu
cobertura e benefícios, fez duas reformas em apenas cinco anos e está na iminência
de uma terceira reforma. O que há de especial em nosso caso é: a) sua dimensão,
seja em termos de número de contribuintes – aproximadamente 32 milhões de
contribuintes para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) –, seja de novos
benefícios concedidos – em 2005, 3.966.724 (ver MPAS, 2006) –, seja ainda em
termos de volume de recursos arrecadados e/ou transferidos – em 2005, R$ 108,2
bilhões de arrecadação líquida (5,58% do PIB) e R$ 146,0 bilhões de benefícios do
RGPS (7,54% do PIB) (ver MPAS, 2006) –, constituindo-se mesmo em um gigan-
tesco e muitas vezes ineficiente programa de redução de pobreza (ver capítulos 10
e 11); b) o sistema de previdência no Brasil tem sido um severo elemento de
restrição fiscal, atingindo déficits da ordem de 5% do PIB, marca que coloca o
país no grupo dos maiores déficits previdenciários do mundo;18 e c) nossa previ-
dência está ligada à área de assistência à saúde, compondo um complexo sistema
de seguridade social com fortes transferências de renda e que envolve a ação de
diversos entes federativos e conta com um intrincado sistema de financiamento19
(sobre esse último aspecto ver o capítulo 9).
Por que, diante dessas particularidades e tendo em vista que duas reformas já
foram feitas – a primeira em 1998, quando se procurou estabelecer regras mais
rígidas para obtenção do benefício previdenciário, atingindo o sistema geral e os
sistemas próprios do funcionalismo público, e a segunda em 2003, quase exclusi-
vamente voltada para o setor público –, o quadro que se apresenta é profunda-
mente desalentador em termos de sustentabilidade, fazendo com que uma terceira
reforma seja necessária? Por que ainda continuamos com enormes desajustes e
desequilíbrios, com intensas transferências de renda entre gerações e entre grupos
sociais?
Porque não reconhecemos as profundas mudanças que ocorreram no mundo
do trabalho, cujas manifestações mais visíveis são o elevado desemprego e a gigantesca
e estrutural informalidade e, por conseqüência, não nos dedicamos a discutir formas
de incorporar efetivamente esse enorme contingente ao mundo da formalidade.
18. A terceira das três particularidades de nosso sistema tem certamente ensejado os mais acalorados debates. Ver, a respeito, entre
outros, Giambiagi et al. (2004), Giambiagi e Além (1997), Cechin (2005), Matijascic (2006), Zylberstajn, Souza e Afonso (2006), Tafner
(2006), Oliveira, Beltrão e Ferreira (1997), Oliveira, Beltrão e David (1999).
19. Ao incorporar elementos típicos de assistência social, a previdência brasileira engessa sua estrutura e limita as possibilidades de
ajustamento como resposta às alterações das variáveis que determinam a sustentabilidade do sistema que, como dito, são determinadas,
em sua grande maioria, fora dele.
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18. 18 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
Porque nos recusamos a aceitar que os ganhos civilizatórios obtidos pela sociedade
brasileira e expressos pela crescente esperança de vida de nosso povo não podem
ser privadamente incorporados pelos mais velhos, com custos exagerados sobre as
gerações mais novas, com evidentes impactos sobre a distribuição etária da pobreza.
Porque nos recusamos a remover privilégios inaceitáveis de certos grupos sociais,
a pretexto de zelar por direitos justificáveis. Porque construímos e preservamos
uma estrutura de incentivos que penaliza o contribuinte da previdência que, afinal,
poupa com esforço ao longo de toda uma vida de trabalho árduo, instável e de
baixa remuneração. Porque, por outro lado e finalmente, teimamos em conceder
benefícios elevados, muitas vezes generosos e freqüentemente sem cobertura de
receitas correspondentes.
O presente trabalho, que compila os esforços analíticos de pesquisadores do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e de outras instituições, analisa
cada uma das principais variáveis determinantes do desempenho do sistema
previdenciário brasileiro, trazendo ao leitor reflexões teóricas sobre a questão, a
análise e o histórico do sistema brasileiro de seguridade e previdência e, também,
informações comparativas da experiência internacional.
Inicialmente é necessário que o leitor tenha em mente que o equilíbrio de
sistemas previdenciários está diretamente associado:
às condições macroeconômicas, como crescimento do produto e da pro-
dutividade e taxa de juros real de longo prazo;
às condições e evolução do mercado de trabalho, como o nível e a compo-
sição do emprego;
à dinâmica demográfica, esta em grande medida determinada pelas condições
de saneamento, de higiene, de saúde e de hábitos da população; e
aos critérios de contribuição e de elegibilidade – os denominados parâmetros
técnicos do sistema como alíquotas de contribuição,20 idade de aposentadoria, tempo
de contribuição etc.
