2. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
ÍNDICE
Prefácio ....................................................................... 5
Introdução: Desenvolvimento com Eqüidade ... 7
1. Introdução ........................................................... 7
2. Uma Agenda de Políticas Fundamentada na
Adição de Valor e o CDES .................................. 11
Apêndice: Nota Metodológica ...................................15
P o l Í t I C a E C o N ô m I C a 17
Pauta Macroeconômica ........................................ 19
1. Crescimento e Inflação .......................................19
2. Pauta Macroeconômica..................................... 22
2.1. Abertura Comercial ................................... 22
2.2. Controle das Contas Externas e da Relação
Dívida Líquida e Exportações .................... 23
2.3. Necessidades de Investimento ................. 25
Apêndice .................................................................. 27
Notas Sobre a Situação Fiscal Brasileira . ..........29
1. A Situação Atual das Contas Públicas no Brasil . 29
Relativamente a uma Amostra de Países .......... 29
3. Relativamente à Série Histórica ......................... 29
2. Alguns Aspectos Econômicos das
Contas Públicas ..................................................31
3. Déficit Público e Setor Externo........................... 33
Política de Ciência e Tecnologia e
Inovação no Brasil ...................................................35
PolÍtICas s oCIaI s 45
Redes de Proteção Social e Desigualdade ...... 47
1 Visão Geral ........................................................ 47
1.1. Estagnação Econômica ............................ 48
1.2. Paradoxo Pró-Pobre ................................. 50
2. Impacto de Programas Sociais ......................... 50
2.1. Visão Geral .................................................51
2.2. Previdência Social ..................................... 52
2.3. Bolsas (e outras rendas sociais) ............... 52
3. Tendências Demográficas ................................ 53
4. Conclusões ........................................................ 55
Saúde ..................................................................... 57
1. As Relações com o Gerenciamento
com Qualidade: ................................................. 58
2. Visão Estratégica: .............................................. 59
3. Planejamento e Implantação da Qualidade.........61
Educação . ..................................................................63
4. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
E s ta D o 71
A Eficácia do Estado no Brasil
Contemporâneo ...................................................... 73
1. O Estado como Vetor do Desenvolvimento ....... 73
2. Alguns Aspectos Críticos
da Modernização do Estado.............................. 77
Apêndice - Governo Eletrônico como Vetor da
Modernização .................................................... 79
a. Serviços de governo eletrônico ..................81
b. Universalização de acesso e
inclusão digital ........................................... 82
c. Transparência, controle social e
e-governança ........................................... 82
d. Infra-estrutura de comunicação
eletrônica .................................................. 83
e. Redesenho de processos e estruturas ..... 83
f. Compras e contratações
governamentais ........................................ 84
g. Educação .................................................. 84
h. Saúde ........................................................ 85
i. Segurança pública ..................................... 85
j. Emprego e Comércio Eletrônico ............... 86
Segurança Pública .................................................. 87
Sistema Judiciário ...................................................93
.
Reforma Política e a Reforma do Processo
Orçamentário ...........................................................99
5. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
Prefácio
Retomar o crescimento da economia brasileira de maneira vigorosa e permanente,
reduzindo as assimetrias sociais, é o grande desafio do Brasil. Após ultrapassar a tormenta
do período hiperinflacionário, de sofrer crises institucionais e internacionais, o país preen-
che, neste momento, parte dos prerrequisitos para iniciar um processo duradouro de cres-
cimento e de redução das desigualdades. Contudo, esse futuro ainda não está seguro, e,
apesar de as condições econômicas serem em princípio propícias, sua concretização depen-
de de escolhas técnicas acertadas, de compromissos a serem estabelecidos entre as diversas
forças políticas e de muito trabalho árduo para implementar as mudanças necessárias. Para
que isso seja possível, é necessário que haja uma profunda discussão a respeito da criação
de uma visão nacional voltada para o desenvolvimento com eqüidade.
Assim, este documento construído pela Fundação Getulio Vargas – FGV representa
o espírito da sua missão, que é contribuir positivamente para o desenvolvimento nacional.
Não se trata de forma alguma de um plano, mas sim de uma análise de alguns dos prin-
cipais problemas que o Brasil precisa equacionar para voltar a se desenvolver. Nele procu-
ramos fornecer um esboço de como poderia ser organizada uma grande discussão sobre o
tema dentro de uma ótica de adição de valor.
A seleção dos temas apresentados se deu a partir das questões discutidas pelo Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), cujas pautas das reuniões foram examina-
das atentamente. Contudo, as considerações aqui expostas foram desenvolvidas por técnicos
da FGV, não para interpretar as discussões do CDES, mas sim para estimular um debate maior.
Procurou-se o máximo de neutralidade, fugindo-se de qualquer viés político-partidário, e, para
tal fim, os textos apresentados foram lidos e criticados focando essa isenção.
Os trabalhos abordam temas como Macroeconomia, Ciência e Tecnologia, Redes So-
ciais, Saúde, Educação, Eficácia do Estado, Segurança Pública, Sistema Judiciário, Reforma
Política e Reforma do Processo Orçamentário. Eles não exaurem a lista de temas relevantes.
Também não formam um plano, mas são questões que devem ser abordadas. Procurou-se
ser o mais sintético possível, adiando-se algumas discussões para quando houver uma
visão comum maior.
Durante toda a sua existência, a FGV vem trabalhando unicamente para estimular o
desenvolvimento nacional. Isso a motivou a aceitar – como já fez inúmeras vezes desde a
sua fundação, em 1944 – o pedido que lhe foi feito pela Secretaria de Relações Institucionais
da Presidência da República (SRI/PR) e a preparar o presente documento para subsidiar as
discussões originadas no Conselho.
Com isso, a FGV retomou uma interação que começou com a criação do CDES, quan-
do ela colaborou na sua organização.
Finalmente, cumpre frisar que o trabalho foi feito com total liberdade dada aos nossos
pesquisadores e que a FGV declinou receber qualquer remuneração pelo documento.
FUNDAçãO GE TULIO VARGAS
R io de Janei ro, outu bro de 2006
6. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
I ntrodução :
Dese nvolvime nto com
Eqüidade
OUTUBRO DE 2006
1. INTRODUçãO
I. Desde a sua Independência, o Brasil busca sua inserção no mundo como
nação moderna e capaz de inscrição expressiva entre as sociedades de-
senvolvidas. É o nosso destino e o único caminho a dar sentido à luta
de gerações de brasileiros na construção das bases estruturais do desen-
volvimento econômico e social e de um ethos nacional. Essa perspectiva
aprofundou-se com o legado da Era Vargas, quando a nação enfrentou as
crises da modernidade, fundando um aparato de Estado e desenhando
uma estratégia de integração social que, em que pesem suas imperfei-
ções, capacitou-a a enfrentar e superar diversas sucessões de crises com
que outras sociedades mais avançadas lidaram de forma mais dispersa
no tempo e muitas vezes com resultados inferiores. Esse período foi mar-
cado por intensa ação do Estado e um processo de implementação estra-
tégica que tornou o Brasil, juntamente com o Japão, a nação cuja fatia no
PIB mundial mais cresceu nas cinco décadas compreendidas entre 1930 e
1980 (figura 1). Esse processo levou a um grande crescimento econômico
e a alguma melhora nas condições sociais (figura 2); todavia, isso não se
mostrou suficiente e foi estancado durante a segunda crise do petróleo.
