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O DESAFIO CHINÊS E A
                                                                 INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA

                                                                 Mauricio Mesquita Moreira


                                                                 RESUMO
                                                                  A emergência da China levanta dúvidas sobre o futuro da indústria na
América Latina. Embora a teoria de comércio tradicional e três gerações de tigres asiáticos já tenham questionado a capacidade da região
de obter participação expressiva no mercado mundial de manufaturados, a China, com oferta ilimitada de mão-de-obra, rápido
crescimento da produtividade, escala massiva e estado intervencionista, leva esse questionamento às últimas conseqüências. Este
artigo procura discutir a natureza e as implicações desse questionamento.
                                                                 PALAVRAS-CHAVE: América Latina, China, Indústria, Comércio Internacional.



                                                                 SUMMARY
                                                                  China’s emergence has raised questions about the future of
manufacturing in Latin America. Once saw as its economic future, the viability of this activity in the region has long been challenged
by traditional trade theory and, in practical terms, by at least three generations of Asian Tigers. China and its “unlimited supply of
labor”, rapid productivity growth, scale, and extremely interventionist state has brought the practical challenge to unprecedented
levels. This paper looks at the nature of this challenge and its implications.
                                                                 KEYWORDS: Latin America, China, Industry, International Trade.




                                                                A emergência da China no mercado mundial deixa no
                                               ar uma desconfortável dúvida sobre o futuro da América Latina na
                                               divisão internacional do trabalho. Por várias gerações esse futuro foi
                                               imaginado como um futuro industrial. Industrialização era a chave
                                               para o desenvolvimento da região e por várias décadas o Estado foi
                                               posto a serviço desse objetivo, apesar das objeções inspiradas prin-
                                               cipalmente na teoria de comércio internacional. A região, ainda que
                                               com diferentes graus de sucesso entre os países, efetivamente se indus-
                                               trializou, mas o futuro e a sustentabilidade dessa industrialização têm
                                               sido desafiados por várias gerações de tigres asiáticos. A China, com
                                               sua oferta ilimitada de mão-de-obra, explosivo crescimento da produ-
                                               tividade e um Estado fortemente intervencionista, leva esse desafio às
                                               últimas conseqüências. A natureza e as implicações desse novo e, em
                                               grande medida, inédito desafio ao “projeto” industrial da região são o
                                               núcleo do que se pretende discutir aqui.

                                               NOVOS ESTUDOS    n o 72   JULHO 2005                                                          21
Com cinco partes, incluindo esta introdução, este artigo começa
   revisitando uma questão que é tão antiga como fundamental para a
   compreensão das implicações do desafio chinês: Qual é a importância
   da indústria para o desenvolvimento da região? A seção seguinte trata
   dos principais pilares do desafio chinês, isto é, fatores como mão-de-
   obra, produtividade, escala e intervenção estatal. Na quarta seção ava-
   liam-se os impactos da China sobre os fluxos de comércio da América
   Latina, com base em correlações e mudanças nas participações de mer-
   cado. Por último, um resumo dos principais pontos, seguido de uma
   discussão sobre as (difíceis) opções de política para os governos da
   região.

        INDÚSTRIA?


       Será a indústria realmente fundamental para desenvolvimento da
   América Latina? O que diz a literatura? Seria razoável esperar que essa
   questão já tivesse sido resolvida mais de um século depois de Prebisch
   (1950) ter escrito The economic development of Latin America and its principal
   problems. O debate, no entanto, segue vivo, alimentado, por um lado,
   pelo desempenho industrial medíocre da região e, por outro, pelo fato
   de que os economistas estão longe de um consenso com relação à
   chamada “praga dos recursos naturaisquot;.
       Um par de artigos escritos por Sachs e Warner1 parece ter ressusci-          [1] Sachs, J. & Warner, A. “Natural
                                                                                    resource abundance and economic
   tado esse debate na academia, com resultados que sugerem uma relação             growth”, in National Bureau of Eco-
   inversa entre recursos naturais e crescimento. A razão para tanto seriam         nomic Research Working Paper, p.
   externalidades tecnológicas e retornos crescentes associados à manu-             5398, 1995; ibidem, “Fundamental
                                                                                    sources of long-run growth.” Ame-
   fatura. Muito embora a comprovação empírica fosse nova, esses auto-              rican Economic Review Papers and
   res trouxeram novamente à tona uma antiga controvérsia sobre as rela-            Proceedings 87, pp. 184-8, 1997.
   ções entre industrialização e crescimento. Essa controvérsia nunca foi
   satisfatoriamente resolvida — em grande parte por conta das dificulda-
   des de se identificar empiricamente os canais pelos quais a indústria
   promoveria o crescimento. No entanto, a julgar pelo comportamento
   dos governos e grande parte dos acadêmicos, é como se tivesse sido.
       Os países em desenvolvimento vêm buscando, implícita ou                      [2] Cf. Chenery, H.; Robinson, Sher-
   explicitamente, se industrializar desde pelo menos a década de 1950,             man & Syrquin, Moshe. Industria-
                                                                                    lization and growth. A comparative
   primeiro substituindo importações, liderados pela América Latina, e              study. Oxford University Press for
   depois através da promoção de exportações, liderados pelos países do             the World Bank, 1986; e Rowthorn,
   leste Asiático. Na academia, existe uma longa tradição de igualar de-            Robert & Ramaswamy, Ramana,
                                                                                    “Deindustrialization: causes and
   senvolvimento à industrialização, a começar pela idéia de que existiria          implications”. IMF Working Paper,
   um padrão “normal” de desenvolvimento2, que levaria os países da                 97/42, 1997.
   agricultura à manufatura e depois aos serviços. Não faz muito tempo,             [3] Cf. Chenery, H., et al., op. cit., p. 4;
   economistas insuspeitos chegaram a declarar a existência de um                   Kruger, Ann, “Comparative advan-
                                                                                    tage and development policy twenty
   “consenso industrial”, o qual estaria acima das diferenças de ordem              years later”, in Syrquin, M.; Taylor, L.
   política: “A principal questão entre os proponentes de uma política              & Westphal, L. E. (eds.). Economic
                                                                                    structure and performance: essays in
   industrial neoclássica e os seus críticos não [é] sobre a necessidade de         honor of Hollis B. Chenery. New
   industrializar, mas sobre como industrializar”3.                                 York: New York Academic, 1984.


22 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
Existem fortes evidências de que esse “consenso” ainda perdura na
                                             profissão. Não raro se fala de economias industriais avançadas, como
[4] Grossman, Gene & Helpman,                Grossman e Helpman por exemplo4. Sem falar na noção de que a in-
Elhanan. “Technology and trade.”             dústria é o berço da inovação, implícita nas chamadas novas teorias
NBER Working Paper, 4926, nov.
1994, p. 33.                                 do crescimento5. Na literatura contemporânea sobre desenvolvimento
[5] Aghion, Phillippe & Howitt,
                                             também se encontram expressões como “promover o crescimento
Peter. “A model of growth through            industrial e a transformação”6, e mesmo no debate sobre as economias
creative destruction.” National Bu-          desenvolvidas se ouvem argumentos como “manufatura e o learning-by-
reau of Economic Research Working
Paper 3223, 1990; e Grossman &               doing a ela associado são fontes importantes de externalidades que
Helpman, op. cit.                            aceleram a produtividade geral da economia”7.
[6] Hausman, R. & Rodrik, Dani.                  Apesar desse viés industrial, o fato é que os resultados de Sachs e
“Economic development as self-dis-           Warner não acabaram com a polêmica. Outros estudos questionaram
covery.” NBER Working Paper
8952, mai. 2002, p. 17.                      as conclusões desses autores, como o fizeram Lederman e Maloney8,
[7] McKinnon, Ronald. “Government
                                             que argumentam que o problema não é a especialização em recursos
Deficit and The Deindustrialization          naturais por si só, mas sim a concentração das exportações em poucos
of America.” The Economist’s Voice,          produtos. Outros artigos, no entanto, reforçam as conclusões de Sachs
vol. 1, n. 3, 2004, p. 1.
                                             e Warner com base em um diagnóstico de Dutch Disease, expressão
[8] Lederman, Daniel & Maloney,
William F. “Trade structure and
                                             associada aos impactos negativos da descoberta de gás natural no Mar
growth.” World Bank Policy Research          do Norte sobre o setor manufatureiro holandês. Stijns9, por exemplo,
Working Paper 3025, abr. 2003.               apresenta evidências de que a exportação de recursos naturais acaba
[9] Stijns, Jean-Philippe. “An empi-         por promover a concentração das exportações em poucos produtos. Na
rical test of the Dutch Disease
hypothesis using a gravity model of
                                             mesma linha, mas sugerindo outros canais, Isham, Woolcock, Pritchett
trade.” Paper preparado para o               e Busby10 encontram indícios de que a concentração das exportações
Congresso da EEA, Estocolmo, jul.,           em recursos naturais está fortemente associada a instituições fracas,
2003.
                                             que, por sua vez, estão associadas ao baixo crescimento.
[10] Isham, Jonathan; Woolcock,
Michael; Pritchett, Lant & Busby,
Gwen. “The varieties of resource             O DEBATE SOBRE POLÍTICAS A precariedade das evidências empíricas não
experience: how natural resource ex-         impediu que o debate acadêmico contagiasse o debate sobre políticas.
port structures affect the political
economy of economic growth.”                 É possível encontrar na literatura recomendações bem definidas sobre
Middlebury College Economics                 qual seria o melhor padrão de especialização para a América Latina. De
Discussion Paper n. 03.08, 2003.
                                             Ferranti11, por exemplo, desqualifica os argumentos pró-indústria e os
[11] De Ferranti, David; Perry,              riscos de Dutch Disease e cita o sucesso de países ricos em recursos
Guillermo; Lederman, Daniel & Malo-
ney, William. “From natural resources        naturais como Canadá, Austrália, Suécia e Finlândia. Assim sendo, a
to the knowledge economy. Trade and          especialização em recursos naturais seria o caminho mais rápido e
job quality.” World Bank, Washington
D.C., 2002.                                  seguro para uma “economia de conhecimento”.
[12] Blum, B. & Leamer, Edward. “Can
                                                 Blum e Leamer12, entretanto, têm uma perspectiva diferente. Eles
FTAA Suspend the law of gravity and          partilham do pessimismo expresso por De Ferranti com relação ao
give americas higher growth and better       futuro da indústria na região latino-americana, citando fatores como
income distributions”, in Esteva-
deordal, A.; Rodrik, D.; Taylor A. &         dotação de recursos e geografia: “A América Latina é distante, rica em
Velasco, A. (eds.). FTAA and beyond:         recursos naturais e tem um clima tropical [...]. Países tropicais e dis-
prospects for integration in the Amér-
icas. David Rockefeller Center for La-
                                             tantes têm grande dificuldade de atrair atividades manufatureiras a
tin American Studies, Harvard Uni-           não ser aquelas mais simples e intensivas, como montar peças de ves-
versity Press, 2004.                         tuário”13. Mas ao contrário de De Ferranti, eles não pensam que isso é
[13] De Ferranti et al., op. cit., p. 569.   uma vantagem para a região. Argumentam que atividades intensivas
                                             em recursos naturais investem pouco em capital humano e geram pou-
                                             cos empregos, o que dificultaria a diversificação em direção a ativi-