Essas variáveis – que são em maior ou em menor grau reguladas e afetadas
por instituições, regras e regulamentos – estão em constante mudança, e em cada
país em estágios diferentes, fazendo com que os efeitos não sejam iguais em todo
lugar. Por isso, produzem efeitos dessemelhantes sobre os respectivos sistemas e
determinam diferentes graus de premência de reformas: em alguns casos há tempo
20. Obviamente, o efeito pode ser inverso ao esperado. Se as alíquotas são muito elevadas, como no caso brasileiro, por exemplo, podem
atuar como incentivo ao desemprego e à informalidade, reduzindo o volume de arrecadação do sistema.
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19. INTRODUÇÃO 19
para ajustamentos suaves, como é o caso do Brasil, e, em outros, as reformas são
mais urgentes.
No presente trabalho, além dos aspectos estritamente técnicos, cada autor,
sempre que possível, buscou esmiuçar as complexas conexões entre economia e
instituições. A porta de entrada e o enredo é o sistema previdenciário, a trama, as
instituições e seus efeitos sobre o comportamento dos indivíduos, à semelhança
do que já tem sido feito por diversos autores.21 Com o intuito de fazer da leitura
algo não muito maçante, este trabalho está organizado em 12 capítulos, sendo o
último uma proposta de reforma de nosso sistema que os organizadores submetem
ao escrutínio técnico, esperando contribuir para o debate e para o aprimoramento
de nosso sistema previdenciário.
O primeiro capítulo apresenta alguns conceitos fundamentais que envolvem
o debate sobre previdência e seguridade. Também apresenta e analisa modelos
explicativos para a participação do Estado na provisão de serviços de previdência.
Em seguida discute a importância do aparato institucional que regula os sistemas
de seguridade e previdência, aí destacando a fundamental importância que as
regras formais assumiram na conformação dos programas. Com o intuito de deixar
o leitor confortável com o que encontrará nos demais capítulos, são destacados os
principais aspectos relevantes na determinação do desempenho dos sistemas
previdenciários.
O capítulo 2 aprofunda o conteúdo do primeiro capítulo e faz sólido exame
sobre a racionalidade econômica, do ponto de vista normativo e da economia
política, para a existência de sistemas previdenciários, tais como desenhados hoje
nos principais países do mundo. Em seguida discute os custos implícitos na ma-
nutenção desses sistemas, representados principalmente pelas distorções sobre as
decisões de consumo e de poupança e da oferta de trabalho. Como método da
discussão, compara modelos “puros” sob a ótica da maximização do bem-estar da
sociedade. Ao final, aborda a questão do custo de transição. Em conjunto com o
primeiro capítulo, define a abordagem que os editores dão à questão da previdência.
O capítulo 3 faz um estudo detalhado sobre as questões demográficas no
Brasil. Destaca com toda a magnitude o processo de envelhecimento progressivo
da população brasileira. Em síntese, a alta fecundidade do passado aliada à redução
da mortalidade resulta num crescimento elevado desse contingente nos próximos
30 anos, representando um desafio ao financiamento desse processo e impondo a
necessidade de ajustes no sistema previdenciário brasileiro.
21. Ver, por exemplo, o livro de Gruber e Wise (1999) e todos os capítulos de estudos de casos de países.
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20. 20 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
O capítulo 4, com base na discussão teórica realizada nos capítulos iniciais,
avalia as reformas empreendidas nos países desenvolvidos. Casos emblemáticos
como os da Alemanha, da França, do Japão, dos Estados Unidos e dos pioneiros
dos sistemas de contas nocionais (Suécia e Itália) são analisados em profundidade,
destacando-se, em cada caso, particularidades relevantes. A análise do Reino Unido
é aprofundada por ser este um dos poucos países da Europa, entre aqueles com
sistemas de repartição, que não passa por sérios problemas no seu sistema
previdenciário, dadas a suave transição demográfica e a reduzida taxa de reposição
dos benefícios previdenciários em relação ao salário médio.
O capítulo 5 é um contraponto do anterior. Faz uma interessante discussão
das reformas empreendidas pelos países latino-americanos, à luz de reflexões e
resultados de duas décadas de experiência do processo de reformas privatizantes
do continente. Aspectos como a reduzida taxa de adesão ao sistema, assim como
os ligados à estrutura de concorrência e dos custos de administração dos planos
previdenciários, são cuidadosamente analisados e podem oferecer pistas sobre ca-
minhos que o Brasil pode trilhar na busca de aprimoramentos de seu sistema.