II. De fato, o modelo político então vigente dificultava a realização de uma
recessão focando as necessidades de ajuste das variáveis macroeconô-
micas, resultando disso o início de um processo em que o Brasil acabou
passando por uma forte crise de balanço de pagamentos, que fragilizou
suas taxas de desenvolvimento.
Figura 1:
taxa média real de crescimento do pib (%) – países selecionados
desembolso 1971-1979 1980-1990 1991-2005
brasil 8,61 2,35 2,53
Japão 4,70 4,10 1,32
Coréia do sul 8,56 7,69 5,66
eua 3,60 2,92 3,07
total de países industrializados 3,57 2,82 2,28
7. III. O declínio das taxas de crescimento, acompanhado da crise de legitimi-
dade, impediu os governos da época de tomar as decisões necessárias
para a correção de rumos do modelo até então adotado. Tal incapacidade
política resultou em graves repercussões culturais para a nossa socieda-
de, sendo uma delas a percepção de que a história pretérita foi marcada
somente por erros, a idéia de que o planejamento era nocivo ao país.
IV. Essa percepção foi acentuada no início da década de 90, quando a capaci-
dade de planejamento estratégico do Estado foi abalada pelo fechamento
de diversos organismos de orientação tática. A ausência de recursos para
tais instrumentos foi a causa principal do fracasso do planejamento.
V. Após 25 anos, o Brasil, em um processo lento e doloroso, busca recu-
perar suas finanças públicas e retomar o caminho do desenvolvimento
sustentado. O impacto desse período foi tão grande que o Brasil, antes
um modelo de crescimento, se transformou em uma nação de baixo cres-
cimento, onde o nível de vida não melhorou no ritmo anterior. É preciso
recuperar esse mote do desenvolvimento, e, para isso, o planejamento é
condição necessária.
VI. O desafio do Brasil se constitui, portanto, na reconstrução de sua capaci-
dade de planejamento, em seus aspectos técnicos, institucionais e cultu-
rais. Reconstruir a cultura do planejamento é um dos grandes desafios
enfrentados pelo país.
VII. Ressalte-se que não se trata da retomada de velhas fórmulas, mas da
adoção de um instrumento fundamental para o aperfeiçoamento da ca-
pacidade estratégica do Estado. Em suma, o Estado brasileiro e o esfor-
ço nacional de desenvolvimento foram, durante certo período, exitosos.
Não obstante, subsistem ainda grandes assimetrias e a necessidade, den-
tro dos marcos de um regime democrático, de articular as ações estraté-
gicas da nação para a superação em definitivo dos entraves ao seu pleno
desenvolvimento e justiça social.
VIII. Hoje, uma nação mais complexa percebe-se diante de uma mudança es-
8. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
trutural de paradigmas. A sociedade brasileira necessita assegurar, cada
vez mais, o processo de institucionalização democrática em uma con-
juntura de enormes transformações na economia mundial, com fulcro
nas novas tecnologias de informação e nas configurações de recursos e
poder em nível mundial. Depara-se, enfim, com uma dinâmica, que não
é universalizada em suas capacidades, mas apenas em seus condutos.
O global e o local apresentam contradições em seus tempos e agendas
trazendo uma complexidade inaudita em nossa história. Diante disso,
evidentemente, o Estado intervencionista não mais nos atende.
IX. No entanto, não se trata simplesmente de terminar com aquela experiên-
cia, pois em qualquer modelo de desenvolvimento o Estado continua pre-
sente como um elemento importante. Por isso, é necessário reestruturá-lo
de forma a resgatar a visão de desenvolvimento nacional, alinhada com a
compreensão dos elementos inovadores e das condições de contorno do
início do século XXI. Essa conjuntura exige que se opere de forma mais
eficiente, produzindo resultados mais eficazes e sustentados, pois os ga-
nhos reais de competitividade e produtividade se dão cada vez mais nas
margens e com base em crescente integração de ações e uso extensivo da
informação como elementos determinantes da competitividade.
X. Para tal, é imprescindível a sólida construção de uma agenda nacional
articulada in totum com a sociedade civil, por meio de seus legítimos
representantes nos três poderes da República, produzida sob o prisma
de uma estrutura racional e sinérgica de políticas. Tais políticas reque-
rem, porém, uma forma adicional de entendimento, em que o foco na
produção de adição de valor na ação pública seja o fator determinante
nas políticas desenvolvidas pelo Estado, ou ainda pela esfera privada.
XI. Dessa forma, busca-se observar uma construção de políticas em que as
decisões devem ser tomadas levando em conta os resultados e os ris-
cos envolvidos, conforme percebidos no instante da tomada de decisão.
Chama-se a isso a regra do homem prudente. Não se trata de uma ra-
cionalidade utilitária, mas sim vinculada à noção de res publica, o foco
do presente documento, na qual a idéia do homem prudente e outras
semelhantes estão ligadas ao que Tocqueville definiu como o interesse
bem compreendido, em que a existência de instituições está assentada
em bases mais profundas.
XII. Ou seja, a descrição de Tocqueville caminha no sentido de expor o caso de
uma sociedade fundada no interesse individual, ou de atores específicos, que
consegue compor, ao mesmo tempo, com as aspirações coletivas de forma
racional. O interesse individual aí presente não se configura como uma ne-
gação do interesse público, mas o reinterpreta a partir de valores oriundos
do senso comum. É justamente essa combinação que permite o desenvolvi-
mento de instituições sólidas e eficazes no cumprimento de seus objetivos
socialmente contratados, em um contexto em que se assiste à universalização
de valores humanísticos e à crescente busca pela eficácia, eficiência e efetiva
ação pública, como elementos de avaliação das boas estruturas de governo e
determinante de um desenvolvimento sustentado.
9. XIII. Nesse sentido, consideramos importante retomar a idéia de Construção
Nacional, que foi tão cara à construção de países desenvolvidos. Por essa
perspectiva, o processo de integração de uma nação é baseado em di-
versos fatores, como as instituições políticas e organizações sociais. A
resultante desse processo não é apenas o desenvolvimento de forças ma-
teriais, mas a formulação de uma verdadeira cultura assentada em valo-
res, no compartilhamento de uma identidade comum e na construção de
um sentido de futuro.
XIV. Outra vertente desse mesmo processo é o desenvolvimento dos instru-
mentos que permitem a integração de um país e a eficácia de seu aparato
de Estado. Temos aí, dentre outros, sua infra-estrutura de logística, suas
estradas, seus portos e, em especial, as estruturas de operacionalização e
planejamento do Estado, todos fazendo parte do que é considerado como
Construção de Estado. Outro elemento importante nesse processo é a
regulação, que afeta as estruturas de mercados, nos aspectos institucio-
nais, nas capacidades de implementação e cumprimento da lei. Não se
trata de voltar ao intervencionismo de eras passadas, mas justamente de
se ampliarem as potencialidades estratégicas de um Estado mais enxuto,
eficaz e focado no alcance de seus objetivos. Dessa maneira, é possível
ao Estado ser um instrumento de promoção da construção nacional, que
se estrutura segundo a vontade de seus cidadãos. A presença do Estado,
então, se transforma em um elemento de grande articulação das políticas
nacionais, manifestando-se, também, por meio de seu aspecto simbóli-
co.