                                             NOVOS ESTUDOS   n o 72   JULHO 2005                                        23
dades mais produtivas e complexas. Julgam também que o exemplo de
    países desenvolvidos, com esse mesmo perfil, não é relevante para a
    América Latina, porque teriam se comprometido com investimentos
    em capital humano por razões históricas (colonização) e não
    econômicas.
        Tais argumentos estão longe de esgotar esse debate, mas eles dão
    uma boa amostra dos dois tipos de pessimismo que prevalecem em
    círculos políticos e acadêmicos do “Norte” com relação à indústria na
    América Latina. Os fundamentos desse pessimismo, no entanto, são
    frágeis. Como discutido anteriormente, as evidências empíricas não
    justificam qualquer entusiasmo com relação à especialização em recur-
    sos naturais. Pelo contrário, deixam claros os riscos existentes.
        Da mesma forma, o argumento de que a indústria na América
    Latina é condenada pela geografia e pela dotação de recursos da
    região parece ignorar tanto a teoria como os fatos. As “novas” teorias
    de crescimento endógeno mencionadas anteriormente elegem, por
    exemplo, a indústria como principal lócus de crescimento e enfa-
    tizam a importância da inovação e do aprendizado, que, por sua vez,
    dependem fundamentalmente do investimento em capital humano.
    Ou seja, elas dão importância a um tipo de recurso cuja acumulação
    é influenciada pela geografia e pelas instituições, mas que também
    responde a políticas públicas. Uma maneira de interpretar essas teo-
    rias é argumentar que a acumulação de capital humano e o processo
    subseqüente de inovação e aprendizado podem mudar o destino de
    um país, independentemente de sua condição geográfica e de seu
    estoque de recursos.
        Na história da economia mundial, encontram-se vários exemplos
    nesse sentido, tais como a Coréia do Sul. Logo após a guerra civil, as
    Nações Unidas contrataram especialistas para avaliar o futuro econô-
    mico do país. O chamado Grupo de Nathan fez a sua proposta (que
    felizmente nunca foi implementada), baseada no pressuposto de que
    as oportunidades de exportação e as vantagens comparativas da Coréia          [14] Krueger, Anne O. The de-
    do Sul estavam em agricultura e minerais!14                                   velopmental role of the foreign sector
                                                                                  and aid. Studies in the modernization
        É preciso também que se tenha em conta que após mais de uma               of the Republic of Korea: 1945-1975.
    década de liberalização comercial, aproximadamente 20% do PIB da              Cambridge, MA: Harvard University
                                                                                  Press, 1979, p. 77.
    região ainda é produzido no setor manufatureiro e que países como
    Brasil e México são exportadores expressivos de produtos manufa-
    turados. É verdade que a participação da indústria no PIB tem
    declinado rapidamente, que produtos intensivos em recursos naturais
    ou trabalho ainda dominam as pautas de exportação e que a América
    Latina tem tido enormes dificuldades de competir com o Leste Asiá-            [15] Lall, Sanjaya; Albaladejo, Manuel &
                                                                                  Moreira, Mauricio Mesquita. “Latin
    tico15. Mas esses fatos não se explicam exclusivamente pela geografia         America industrial competitiveness
    ou pela dotação de fatores.                                                   and the challenges of globalization.”
                                                                                  IDB-INTAL-ITD Occasional Paper, n.
        A queda da participação no PIB pode ser vista, pelo menos em              5, Washington, 2004.
    parte, como um ajuste inexorável aos excessos produzidos pela Política
    de Substituição de Importações (PSI). Ela também reflete a queda no

24 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
preço relativo dos produtos manufaturados promovida pela libera-
                                                                                            lização comercial. Como mostra o gráfico 1, a maioria dos países
                                                                                            latino-americanos experimentou um forte ajuste em direção à “norma”.
                                                                                            Ou seja, eles atingiram nos anos 1960 e 1970 um nível de
                                                                                            industrialização superior àquele que seria correspondente a sua renda
                                                                                            per capita. A liberalização comercial nos anos 1980 e 1990 teria
                                                                                            eliminado esses “excessos”.


GRÁFICO 1
Participações estimadas e observadas da manufatura no PIB (em log)
Países latino-americanos selecionados e países intensivos em recursos naturais



                              ARGENTINA                                                             BRASIL                                                       CHILE                                                    C OLÔMBIA
                                                                       2 2 .5 3 3 .5




                                                                                                                                                                                                 1. 5 2 2. 5 3 3. 5
                                                                                                                                      1.5 2 2.5 3 3.5
  2 2. 5 3 3. 5 4




                                             1965                                               1965                                                            1965
                                                                                                                2000                                                          2000                                        1965          2000
                                                        2000




                       6          7          8      9      10     11                        6   7      8       9       10     11                        6   7      8     9      10      11                            6   7      8       9       10      11


                             COSTA RICA                                                             MÉXICO                                                      URUGUAI                                                   VE NEZUEL A
  1. 5 2 2. 5 3 3. 5




                                                                       1 .5 2 2 .5 3 3 .5




                                                                                                                                      1.5 2 2.5 3 3.5


                                                    2000




                                                                                                                                                                                                 1. 5 2 2. 5 3
                                                                                                                   2000                                           1975
                                                                                                     1965                                                                     2000                                                             1970
                                      1965                                                                                                                                                                                       2000




                       6          7          8      9      10     11                        6   7      8       9       10     11                        6   7      8     9      10      11                            6   7      8       9       10      11


                              AU STRÁ L IA                                                          CAN ADÁ                                                 FI N LÂ N DIA                                                     SU ÉC IA
                                                                                                                            2000
  1. 5 2 2. 5 3 3. 5




                                                                                                                                                                                                 1. 5 2 2. 5 3 3. 5
                                                                                                              1970
                                                                                                                                      1.5 2 2.5 3 3.5




                                                                                                                                                                                     2000                                               1970
                                                                       1 .5 2 2 .5 3




                                                 1970                                                                                                                  1970                                                                           2000
                                                                2000




                       6          7          8      9      10     11                        6   7      8       9       10     11                        6   7      8     9      10      11                            6   7      8       9       10      11


                                  TAILÂ N DIA
                                                    2000
  2 2. 5 3 3. 5




                           1965


                                                                                                                                                                                             Log da renda real per capita em PPP
                       6          7          8      9      10     11



                                                                                                           log da renda real per capit a em PP P




                                                                                               É preciso reconhecer que esse ajuste também seria compatível
                                                                                            com a idéia de que a industrialização da região foi um artificialismo
                                                                                            e que com a liberalização prevaleceram as forças da geografia e das
                                                                                            vantagens comparativas “naturais”. No entanto, o desempenho de
                                                                                            outros países considerados intensivos em recursos naturais, tais
                                                                                            como o Canadá, a Finlândia, a Suécia e a Tailândia, sugere que
                                                                                            outros fatores podem estar por trás desse ajuste. Esses países não só
                                                                                            mantiveram uma participação da indústria no PIB superior àquela
                                                                                            que seria ditada pelos níveis de renda, como não apresentaram
                                                                                            nenhum sinal de ajuste, apesar do grau de abertura de suas
                                                                                            economias. A exceção é a Austrália, mas nesse caso o ajuste ocorreu
                                                                                            em níveis muito mais elevados de renda per capita. Se a geografia e os

                                                                                            NOVOS ESTUDOS              n o 72      JULHO 2005                                                                                                                 25
recursos naturais não prevaleceram no caso desses países, por que
   então haveria de prevalecer na América Latina?
       De fato, a história do “ajuste” industrial na América Latina não
   pode ser entendida sem que se leve em conta, primeiro, o sofrível am-
   biente macroeconômico que prevaleceu em quase toda a região nas
   décadas de 1980 e 1990 e, segundo, a reforma do Estado, feita no
   mesmo período, que foi muito além de eliminar os excessos da era da
   substituição das importações. A primeira questão dispensa maiores
   explicações. A região passou boa parte das últimas décadas lutando
   contras as conseqüências de anos de políticas macroeconômicas in-
   competentes e irresponsabilidade fiscal. Não há dúvida de que houve
   progressos, os quais, no entanto, foram acompanhados por erros que
   custaram muito caro. Por exemplo, os regimes cambiais adotados.
   Anos de apreciação cambial tiveram drásticas conseqüências sobre os
   setores comercializáveis, em geral; e sobre a indústria, em particular.
       No que diz respeito ao Estado, a maioria dos governos da região
   optou por uma agenda que satanizou qualquer tipo de intervenção
   governamental e deixou os produtores locais expostos às falhas de
   mercado. É certo que a intervenção governamental na América Latina
   tem um passado negro, marcado por erros espetaculares. No entanto,
   esse passado está ligado a um ambiente em que a economia era fechada,
   e a democracia, inexistente. Como é de amplo conhecimento, os pro-
   gressos feitos em ambas as áreas na década de 1990 foram nada menos
   do que espetaculares. De qualquer forma, qualquer análise superficial
   da indústria na América Latina mostra que as empresas sofrem uma
   série de dificuldades, da falta de acesso ao crédito à ausência de incen-
   tivo para investir em capital humano e tecnologia. Ao contrário dos
   seus competidores no Leste Asiático, a indústria na região não pode
   contar com uma generosa ajuda do Estado para enfrentá-los.
       Parece claro, portanto, que a história da indústria na América La-
   tina é a história de uma indústria que teve de se ajustar às realidades de
   uma economia aberta e, nesse processo, precisou lutar contra uma
   geografia e uma dotação de fatores que não lhe favorecia, enfrentar um
   ambiente macroeconômico desfavorável e uma competição assimétrica
   marcada por competidores generosamente assistidos pelos seus
   governos.
       À luz desses argumentos e evidências, vale a pena insistir na in-
   dústria? Pode a região abdicar de uma estratégia industrial de cresci-
   mento? Diante dos riscos envolvidos em uma estratégia de especia-
   lização em recursos naturais, riscos esses que envolvem a estabilidade
   macroeconômica, a geração de empregos e o investimento em capital
   humano, o abandono do desenvolvimento industrial pode ser extre-
   mamente custoso. Não se trata de criar um sistema de incentivos que vá
   contra as atividades intensivas em recursos naturais, mas sim de reco-
   nhecer que o desenvolvimento de uma indústria competitiva dificil-
   mente pode ser alcançado sem a ajuda do Estado para remediar imper-

26 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
feições de mercado, particularmente em um contexto no qual os con-
                                        correntes contam com esse amparo. Isso tampouco quer dizer que a
                                        indústria é uma aposta fácil e garantida, em especial, como veremos na
                                        próxima seção, diante da chegada da China. As dificuldades, a começar
                                        pela geografia e pela dotação de recursos, são difíceis de se subestimar,
                                        mas o fato é que para a grande maioria dos países latino-americanos,
                                        simplesmente não há outra opção.

                                           O DESAFIO CHINÊS


                                          Por que a China é um desafio para a indústria na América Latina?
                                        Há pelo menos quatro questões importantes suscitadas por esse
                                        embate:

                                        RECURSOS   Com uma população de 1,3 bilhão de pessoas e uma força de
                                        trabalho de 640 milhões, vivendo e trabalhando em um ambiente com
                                        recursos naturais limitados, a China tem imensas vantagens compa-
                                        rativas em produtos intensivos em mão-de-obra. Tal abundância de
                                        trabalho se traduz em salários que se situam em níveis bem abaixo
                                        daqueles praticados na América Latina. O gráfico 2, por exemplo, com-
                                        para os salários das indústrias chinesa, brasileira, mexicana e colom-
                                        biana. Como se pode ver, mesmo em um ano favorável como 2002,
                                        momento de uma expressiva desvalorização cambial, os salários no
                                        Brasil eram o triplo dos praticados na China. No caso do México, os
                                        salários chegavam a ser cinco vezes mais altos.


GRÁFICO 2
Salário médio anual na indústria
                                                                                                US$ 1000, correntes


               México          Brasil         Colômbia             China
    9

    8

    7

    6

    5

    4

    3

    2

    1

        -
               1996             1997            1998               1999        2000   2001         2002

Fonte: Pesquisas Industriais Anuais.


                                        NOVOS ESTUDOS    n o 72   JULHO 2005                                          27
Dada a estrutura de emprego chinesa, essa vantagem deve perdurar
   por anos ou mesmo décadas, apesar do forte crescimento econômico
   (uma média anual de 9,3% no período 1990-2004). Com 51% da
   população empregada ainda no campo16, a China parece estar longe de                                         [16] China Statistical Yearbook
   uma situação em que o rápido crescimento industrial esgota o excesso                                        (CSY), 2003.

   de oferta de mão-de-obra e provoca o aumento dos salários num ritmo
   maior do que a produtividade.


   A PRODUTIVIDADE  Poder-se-ia argumentar, como nos livros de economia,
   que a vantagem salarial chinesa reflete a baixa produtividade da sua
   mão-de-obra e que, portanto, não há vantagem competitiva alguma.
   Como comparar níveis de produtividade não é uma tarefa trivial, é
   difícil confirmar essa possibilidade. Uma das raras tentativas de escla-
   recer essa questão foi feita por Mckinsey17, cuja análise não é muito                                       [17] Mckinsey Global Institute, “New
                                                                                                               Horizons: Multinational Investment
   promissora para a indústria latino-americana. A China realmente apa-                                        in Developing Countries.” San
   rece com um nível de produtividade mais baixo que Brasil e México na                                        Francisco, 2003.
   maioria das indústrias analisadas, mas essa desvantagem é em geral
   pequena quando comparada à diferença salarial. Para complicar, há
   sinais de que a produtividade do trabalho na China vem crescendo a
   taxas bem mais elevadas que na América Latina, e se isso realmente
   constitui vantagem em termos de produtividade para os latino-ame-
   ricanos, em breve ela deve desaparecer.