No capítulo 6 reconhece-se que a previdência no Brasil vem cumprindo
importante papel de redistribuição de renda, mas se advoga por uma clara separação
entre previdência e assistência. A primeira, contributiva e atuarial, desempenhando
papel marginal em termos distributivos; a segunda, por oposto, devendo assegurar
renda aos necessitados, sem caráter contributivo. Considerada essa separação,
concentra-se de forma clara e objetiva na componente previdenciária e em especial
nos benefícios previdenciários programáveis, dedicando-se à avaliação de algumas
das regras atualmente existentes e suas limitações. Por fim, avaliam-se os efeitos
financeiros sobre o sistema de alguns aprimoramentos das regras que regulam a
elegibilidade de benefícios programados.
O capítulo 7 apresenta interessante discussão sobre o componente assistencial
de nosso sistema de seguridade, conhecido como Lei Orgânica de Assistência
Social (Loas), e seu impacto sobre a informalidade. Busca-se avaliar se após a
aprovação da Loas, implementada em 1993, teria havido aumento da
informalidade, tendo em vista que a lei garante o acesso a aposentadorias sem
exigir contribuição prévia para a previdência social e em valor equivalente ao piso
previdenciário. O estudo é feito estimando, para o grupo potencialmente mais afe-
tado pela legislação, a mudança na probabilidade de contribuir para a previdência
antes e depois da criação da Loas e comparando seus resultados com os de traba-
lhadores menos afetados pela legislação. Os resultados indicam que, com a intro-
dução da Loas, diminuíram as contribuições para a previdência social dos traba-
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21. INTRODUÇÃO 21
lhadores mais jovens e com pouca escolaridade, evidenciando, mais uma vez, que
as instituições determinam em grande medida a ação dos indivíduos e, no caso
dos sistemas previdenciários, podem ser determinantes de seu desempenho.
O capítulo 8 é voltado aos aspectos ligados ao mercado de trabalho, e em
linha com o capítulo anterior seu desempenho recente é analisado, com ênfase na
informalidade e nos impactos que instituições do mercado de trabalho podem
exercer sobre o sistema de previdência. Em complemento, é analisada a crescente
participação feminina na atividade econômica e também avaliado seu impacto
sobre o sistema previdenciário. Em linha com muitos trabalhos, procura mostrar
como instituições afetam o comportamento dos agentes, no caso com evidentes
impactos na previdência brasileira.
O capítulo 9 discute o financiamento da previdência brasileira. Apresenta a
evolução das receitas e despesas e destaca o crescente desajuste entre ambas, o que
vem exigindo aportes crescentes de recursos do Tesouro. Na discussão que faz
sobre as receitas, avalia a adequação das mesmas tendo em vista sua capacidade de
gerar os recursos necessários ao financiamento e seus efeitos econômicos. Ainda
nesse capítulo, traça-se um panorama analítico das principais propostas de mu-
dança no financiamento da previdência já apresentadas, destacando, em cada caso,
suas vantagens e desvantagens.
Os capítulos 10 e 11 tratam de um mesmo tema, com enfoques que se
complementam. O capítulo 10, utilizando modelos semiparamétricos, estima as
funções de densidades contrafactuais de diversos atributos e corrobora a tese de
que a previdência, de fato, reduz a pobreza no Brasil, ainda que esse efeito não seja
homogêneo por gênero, nem por idade. Esse resultado, se de um lado deixa claro
que a previdência atua no sentido de redução da pobreza, de outro levanta sérias
questões sobre o uso desse instrumento, dada sua reduzida potência.
O capítulo 11 faz uma ampla comparação das regras de concessão do bene-
fício de pensão por morte e mostra que nosso sistema é especialmente generoso.
De fato, comparado a duas dezenas de países de diversos continentes com variados
graus de desenvolvimento, constata-se que o Brasil é o que possui condições de
acesso menos restritivas ao benefício de pensão por morte: não exige idade mínima
de acesso do cônjuge, não tem carência contributiva, permite o acúmulo de bene-
fícios e renda de trabalho, não exige período mínimo de coabitação, nem casa-
mento. Concede 100% do valor segurado (aposentadoria ou renda do trabalho) e
não prevê extinção do benefício, exceto com a morte da(o) viúva(o). Para cada
país analisado, simula-se a aplicação de suas regras para a realidade brasileira. Os
resultados são inequívocos: para todos os casos, haveria redução do volume de
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22. 22 PAULO TAFNER – FABIO GIAMBIAGI
gastos com esses benefícios. O capítulo conclui revelando que, se a economia de
recursos fosse utilizada em um programa focalizado que transferisse recursos para
os segmentos mais pobres do país, haveria expressiva redução da pobreza, sobretudo
entre os grupos etários mais jovens, o que revela um traço perverso de nosso sistema
previdenciário: concentra recursos entre os mais velhos, retirando da infância e da
juventude, que são os segmentos mais pobres do país.