XV. Um bom exemplo dessa busca por eficácia e eficiência na ação pública e,
portanto, da necessidade de planejamento seria o contexto de ajuste fis-
cal ora em curso no Brasil. Tal processo tem sido exitoso, mas, em algum
momento, deverá passar do superávit primário para o superávit fiscal
nominal, necessitando, porém, para isso, de uma maior capacidade de
formulação e avaliação dos impactos decorrentes dessa transição. Isso
deve ser obtido evitando-se os erros do passado, como a excessiva con-
centração de renda, que sempre termina por tolher o desenvolvimento
do mercado interno, e, portanto, a sustentabilidade do desenvolvimento
a longo prazo. Para que tal estágio seja atingido, o crescimento econô-
mico é o elemento central, mas não deve repetir os erros do passado e
precisa vir acompanhado de redes de proteção social.
XVI. Como é sabido, a relação causal entre crescimento econômico e qualida-
de das instituições é um dos processos de planejamento estratégico. A
boa regulação é condição necessária para a manutenção e sustentação do
desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, a sua interpenetração
com o desenvolvimento social.
XVII. Um outro bom exemplo é a importância do Estado na construção das re-
des de proteção social, as quais garantem mínimos de renda – gerando
elementos de paz social e eqüidade e incentivando os seus recipientes no
sentido do aprimoramento – e podem ser usadas tanto como mecanismos
de incentivo à melhora constante de seus beneficiários. Tais mecanismos
10
10. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
compensatórios devem vir acompanhados de contrapartidas destina-
das ao aprimoramento do capital humano (e.g.: bolsa família vincula-
da à freqüência escolar). Além disso, podem funcionar também como
elementos redutores do impacto das políticas de ajustes contracionistas
que, por exemplo, venham a ser adotadas em razão de choques de ofertas
externas.
XVIII. Trata-se em síntese de observar, a exemplo do que considerava Weber,
uma perspectiva ampla da racionalidade, de forma a promover um en-
contro entre o homem econômico e o homem social, reunião possível
apenas pelo arco de possibilidades da política.
2. UMA AGENDA DE POLíTICAS FUNDAMENTADA NA ADIçãO DE
VALOR E O CDES
XIX. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi oficia-
lizado pela medida provisória de n° 103, de 1° de janeiro de 2003, cons-
tituindo-se como órgão de assessoramento do Presidente da República
integrado por representantes de diversos setores da sociedade civil, que
a partir dele pode aferir tendências, desafios e oportunidades para ob-
tenção de informações relevantes sobre os desafios do país. O principal
objetivo desse órgão é buscar a formação de consensos a respeito de te-
mas relevantes no país e servir como órgão de consulta do Presidente da
República.
XX. A busca de consensos em relação a temas que sejam de interesse do Es-
tado, e não de um governo específico, permite que o conselho seja um
instrumento de discussão das questões de natureza estratégica para o
país e onde disputas político-partidárias ou ideológicas possam, dentro
do possível, ser desconsideradas. Esse espaço, na forma em que foi con-
cebido, tem o objetivo de vocalizar e articular posicionamentos voltados
para o interesse público. A premissa básica é de que os interesses estraté-
gicos da nação brasileira são comuns a todos os cidadãos, apesar de suas
diferenças ideológicas, e precisam de um espaço para o debate acerca das
maneiras mais adequadas de atingi-los.
XXI. Em se tratando da natureza de suas ações, o CDES é, portanto, um meca-
nismo de entendimento nacional, pois gera um resultado informacional
para o planejador (Poder Executivo) sobre possíveis temas que podem
nortear o planejamento estratégico nacional. Ou seja, ele funciona como
um catalisador de informações e as articula para o tomador de deci-
são. Dessa maneira, esse insumo funciona como um instrumento da am-
pliação da capacidade estratégica do gestor público, no caso o Presidente
da República, que poderá ou não incorporá-las na pauta de discussões
com os demais poderes.
XXII. Essa capacidade de identificar e implementar as grandes mudanças es-
tratégicas é um dos fatores de sucesso de qualquer nação, sendo indis-
pensável para as de dimensão continental e ainda em construção como
11
11. o Brasil. Logo, a construção de consensos em torno de temas estratégicos
se transforma em um imperativo fundamental para a nação.
XXIII. Ao planejador estratégico cabe levar a estrutura de informações extraídas
do CDES a um processo de adição de valor, no qual suas propostas são
hierarquizadas dentro de uma lógica causal. Ou seja, ele tem a possibi-
lidade de construir ações importantes para o desenvolvimento nacional,
tendo por base uma gama de percepções dos atores sociais relevantes,
auxiliando na construção da agenda do Executivo. A articulação des-
sas informações em tipologias mais refinadas possibilita, dessa maneira,
que o potencial institucional do CDES seja ampliado, o que permitiria
uma maior adição de valor à sua ação.
XXIV. No entanto, ao fim de quatro anos de discussões, perguntamo-nos como
os bens públicos produzidos pelo CDES podem se configurar em indu-
tores de uma agenda não apenas vinculada ao desenvolvimento, mas,
de fato, um construto orgânico pelo qual sejam atingidas a adição de va-
lor entre políticas sinérgicas e a sustentabilidade na construção objetiva
dessa agenda. Instrumentos conceituais oriundos de uma perspectiva de
construção de valor podem auxiliar na determinação da competência es-
tratégica do CDES e da maneira pela qual os temas mais relevantes para
o país são articulados para esse fim.
XXV. A partir dessas considerações, uma pergunta pode ser feita:
Como é possível estabelecer um mecanismo catalisador para a ação
propositiva do CDES em apoio ao Executivo na construção de agen-
das com os demais poderes?
XXVI. A resposta depende de um perfeito entendimento do que o CDES produz.
XXVII. Fundamentalmente, o CDES é gerador de dois bens públicos: 1) é um
foro marcado pela transparência de seus atores; e 2) seus insumos ser-
vem como elementos de desenvolvimento do planejamento estratégico
da nação.
XXVIII. Tais questões indicam que o processo de adição de valor à ação do CDES
deve ser guiado pela necessidade de se construir uma “consciência na-
cional” dirigida ao desenvolvimento. Nesse sentido, a capacidade do
conselho em auxiliar na reflexão crítica sobre os interesses estratégicos
do país, em seus distintos grupos sociais, e ao mesmo tempo reforçar o
papel de suas cartas propositivas, é elemento central em seu processo de
adição de valor.
XXIX. Para isso, é necessária uma definição precisa de seu papel como gera-
dor de serviços. A partir de seus contornos iniciais, o imperativo de sua
ação é analisar os possíveis movimentos táticos e estratégicos e os seus
12
12. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
resultados. Ou seja, a definição de seu contorno é uma precondição para
a elaboração estratégica de seus cenários futuros.
XXX. Observa-se que o processo de criação de valor para uma instituição ba-
silar ao Estado não é trivial, e, no caso do CDES, dois grandes desafios se
apresentam:
1. Só faz sentido adicionar algo a uma estrutura complexa se o obje-
tivo for uma ampliação não só da quantidade, mas, sobretudo, da
qualidade e abrangência dos resultados.