          GRÁFICO 3
          Produtividade do trabalho na manufatura
          China, Brasil, Colômbia e México

                                                                                                      Valor adicionado por trabalhador. 1992=100


                                China ( deflator implícito)                     China (IPA)
                                Brasil                                          México
                                Colômbia
       350


       300


       250


       200


       150


       100


        50


          0
             1992       1993         1994            1995         1996         1997           1998   1999       2000         2001         2002



          Fonte: Cálculos do autor com base em dados do IBGE, INEGI, Oficina Estatística da Colômbia e Anuário Estatístico da China.


28 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA       Mauricio Mesquita Moreira
O gráfico 3 mostra que Brasil e México, apesar dos bons resultados
                                         em termos de produtividade na década de 1990, vêm sendo superados
                                         pela China, que tem ampliado a sua vantagem nos últimos anos. É
                                         verdade que isso pode ser simplesmente o reflexo dos elevados níveis de
                                         investimentos chineses (em média 40% do PIB na última década), os
                                         quais elevam a relação capital-trabalho. As estimativas da Produ-
                                         tividade Total dos Fatores (PTF), no entanto, não sugerem que a China
                                         seja a próxima União Soviética, ou seja, que seu crescimento esteja
                                         baseado exclusivamente na acumulação de capital. Mas sugerem por
                                         outro lado que há um componente importante de progresso técnico, o
                                         qual tende a confirmar a vantagem chinesa sobre a América Latina.
                                             Por exemplo, há quem estime um crescimento de 2,5% da PTF para
[18] Jefferson, Gary H. et al. “Chinas   empresas estatais e 3,4% para as empresas coletivas industriais18. Es-
industrial performance: a review of      tima-se também19, usando dados de firmas industriais, um cres-
recent findings.” In Jefferson, Gary
H & Singh, Inderjit (eds.) Enterprise    cimento de 2,8% no período 1980-1996. Para a América Latina, os
reform in China. Ownership, tran-        dados equivalentes sugerem um desempenho mais modesto. Lopez-
sition and performance. Oxford
University Press for the World Bank,     Córdova e Moreira20, por exemplo, calculam um crescimento da PTF de
1999.                                    1,1% para o México no período inicial do Nafta (1993-1999) e de 2,7 %
[19] Jefferson, Gary H. et al. “Owner-   para o Brasil na segunda metade da década.
ship, productivity change, and fi-
nancial performance in chinese in-
dustry.” Journal of Comparative Eco-
nomics, 28 (4), 2000, pp. 786-813.       A ESCALA  Muito embora a China não seja (ainda) um país rico (sua
[20] López Córdova, E. & Moreira,        renda per capita de mil dólares em 2003 a coloca entre os países de
Mauricio Mesquita, “Regional inte-       renda média baixa), não há dúvida de que é um país grande. A
gration and productivity: the expe-
riences of Brazil and Mexico.” in        população é a maior do mundo, ocupa um território comparável ao
Estevadeordal, A.; Rodrik, D.; Taylor    dos Estados Unidos, e movimenta uma economia de US$ 1,7 trilhão, a
A. & Velasco, A. (eds.), op. cit.
                                         qual equivale à de toda a América Latina. As exportações da China
                                         (US$ 593 bilhões em 2004) já são superiores às latino-americanas.
                                             Além dos benefícios de tamanho relativos a investimentos em bens
[21] Cf. Alesina, Alberto; Spolaore,     públicos21, a escala da China lhe dá uma vantagem importante no
Enrico & Wacziarg, R. “Trade, growth     desenvolvimento de indústrias intensivas em capital e tecnologia. Isto
and size of the countries.” Harvard
Institute Research Working Paper         é, permite a diluição dos elevados custos fixos de capital e tecnologia
No 1995, 2002 .                          que caracterizam essas indústrias, além de tirar proveito do retorno
                                         crescente oriundo do incentivo ao aprendizado e à inovação.


                                         O PAPEL DO GOVERNO   O quarto e último desafio decorre da presença
                                         do Estado na economia chinesa. Enquanto a América Latina pas-
                                         sou a década de 1990 ocupada em desmontar o Estado interven-
                                         cionista da era de substituição de importações, a China entrava no
                                         mercado mundial construindo um modelo de desenvolvimento
                                         muito similar ao de outros tigres asiáticos. Isto é, um modelo de
                                         crescimento com forte intervenção do Estado nos mercados de pro-
                                         duto e fatores e com o único e claro objetivo de promover a indus-
                                         trialização via expansão das exportações. Apesar de similar, o fato
                                         de o modelo chinês ter sido construído sobre as bases de uma

                                         NOVOS ESTUDOS   n o 72   JULHO 2005                                       29
economia socialista deu ao Estado uma importância ainda maior,
   sem precedentes mesmo no mundo asiático.
       Está além do escopo deste artigo fazer uma descrição detalhada do
   modelo chinês22. No entanto, é importante ter em conta que as firmas           [22] Veja, por exemplo, Naughton,
   industriais chinesas, desde o nascimento do novo regime em 1978, têm           Barry. “China: development stra-
                                                                                  tegy and policy regime.” Paper
   acesso a uma série de privilégios, tais como a oferta ilimitada de cré-        preparado para o Relatório do
   dito, via bancos estatais, a taxas provavelmente bem abaixo do custo           Banco Inter-Americano de De-
                                                                                  senvolvimento sobre a China
   de oportunidade do capital; um sistema público de inovações que tem            Washington, 2004.
   contribuído para difundir o conhecimento e reduzir os custos e riscos
   da inovação23; um regime de propriedade intelectual cuja aplicação             [23] Dalhman e Aulbert 2001.
   seletiva tem reduzido o custo de imitação e absorção de tecnologia
   estrangeira; acesso direto aos cofres do tesouro por parte de um número
   ainda substancial de empresas estatais; generosos incentivos fiscais
   e financeiros para os chamados campeões nacionais — empre-
   sas pertencentes aos ramos industriais considerados como pilares
   da economia24.                                                                 [24] Ver Nolan, Peter & Zhang J. “The
       As empresas chinesas também têm se beneficiado de um regime de             challenge of globalization for large
                                                                                  chinese firms.” World Development,
   comércio e investimentos dual ou seletivo, que concede aos exporta-            vol. 30, n. 12, 2002, pp. 2089-107.
   dores livre acesso a insumos importados a preços internacionais, e ao
   mesmo tempo restringe severamente a competição das importações no
   mercado interno. O regime tem sido também extremamente seletivo em
   termos da origem de propriedade das empresas. Enquanto as estran-
   geiras que procuram vender no mercado interno enfrentam todo o tipo
   de restrições e condicionantes, as que exportam se beneficiam de
   generosos incentivos fiscais, particularmente aquelas que operam nas
   zonas econômicas especiais.
       Não há dúvida de que nos últimos anos, em especial após a entrada
   na OMC em 2001, a China tem procurado liberalizar sua política
   comercial e de investimentos. O país assumiu, por exemplo, compro-
   missos de eliminar gradualmente os chamados TRIMs (medidas de
   investimento relacionadas ao comércio); de unificar o regime de
   comércio e de eliminar restrições setoriais ao investimento direto25.          [25] World Trade Organization. Pro-
   Entretanto, não há sinais de que esteja preparada para ir tão longe            tocol on the accession of China.
                                                                                  Cambridge: Cambridge University
   quanto a América Latina em relação à renúncia à intervenção estatal.           Press, 2003.
   Mesmo após vinte e seis anos de reformas, 59% do investimento total
   da economia chinesa permanece nas mãos do Estado26. O sistema                  [26] National Bureau of Statistics of
   financeiro continua dominado por bancos estatais, e, de acordo com             China (NBS-China). Disponível em:
                                                                                  <http://www.stats.gov.cn>.
   Naughton27, “continua a ser influenciado por políticas e projetos ofi-
                                                                                  [27] Naughton, B., op. cit., p. 12.
   ciais de governo tanto no plano nacional como local”.
       Talvez seja mais revelador ainda o fato de o governo chinês ter
   anunciado recentemente, e sem constrangimentos, que está formal-
   mente promovendo três setores em especial, dois deles na área de
   manufatura: semicondutores, automóveis e software28. Nem mesmo a               [28] Ibidem.
   reforma da política comercial pode ser encarada como um fato con-
   sumado. Por exemplo, um relatório recente do United State Trade
   Representative (USTR 2004) aponta para uma série de áreas onde a

30 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
implementação dos compromissos assumidos perante a OMC tem dei-
                                        xado bastante a desejar. Entre eles, direitos de comércio e distribuição,
                                        regulação de importação e exportações, barreiras não tarifárias e trata-
                                        mento nacional. O sinal preocupante foi dado pela União Européia,
[29] People’s Daily on Line,            que recusou à China o status de economia de mercado29.
2004. Disponível em: <http://en-            Fica sempre no ar a pergunta se essas políticas intervencionistas
glish.people.com.cn>. Acesso em 30
junho de 2004.                          estão ou não por trás do sucesso chinês, ou se são na verdade um
                                        entrave a seu desenvolvimento. Do ponto de vista dos concorrentes, no
                                        entanto, essa pergunta, pelo menos no curto prazo, é puramente aca-
                                        dêmica. Para eles, o que importa na prática é o fato de que a oni-
                                        presença e a generosidade do Estado chinês cria um ambiente de
                                        competição viciado, em um cenário em que eles já enfrentam
                                        desvantagens de recursos, produtividade e escala.

                                           IMPACTOS SOBRE O COMÉRCIO


                                            O que os dados comerciais dizem sobre a importância do desafio
                                        chinês? No geral, sugerem que o impacto da concorrência chinesa tem
                                        sido, até agora, limitado, mas desenham um cenário preocupante para
                                        o futuro.

                                        PARTICIPAÇÃO NO MERCADO Uma maneira simples de avaliar esse impacto
                                        é examinar o que se passou com as participações da América Latina e
                                        da China nas exportações mundiais de manufaturados. Como pode ser
                                        visto no gráfico 4, depois de perdas elevadas na década de 1980, a
                                        América Latina consegue ensaiar uma recuperação na década seguinte,
                                        liderada pelo México. Essa recuperação, no entanto, ficou muito
                                        aquém do desempenho da China, que no fim dos anos 1990 alcançava
                                        uma participação de mercado quase duas vezes maior que a do México
                                        — o maior exportador latino-americano. O gráfico também mostra o
                                        crescente hiato entre a participação latino-americana e dos outros
                                        tigres asiáticos.
                                            Uma questão importante que não pode ser esclarecida pelo gráfico
                                        4 é em que medida a crescente participação da China se deu à custa dos
                                        países latino-americanos. O gráfico 5 oferece uma resposta aproxi-
                                        mada para essa questão, usando uma metodologia sugerida por
[30] Azevedo, J. P. & Chami, Batista    Batista e Azevedo30. Para contornar a falta de dados com relação à
J. “NAFTA and the loss of U.S. market   elasticidade de substituição entre as exportações chinesas e latino-
share by Brazil, 1992-2001.” Cepal
Review, n. 78, 2003, pp. 167-82.        americanas, perdas de mercado por países da região em qualquer
                                        produto, mercado e período são atribuídas à China de acordo com a
                                        participação desse país entre os países que tiveram ganhos naquele
                                        produto, mercado e período específico.




                                        NOVOS ESTUDOS   n o 72   JULHO 2005                                         31
GRÁFICO 4
         Participação nas exportações mundiais de manufaturados
         Países e regiões selecionadas, 1981-2002

                                                                                                                                                                               Em porcentagem

                                                                                  China                                      E
                                                                                                                             . Asia ex cl. China
                                                                                  Méx ico                                    ALC
                                                                                  AL ex cl. Méx ico
                                                                                   C
         18,0%


         15,0%


         12,0%


          9,0%


          6,0%


          3,0%


          0,0%
                             1981

                                            1982

                                                   1983

                                                           1984

                                                                  1985

                                                                         1986

                                                                                1987



                                                                                              1989

                                                                                                      1990

                                                                                                               1991

                                                                                                                      1992

                                                                                                                             1993

                                                                                                                                    1994

                                                                                                                                           1995

                                                                                                                                                   1996

                                                                                                                                                          1997

                                                                                                                                                                 1998

                                                                                                                                                                        1999

                                                                                                                                                                                2000

                                                                                                                                                                                         2001

                                                                                                                                                                                                2002
                                                                                       1988




         Fonte: Comtrade
         Nota: Manufatura é definida como SITC 5 to meno 68.