O capítulo final consolida os principais aspectos apresentados e discutidos
no livro e apresenta para a discussão pública um conjunto sistematizado de pro-
postas de aprimoramentos de nosso sistema previdenciário, visando solucionar ou
pelo menos amenizar de forma mais perene os problemas apontados nos capítulos
precedentes. Ao reconhecer que nossos problemas são graves, mas que temos tempo
para ajustes, a proposta apresentada contempla três princípios fundamentais:
a) estabelece gradualismo de implementação, fator importante para evitar soluções
de continuidade e injustas penalizações; b) define uma carência de quatro anos
para entrada em vigor das primeiras mudanças dos parâmetros técnicos, o que
evita uma indesejável corrida rumo à aposentadoria; e c) preserva direitos adquiridos.
Ao trazermos a público esse esforço de diversos pesquisadores do Ipea e de
outras instituições de pesquisa, esperamos contribuir para que o processo de apri-
moramento de nosso sistema seja feito levando-se em consideração os mais dife-
rentes e múltiplos aspectos associados a ele. Cabe lembrar que, em consonância
com a discussão deste trabalho, estamos vivenciando o desenvolvimento do Fórum
Nacional da Previdência Social. Esse fórum, criado no âmbito do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, visa reformular e estabelecer
saídas para o futuro da previdência social no Brasil, priorizando alguns objetivos,
tais como sustentabilidade e equilíbrio do sistema. O momento é propício para a
reflexão sobre o tema e cabe a nós aproveitar a ocasião para trazer ao debate público
soluções que possam ser compartilhadas por toda a sociedade.
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29. CAPÍTULO 1
SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS*
Paulo Tafner**
1 INTRODUÇÃO
Na primeira seção do presente capítulo, faremos uma breve discussão da impor-
tância do aparato institucional que regula os sistemas de seguridade e previdência,
dando ênfase ao papel fundamental que as regras formais assumiram na confor-
mação dos programas de previdência. Destacamos que essas regras legalmente
constituídas, aqui tratadas como o aparato institucional, acabam por definir e
moldar o comportamento dos indivíduos na busca por maximização de renda.
Na segunda seção, apresentaremos de maneira ligeiramente mais formal os
conceitos fundamentais de seguridade social, em especial aqueles ligados à previ-
dência. Nesse tópico vamos destacar o papel de cada um dos elementos que compõem
a previdência social no Brasil e sua relação com o que será visto nos demais capítulos
do presente estudo.
A terceira seção apresentará de forma resumida as razões para a intervenção
do Estado na questão de seguridade e, mais especificamente, na previdência. Pro-
curamos destacar dois aspectos que julgamos relevantes: a) apesar de, em vários
países, o sistema de previdência ter nascido sob o comando do Estado e ter se
tornado a forma dominante durante o século XX – ainda que desde a década de
1990 essa tendência tenha se revertido –, essa não é a única forma teoricamente
possível, ainda que empiricamente seja predominante; e b) argumentos teóricos
para o papel proeminente do Estado em questões de previdência não são consensuais,
nem tampouco é trivial deduzir essa proeminência empiricamente observada.
* Agradeço a Marcos Eugênio da Silva, José Cláudio Ferreira da Silva, Carolina Botelho e Márcia Marques Carvalho pelos comentários e
sugestões. Quaisquer erros e omissões neste trabalho são de minha inteira responsabilidade.
** Coordenador de Estudos de Previdência da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
Cap01.pmd 29 23/3/2007, 15:39
30. 30 PAULO TAFNER
Na quarta e última seção do capítulo apresentaremos de forma bastante
simplificada um modelo explicativo-causal para previdência social no Brasil, mos-
trando claramente que a previdência é um sistema que influencia e é fortemente
influenciado por outros sistemas que lhe são independentes. Nosso objetivo, além
do caráter didático, é preparar o leitor para os capítulos seguintes, em que esses
sistemas serão discutidos e analisados, procurando identificar e, sempre que pos-
sível, quantificar os impactos que causam no sistema previdenciário.