2. O CDES é um gerador de bens públicos e tende a se reger por
outros critérios ligados, sobretudo, à eficiência na provisão desses
bens, e não pela sua eficácia, que precisa ser monitorada continu-
amente.
XXXI. Assim, a ação estratégica do CDES deve ser concebida em função de uma
preocupação geral de equilíbrio entre a política e a economia, e entre a
sociedade e o Estado, em seus três poderes, percebidos como arenas in-
ter--relacionadas.
XXXII. Em síntese, o CDES, ao avaliar o país e suas políticas, pela articulação de
atores estratégicos, realiza diversas tarefas ligadas intrinsecamente ao
seu papel republicano, verificando estratégias e a conjuntura nacional,
debatendo temas de alta relevância.
XXXIII. Assim, a Visão de Futuro do CDES deverá contemplar as perspectivas es-
tratégicas que adicionam valor ao CDES, que podem ser descritas como
ilustrado abaixo:
13
13. XXXIV. Uma descrição dos elementos do Mapa Estratégico do CDES e de cada uma
das quatro perspectivas estratégicas que o compõem é apresentada como se-
gue:
XXXV. Deve-se observar que o conhecimento adquirido pelo CDES está justa-
mente na experiência da representatividade social de seus integrantes.
Em função disso, posturas distantes de insulamentos tecnocráticos, ou
de radicalismos ideológicos, podem constituir elementos importantes
para a definição das estratégias nacionais. Para tanto, a análise dos enun-
ciados produzidos pelo CDES (vide nota metodológica ao final deste ca-
pítulo) permite uma maior compreensão das dinâmicas de seus com-
ponentes, da mesma maneira que a distinção entre os fatos de natureza
conjuntural e tática ou estratégica deve ser clara, mas vinculada a uma
perspectiva articulada.
XXXVI. Finalmente, ao se buscar um mapeamento das propostas do CDES, vin-
culados a uma relação de adição de valor entre elas, é possível estabele-
cer um novo patamar aos conceitos de construção nacional com eqüi-
dade social, produzindo bens públicos de alto valor agregado na forma
de descrições críticas da conjuntura e agendas propositivas vinculadas à
aspiração histórica de desenvolvimento nacional do povo brasileiro.
14
14. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
A pê ndice : N ota
M etodológica
SOBR E O LE VANTAMENTO DOS TEMAS TR ATADOS PELO CDES
I. O trabalho desenvolvido pela equipe da Fundação Getulio Vargas pro-
curou abordar de forma isenta e crítica o conjunto de propostas oriundas
do CDES. Fundamentou-se, portanto, em uma perspectiva republicana
e apartidária. As questões aqui tratadas tiveram como insumos iniciais
a tipologia das propostas feitas no âmbito do CDES, em seus aspectos
estratégicos e táticos.
II. Nesse sentido, o trabalho da FGV está alicerçado nessa construção con-
ceitual, percebendo o CDES como um instrumento estratégico para uma
democracia de sofisticação, em desenvolvimento, como a brasileira e vo-
cacionada ao desenvolvimento. Tendo adotado esse ponto de partida, o
trabalho analisa a experiência do conselho a partir de um marco desti-
nado a adicionar valor à sua ação como órgão de apoio ao executivo.
III. A natureza intangível do bem público produzido pelo CDES implica a
discussão do que pode aumentar o valor de sua produção. Nesse sentido,
a análise das tipologias discutidas pelo conselho fornece o material de
partida para o incremento de sua ação. Por essa razão, a equipe da FGV
trabalhou sobre os enunciados produzidos pelas Cartas de Concertação
e demais documentos do CDES, a fim de fornecer considerações segundo
o tipo de demanda tratada, sejam elas estratégicas ou táticas.
IV. A partir da seleção dessas informações, a equipe da FGV fez um trabalho
de análise técnica dos elementos estratégicos debatidos pelo conselho.
Dentre as atividades realizadas, podem-se elencar as seguintes: a) leitura
qualitativa e discussão crítica das Cartas de Concertação, Agenda Na-
cional de Desenvolvimento e demais documentos originados no CDES;
b) reorganização temática das propostas constantes desses documentos,
com a definição das ações estratégicas e táticas ali inseridas; c) relação
entre os itens levantados e a árvore de valor (conforme apresentada aci-
ma); d) composição de diagrama dos grandes eixos temáticos debatidos
pelo CDES e sua respectiva distribuição em termos estratégicos e táticos,
conforme pode ser observado no diagrama à página seguinte.
V Cabe observar que os itens Defesa Nacional, Cultura e Desenvolvimen-
to Regional e Cidades não foram extensivamente debatidos no âmbito do
CDES e, como tal, não foram tratados nos textos que se seguem. Apesar
disso, a FGV apontou à Direção Executiva do CDES a importância do de-
senvolvimento futuro desses temas, razão pela qual estão contemplados
no referido diagrama. Quanto ao tema infra-estrutura, já foi tratado em
trabalho anterior sobre o CDES no livro intitulado “Desenvolvimento e
Construção Nacional: Políticas Públicas”, capítulo 6, publicado pela Edi-
1
15. tora FGV. Finalmente, o tema reestruturação agrária não foi aqui incluído
por estar ainda em desenvolvimento no âmbito de pesquisa específica.
VI. Em suma, os trabalhos da FGV ampliaram, reestruturaram e aprofun-
daram as referidas tipologias. Adicionalmente, buscou-se adensar, de
forma crítica, a discussão daqueles temas cujos teores foram considera-
dos fundamentais à construção de uma perspectiva do desenvolvimento
nacional com eqüidade. Essa metodologia de trabalho envolveu diversos
pesquisadores oriundos de distintas tradições do conhecimento, em re-
flexões críticas conjuntas, que buscaram observar ângulos diferenciados
da problemática abordada. Os trabalhos como se apresentam a seguir
observam uma ordem que julgamos melhor para uma visão do conjunto,
estruturada em três eixos: Economia, Políticas Sociais e Estado.
DIAGR AMA DAS TIPOLOGIAS TEMáTICAS DES ENVOLVIDAS NO CDES
16
16. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
Po lÍtICa EC o N ô mICa
17. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
Pau ta
M acroe conômica
1. CR ESCIMENTO E INFL AçãO
I. Uma observação mais atenta sobre o crescimento econômico brasileiro
no período compreendido entre 1980 e 2005 indica uma taxa média de
2,12%, muito inferior à registrada pelos demais países emergentes. Esse
crescimento está aquém do considerado necessário para um país das di-
mensões e da complexidade do Brasil (figura A1, apêndice). Ademais,
o país apresentou no passado taxas expressivas de crescimento, muito
superiores às registradas nos países centrais. A estagnação verificada no
período resultou em uma diminuição na capacidade de ampliar o padrão
de vida dos brasileiros. Tal cálculo já leva em consideração o fato de a
economia se encontrar acima da tendência histórica ao início dos anos
80.
II. O resultado desse baixo crescimento pode ser verificado no fato de que a
renda per capita atingiu o valor de apenas US$ 4.320 em 2005. Caso o ritmo de
crescimento tivesse se mantido no patamar histórico observado entre 1900
e 1980 (5,69%), tal indicador se encontraria na faixa de US$ 6.808. Ou seja, a
renda per capita seria 57,6% maior do que a atualmente observada (figura 1).