         GRÁFICO 5
         Perdas para a China, por categoria de produto, 1990-2003


                                                                     Perdas p/China:% xporta
                                                                                    da E                 çõs
                                                                                                          e

                                                                     Perdas p/China S
                                                                                    U
                                                                                    $
                                                                                                                                                                                   2, 00
                                                                                                                                                                                    0

                                            2. %
                                             0                                                                                                                                     1, 00
                                                                                                                                                                                    8
             Totais de Manufaturas -2 003




                                                                                                                                                                                   1, 00
                                                                                                                                                                                    6

                                                                                                                                                                                   1, 00
                                                                                                                                                                                    4
                                            1. %
                                             5

                                                                                                                                                                                   1, 00
                                                                                                                                                                                    2
                                                                                                                                                                                                milhõs de U
                                                                                                                                                                                                          S
                                                                                                                                                                                                          $




                                                                                                                                                                                   1, 00
                                                                                                                                                                                    0
                                            1. %
                                             0
                                                                                                                                                                                                    e




                                                                                                                                                                                   800
             % das x portaç s
                          õ
                          e




                                                                                                                                                                                   600
                   E




                                            0. %
                                             5
                                                                                                                                                                                   400

                                                                                                                                                                                   200

                                            0. %
                                             0                                                                                                                                     0

                                                               e
                                                          Alta Tcnolo gia       Média ecnolo gia
                                                                                      T                        T
                                                                                                         Baixa ecnolo gia ecusos atuais
                                                                                                                          R r Nr                   Eporta
                                                                                                                                                   x               çõs Ttais
                                                                                                                                                                    e o

         Fonte: Comtrade



32 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA                                    Mauricio Mesquita Moreira
O exercício sugere que as perdas da América Latina para a China no
                                               mercado mundial no período 1990-2003 foram relativamente pe-
                                               quenas, alcançando 0,8% do total das exportações da região em 2003
                                               (US$ 1,9 bilhão). Como esperado, as maiores perdas se concentraram
                                               nos produtos de baixa intensidade tecnológica e maior intensidade de
                                               mão-de-obra. Mas os resultados também sugerem que a abundância de
                                               mão-de-obra não explica tudo, com as perdas se estendendo a outras
                                               categorias de produtos cujo acesso a capital e tecnologia ditam o
                                               resultado da competição. Em outras palavras, o desafio chinês, como
                                               sugerido anteriormente, vai muito além da mão-de-obra barata.
                                                   O gráfico 5, por comparar dois pontos no tempo, não nos diz
                                               muito sobre a tendência por trás dessas perdas. Essa informação
                                               aparece no gráfico 6, e, como se pode verificar, as perdas até agora
                                               foram relativamente modestas, mas a tendência sugere dias difíceis
                                               pela frente. Um ponto importante que reforça essa perspectiva é o fato
[31] Ver Nordas, Hildelgunn Kyvik.
                                               de que distorções como o Acordo de Têxtil e Vestuário (ATV) — que
“The global textile and clothing in-           congelou as participações dos produtores nos principais mercados e os
dustry post the agreement on textiles          ainda elevados níveis de proteção na América Latina — devem estar
and clothing”, in WTO Working
Paper, n. 5, 2004; e Condo, Arturo.            por trás das modestas perdas. Com o fim do ATV em 2005, esses
“China’s Competitiveness and the               resultados podem mudar drasticamente, em especial para os países da
Future of the Textile Sector in Latin
America.” LAEBA Annual Confe-
                                               América Central e México, onde as exportações de vestuário têm uma
rence, 2004 (manuscrito).                      participação importante31.


GRÁFICO 6
Perdas anuais da América Latina para a China
1990-2003, SITC 5 dígitos


                                                                                            Percentual das exportações do ano corrente
2. %
 5
                                                                                                                        2. %
                                                                                                                         3


2. %
 0

                                                                                                              1. %
                                                                                                               5
1. %
 5



1. %
 0                                                                                                    0. %
                                                                                                       8                         0. %
                                                                                                                                  8
                                                                                             0. %
                                                                                              6
                                        0. %
                                         4     0. %
                                                4
0. %
 5                                                                                   0. %
                                                                                      3
           0. %
            2                                          2
                                                      0. %            3
                                                                0. % 0. %
                                                                 3
                     0. %
                      1       0. %
                               1

0. %
 0
            1991      1992      1993    1994   1995   1996     1997       1998       1999    2000     2001     2002     2003    1990-
                                                                                                                                2003


Fonte: Comtrade


                                               NOVOS ESTUDOS   n o 72   JULHO 2005                                                       33
Dados confiáveis para a penetração das importações no mercado
   doméstico da região como um todo são difíceis de se encontrar, mas
   evidências sobre o Brasil e México (gráfico 7) sugerem que a presença
   da China, apesar de modesta, está crescendo rapidamente. No caso do
   Brasil, a China aumenta sua participação em um quadro no qual a
   penetração das importações tem declinado após a desvalorização de
   1999. No do México, o crescimento da penetração das importações
   chinesas tem se dado num ritmo muito superior ao das importações.


   GRÁFICO 7
   Penetração de importações em produtos manufaturados
   Mundo e China, 1996-2003

                  Brasil-Mundo                        México-Mundo
                 Brasil-China                         México-China
          Mundo %                                                                               China
   40                                                                                                    1.4
                                                                                                         1.3
   35                                                                                                    1.2
                                                                                                         1.1
   30                                                                                                    1.0
                                                                                                         0.9
   25
                                                                                                         0.8
   20                                                                                                    0.7
                                                                                                         0.6
   15                                                                                                    0.5
                                                                                                         0.4
   10                                                                                                    0.3
                                                                                                         0.2
    5
                                                                                                         0.1
    0                                                                                                    0.0

        1996           1997             1998              1999             2000   2001   2002     2003

   Fonte: INEGI, IBGE e SECEX




   COMÉRCIO BILATERAL    O comércio entre América Latina e China decolou
   no início dos anos 1990, refletindo as reformas pró-mercado em
   ambos os parceiros comerciais. Entretanto, as importações na América
   Latina cresceram mais rapidamente do que as exportações, gerando um
   déficit comercial que chegou a US$ 6,2 bilhões em 2003, apesar do
   forte crescimento da economia chinesa. Esse número, no entanto,
   esconde os substanciais superávits obtidos pelos países latino-
   americanos que dispõem de recursos naturais abundantes, tais como
   Brasil, Chile, Peru e Argentina.
       Mais emblemática do que o saldo comercial é a composição do
   comércio bilateral. O gráfico 8 mostra que as exportações líquidas da
   América Latina para a China só são relevantes em produtos primários,
   o que contrasta marcadamente com o padrão de comércio intra-

34 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
industrial que a China tem com outros países em desenvolvimento na
[32] Ver Albaladejo, Manuel & Lall,                       Ásia32. De fato, em 2002, a participação da América Latina no total
Sanjaya. “China’s competitive per-
formance: a threat to East Asian                          das importações de manufaturados da China não era mais do que
manufactured exports?” World De-                          1,2%, ao passo que os países da Asean (Association of Southeast
velopment, vol. 32, n. 9, 2003, pp.                       Asian Nations) respondiam por 8,5%. Pode-se argumentar que esse
1441-66; e Ahearne, Alan G.;
Fernald, John G.; Lougani, Prakash                        resultado reflete fatores como a geografia e as diferenças de dotação de
& Schindler, John W. “China and                           fatores. No entanto, tanto as características protecionistas da política
emerging Asia: comrades or
competitors?”, in Federal Reserve                         comercial chinesa quanto a mais alta participação dos manufaturados
Bank of Chicago Working Paper, n.                         importados de países asiáticos em desenvolvimento sugerem que há
27, 2003.
                                                          outros fatores envolvidos. Por exemplo, tanto o Chile quanto o Brasil
[33] Abreu, Marcelo. “Implications                        parecem ter experimentado a força da “mão visível” chinesa quando
of China’s emergence in the global
economy for Latin America and the                         tentaram exportar versões mais industrializadas de produtos primá-
Caribbean Region. The case of Bra-                        rios. O primeiro com cobre e o segundo com óleo de soja e calçados de
zil.” Paper preparado para o Relatório
do Banco Inter-Americano de
                                                          couro33. Da mesma forma, o sucesso da Asean em exportar manufa-
Desenvolvimento sobre a China.                            turados para a China pode estar relacionado à participação desses
Washington, 2004. Claro, Sebas-                           países na cadeia produtiva mundial das multinacionais, porque nesse
tian. “Implications of China’s emer-
gence in the global economy for Latin                     caso enfrentam o lado mais liberal, processador de exportações, da
America and the Caribbean Region.                         política comercial chinesa.
     GRÁFICO 8
     Exportações líquidas da América Latina para a China, por fator de intensidade, 1980-2002
                                                                                                                              US$ milhões
                                 Alta           Baixa               Média                   Produtos    ecusos
                                                                                                        Rr
                              tecnologia      tecnolog
                                                     ia           tecnolog
                                                                         ia                 primáios
                                                                                                r        natuais
                                                                                                            r
            4000


            3000


            2000


            1000


                   0
                       1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

           - 000
           1


           - 000
           2


           - 000
           3


           - 000
           4

     Fonte: Comtrade



The case of Chile.” Paper preparado                   COMPETIÇÃO POTENCIAL      A análise da participação de mercado revela
para o Relatório do Banco Inter-Ame-                  informações sobre o passado e o presente, mas diz pouco sobre o
ricano de Desenvovlvimento sobre a
China. Washington, 2004.                              futuro, isto é, sobre os impactos potenciais. Os índices de similaridade
                                                      de exportação podem ser mais úteis quando se procura olhar para a
                                                      frente e examinar a vulnerabilidade das exportações dos países da
                                                      América Latina em face da competição chinesa em outros mercados. Os
                                                      gráficos 9 e 10 apresentam resultados de similaridade de exportação de
                                                      manufaturados, baseados em coeficientes de correlação, entre os
                                                      maiores países e sub-regiões latino-americanas e a China.

                                                          NOVOS ESTUDOS       n o 72   JULHO 2005                                           35
GRÁFICO 9
    Coeficiente de correlação da pauta exportadora
    América Latina-China: manufatura, mercado americano (HS 6 dígitos)



                                       Brasil             MCCA             Colômbia              ALC      México

      0.6


      0.5

      0.4


      0.3


      0.2


      0.1

        0
         1992         1993         1994         1995         1996         1997            1998    1999    2000      2001     2002
    Fonte: Comtrade




   GRÁFICO 10
   Coeficiente de correlação da pauta exportadora
   América Latina-China: manufatura, resto do mundo (HS 6 dígitos)


                         Andean             Brasil            CACM                Chile
                         LAC                México            Mercosur
     0.5


     0.4


      0.3


      0.2


      0.1


         0
             1992       1993         1994        1995         1996        1997            1998   1999    2000      2001    2002



   Fonte: Comtrade




36 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira
Tanto no mercado americano quanto no resto do mundo, encon-
tra-se um padrão de similaridade e mudanças cujos principais agentes
são a rápida mudança estrutural da economia chinesa em direção a
produtos mais intensivos em tecnologia; o relativo dinamismo do
setor intensivo em tecnologia no México e no Mercado Comum Centro
Americano (MCCA), puxado por acordos de comércio preferenciais; e
a relativa estagnação e a forte concentração em recursos naturais da
pauta de exportação de países como o Brasil e Chile e sub-regiões como
a Comunidade Andina e o Mercosul.
    A julgar pelos números, o México e o MCCA são os mais vulne-
ráveis à concorrência chinesa, em particular porque dependem forte-
mente da exportação de produtos como vestuário, têxteis e eletrônicos,
setores em que a China tem fortes vantagens comparativas. Essa vulne-
rabilidade é agravada pelo fato de eles se especializarem em estágios da
cadeia de produção que são mais intensivos em trabalho, e por esse
motivo podem facilmente ser transferidos para o Oriente. Entretanto, a
posição dos outros países e sub-regiões também não é nada confor-
tável, uma vez que a entrada da China dificulta bastante o processo de
diversificação produtiva visando atividades de maior complexidade
tecnológica.