2 COMO OS INCENTIVOS DOS INSTITUTOS LEGAIS AFETAM O SISTEMA
É importante deixar claro desde já que no Brasil, do ponto de vista legal, os princípios
da seguridade social não são imediatamente aplicáveis ou, melhor dizendo, não são
capazes de produzir efeitos imediatos. Para que seus princípios e objetivos ganhem
funcionalidade, é necessário que o legislador crie institutos legais que implementem
as ações de seguridade social. Mas muito freqüentemente, não basta apenas a ação
do legislador. Em muitos casos, é necessário também que regras operacionais sejam
implementadas pelo Executivo de modo a tornar efetivos certos direitos, definindo
a forma, o prazo, os requisitos e os formulários de acesso aos benefícios.1
Isso significa que é um grande arcabouço que confere forma e dá substância
e conteúdo aos princípios de seguridade; é ele que define os procedimentos, os
prazos e, em última instância, que determina a inclusão de indivíduos ao sistema,
seja sob a forma de contribuinte, de beneficiário ou de ambas.
Tal como procuramos enfatizar na introdução deste livro, não apenas no
Brasil, mas em praticamente todos os países, mesmo naqueles de tradição de direito
anglo-saxão,2 a seguridade social é regida por regras formais e legislações específicas.
É natural, portanto, que os arranjos institucionais que definem os sistemas de
seguridade de cada sociedade afetem mais ou menos intensamente o desempenho
desses sistemas. Isso não significa que o desempenho dos sistemas seja determinado
exclusivamente pela variável institucional, ainda que por vezes possa ser o fator
discriminante. Significa que esse componente, ao definir um conjunto básico de
regras de inserção no sistema e de acesso a benefícios, determina a forma como os
agentes agirão com o intuito de maximizar o benefício que venham a auferir, e
poderá ser fator relevante no desempenho do sistema previdenciário.
1. De forma bastante resumida e à semelhança do estabelecido para o Código Tributário Nacional (CTN), podemos dizer que o sistema
de seguridade é regulado primeiramente, por ordem de importância, pela Constituição Federal, pelas Emendas Constitucionais (EC) que
alteraram a Constituição, por Leis Complementares, Ordinárias e Delegadas e, em segundo lugar, por Atos Normativos, Portarias e
Decisões Administrativas.
2. Certamente uma tradição mais permeável a manifestações não formais do direito e na qual usos e costumes definem um ramo
legítimo do direito.
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31. SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 31
No caso específico dos sistemas de previdência, a experiência internacional
parece corroborar a tese de que são os aparatos institucionais que definem as es-
truturas de incentivos e moldam o comportamento dos indivíduos.3 Ao fazerem
isso, afetam de forma decisiva não apenas o sistema previdenciário, como também
o comportamento dos indivíduos no mercado de trabalho.
Na análise que fazem dos sistemas previdenciários dos países da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD) – , Gruber e Wise (1999, p. 8)
advertem que “the provisions of social security plans can create large retirement incen-
tives”. Isso, além de severas mudanças demográficas, estaria por trás das crises finan-
ceiras dos sistemas de seguridades em praticamente todos os países desenvolvidos.
Na Alemanha, por exemplo, antes da legislação mais flexível implementada
em 1972, a idade de aposentadoria era de 65 anos. No entanto, após a mudança
legal daquele ano, que permitiu a aposentadoria antecipada (60 anos, se mulher, e
63, se homem) – e em muitos casos sem redução do valor do benefício –, o que se
observou foi um aumento líquido da taxa de aposentadoria e uma redução na
idade média de obtenção do benefício, como mostra o gráfico 1. Como afirmam
Gruber e Wise (1999, p. 10): “In fact, there was a dramatic response to this increase
in retirement incentives. Over the next few years, the means retirement age (…) was
reduced by 5,5 years” (os autores referem-se, obviamente, ao período 1973-1981).
Também a França fornece um belo exemplo de como os incentivos definidos em
instrumentos legais que regulam a previdência afetam e moldam o comportamento
GRÁFICO 1
Estados Unidos: porcentagem de ocorrência de aposentadoria entre empregados,
segundo idades – 1960 e 1980
20,0
18,3
18,0 16,8
16,0
13,2
14,0
12,0
9,6
10,0
8,1
8,0
5,7 5,9 4,9 6,2
6,0 4,6 3,4 4,7
3,6 2,8 3,3 3,0
4,0
1,1 1,2 1,6 1,7 1,3 2,5 2,1 1,2 2,5 2,6 2,8 2,2 2,7
2,0 0,8
0,1 0,1
0,0
55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70
Idade
Fonte: Burtless e Moffitt (1984). 1960 1980
3. Ver a respeito, entre outros, Gruber e Wise (1999), Gillion et al. (2000), Feldstein (1974), OECD (2000), Mesa (2005) e World Bank
(1994; 1995; 2001).