Tal cálculo já leva em consideração o fato de a economia se encontrar acima
da tendência histórica ao início dos anos 80.
III. O fim do período inflacionário aponta um novo desafio para o Brasil, que é a
retomada do crescimento sustentável. Esse não é um processo fácil, mas uma
árdua tarefa que depende de uma construção política orientada para o desen-
volvimento em um ambiente de complexidade e interdependência globais.
1
18. IV. Nesse sentido, é importante desenvolver uma pauta macroeconômica
que venha a permitir a obtenção desse crescimento com estabilidade de
preços e eqüidade. Por essa razão, é necessário romper com percepções
mecanicistas a respeito do desenvolvimento e de seus condicionantes
políticos e sociais. A principal alteração encontra-se na ultrapassagem
da falsa dicotomia inflação versus crescimento.
V. O desenvolvimento econômico depende de uma série de fatores, tais
como investimento, educação, poupança, instituições sólidas, segu-
rança jurídica, e não apenas das políticas de combate à inflação. O
debate político, contudo, foi marcado pela oposição entre a diminui-
ção da inflação e a redução do crescimento, e vice-versa. No entanto,
conforme observado anteriormente, o processo de desenvolvimento
é muito mais complexo, e não pode ser reduzido a essa oposição.
Apesar de ser possível o aumento da inflação a fim de gerar maior
crescimento, no longo prazo essa opção não é recomendável, pois os
custos do processo inflacionário recaem sobre a sociedade, especial-
mente sobre os mais pobres.
VI. Conforme se verifica na história recente do país, eventuais altas da in-
flação com vistas à obtenção de maiores taxas de crescimento econô-
mico produzem efeitos perversos, sendo o principal a concentração
de renda, visto que os pobres são os que possuem menor capacidade
de proteção contra a alta de preços. Por essa razão, a literatura eco-
nômica demonstra que a redução dos níveis de pobreza e de extrema
pobreza é em grande medida resultado de políticas duradouras de
estabilidade de preços. Isso pode ser observado na figura 2, abaixo,
que ilustra os efeitos da estabilidade e das políticas redistributivas
sobre a concentração de renda.
VII. Ademais, uma inflação acentuada gera redução da capacidade produti-
va da economia, em primeiro lugar por elevar a incerteza dos agentes
econômicos, e, com isso, gerar impactos negativos sobre os investi-
mentos. Em segundo lugar, por induzir à alocação de fatores de pro-
20
19. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
dução escassos em atividades de intermediação financeira. Ou seja,
recursos que poderiam ser destinados à produção são direcionados
para o sistema financeiro a fim de que possam ser protegidos da alta
de preços.
VIII. Isso não quer dizer, contudo, que o compromisso com a estabilidade de
preços subsume o compromisso com o crescimento, a distribuição de
renda e a eqüidade.
IX. Vale notar, também, que a taxa de inflação média do Brasil observada
no período recente está longe de representar uma taxa de inflação baixa
em comparação com outros países. Quando comparamos a taxa média
de inflação do Brasil no período 2003–2005 com a taxa de inflação de
uma amostra de 68 países, observa-se que o país ocupa uma modesta 61ª
posição (ver figura A3, apêndice).
X. Observa-se, ainda, que a evidência internacional indica que o combate à
inflação não é, per se, um óbice ao crescimento econômico. A China e a
Índia, por exemplo, cresceram em média 9,3% e 7,5% ao ano, respectiva-
mente, entre 2003 e 2005 e apresentaram taxas de inflação médias anuais
de apenas 2,7% e 4,5% nesse período.
XI. Assim, vencer o problema do baixo crescimento que vem acometendo a
economia brasileira nos últimos anos requer a implementação de uma
ampla agenda macroeconômica que permita a convivência da estabilida-
de de preços com taxas cada vez mais acentuadas de crescimento do pro-
duto interno bruto (PIB), com reflexos sobre a renda per capita, os níveis
de desigualdade e de pobreza. Nesse sentido, o planejamento econômico
faz-se mais do que necessário.
XII. Na história econômica brasileira desde meados dos anos 80, o termo
“planejamento econômico” passou a ter uma acepção negativa em al-
guns setores, parte por sua associação aos planos do regime militar, par-
te pela constatação de que a máquina do Estado tem tido dificuldades
para conferir-lhe realidade.
XIII. Trata-se, entretanto, como mostra a reconstrução das economias alemã
e japonesa após a Segunda Guerra, de uma percepção não necessa-
riamente correta. Tem sido em parte a falta de planejamento realista
de longo prazo, com uma visão míope em algumas áreas, particular-
mente a fiscal e social, que tem condenado o país a um baixo cresci-
mento desde o início dos anos 80, bem como a uma elevação da vio-
lência urbana e da desorganização social, fatos que o governo atual
tem tentado reverter.
XIV. Nesse sentido, além do equacionamento adequado do problema fiscal, a
pauta macroeconômica deverá se debruçar, pelo menos, sobre as seguin-
tes questões: (a) a abertura comercial; (b) o controle das contas externas
e da relação dívida externa líquida e exportações; e (c) a retomada dos
gastos de investimento.
21
20. 2. PAUTA MACROECONÔMICA
2.1. ABER TUR A COMERCIAL
XV. A abertura às importações não deve ser feita de modo açodado, mas sim
pela definição de uma estratégia de abertura gradual. Neste ponto, me-
recem destaque as barreiras não-tarifárias para as importações. Tais cus-
tos compreendem licenças, serviços burocráticos, taxas portuárias, etc. A
simplificação desses processos teria até mesmo efeitos positivos sobre as
exportações.
XVI. Vale observar também que o aumento de importações deve privilegiar a aqui-
sição de máquinas, equipamentos e tecnologia de primeira qualidade, fato
que, somado a políticas adequadas de direcionamento de importações para
fomentar exportações – por meio de importações que permitissem a devida
incorporação de valor adicionado doméstico ao bem importado –, faria com
que os saldos comerciais não fossem reduzidos no longo prazo. Com isso, o
setor exportador ganharia maior competitividade. O que não se pode permitir,
ao longo do processo de abertura, é que as importações majorem o consumo,
seja privado ou público.
XVII. Note-se que, no que se refere ao grau de abertura, medido pela relação
entre a soma de importações e exportações e o PIB, o Brasil ocupa a 66ª
posição dentre os 68 países que compõem a nossa amostra (ver figura A2,
apêndice). Os dados referem-se às médias entre 2003 e 2005. Isso indica
um baixo grau de abertura da economia, que poderia ampliar-se e aumen-
tar o fluxo de recursos para o país, especialmente investimentos diretos.
XVIII. Nesse período, a média mundial (importações + exportações)/PIB foi de
89,14%. O Brasil apresenta um valor de 34,73%. Em comparação com 95 paí-
ses com estatísticas disponíveis, o Brasil é o quarto país de menor relação en-
tre as receitas correntes totais do balanço de pagamentos e o PIB. Os maiores
são Cingapura (224%), Hong Kong (200%) e Malásia (150%).