   CONCLUSÃO


    Há, então, futuro para a indústria na América Latina? Não há
dúvida de que se esse futuro realmente existe, a entrada da China não o
faz mais promissor. Pelo contrário. A combinação de mão-de-obra
abundante, rápido crescimento da produtividade e um Estado onipre-
sente faz da China um competidor muito forte em um mercado que já
estava congestionado por pelo menos três gerações de tigres asiáticos.
    Um futuro pouco promissor para a indústria não seria uma pers-
pectiva tão preocupante se isso não tivesse profundas implicações para
a capacidade da região de crescer e se desenvolver. As alternativas à
indústria, como a especialização em recursos naturais, têm se mos-
trado arriscadas e de fôlego curto. É verdade que existem casos de
relativo sucesso, inclusive na região, a exemplo do Chile. O problema é
que esses sucessos parecem exceções que provam a regra, baseadas em
peculiaridades históricas e geográficas de difícil generalização. Pro-
missora ou não, o fato é que não parece existir outra opção que não
seja insistir com a manufatura. Não se trata de dar as costas aos recur-
sos naturais, mas sim reconhecer as suas potencialidades e limitações.
    Muito do pessimismo com que se vê a indústria na América Latina
não parece ter bases sólidas. A geografia e a combinação desfavorável
de recursos não explicam o pobre desempenho das últimas décadas. A
herança da substituição de importações, que promoveu uma indus-
trialização ineficiente e pouco investiu em capital humano, as várias
décadas de instabilidade macroeconômica e a negligência e inefi-

NOVOS ESTUDOS   n o 72   JULHO 2005                                        37
ciência do Estado em remediar falhas de mercado parecem ter tido um
   peso muito maior nos insucessos obtidos.
       Esses fatores estão relacionados ao desenho de políticas, sejam elas
   micro ou macroeconômicas, e não a fatores “naturais”, sobre os quais
   há pouco a fazer. A história e a teoria econômica sugerem que políticas
   bem planejadas, apoiadas por instituições fortes, podem superar restri-
   ções de natureza geográfica ou de dotações de recursos. Em outras
   palavras, políticas bem planejadas podem criar recursos como capital
   humano e tecnologia, necessários para que se desenvolva uma indús-
   tria competitiva que funcione como uma máquina de crescimento.
       Visto sob esse prisma, o desafio chinês não parece tão assustador.
   Superá-lo vai depender da capacidade da região de implementar uma
   agenda de políticas que inclua a consolidação da estabilidade ma-
   croeconômica através de uma gerência fiscal responsável; a formação de
   mercados regionais integrados que reduzam as desvantagens de escala;
   a ampliação do acesso ao crédito para as empresas locais, sob pena de
   essas sucumbirem perante competidores asiáticos fortemente alavan-
   cados; e o fortalecimento da capacitação tecnológica regional, sem a
   qual qualquer perspectiva de diversificação visando atividades mais
   produtivas tende a se materializar em frustração.
       É claro que é mais fácil falar do que fazer. Como bem lembrou
   Stigltiz34, “infelizmente, nós podemos falar mais sobre o que é preciso        [34] Stiglitz, Joseph. “Whither
   do que sobre como implementar aquilo que precisa ser implementado”.            reform? Towards a new agenda for
                                                                                  Latin America.” Paper apresentado
   Parece claro que a região precisa de uma estratégia de governo muito           na Comissão Econômica para a
   mais pragmática do que aquela que foi implementada durante os anos             América Latina e o Caribe. Santiago,
                                                                                  Chile, 26 ago. 2002, p. 50.
   1990. Parece também evidente que uma região com tamanha variedade
   de territórios, recursos e instituições precisa de uma boa dose de “auto-
   ajuda”, isto é “os detalhes de como isso [o crescimento industrial] pode
   ser implementado tende a variar de país para país, dependendo da
   capacidade administrativa, do regime de incentivos, da flexibilidade
                                                                                  [35] Hausman, R. & Rodrik, D., op.
   fiscal, do grau de sofisticação do sistema financeiro, e da economia           cit., p. 17.
   política subjacente”35. Em outras palavras, quando se trata de imple-
   mentar uma agenda cujos contornos já são por demais conhecidos, os             Recebido para publicação
                                                                                  em 17 de março de 2005.
   governos terão que recorrer a sua própria capacidade e criatividade.
                                                                                  NOVOS ESTUDOS
                                                                                  CEBRAP
   Mauricio Mesquita Moreira é economista sênior do Banco Inter-Americano de      no 72, julho 2005
                                                                                  pp. 21-38
   Desenvolvimento.




38 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA   Mauricio Mesquita Moreira