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32. 32 PAULO TAFNER
dos indivíduos, trazendo com isso conseqüências indesejáveis aos sistemas
previdenciários. Assim como na Alemanha, até 1972 a idade legal para a aposen-
tadoria era 65 anos. No início dos anos 1970, foram feitas modificações nos critérios
de concessão de aposentadoria, incentivando a saída precoce do mercado de tra-
balho (ver BÖRSCH-SUPAN et al., 2004).4 Até o início daquela mesma década, a
idade modal de aposentadoria era 65 anos, mas em meados da década de 1980
ocorria com menos cinco anos, ou seja, aos 60 anos. O efeito da mudança legal
não foi observado apenas na idade modal, mas também nas idades média e mediana
de obtenção de aposentadoria, tendo esta última apresentado redução de 3,1 anos.
Os exemplos poderiam se suceder, mantendo sempre a mesma e fundamental
característica: os institutos legais que regulam sistemas de previdência definem o
conjunto de incentivos e, ao fazerem isso, determinam o comportamento dos
agentes que, por sua vez, e de forma agregada, determinam em grande medida o
desempenho dos sistemas previdenciários.
De forma mais ou menos homogênea, foi essa a trajetória dos países da
OCDE e também da maioria dos países desenvolvidos. Os Estados Unidos, por
exemplo, que até 1960 tinham idade mínima de aposentadoria fixada em 65 anos,
flexibilizaram a legislação, permitindo a aposentadoria antecipada para indivíduos
do sexo masculino com idade de 62 anos. A inovação já havia sido adotada em
1956 para as mulheres. O resultado pode ser assim resumido: “The effect of the
introduction of early retirement on labor force departure rates is striking. Starting
in 1970, and visible most clearly in 1980, there was a dramatic increase in the
departure rate at age sixty-two and a corresponding decrease at age sixty-five”
(GRUBER; WISE, p. 18).
O caso dos Estados Unidos constitui um ponto fora da curva. Dois efeitos
conjugaram-se positivamente de modo a permitir que a falência de seu sistema
previdenciário fosse postergada, dando tempo para ajustamentos mais diluídos
no tempo. Em realidade, os fantásticos crescimentos econômicos experimentados
na década de 1970 e também posteriormente, na década de 1990, permitiram
financiar o sistema previdenciário através da absorção no mercado de trabalho das
coortes nascidas nas décadas de 1960 e 1970 – uma geração numerosa –, com
nível salarial elevado. Isso significa que não apenas a base física de arrecadação – a
força de trabalho empregada – mas também a base monetária – o rendimento
médio real dos trabalhadores empregados – cresceu a taxas expressivas durante
4. Efeito semelhante pode ser encontrado para o Canadá (GRUBER; HANRATTY, 1995). Ver também o caso da Bélgica em Pestieau e Stijns
(1999).
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33. SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 33
praticamente três décadas, permitindo flexibilidade temporal para os ajustes
necessários.5
Mas as legislações de 1956 e 1961 deixaram marcas, como pode ser observado
no gráfico 1. A incidência relativa de ocorrência de aposentadoria entre trabalha-
dores em 1980 é sistematicamente superior à de 1960 até a idade de 63 anos,
indicando que os trabalhadores, tendo a possibilidade legal, anteciparam a saída
do mercado de trabalho.
Esses três casos não são experiências isoladas. Em detalhado estudo comparativo
de seus países-membros, a OECD (2000, p. 112) destacou a seguinte conclusão:
(...) Men have been spending far less of their lives in employment. Men used to work for most of their
life; if existing trends continue, men will soon be spending substantially more of their lives in activities
other than work–specially in growing periods of retirement. Men are retiring earlier and living longer
once retired. Women are also retiring earlier and living longer once retired.
Ao flexibilizarem regras para a aposentadoria antecipada, os governos abriram
uma brecha em termos fiscais – em alguns casos com severos déficits fiscais –,
que redundou na necessidade de reforma dos sistemas ao longo das décadas de
1980 e 1990. Se, de um lado, as condições de sobrevida da população representam
um ganho para a sociedade em termos de qualidade de vida – pois refletem as
melhorias nas condições de saneamento, habitação, transporte, atendimento à
saúde etc. –, de outro, a flexibilização das regras de aposentadoria fez com que
uma população que vivesse mais passasse a se aposentar mais cedo, permanecendo,
por conseguinte, na inatividade remunerada por mais tempo.
Os dados de mais de uma dezena de países apresentados na tabela 1 mostram
com toda clareza que a expectativa de vida aumentou em todos eles e o tempo de
permanência no trabalho diminuiu. Em média, em apenas 40 anos a expectativa
média de vida condicionada à idade elevou-se quatro anos, indicando um aumento
de um ano por década. Deve-se destacar que essa expectativa de vida é a estatística
relevante para efeitos de sustentabilidade de sistemas previdenciários e não a ex-
pectativa de vida ao nascer, já que esta é fortemente influenciada pela mortalidade
infantil.