XIX. A despeito de alguns fatos bastante positivos ocorridos recentemente – su-
perávits no balanço de pagamentos em conta corrente nos três últimos anos
e uma relação dívida externa líquida sobre exportações passando de 3,8 em
1987 a 1,0 ao final de 2005, fato que indica que um ano de exportações é sufi-
ciente para pagar toda a dívida externa –, não se pode ainda dizer que a restri-
ção externa ao crescimento da economia brasileira tenha chegado ao fim.
XX. O baixo grau de abertura se deve, em parte, ao longo período de políticas de
substituição de importações, as quais, de certa forma, permanecem até hoje
em alguns setores. As políticas de substituição de importações levaram a fatos
positivos e negativos. No entanto, considerando a maior integração interna-
cional que caracteriza as economias mundiais e o fato de que essas economias
adotam – ou têm adotado –, na sua grande maioria, regimes de câmbio flexí-
vel, o Brasil não tem como evitar essa necessidade de maior abertura.
XXI. Note-se, também, que uma maior abertura é benéfica sob o ponto de vista
do crescimento econômico, visto que ela leva a uma maior utilização da
capacidade instalada e a um aumento na produtividade da mão-de-obra.
22
21. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
XXII. Para elevar a participação do Brasil no comércio exterior, é necessário não
apenas orquestrar rapidamente com o setor privado uma estratégia, mas
também garantir a existência, no setor público, de instituições que permi-
tam a sua plena implementação, aí incluídos o controle e a continuidade.
Tal processo não deve ser motivo para inércia ou morosidade. Neste ponto,
é importante destacar o grau de complementaridade entre as economias.
XXIII. O alargamento da fronteira tecnológica, ao fomentar o crescimento, no
longo prazo reduz a pressão e o nível dos juros necessários para manter
a inflação sob controle.
2.2. CONTROLE DAS CONTAS E x TERNAS E DA REL AçãO DíVIDA
LíQUIDA E E xPOR TAçõES
XXIV. O governo atual promoveu uma substantiva redução da dívida externa
líquida, que atingiu US$ 121 bilhões ao final de 2005. Se forem incluídos
os empréstimos intercompanhia, esse total salta para US$ 141 bilhões.
Ao mesmo tempo, as receitas correntes do balanço de pagamentos atin-
giram, também ao final de 2005, US$ 142 bilhões.
XXV. A figura 3, abaixo, também mostra que houve uma redução do passi-
vo externo líquido (PEL) – isto é, a soma da dívida externa líquida com
o estoque líquido de capital de risco de propriedade de não-residentes
alocado na produção interna de bens e serviços – a partir de 2001, que
resultou da acumulação de saldos crescentes nas transações correntes.
XXVI. O passivo externo líquido também pode ser obtido diretamente a partir
da Posição Internacional de Investimentos (PII)1, publicada pelo Banco
Central do Brasil.
1
A Posição Internacional de Investimentos (PII) representa os saldos de ativos e passivos
externos do país. Esses saldos guardam estreita relação com os fluxos da conta financeira
do balanço de pagamentos e são compilados em cinco itens para posições ativas: inves-
timento direto no exterior, investimento em carteira, derivativos, outros investimentos e
reservas internacionais; e em quatro itens para posições passivas: investimento estrangeiro
direto, investimento em carteira, derivativos e outros investimentos.
23
22. XXVII. Podemos também construir alguns indicadores para o endividamento
externo brasileiro:
Indicador 1: Dívida Externa Líquida (DEL) / Exportações de Bens
e Serviços (X).
Indicador 2: Passivo Externo Líquido (PII) / Exportações de Bens
e Serviços (X).
Indicador 3: Dívida Externa Líquida (DEL) / Receitas de Transa-
ções Correntes (RTC).
Indicador 4: Passivo Externo Líquido (PII) / Receitas de Transa-
ções Correntes (RTC).
XXVIII. A figura 4, acima, mostra a evolução desses indicadores; qualquer que
seja o critério utilizado, observa-se claramente o grande avanço efetuado
em termos desses indicadores das contas externas a partir de 1999.
XXIX. No entanto, apesar da melhora na qualidade desses indicadores, não po-
demos concluir ainda que o país não está externamente vulnerável. Tal
vulnerabilidade fica expressa no passivo externo líquido, na definição
PII, que é ainda duas vezes e meia superior às receitas correntes. O mes-
mo pode ser observado a partir da mensuração do passivo externo pelo
acumulado da conta corrente, embora seja um pouco inferior ao observa-
do pela estatística da PII.
XXX. A não-superação da vulnerabilidade externa também fica patente quan-
do comparamos os indicadores de endividamento externo acima
mencionados com os valores medianos divulgados pela agência de
24
23. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
classificação de risco Standard Poor’s (SP) para cada uma das
categorias de rating.
XXXI. Mesmo considerando que essas agências, em especial no que diz respeito à
classificação de risco soberano, têm sido alvo de diversas críticas por conta
de equívocos ao analisar o risco de inadimplência de países emergentes,
a comparação serve para indicar quais os valores que esses indicadores
deveriam exibir, aos olhos das agências, para que o país fosse classificado
como de grau de investimento (linhas em azul na figura 5). A figura 5,
abaixo, mostra, assim, que os níveis exibidos para os indicadores de vulne-
rabilidade externa ainda estão razoavelmente distantes dos níveis médios
exibidos pelos países detentores do grau de investimento (AAA até BB).
Figura 5
Valores medianos para indicadores selecionados e classiFicação de risco
rating pii/trc del/trc
2001-2004 2005 2001-2004 2005
aaa 0,23 0,13 1,15 1,00
aa -1,52 -1,24 -0,55 -0.41
a 0,39 0,43 0,08 -0,14
bbb 0,79 0,76 0,44 0,34
bb 0,72 0,82 0,55 0,49
b 1,62 1,26 1,64 1,08
CCC 2,12 2,05 1,48 1,79
brasil (fonte sp*) 2,75 1,78 1,87 0,92
brasil (fonte bCb**) 3,07 2,45 2,02 0,95
fontes: sovereign risk indicators – standard and poor’s, dezembro de 2005. nota: nas tabelas da sp, os
indicadores escolhidos são denominados “net external liabilities/Current account receipts” e “narrow net
external debt/Car”. * dados de 2005 são estimados pela sp. ** dados referentes a setembro de 2005 para
del/trC e julho de 2005 para pii/trC.
XXXII. Mais uma vez, a saída para a melhora desses indicadores passa pela ele-
vação do grau de abertura da economia, com elevação das receitas em
transações correntes.
2.3. NECES S IDADES DE INVESTIMENTO
XXXIII. Um dos motivos principais para explicar a queda de crescimento da eco-
nomia brasileira nos últimos vinte e seis anos, conforme se mostra na
figura 1, tem sido a queda da formação bruta de capital fixo, ou seja, dos
investimentos totais da economia subtraídos dos investimentos repre-
sentados apenas pela variação de estoques, que não acrescem à capaci-
dade produtiva.
XXXIV. A formação bruta de capital como fração do PIB (sem correção por possí-
veis variações do preço relativo dos bens de capital) situou-se, entre 1975
e 1989, em cerca de 22,3% do PIB. No período mais recente, que vai de
1989 a 2005, o valor médio caiu para 19,3% do PIB.