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  • 1. O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira RESUMO A emergência da China levanta dúvidas sobre o futuro da indústria na América Latina. Embora a teoria de comércio tradicional e três gerações de tigres asiáticos já tenham questionado a capacidade da região de obter participação expressiva no mercado mundial de manufaturados, a China, com oferta ilimitada de mão-de-obra, rápido crescimento da produtividade, escala massiva e estado intervencionista, leva esse questionamento às últimas conseqüências. Este artigo procura discutir a natureza e as implicações desse questionamento. PALAVRAS-CHAVE: América Latina, China, Indústria, Comércio Internacional. SUMMARY China’s emergence has raised questions about the future of manufacturing in Latin America. Once saw as its economic future, the viability of this activity in the region has long been challenged by traditional trade theory and, in practical terms, by at least three generations of Asian Tigers. China and its “unlimited supply of labor”, rapid productivity growth, scale, and extremely interventionist state has brought the practical challenge to unprecedented levels. This paper looks at the nature of this challenge and its implications. KEYWORDS: Latin America, China, Industry, International Trade. A emergência da China no mercado mundial deixa no ar uma desconfortável dúvida sobre o futuro da América Latina na divisão internacional do trabalho. Por várias gerações esse futuro foi imaginado como um futuro industrial. Industrialização era a chave para o desenvolvimento da região e por várias décadas o Estado foi posto a serviço desse objetivo, apesar das objeções inspiradas prin- cipalmente na teoria de comércio internacional. A região, ainda que com diferentes graus de sucesso entre os países, efetivamente se indus- trializou, mas o futuro e a sustentabilidade dessa industrialização têm sido desafiados por várias gerações de tigres asiáticos. A China, com sua oferta ilimitada de mão-de-obra, explosivo crescimento da produ- tividade e um Estado fortemente intervencionista, leva esse desafio às últimas conseqüências. A natureza e as implicações desse novo e, em grande medida, inédito desafio ao “projeto” industrial da região são o núcleo do que se pretende discutir aqui. NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 21
  • 2. Com cinco partes, incluindo esta introdução, este artigo começa revisitando uma questão que é tão antiga como fundamental para a compreensão das implicações do desafio chinês: Qual é a importância da indústria para o desenvolvimento da região? A seção seguinte trata dos principais pilares do desafio chinês, isto é, fatores como mão-de- obra, produtividade, escala e intervenção estatal. Na quarta seção ava- liam-se os impactos da China sobre os fluxos de comércio da América Latina, com base em correlações e mudanças nas participações de mer- cado. Por último, um resumo dos principais pontos, seguido de uma discussão sobre as (difíceis) opções de política para os governos da região. INDÚSTRIA? Será a indústria realmente fundamental para desenvolvimento da América Latina? O que diz a literatura? Seria razoável esperar que essa questão já tivesse sido resolvida mais de um século depois de Prebisch (1950) ter escrito The economic development of Latin America and its principal problems. O debate, no entanto, segue vivo, alimentado, por um lado, pelo desempenho industrial medíocre da região e, por outro, pelo fato de que os economistas estão longe de um consenso com relação à chamada “praga dos recursos naturaisquot;. Um par de artigos escritos por Sachs e Warner1 parece ter ressusci- [1] Sachs, J. & Warner, A. “Natural resource abundance and economic tado esse debate na academia, com resultados que sugerem uma relação growth”, in National Bureau of Eco- inversa entre recursos naturais e crescimento. A razão para tanto seriam nomic Research Working Paper, p. externalidades tecnológicas e retornos crescentes associados à manu- 5398, 1995; ibidem, “Fundamental sources of long-run growth.” Ame- fatura. Muito embora a comprovação empírica fosse nova, esses auto- rican Economic Review Papers and res trouxeram novamente à tona uma antiga controvérsia sobre as rela- Proceedings 87, pp. 184-8, 1997. ções entre industrialização e crescimento. Essa controvérsia nunca foi satisfatoriamente resolvida — em grande parte por conta das dificulda- des de se identificar empiricamente os canais pelos quais a indústria promoveria o crescimento. No entanto, a julgar pelo comportamento dos governos e grande parte dos acadêmicos, é como se tivesse sido. Os países em desenvolvimento vêm buscando, implícita ou [2] Cf. Chenery, H.; Robinson, Sher- explicitamente, se industrializar desde pelo menos a década de 1950, man & Syrquin, Moshe. Industria- lization and growth. A comparative primeiro substituindo importações, liderados pela América Latina, e study. Oxford University Press for depois através da promoção de exportações, liderados pelos países do the World Bank, 1986; e Rowthorn, leste Asiático. Na academia, existe uma longa tradição de igualar de- Robert & Ramaswamy, Ramana, “Deindustrialization: causes and senvolvimento à industrialização, a começar pela idéia de que existiria implications”. IMF Working Paper, um padrão “normal” de desenvolvimento2, que levaria os países da 97/42, 1997. agricultura à manufatura e depois aos serviços. Não faz muito tempo, [3] Cf. Chenery, H., et al., op. cit., p. 4; economistas insuspeitos chegaram a declarar a existência de um Kruger, Ann, “Comparative advan- tage and development policy twenty “consenso industrial”, o qual estaria acima das diferenças de ordem years later”, in Syrquin, M.; Taylor, L. política: “A principal questão entre os proponentes de uma política & Westphal, L. E. (eds.). Economic structure and performance: essays in industrial neoclássica e os seus críticos não [é] sobre a necessidade de honor of Hollis B. Chenery. New industrializar, mas sobre como industrializar”3. York: New York Academic, 1984. 22 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 3. Existem fortes evidências de que esse “consenso” ainda perdura na profissão. Não raro se fala de economias industriais avançadas, como [4] Grossman, Gene & Helpman, Grossman e Helpman por exemplo4. Sem falar na noção de que a in- Elhanan. “Technology and trade.” dústria é o berço da inovação, implícita nas chamadas novas teorias NBER Working Paper, 4926, nov. 1994, p. 33. do crescimento5. Na literatura contemporânea sobre desenvolvimento [5] Aghion, Phillippe & Howitt, também se encontram expressões como “promover o crescimento Peter. “A model of growth through industrial e a transformação”6, e mesmo no debate sobre as economias creative destruction.” National Bu- desenvolvidas se ouvem argumentos como “manufatura e o learning-by- reau of Economic Research Working Paper 3223, 1990; e Grossman & doing a ela associado são fontes importantes de externalidades que Helpman, op. cit. aceleram a produtividade geral da economia”7. [6] Hausman, R. & Rodrik, Dani. Apesar desse viés industrial, o fato é que os resultados de Sachs e “Economic development as self-dis- Warner não acabaram com a polêmica. Outros estudos questionaram covery.” NBER Working Paper 8952, mai. 2002, p. 17. as conclusões desses autores, como o fizeram Lederman e Maloney8, [7] McKinnon, Ronald. “Government que argumentam que o problema não é a especialização em recursos Deficit and The Deindustrialization naturais por si só, mas sim a concentração das exportações em poucos of America.” The Economist’s Voice, produtos. Outros artigos, no entanto, reforçam as conclusões de Sachs vol. 1, n. 3, 2004, p. 1. e Warner com base em um diagnóstico de Dutch Disease, expressão [8] Lederman, Daniel & Maloney, William F. “Trade structure and associada aos impactos negativos da descoberta de gás natural no Mar growth.” World Bank Policy Research do Norte sobre o setor manufatureiro holandês. Stijns9, por exemplo, Working Paper 3025, abr. 2003. apresenta evidências de que a exportação de recursos naturais acaba [9] Stijns, Jean-Philippe. “An empi- por promover a concentração das exportações em poucos produtos. Na rical test of the Dutch Disease hypothesis using a gravity model of mesma linha, mas sugerindo outros canais, Isham, Woolcock, Pritchett trade.” Paper preparado para o e Busby10 encontram indícios de que a concentração das exportações Congresso da EEA, Estocolmo, jul., em recursos naturais está fortemente associada a instituições fracas, 2003. que, por sua vez, estão associadas ao baixo crescimento. [10] Isham, Jonathan; Woolcock, Michael; Pritchett, Lant & Busby, Gwen. “The varieties of resource O DEBATE SOBRE POLÍTICAS A precariedade das evidências empíricas não experience: how natural resource ex- impediu que o debate acadêmico contagiasse o debate sobre políticas. port structures affect the political economy of economic growth.” É possível encontrar na literatura recomendações bem definidas sobre Middlebury College Economics qual seria o melhor padrão de especialização para a América Latina. De Discussion Paper n. 03.08, 2003. Ferranti11, por exemplo, desqualifica os argumentos pró-indústria e os [11] De Ferranti, David; Perry, riscos de Dutch Disease e cita o sucesso de países ricos em recursos Guillermo; Lederman, Daniel & Malo- ney, William. “From natural resources naturais como Canadá, Austrália, Suécia e Finlândia. Assim sendo, a to the knowledge economy. Trade and especialização em recursos naturais seria o caminho mais rápido e job quality.” World Bank, Washington D.C., 2002. seguro para uma “economia de conhecimento”. [12] Blum, B. & Leamer, Edward. “Can Blum e Leamer12, entretanto, têm uma perspectiva diferente. Eles FTAA Suspend the law of gravity and partilham do pessimismo expresso por De Ferranti com relação ao give americas higher growth and better futuro da indústria na região latino-americana, citando fatores como income distributions”, in Esteva- deordal, A.; Rodrik, D.; Taylor A. & dotação de recursos e geografia: “A América Latina é distante, rica em Velasco, A. (eds.). FTAA and beyond: recursos naturais e tem um clima tropical [...]. Países tropicais e dis- prospects for integration in the Amér- icas. David Rockefeller Center for La- tantes têm grande dificuldade de atrair atividades manufatureiras a tin American Studies, Harvard Uni- não ser aquelas mais simples e intensivas, como montar peças de ves- versity Press, 2004. tuário”13. Mas ao contrário de De Ferranti, eles não pensam que isso é [13] De Ferranti et al., op. cit., p. 569. uma vantagem para a região. Argumentam que atividades intensivas em recursos naturais investem pouco em capital humano e geram pou- cos empregos, o que dificultaria a diversificação em direção a ativi- NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 23
  • 4. dades mais produtivas e complexas. Julgam também que o exemplo de países desenvolvidos, com esse mesmo perfil, não é relevante para a América Latina, porque teriam se comprometido com investimentos em capital humano por razões históricas (colonização) e não econômicas. Tais argumentos estão longe de esgotar esse debate, mas eles dão uma boa amostra dos dois tipos de pessimismo que prevalecem em círculos políticos e acadêmicos do “Norte” com relação à indústria na América Latina. Os fundamentos desse pessimismo, no entanto, são frágeis. Como discutido anteriormente, as evidências empíricas não justificam qualquer entusiasmo com relação à especialização em recur- sos naturais. Pelo contrário, deixam claros os riscos existentes. Da mesma forma, o argumento de que a indústria na América Latina é condenada pela geografia e pela dotação de recursos da região parece ignorar tanto a teoria como os fatos. As “novas” teorias de crescimento endógeno mencionadas anteriormente elegem, por exemplo, a indústria como principal lócus de crescimento e enfa- tizam a importância da inovação e do aprendizado, que, por sua vez, dependem fundamentalmente do investimento em capital humano. Ou seja, elas dão importância a um tipo de recurso cuja acumulação é influenciada pela geografia e pelas instituições, mas que também responde a políticas públicas. Uma maneira de interpretar essas teo- rias é argumentar que a acumulação de capital humano e o processo subseqüente de inovação e aprendizado podem mudar o destino de um país, independentemente de sua condição geográfica e de seu estoque de recursos. Na história da economia mundial, encontram-se vários exemplos nesse sentido, tais como a Coréia do Sul. Logo após a guerra civil, as Nações Unidas contrataram especialistas para avaliar o futuro econô- mico do país. O chamado Grupo de Nathan fez a sua proposta (que felizmente nunca foi implementada), baseada no pressuposto de que as oportunidades de exportação e as vantagens comparativas da Coréia [14] Krueger, Anne O. The de- do Sul estavam em agricultura e minerais!14 velopmental role of the foreign sector and aid. Studies in the modernization É preciso também que se tenha em conta que após mais de uma of the Republic of Korea: 1945-1975. década de liberalização comercial, aproximadamente 20% do PIB da Cambridge, MA: Harvard University Press, 1979, p. 77. região ainda é produzido no setor manufatureiro e que países como Brasil e México são exportadores expressivos de produtos manufa- turados. É verdade que a participação da indústria no PIB tem declinado rapidamente, que produtos intensivos em recursos naturais ou trabalho ainda dominam as pautas de exportação e que a América Latina tem tido enormes dificuldades de competir com o Leste Asiá- [15] Lall, Sanjaya; Albaladejo, Manuel & Moreira, Mauricio Mesquita. “Latin tico15. Mas esses fatos não se explicam exclusivamente pela geografia America industrial competitiveness ou pela dotação de fatores. and the challenges of globalization.” IDB-INTAL-ITD Occasional Paper, n. A queda da participação no PIB pode ser vista, pelo menos em 5, Washington, 2004. parte, como um ajuste inexorável aos excessos produzidos pela Política de Substituição de Importações (PSI). Ela também reflete a queda no 24 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 5. preço relativo dos produtos manufaturados promovida pela libera- lização comercial. Como mostra o gráfico 1, a maioria dos países latino-americanos experimentou um forte ajuste em direção à “norma”. Ou seja, eles atingiram nos anos 1960 e 1970 um nível de industrialização superior àquele que seria correspondente a sua renda per capita. A liberalização comercial nos anos 1980 e 1990 teria eliminado esses “excessos”. GRÁFICO 1 Participações estimadas e observadas da manufatura no PIB (em log) Países latino-americanos selecionados e países intensivos em recursos naturais ARGENTINA BRASIL CHILE C OLÔMBIA 2 2 .5 3 3 .5 1. 5 2 2. 5 3 3. 5 1.5 2 2.5 3 3.5 2 2. 5 3 3. 5 4 1965 1965 1965 2000 2000 1965 2000 2000 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 COSTA RICA MÉXICO URUGUAI VE NEZUEL A 1. 5 2 2. 5 3 3. 5 1 .5 2 2 .5 3 3 .5 1.5 2 2.5 3 3.5 2000 1. 5 2 2. 5 3 2000 1975 1965 2000 1970 1965 2000 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 AU STRÁ L IA CAN ADÁ FI N LÂ N DIA SU ÉC IA 2000 1. 5 2 2. 5 3 3. 5 1. 5 2 2. 5 3 3. 5 1970 1.5 2 2.5 3 3.5 2000 1970 1 .5 2 2 .5 3 1970 1970 2000 2000 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 6 7 8 9 10 11 TAILÂ N DIA 2000 2 2. 5 3 3. 5 1965 Log da renda real per capita em PPP 6 7 8 9 10 11 log da renda real per capit a em PP P É preciso reconhecer que esse ajuste também seria compatível com a idéia de que a industrialização da região foi um artificialismo e que com a liberalização prevaleceram as forças da geografia e das vantagens comparativas “naturais”. No entanto, o desempenho de outros países considerados intensivos em recursos naturais, tais como o Canadá, a Finlândia, a Suécia e a Tailândia, sugere que outros fatores podem estar por trás desse ajuste. Esses países não só mantiveram uma participação da indústria no PIB superior àquela que seria ditada pelos níveis de renda, como não apresentaram nenhum sinal de ajuste, apesar do grau de abertura de suas economias. A exceção é a Austrália, mas nesse caso o ajuste ocorreu em níveis muito mais elevados de renda per capita. Se a geografia e os NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 25