A redução do tempo de permanência na atividade poderia decorrer da maior
permanência dos jovens na escola. Isso, no entanto, é amplamente compensado
pelo aumento da expectativa de vida. O que se verifica, em realidade, são os efeitos
5. Diversos ajustes do sistema norte-americano foram implementados de maneira diluída no tempo. Isso facilita o processo legislativo de
aprovação de reformas.
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34. 34 PAULO TAFNER
TABELA 1
Diversos países da OCDE: expectativa de vida aos 65 anos e número de anos em atividade
econômica – população do sexo masculino – 1960 a 2010
População masculina
Expectativa de vida aos 65 anos Número de anos em atividade econômica
1960 1970 1980 1990 1997 1970 1980 1990 2000 2010
Canadá 13,8 14,1 14,8 15,4 16,0 44,0 42,8 40,4 38,5 37,6
Finlândia 11,6 11,7 12,1 13,8 15,0 47,2 40,1 38,6 34,2 34,2
Alemanha 12,0 11,9 13,1 14,6 15,1 48,2 40,7 38,1 36,1 35,9
Itália 12,8 13,1 14,2 15,1 15,4 39,8 38,8 37,2 33,6 32,8
Japão 12,1 12,5 14,7 16,2 17,1 49,9 47,6 47,2 46,8 46,7
Holanda 13,6 13,7 14,3 14,6 14,9 42,6 38,4 38,1 39,9 42,1
Suécia 13,9 14,1 14,1 15,3 16,3 47,2 44,2 44,1 37,6 37,4
Reino Unido 11,9 12,1 13,1 14,2 14,8 41,9 41,0 40,7 39,1 38,7
Estados Unidos 12,6 12,8 14,5 15,2 16,2 44,3 42,2 42,0 41,6 41,1
Fonte: OECD (2000).
dos incentivos à aposentadoria antecipada. A população reagiu de forma racional ao
abrandamento das condições de aposentadoria, antecipando sua saída do mercado
de trabalho.6 O efeito dessa ação individual, que se tornou fenômeno generalizado
na sociedade, implicou sérios desajustes financeiros dos sistemas de previdência,
obrigando-os a implementarem reformas.7
Esse processo de redução do período passado em atividade econômica é ge-
neralizado e também ocorreu no caso brasileiro, como será visto. Também entre
nós, como procuraremos demonstrar, foi conseqüência dos incentivos estabelecidos
na legislação que regula nossa seguridade social.
3 ALGUNS CONCEITOS QUE ENVOLVEM A SEGURIDADE SOCIAL
O Brasil tem um amplo e complexo sistema de seguridade social. Utilizamos o
termo sistema porque se trata de um conjunto de ações integradas que compõem
uma rede de proteção social. Os componentes da seguridade são a assistência
6. Os dados apresentados no gráfico 1 corroboram o argumento aqui apresentado.
7. Uma boa proxy do impacto negativo sobre os sistemas de previdência e a conseqüente necessidade de ajustamento é o número de
países que reformaram seus sistemas adotando normas mais restritivas para obtenção de aposentadoria: foram 19 países da OCDE (além
dos Estados Unidos), tais como Austrália, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Itália, Japão, México, Espanha e Inglaterra,
entre outros.
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35. SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 35
social8 – um conjunto de programas e ações voltados para a proteção da família,
da maternidade, da infância, da adolescência e da velhice, que, além disso, visa
garantir um patamar mínimo de renda a todos os cidadãos necessitados, indepen-
dentemente de contribuição à seguridade social –, a saúde – compreendendo todas
as ações curativas e preventivas de saúde, aí incluídas a vigilância sanitária e
epidemiológica e a saúde do trabalhador9 – e o seguro social ou, como é mais
conhecido, a previdência social, “organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial”.10
Para o financiamento desse leque de ações do Estado,11 estabeleceu o artigo
195 que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contri-
buições sociais: a) dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o
faturamento e o lucro; b) dos trabalhadores; e c) sobre a receita de concursos e
prognósticos. Para tanto, foram criadas contribuições sociais, cujas receitas estão
vinculadas ao financiamento da seguridade social.12 Para o subsistema previdenciário
foram criadas contribuições específicas, incidentes diretamente sobre a remuneração
ou a renda dos trabalhadores e sobre a folha de pagamentos, neste caso incidente
sobre o empregador (ver quadro no anexo).13
8. A assistência social está definida na Seção IV, do Capítulo II (Da Seguridade Social), do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição
Federal de 1988, nos artigos 203 e 20. Nesses artigos estão definidos os objetivos e o público beneficiário da assistência social, e também
imposição de que esta será financiada com recursos do orçamento da seguridade social, “além de outras fontes” (não especificadas).