2
24. XXXV. Há indícios de que a queda de crescimento que vem sendo observada
desde o início dos anos 80 tenha tido como causa não apenas a queda
dos investimentos, mas também a elevação da razão incremental capi-
tal/produto, ou seja, uma queda da qualidade dos investimentos.
XXXVI. A figura 6, abaixo, mostra claramente, na linha de tendência, a queda do
investimento desde meados dos anos 70, ainda que tenha havido uma
recuperação a partir de 2004.
XXXVII. É crucial reverter a tendência de queda dos investimentos. O acréscimo à
capacidade do país de formar capital para fomentar a produção de capital
deve situar-se, no mínimo, em uma faixa de 3% a 6% do PIB. Os primei-
ros três por cento permitiriam retomar a média histórica ocorrida entre
1975 e 1989, de 22,3% do PIB. Os três por cento adicionais, que levariam à
formação bruta de capital a 25,3% do PIB, fariam frente à deterioração da
relação capital produto que se tem observado desde a década de 80.
XXXVIII. Nesse sentido, cabe salientar o importante papel do governo nesse pro-
cesso, como financiador de projetos: (a) em que o retorno social supere o
retorno privado; (b) em que haja necessidade de recursos de longo prazo
não disponíveis no setor privado; e (c) como agente coordenador de pro-
jetos mais amplos, em que o suporte organizador e catalisador do Estado
se faça necessário como complementar às iniciativas produtivas do setor
privado.
26
25. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
APêNDICE
2
26. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
N otas Sobre a S ituação
Fiscal Bras ileira
1 - A S ITUAçãO ATUAL DAS CONTAS PúBLICAS NO BR AS IL
R EL ATIVAMENTE A UMA AMOSTR A DE PAíS ES
I. A figura 1, abaixo, permite visualizar o Brasil relativamente ao resto do
mundo, tomando uma amostra de 68 grandes economias com dados dis-
poníveis no FMI e no Banco Mundial. O dado de interesse é o resultado
fiscal nominal médio do setor público consolidado, incluindo as três es-
feras, entre 2003 e 2005 (Necessidades de Financiamento do Setor Públi-
co – NFSP).
II. O Brasil ocupa a 51ª posição dentre os 68 países, no que diz respeito a esse
saldo fiscal. As necessidades de financiamento brasileiras, de 3,93% do PIB,
encontram-se bem superiores à média e à mediana da amostra, que assu-
mem os valores de, respectivamente, 1,78% e 2,79%.
R EL ATIVAMENTE à S éRIE HISTóRICA
III. A figura 2 mostra a evolução histórica das NFSPs desde 1998. Observa-se
que o déficit primário tem sido sistematicamente negativo, ou seja, tem ha-
vido constante superávit das contas do governo exceto juros. Nos primei-
ros cinco meses de 2006, o valor médio do superávit primário foi de 4,44%
do PIB. Apesar desse esforço, entretanto, os juros pagos sobre a dívida
pública têm sido sempre superiores ao superávit primário, fazendo, dessa
forma, com que o déficit nominal seja positivo. O menor valor do déficit
nominal desde 1998 foi de 2,47% do PIB, ocorrido em janeiro de 2005.
2
27. IV. A média do déficit nominal nos cinco primeiros meses de 2006 foi de 3,55%
do PIB. Como o superávit primário nesse mesmo período foi de 4,44% do PIB,
conclui-se que o pagamento de juros nominais sobre a dívida pública nesse
período girou em torno de 7,99% do PIB1.
Dívida Pública
V. O endividamento total (interno e externo) do setor público tem se mostrado
relativamente estável, tendo oscilado entre 50,7% e 51,9% do PIB entre feve-
reiro de 2005 e fevereiro de 2006. Paralelamente, a dívida externa do setor
público tem caído desde o terceiro trimestre de 2002. Em setembro de 2002,
seu valor era de 17% do PIB; em fevereiro deste ano, apenas 1,5% do PIB. A
figura 3 ilustra esses pontos.
1
Cabe lembrar que parte desses juros, entretanto, apenas repõe a queda de poder aquisitivo
do principal da dívida devido à inflação. Com uma inflação média em torno de 4,5%, leva a
uma estimativa de juros reais em torno de 5,33% do PIB.
30
28. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
VI. É importante especificar a participação do governo federal, dos governos
estaduais e municipais, bem como das estatais, no endividamento do setor
público. A figura 4 faz esse trabalho. Observa-se claramente que o governo
federal tem contribuído mais para o crescimento da dívida do setor público
do que as demais esferas.
2 - ALGUN S AS PECTOS ECONÔMICOS DAS CONTAS PúBLICAS
VII. Fatos a serem considerados:
a) O tamanho do setor público mede-se pelo total de suas despesas, e não
pelo seu déficit; esse ponto é particularmente importante na análise mi-
croeconômica, quando se avalia o reflexo dos gastos públicos sobre a efi-
ciência produtiva da economia.
b) A despesa com INSS (7,8% do PIB) e com inativos do setor público
monta a algo em torno de 11,8 % do PIB. Como vimos acima, o pa-
gamento de juros sobre a dívida do setor público chega a 7,99% do
PIB. Conclui-se que apenas esses dois itens (juros e Previdência) são
responsáveis pelo comprometimento de mais da metade da carga
tributária (38% do PIB). Deve-se observar, entretanto, que, na com-
paração com as demais despesas públicas, os juros a se considerarem
são os reais, e não os nominais.
c) Uma vez fixada a taxa de juros para atender às metas de inflação, e tendo
em vista que o estoque da dívida é dado, a variável de controle de política
econômica são as despesas públicas exceto juros, a arrecadação tributária
31
29. e, por diferença simples entre tais variáveis, o déficit primário. Este deve
ser planejado tendo em vista as despesas herdadas com juros, bem como
a trajetória de evolução da dívida que se deseja obter.
d) A trajetória da dívida é uma variável que traduz o desejo da sociedade de
alocar consumo no presente ou no futuro. Entretanto, devem-se ter em
mente alguns pontos: i) quanto maior a relação Dívida/PIB (ou a relação
Dívida/Receitas Correntes do Governo), maior a vulnerabilidade da eco-
nomia a choques negativos de qualquer natureza (externos ou internos,
como quebras de safra, etc.); e ii) tal vulnerabilidade traduz-se, em parti-
cular, na política de combate à inflação, uma vez que uma dívida muito
elevada pode impedir a sustentabilidade nos médio e longo prazos das
taxas de juros necessárias ao bom êxito do sistema de metas (de infla-
ção).
e) A possibilidade de transição de um período de relativa calmaria para um
período de crise tem vários fatores facilitadores (agravantes) no caso bra-
sileiro: elevado atrelamento da dívida ao juro de curto prazo (veja o item
“i” abaixo), elevado spread bancário e juro básico, alta relação dívida líqui-
da/receitas públicas, baixo crescimento, alta informalidade da economia
(estimada em torno de 40%), baixa credibilidade das instituições e eleva-
do passivo externo líquido relativamente às exportações. Um processo de
crise, nesse contexto, poderia facilmente, por exemplo, ser disparado por
um fato externo. O item “f” abaixo apresenta um exemplo.