  • 6. recursos naturais não prevaleceram no caso desses países, por que então haveria de prevalecer na América Latina? De fato, a história do “ajuste” industrial na América Latina não pode ser entendida sem que se leve em conta, primeiro, o sofrível am- biente macroeconômico que prevaleceu em quase toda a região nas décadas de 1980 e 1990 e, segundo, a reforma do Estado, feita no mesmo período, que foi muito além de eliminar os excessos da era da substituição das importações. A primeira questão dispensa maiores explicações. A região passou boa parte das últimas décadas lutando contras as conseqüências de anos de políticas macroeconômicas in- competentes e irresponsabilidade fiscal. Não há dúvida de que houve progressos, os quais, no entanto, foram acompanhados por erros que custaram muito caro. Por exemplo, os regimes cambiais adotados. Anos de apreciação cambial tiveram drásticas conseqüências sobre os setores comercializáveis, em geral; e sobre a indústria, em particular. No que diz respeito ao Estado, a maioria dos governos da região optou por uma agenda que satanizou qualquer tipo de intervenção governamental e deixou os produtores locais expostos às falhas de mercado. É certo que a intervenção governamental na América Latina tem um passado negro, marcado por erros espetaculares. No entanto, esse passado está ligado a um ambiente em que a economia era fechada, e a democracia, inexistente. Como é de amplo conhecimento, os pro- gressos feitos em ambas as áreas na década de 1990 foram nada menos do que espetaculares. De qualquer forma, qualquer análise superficial da indústria na América Latina mostra que as empresas sofrem uma série de dificuldades, da falta de acesso ao crédito à ausência de incen- tivo para investir em capital humano e tecnologia. Ao contrário dos seus competidores no Leste Asiático, a indústria na região não pode contar com uma generosa ajuda do Estado para enfrentá-los. Parece claro, portanto, que a história da indústria na América La- tina é a história de uma indústria que teve de se ajustar às realidades de uma economia aberta e, nesse processo, precisou lutar contra uma geografia e uma dotação de fatores que não lhe favorecia, enfrentar um ambiente macroeconômico desfavorável e uma competição assimétrica marcada por competidores generosamente assistidos pelos seus governos. À luz desses argumentos e evidências, vale a pena insistir na in- dústria? Pode a região abdicar de uma estratégia industrial de cresci- mento? Diante dos riscos envolvidos em uma estratégia de especia- lização em recursos naturais, riscos esses que envolvem a estabilidade macroeconômica, a geração de empregos e o investimento em capital humano, o abandono do desenvolvimento industrial pode ser extre- mamente custoso. Não se trata de criar um sistema de incentivos que vá contra as atividades intensivas em recursos naturais, mas sim de reco- nhecer que o desenvolvimento de uma indústria competitiva dificil- mente pode ser alcançado sem a ajuda do Estado para remediar imper- 26 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 7. feições de mercado, particularmente em um contexto no qual os con- correntes contam com esse amparo. Isso tampouco quer dizer que a indústria é uma aposta fácil e garantida, em especial, como veremos na próxima seção, diante da chegada da China. As dificuldades, a começar pela geografia e pela dotação de recursos, são difíceis de se subestimar, mas o fato é que para a grande maioria dos países latino-americanos, simplesmente não há outra opção. O DESAFIO CHINÊS Por que a China é um desafio para a indústria na América Latina? Há pelo menos quatro questões importantes suscitadas por esse embate: RECURSOS Com uma população de 1,3 bilhão de pessoas e uma força de trabalho de 640 milhões, vivendo e trabalhando em um ambiente com recursos naturais limitados, a China tem imensas vantagens compa- rativas em produtos intensivos em mão-de-obra. Tal abundância de trabalho se traduz em salários que se situam em níveis bem abaixo daqueles praticados na América Latina. O gráfico 2, por exemplo, com- para os salários das indústrias chinesa, brasileira, mexicana e colom- biana. Como se pode ver, mesmo em um ano favorável como 2002, momento de uma expressiva desvalorização cambial, os salários no Brasil eram o triplo dos praticados na China. No caso do México, os salários chegavam a ser cinco vezes mais altos. GRÁFICO 2 Salário médio anual na indústria US$ 1000, correntes México Brasil Colômbia China 9 8 7 6 5 4 3 2 1 - 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Pesquisas Industriais Anuais. NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 27
  • 8. Dada a estrutura de emprego chinesa, essa vantagem deve perdurar por anos ou mesmo décadas, apesar do forte crescimento econômico (uma média anual de 9,3% no período 1990-2004). Com 51% da população empregada ainda no campo16, a China parece estar longe de [16] China Statistical Yearbook uma situação em que o rápido crescimento industrial esgota o excesso (CSY), 2003. de oferta de mão-de-obra e provoca o aumento dos salários num ritmo maior do que a produtividade. A PRODUTIVIDADE Poder-se-ia argumentar, como nos livros de economia, que a vantagem salarial chinesa reflete a baixa produtividade da sua mão-de-obra e que, portanto, não há vantagem competitiva alguma. Como comparar níveis de produtividade não é uma tarefa trivial, é difícil confirmar essa possibilidade. Uma das raras tentativas de escla- recer essa questão foi feita por Mckinsey17, cuja análise não é muito [17] Mckinsey Global Institute, “New Horizons: Multinational Investment promissora para a indústria latino-americana. A China realmente apa- in Developing Countries.” San rece com um nível de produtividade mais baixo que Brasil e México na Francisco, 2003. maioria das indústrias analisadas, mas essa desvantagem é em geral pequena quando comparada à diferença salarial. Para complicar, há sinais de que a produtividade do trabalho na China vem crescendo a taxas bem mais elevadas que na América Latina, e se isso realmente constitui vantagem em termos de produtividade para os latino-ame- ricanos, em breve ela deve desaparecer. GRÁFICO 3 Produtividade do trabalho na manufatura China, Brasil, Colômbia e México Valor adicionado por trabalhador. 1992=100 China ( deflator implícito) China (IPA) Brasil México Colômbia 350 300 250 200 150 100 50 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Cálculos do autor com base em dados do IBGE, INEGI, Oficina Estatística da Colômbia e Anuário Estatístico da China. 28 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 9. O gráfico 3 mostra que Brasil e México, apesar dos bons resultados em termos de produtividade na década de 1990, vêm sendo superados pela China, que tem ampliado a sua vantagem nos últimos anos. É verdade que isso pode ser simplesmente o reflexo dos elevados níveis de investimentos chineses (em média 40% do PIB na última década), os quais elevam a relação capital-trabalho. As estimativas da Produ- tividade Total dos Fatores (PTF), no entanto, não sugerem que a China seja a próxima União Soviética, ou seja, que seu crescimento esteja baseado exclusivamente na acumulação de capital. Mas sugerem por outro lado que há um componente importante de progresso técnico, o qual tende a confirmar a vantagem chinesa sobre a América Latina. Por exemplo, há quem estime um crescimento de 2,5% da PTF para [18] Jefferson, Gary H. et al. “Chinas empresas estatais e 3,4% para as empresas coletivas industriais18. Es- industrial performance: a review of tima-se também19, usando dados de firmas industriais, um cres- recent findings.” In Jefferson, Gary H & Singh, Inderjit (eds.) Enterprise cimento de 2,8% no período 1980-1996. Para a América Latina, os reform in China. Ownership, tran- dados equivalentes sugerem um desempenho mais modesto. Lopez- sition and performance. Oxford University Press for the World Bank, Córdova e Moreira20, por exemplo, calculam um crescimento da PTF de 1999. 1,1% para o México no período inicial do Nafta (1993-1999) e de 2,7 % [19] Jefferson, Gary H. et al. “Owner- para o Brasil na segunda metade da década. ship, productivity change, and fi- nancial performance in chinese in- dustry.” Journal of Comparative Eco- nomics, 28 (4), 2000, pp. 786-813. A ESCALA Muito embora a China não seja (ainda) um país rico (sua [20] López Córdova, E. & Moreira, renda per capita de mil dólares em 2003 a coloca entre os países de Mauricio Mesquita, “Regional inte- renda média baixa), não há dúvida de que é um país grande. A gration and productivity: the expe- riences of Brazil and Mexico.” in população é a maior do mundo, ocupa um território comparável ao Estevadeordal, A.; Rodrik, D.; Taylor dos Estados Unidos, e movimenta uma economia de US$ 1,7 trilhão, a A. & Velasco, A. (eds.), op. cit. qual equivale à de toda a América Latina. As exportações da China (US$ 593 bilhões em 2004) já são superiores às latino-americanas. Além dos benefícios de tamanho relativos a investimentos em bens [21] Cf. Alesina, Alberto; Spolaore, públicos21, a escala da China lhe dá uma vantagem importante no Enrico & Wacziarg, R. “Trade, growth desenvolvimento de indústrias intensivas em capital e tecnologia. Isto and size of the countries.” Harvard Institute Research Working Paper é, permite a diluição dos elevados custos fixos de capital e tecnologia No 1995, 2002 . que caracterizam essas indústrias, além de tirar proveito do retorno crescente oriundo do incentivo ao aprendizado e à inovação. O PAPEL DO GOVERNO O quarto e último desafio decorre da presença do Estado na economia chinesa. Enquanto a América Latina pas- sou a década de 1990 ocupada em desmontar o Estado interven- cionista da era de substituição de importações, a China entrava no mercado mundial construindo um modelo de desenvolvimento muito similar ao de outros tigres asiáticos. Isto é, um modelo de crescimento com forte intervenção do Estado nos mercados de pro- duto e fatores e com o único e claro objetivo de promover a indus- trialização via expansão das exportações. Apesar de similar, o fato de o modelo chinês ter sido construído sobre as bases de uma NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 29
  • 10. economia socialista deu ao Estado uma importância ainda maior, sem precedentes mesmo no mundo asiático. Está além do escopo deste artigo fazer uma descrição detalhada do modelo chinês22. No entanto, é importante ter em conta que as firmas [22] Veja, por exemplo, Naughton, industriais chinesas, desde o nascimento do novo regime em 1978, têm Barry. “China: development stra- tegy and policy regime.” Paper acesso a uma série de privilégios, tais como a oferta ilimitada de cré- preparado para o Relatório do dito, via bancos estatais, a taxas provavelmente bem abaixo do custo Banco Inter-Americano de De- senvolvimento sobre a China de oportunidade do capital; um sistema público de inovações que tem Washington, 2004. contribuído para difundir o conhecimento e reduzir os custos e riscos da inovação23; um regime de propriedade intelectual cuja aplicação [23] Dalhman e Aulbert 2001. seletiva tem reduzido o custo de imitação e absorção de tecnologia estrangeira; acesso direto aos cofres do tesouro por parte de um número ainda substancial de empresas estatais; generosos incentivos fiscais e financeiros para os chamados campeões nacionais — empre- sas pertencentes aos ramos industriais considerados como pilares da economia24. [24] Ver Nolan, Peter & Zhang J. “The As empresas chinesas também têm se beneficiado de um regime de challenge of globalization for large chinese firms.” World Development, comércio e investimentos dual ou seletivo, que concede aos exporta- vol. 30, n. 12, 2002, pp. 2089-107. dores livre acesso a insumos importados a preços internacionais, e ao mesmo tempo restringe severamente a competição das importações no mercado interno. O regime tem sido também extremamente seletivo em termos da origem de propriedade das empresas. Enquanto as estran- geiras que procuram vender no mercado interno enfrentam todo o tipo de restrições e condicionantes, as que exportam se beneficiam de generosos incentivos fiscais, particularmente aquelas que operam nas zonas econômicas especiais. Não há dúvida de que nos últimos anos, em especial após a entrada na OMC em 2001, a China tem procurado liberalizar sua política comercial e de investimentos. O país assumiu, por exemplo, compro- missos de eliminar gradualmente os chamados TRIMs (medidas de investimento relacionadas ao comércio); de unificar o regime de comércio e de eliminar restrições setoriais ao investimento direto25. [25] World Trade Organization. Pro- Entretanto, não há sinais de que esteja preparada para ir tão longe tocol on the accession of China. Cambridge: Cambridge University quanto a América Latina em relação à renúncia à intervenção estatal. Press, 2003. Mesmo após vinte e seis anos de reformas, 59% do investimento total da economia chinesa permanece nas mãos do Estado26. O sistema [26] National Bureau of Statistics of financeiro continua dominado por bancos estatais, e, de acordo com China (NBS-China). Disponível em: <http://www.stats.gov.cn>. Naughton27, “continua a ser influenciado por políticas e projetos ofi- [27] Naughton, B., op. cit., p. 12. ciais de governo tanto no plano nacional como local”. Talvez seja mais revelador ainda o fato de o governo chinês ter anunciado recentemente, e sem constrangimentos, que está formal- mente promovendo três setores em especial, dois deles na área de manufatura: semicondutores, automóveis e software28. Nem mesmo a [28] Ibidem. reforma da política comercial pode ser encarada como um fato con- sumado. Por exemplo, um relatório recente do United State Trade Representative (USTR 2004) aponta para uma série de áreas onde a 30 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 11. implementação dos compromissos assumidos perante a OMC tem dei- xado bastante a desejar. Entre eles, direitos de comércio e distribuição, regulação de importação e exportações, barreiras não tarifárias e trata- mento nacional. O sinal preocupante foi dado pela União Européia, [29] People’s Daily on Line, que recusou à China o status de economia de mercado29. 2004. Disponível em: <http://en- Fica sempre no ar a pergunta se essas políticas intervencionistas glish.people.com.cn>. Acesso em 30 junho de 2004. estão ou não por trás do sucesso chinês, ou se são na verdade um entrave a seu desenvolvimento. Do ponto de vista dos concorrentes, no entanto, essa pergunta, pelo menos no curto prazo, é puramente aca- dêmica. Para eles, o que importa na prática é o fato de que a oni- presença e a generosidade do Estado chinês cria um ambiente de competição viciado, em um cenário em que eles já enfrentam desvantagens de recursos, produtividade e escala. IMPACTOS SOBRE O COMÉRCIO O que os dados comerciais dizem sobre a importância do desafio chinês? No geral, sugerem que o impacto da concorrência chinesa tem sido, até agora, limitado, mas desenham um cenário preocupante para o futuro. PARTICIPAÇÃO NO MERCADO Uma maneira simples de avaliar esse impacto é examinar o que se passou com as participações da América Latina e da China nas exportações mundiais de manufaturados. Como pode ser visto no gráfico 4, depois de perdas elevadas na década de 1980, a América Latina consegue ensaiar uma recuperação na década seguinte, liderada pelo México. Essa recuperação, no entanto, ficou muito aquém do desempenho da China, que no fim dos anos 1990 alcançava uma participação de mercado quase duas vezes maior que a do México — o maior exportador latino-americano. O gráfico também mostra o crescente hiato entre a participação latino-americana e dos outros tigres asiáticos. Uma questão importante que não pode ser esclarecida pelo gráfico 4 é em que medida a crescente participação da China se deu à custa dos países latino-americanos. O gráfico 5 oferece uma resposta aproxi- mada para essa questão, usando uma metodologia sugerida por [30] Azevedo, J. P. & Chami, Batista Batista e Azevedo30. Para contornar a falta de dados com relação à J. “NAFTA and the loss of U.S. market elasticidade de substituição entre as exportações chinesas e latino- share by Brazil, 1992-2001.” Cepal Review, n. 78, 2003, pp. 167-82. americanas, perdas de mercado por países da região em qualquer produto, mercado e período são atribuídas à China de acordo com a participação desse país entre os países que tiveram ganhos naquele produto, mercado e período específico. NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 31