9. A saúde está definida na Seção II, do Capítulo II, Título VIII, artigos 196 a 200. Nesses artigos estão definidos os princípios norteadores
da provisão da saúde, com envolvimento de todos os entes federativos, as formas de financiamento e o estabelecimento de um sistema
único de controle, de normatização e de provisão de serviços de saúde.
10. Redação da Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 201, caput com redação dada pela EC 20, de 15/12/1998. A
previdência social é tratada na Seção III, do Capítulo II, Título VIII, nos artigos 201 e 202.
11. Embora tenha ampliado o contingente de beneficiários, o conceito de seguridade tal como definido na Constituição de 1988 apenas
abrigou atividades que já eram atendidas pela previdência social na estrutura anterior. Outras atividades que poderiam ser consideradas
relevantes, como educação, habitação e saneamento, foram excluídas dessa definição e receberam outro tratamento, inclusive quanto a
seu custeio.
12. As contribuições sociais que financiam a seguridade são:
a) Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), 80% vinculada à seguridade;
b) PIS/Pasep, 60% de seu recurso é destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
c) Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), 42,1% para a saúde, 21% para a previdência e 21,1% para o Fundo
de Combate à Pobreza;
d) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), 80% para a seguridade social.
Em todos esses casos, os percentuais indicados referem-se aos valores devidos após aplicação da Desvinculação de Receitas da União
(DRU). Ver quadro anexo ao final do capítulo.
13. Mas também incluídas entre as contribuições para a seguridade encontram-se as contribuições previdenciárias dos servidores públicos e
dos trabalhadores inscritos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nesse caso, os recursos são 100% destinados ao financiamento
de aposentadorias e pensões de, respectivamente, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
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36. 36 PAULO TAFNER
Duas características muito relevantes destacam-se desse sistema de financia-
mento: a) em primeiro lugar, o fato de que, ao se estruturar o financiamento da
seguridade via contribuições específicas, criou-se em realidade um sistema tributário
paralelo com tributos de fácil cobrança, porém distorcivos e cumulativos,14 pena-
lizando produtos com cadeias produtivas mais longas – normalmente aqueles com
maior valor agregado; e b) ao se vincular parcela da arrecadação a uma particular
destinação, reduziu-se a flexibilidade alocativa – com evidentes efeitos deletérios
sobre a capacidade do Estado em gerir prioridades – e, o mais grave, cristalizou-se
e perpetuou-se uma particular preferência alocativa temporal e politicamente de-
finida, com conseqüências sobre a soberania da representação política de novas
preferências sociais.
Outro aspecto igualmente relevante é que, ao definir o sistema de seguridade
social, a Constituição de 1988 tratou de ampliar o rol de direitos a todos os cidadãos,
mesmo nas ações em que ela mesma admitia a existência de sistema contributivo,
como é o caso da previdência social. Nesse aspecto, como mencionado em Rezende
e Tafner (2005, p. 265-266),
(...) o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), até então restrito aos trabalhadores urbanos, foi
estendido para todos os trabalhadores formais, sendo estabelecido o salário mínimo como piso para
todos os benefícios de duração continuada. Para os indivíduos com mais de 65 anos, foi mantida a
antiga renda vitalícia a todos os que possam comprovar contribuições temporárias para a Previdência.
Aos trabalhadores rurais informais foi garantido um regime especial de previdência, elevando-se de
meio para um salário mínimo o piso para as aposentadorias e pensões; além disso, houve uma recom-
posição no valor dos benefícios, para corrigir as distorções anteriores (...).
Feita a separação das ações da seguridade social em seus três componentes,
podemos nos debruçar sobre o terceiro deles: a previdência social.
3.1 Previdência social
Apesar de o princípio contributivo da previdência social ser consagrado na Cons-
tituição de 1988, tal como reproduzido anteriormente, alguns analistas vêem a
previdência como um programa social destinado a garantir a todos os inativos um
benefício mínimo de forma não relacionada à contribuição. Nessa modalidade, a
previdência poderia ser entendida como um programa de renda mínima universal
e sem correspondência contributiva. Essa idéia é algumas vezes complementada
pelo entendimento de que a previdência é um sistema assistencial e redistributivo,
em que as contribuições devem ser pagas conforme disponibilidade de cada indi-
víduo; e os benefícios, recebidos conforme a necessidade.
14. A esse respeito ver, entre outros, Rezende e Tafner (2005, cap. 7), Oliveira (2003), Rezende (2003) e Varsano et al. (1998).
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