  • 12. GRÁFICO 4 Participação nas exportações mundiais de manufaturados Países e regiões selecionadas, 1981-2002 Em porcentagem China E . Asia ex cl. China Méx ico ALC AL ex cl. Méx ico C 18,0% 15,0% 12,0% 9,0% 6,0% 3,0% 0,0% 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1988 Fonte: Comtrade Nota: Manufatura é definida como SITC 5 to meno 68. GRÁFICO 5 Perdas para a China, por categoria de produto, 1990-2003 Perdas p/China:% xporta da E çõs e Perdas p/China S U $ 2, 00 0 2. % 0 1, 00 8 Totais de Manufaturas -2 003 1, 00 6 1, 00 4 1. % 5 1, 00 2 milhõs de U S $ 1, 00 0 1. % 0 e 800 % das x portaç s õ e 600 E 0. % 5 400 200 0. % 0 0 e Alta Tcnolo gia Média ecnolo gia T T Baixa ecnolo gia ecusos atuais R r Nr Eporta x çõs Ttais e o Fonte: Comtrade 32 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 13. O exercício sugere que as perdas da América Latina para a China no mercado mundial no período 1990-2003 foram relativamente pe- quenas, alcançando 0,8% do total das exportações da região em 2003 (US$ 1,9 bilhão). Como esperado, as maiores perdas se concentraram nos produtos de baixa intensidade tecnológica e maior intensidade de mão-de-obra. Mas os resultados também sugerem que a abundância de mão-de-obra não explica tudo, com as perdas se estendendo a outras categorias de produtos cujo acesso a capital e tecnologia ditam o resultado da competição. Em outras palavras, o desafio chinês, como sugerido anteriormente, vai muito além da mão-de-obra barata. O gráfico 5, por comparar dois pontos no tempo, não nos diz muito sobre a tendência por trás dessas perdas. Essa informação aparece no gráfico 6, e, como se pode verificar, as perdas até agora foram relativamente modestas, mas a tendência sugere dias difíceis pela frente. Um ponto importante que reforça essa perspectiva é o fato [31] Ver Nordas, Hildelgunn Kyvik. de que distorções como o Acordo de Têxtil e Vestuário (ATV) — que “The global textile and clothing in- congelou as participações dos produtores nos principais mercados e os dustry post the agreement on textiles ainda elevados níveis de proteção na América Latina — devem estar and clothing”, in WTO Working Paper, n. 5, 2004; e Condo, Arturo. por trás das modestas perdas. Com o fim do ATV em 2005, esses “China’s Competitiveness and the resultados podem mudar drasticamente, em especial para os países da Future of the Textile Sector in Latin America.” LAEBA Annual Confe- América Central e México, onde as exportações de vestuário têm uma rence, 2004 (manuscrito). participação importante31. GRÁFICO 6 Perdas anuais da América Latina para a China 1990-2003, SITC 5 dígitos Percentual das exportações do ano corrente 2. % 5 2. % 3 2. % 0 1. % 5 1. % 5 1. % 0 0. % 8 0. % 8 0. % 6 0. % 4 0. % 4 0. % 5 0. % 3 0. % 2 2 0. % 3 0. % 0. % 3 0. % 1 0. % 1 0. % 0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 1990- 2003 Fonte: Comtrade NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 33
  • 14. Dados confiáveis para a penetração das importações no mercado doméstico da região como um todo são difíceis de se encontrar, mas evidências sobre o Brasil e México (gráfico 7) sugerem que a presença da China, apesar de modesta, está crescendo rapidamente. No caso do Brasil, a China aumenta sua participação em um quadro no qual a penetração das importações tem declinado após a desvalorização de 1999. No do México, o crescimento da penetração das importações chinesas tem se dado num ritmo muito superior ao das importações. GRÁFICO 7 Penetração de importações em produtos manufaturados Mundo e China, 1996-2003 Brasil-Mundo México-Mundo Brasil-China México-China Mundo % China 40 1.4 1.3 35 1.2 1.1 30 1.0 0.9 25 0.8 20 0.7 0.6 15 0.5 0.4 10 0.3 0.2 5 0.1 0 0.0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Fonte: INEGI, IBGE e SECEX COMÉRCIO BILATERAL O comércio entre América Latina e China decolou no início dos anos 1990, refletindo as reformas pró-mercado em ambos os parceiros comerciais. Entretanto, as importações na América Latina cresceram mais rapidamente do que as exportações, gerando um déficit comercial que chegou a US$ 6,2 bilhões em 2003, apesar do forte crescimento da economia chinesa. Esse número, no entanto, esconde os substanciais superávits obtidos pelos países latino- americanos que dispõem de recursos naturais abundantes, tais como Brasil, Chile, Peru e Argentina. Mais emblemática do que o saldo comercial é a composição do comércio bilateral. O gráfico 8 mostra que as exportações líquidas da América Latina para a China só são relevantes em produtos primários, o que contrasta marcadamente com o padrão de comércio intra- 34 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 15. industrial que a China tem com outros países em desenvolvimento na [32] Ver Albaladejo, Manuel & Lall, Ásia32. De fato, em 2002, a participação da América Latina no total Sanjaya. “China’s competitive per- formance: a threat to East Asian das importações de manufaturados da China não era mais do que manufactured exports?” World De- 1,2%, ao passo que os países da Asean (Association of Southeast velopment, vol. 32, n. 9, 2003, pp. Asian Nations) respondiam por 8,5%. Pode-se argumentar que esse 1441-66; e Ahearne, Alan G.; Fernald, John G.; Lougani, Prakash resultado reflete fatores como a geografia e as diferenças de dotação de & Schindler, John W. “China and fatores. No entanto, tanto as características protecionistas da política emerging Asia: comrades or competitors?”, in Federal Reserve comercial chinesa quanto a mais alta participação dos manufaturados Bank of Chicago Working Paper, n. importados de países asiáticos em desenvolvimento sugerem que há 27, 2003. outros fatores envolvidos. Por exemplo, tanto o Chile quanto o Brasil [33] Abreu, Marcelo. “Implications parecem ter experimentado a força da “mão visível” chinesa quando of China’s emergence in the global economy for Latin America and the tentaram exportar versões mais industrializadas de produtos primá- Caribbean Region. The case of Bra- rios. O primeiro com cobre e o segundo com óleo de soja e calçados de zil.” Paper preparado para o Relatório do Banco Inter-Americano de couro33. Da mesma forma, o sucesso da Asean em exportar manufa- Desenvolvimento sobre a China. turados para a China pode estar relacionado à participação desses Washington, 2004. Claro, Sebas- países na cadeia produtiva mundial das multinacionais, porque nesse tian. “Implications of China’s emer- gence in the global economy for Latin caso enfrentam o lado mais liberal, processador de exportações, da America and the Caribbean Region. política comercial chinesa. GRÁFICO 8 Exportações líquidas da América Latina para a China, por fator de intensidade, 1980-2002 US$ milhões Alta Baixa Média Produtos ecusos Rr tecnologia tecnolog ia tecnolog ia primáios r natuais r 4000 3000 2000 1000 0 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 - 000 1 - 000 2 - 000 3 - 000 4 Fonte: Comtrade The case of Chile.” Paper preparado COMPETIÇÃO POTENCIAL A análise da participação de mercado revela para o Relatório do Banco Inter-Ame- informações sobre o passado e o presente, mas diz pouco sobre o ricano de Desenvovlvimento sobre a China. Washington, 2004. futuro, isto é, sobre os impactos potenciais. Os índices de similaridade de exportação podem ser mais úteis quando se procura olhar para a frente e examinar a vulnerabilidade das exportações dos países da América Latina em face da competição chinesa em outros mercados. Os gráficos 9 e 10 apresentam resultados de similaridade de exportação de manufaturados, baseados em coeficientes de correlação, entre os maiores países e sub-regiões latino-americanas e a China. NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 35
  • 16. GRÁFICO 9 Coeficiente de correlação da pauta exportadora América Latina-China: manufatura, mercado americano (HS 6 dígitos) Brasil MCCA Colômbia ALC México 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Comtrade GRÁFICO 10 Coeficiente de correlação da pauta exportadora América Latina-China: manufatura, resto do mundo (HS 6 dígitos) Andean Brasil CACM Chile LAC México Mercosur 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Comtrade 36 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira
  • 17. Tanto no mercado americano quanto no resto do mundo, encon- tra-se um padrão de similaridade e mudanças cujos principais agentes são a rápida mudança estrutural da economia chinesa em direção a produtos mais intensivos em tecnologia; o relativo dinamismo do setor intensivo em tecnologia no México e no Mercado Comum Centro Americano (MCCA), puxado por acordos de comércio preferenciais; e a relativa estagnação e a forte concentração em recursos naturais da pauta de exportação de países como o Brasil e Chile e sub-regiões como a Comunidade Andina e o Mercosul. A julgar pelos números, o México e o MCCA são os mais vulne- ráveis à concorrência chinesa, em particular porque dependem forte- mente da exportação de produtos como vestuário, têxteis e eletrônicos, setores em que a China tem fortes vantagens comparativas. Essa vulne- rabilidade é agravada pelo fato de eles se especializarem em estágios da cadeia de produção que são mais intensivos em trabalho, e por esse motivo podem facilmente ser transferidos para o Oriente. Entretanto, a posição dos outros países e sub-regiões também não é nada confor- tável, uma vez que a entrada da China dificulta bastante o processo de diversificação produtiva visando atividades de maior complexidade tecnológica. CONCLUSÃO Há, então, futuro para a indústria na América Latina? Não há dúvida de que se esse futuro realmente existe, a entrada da China não o faz mais promissor. Pelo contrário. A combinação de mão-de-obra abundante, rápido crescimento da produtividade e um Estado onipre- sente faz da China um competidor muito forte em um mercado que já estava congestionado por pelo menos três gerações de tigres asiáticos. Um futuro pouco promissor para a indústria não seria uma pers- pectiva tão preocupante se isso não tivesse profundas implicações para a capacidade da região de crescer e se desenvolver. As alternativas à indústria, como a especialização em recursos naturais, têm se mos- trado arriscadas e de fôlego curto. É verdade que existem casos de relativo sucesso, inclusive na região, a exemplo do Chile. O problema é que esses sucessos parecem exceções que provam a regra, baseadas em peculiaridades históricas e geográficas de difícil generalização. Pro- missora ou não, o fato é que não parece existir outra opção que não seja insistir com a manufatura. Não se trata de dar as costas aos recur- sos naturais, mas sim reconhecer as suas potencialidades e limitações. Muito do pessimismo com que se vê a indústria na América Latina não parece ter bases sólidas. A geografia e a combinação desfavorável de recursos não explicam o pobre desempenho das últimas décadas. A herança da substituição de importações, que promoveu uma indus- trialização ineficiente e pouco investiu em capital humano, as várias décadas de instabilidade macroeconômica e a negligência e inefi- NOVOS ESTUDOS n o 72 JULHO 2005 37
  • 18. ciência do Estado em remediar falhas de mercado parecem ter tido um peso muito maior nos insucessos obtidos. Esses fatores estão relacionados ao desenho de políticas, sejam elas micro ou macroeconômicas, e não a fatores “naturais”, sobre os quais há pouco a fazer. A história e a teoria econômica sugerem que políticas bem planejadas, apoiadas por instituições fortes, podem superar restri- ções de natureza geográfica ou de dotações de recursos. Em outras palavras, políticas bem planejadas podem criar recursos como capital humano e tecnologia, necessários para que se desenvolva uma indús- tria competitiva que funcione como uma máquina de crescimento. Visto sob esse prisma, o desafio chinês não parece tão assustador. Superá-lo vai depender da capacidade da região de implementar uma agenda de políticas que inclua a consolidação da estabilidade ma- croeconômica através de uma gerência fiscal responsável; a formação de mercados regionais integrados que reduzam as desvantagens de escala; a ampliação do acesso ao crédito para as empresas locais, sob pena de essas sucumbirem perante competidores asiáticos fortemente alavan- cados; e o fortalecimento da capacitação tecnológica regional, sem a qual qualquer perspectiva de diversificação visando atividades mais produtivas tende a se materializar em frustração. É claro que é mais fácil falar do que fazer. Como bem lembrou Stigltiz34, “infelizmente, nós podemos falar mais sobre o que é preciso [34] Stiglitz, Joseph. “Whither do que sobre como implementar aquilo que precisa ser implementado”. reform? Towards a new agenda for Latin America.” Paper apresentado Parece claro que a região precisa de uma estratégia de governo muito na Comissão Econômica para a mais pragmática do que aquela que foi implementada durante os anos América Latina e o Caribe. Santiago, Chile, 26 ago. 2002, p. 50. 1990. Parece também evidente que uma região com tamanha variedade de territórios, recursos e instituições precisa de uma boa dose de “auto- ajuda”, isto é “os detalhes de como isso [o crescimento industrial] pode ser implementado tende a variar de país para país, dependendo da capacidade administrativa, do regime de incentivos, da flexibilidade [35] Hausman, R. & Rodrik, D., op. fiscal, do grau de sofisticação do sistema financeiro, e da economia cit., p. 17. política subjacente”35. Em outras palavras, quando se trata de imple- mentar uma agenda cujos contornos já são por demais conhecidos, os Recebido para publicação em 17 de março de 2005. governos terão que recorrer a sua própria capacidade e criatividade. NOVOS ESTUDOS CEBRAP Mauricio Mesquita Moreira é economista sênior do Banco Inter-Americano de no 72, julho 2005 pp. 21-38 Desenvolvimento. 38 O DESAFIO CHINÊS E A INDÚSTRIA NA AMÉRICA LATINA Mauricio Mesquita Moreira