f) Exemplo de choque externo implicando uma crise: uma corrida contra o
dólar (devido ao elevado déficit em conta corrente dos Estados Unidos, da
ordem de 800 bilhões de dólares – US$ 826 bilhões projetados pela OECD
para 2006) e a favor do iuane (por exemplo, a China dispõe de reservas
internacionais nessa mesma ordem de magnitude – US$ 818 bilhões ao
final de 2005) implicaria a necessidade de o Federal Reserve elevar as ta-
xas de juros. Num passo subseqüente, o preço do dólar no Brasil subiria
(pela redução do fluxo de capitais), ao mesmo tempo em que a recessão
no resto do mundo reduziria nossas exportações, tanto no preço quanto
na quantidade. Tais pontos implicariam, internamente, queda da produ-
ção e aumento dos preços. Tanto a tentativa de conter os efeitos do cho-
que sobre a inflação, via aumento de juros, quanto a redução interna do
nível de atividade pressionariam rapidamente a velocidade de aumento
da dívida líquida sobre as receitas públicas. A partir de certo ponto, a po-
lítica de metas de inflação se tornaria inviável, tendo-se que apelar para a
receita inflacionária. Os 4,5% projetados (em 2007 e 2008) para a inflação
anual tenderiam a situar-se bem abaixo da elevação efetiva dos preços.
Evidentemente, o custo social seria bastante elevado. É possível também
facilmente, dadas às vulnerabilidades atuais da economia brasileira, dar-
se um exemplo de choque interno (quebra de safra, racionamento de
energia, etc.) implicando uma crise.
g) É preciso deixar claro, entretanto, que o processo atual de calmaria, ao
mesmo tempo em que pode desaguar numa crise como a descrita acima,
pode também permanecer por vários anos. A mesma incerteza ocorre hoje
32
30. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
em dia nos Estados Unidos, quanto à possibilidade de uma aterrissagem
suave do dólar (que está muito valorizado frente às demais moedas), ou
quanto à possibilidade de uma crise iminente. Os pessimistas já erraram
várias vezes ao prever datas para crises. Em particular, porque na maior
parte dos casos as previsões de crises costumam não se materializar, de-
vido ao fato de os agentes econômicos reagirem com antecedência.
h) Se a situação atual de calmaria perdurará ainda por vários anos ou não
em muito dependerá do humor e das expectativas dos credores internos
e externos e das políticas a serem seguidas daqui para frente.
i) No que diz respeito à composição da dívida pública, dado o seu montan-
te total, cabe observar que o maior atrelamento ao juro de curto prazo
também dificulta a administração de controle da inflação, tendo em vista
que quaisquer elevações de juros contaminam todo o estoque da dívida
em poder do público. Isso não ocorre quando a dívida é prefixada, ou
quando é indexada a preços. A figura 5, abaixo, mostra que se tem obtido
certo sucesso na redução da dívida atrelada à Selic, mas o montante total
permanece ainda demasiado elevado.
3 – DéFICIT PúBLICO E S E TOR E x TERNO
VIII. Para entender como a questão fiscal afeta atualmente a economia brasileira,
é preciso entender a sua interação com o setor externo no ambiente atual de
câmbio flexível. Quando a despesa pública sobe ou a arrecadação tributária
se reduz, elevam-se os juros (para financiar o maior déficit) e, em função da
entrada de divisas que isso provoca, valoriza-se a moeda doméstica frente ao
dólar. O resultado é a queda do fluxo de exportações e o aumento do fluxo
de importações, processo que perdura enquanto permanece a pressão altista
sobre a demanda agregada.
33
31. IX. No caso extremo em que a mobilidade internacional de capitais é muito ele-
vada, cada real a mais de despesa de consumo do governo representa um
real a menos de superávit em conta corrente do balanço de pagamentos. O
resultado final é uma troca da composição de despesas no PIB (Produto In-
terno Bruto): saem as despesas que implicam pesquisa, investimentos em
tecnologia e em capital humano (exportações), e entram despesas de custeio
do setor público, que nada acrescem à capacidade futura de elevar a produ-
ção nacional de bens e serviços. A taxa de crescimento, evidentemente, se
reduz.
X. No meio do caminho, a elevação dos juros e/ou a valorização do câmbio são
percebidos pelos setores exportadores como os grandes vilões da situação,
quando na verdade são apenas preços relativos que reagem para alocar a di-
visão do PIB na nova composição ditada pelas opções de política econômica.
A variável subjacente a provocar todo o processo de perdas dos exportadores
é o aumento das despesas públicas, e não o câmbio, não os juros.
XI. São vários os exemplos históricos desse processo. Nos anos 80, podem-se citar
os elevados déficits do balanço de pagamentos em conta corrente provocados
pela conjunção, no governo Reagan, de maiores gastos militares e redução
das alíquotas de taxação (esta, com a esperança de estimular os negócios e
elevar a arrecadação, o que não se materializou). Hoje em dia, curiosamente,
um processo semelhante se repete com os Estados Unidos.
XII. Macroeconomicamente, fica fácil de visualizar o deslocamento do setor ex-
terno pela despesa do setor público, observando-se que o déficit do governo
se financia pelo excesso da poupança interna sobre o investimento interno,
ou pela poupança externa (déficit do balanço de pagamentos em conta cor-
rente). Assim, se é difícil elevar a poupança interna (devido à taxação ine-
ficiente, em que juros e ganhos nominais – e não reais – são taxados, e ao
elevado spread bancário) e os investimentos são demasiado reduzidos – e por
isso incompressíveis –, só resta o recurso à poupança externa. Os exportado-
res saem perdendo, evidentemente, deslocados pelo gasto público. O câmbio
e o juro são apenas os termômetros. O motivo da febre é fiscal.
34
32. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
Política de Ciê ncia e
Te cnologia e I novação
no Bras il
I. A política (científico-)tecnológica entrou formalmente na agenda de dis-
cussão e ação governamental no Brasil no final dos anos 1960 a partir da
elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND, 1972/74) e
do Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT,
1973/74) seguidos do II e III PBDCTs. Embora tenham sido publicados há
mais de 30 anos, esses planos contêm idéias e proposições que aparecem
com freqüência nos textos atuais.
II. No início da década de 1990, destacam-se os importantes e pioneiros es-
tudos sobre a competitividade de setores industriais da economia brasi-
leira que geraram o importante documento Estudo da Competitividade
da Economia Brasileira. Não obstante os méritos desses estudos, uma
de suas limitações – e, particularmente, deste último – é que não foram
implementados à base de modelos analíticos e métricas (ou taxonomias)
coerentes. Mais especificamente, tais estudos basearam-se muito pouco,
ou quase nada, em modelos analíticos centrados no processo de apren-
dizagem tecnológica e inovação industrial no contexto de empresas de
economias emergentes.
III. Considerando os vários esforços mencionados acima, é pertinente ressal-
tar que alguns dos temas referentes à interação entre CTI e desenvolvi-
mento nacional têm sido recorrentes no debate brasileiro nos últimos 30
anos. Apesar dessa recorrência, a inscrição da nação em definitivo em
uma agenda que busque um maior vigor no desenvolvimento científico
e o perceba como elemento fulcral para produção de conhecimento nos
tem sido apenas parcialmente resolvida. Essa agenda reveste-se de es-
pecial importância, se considerarmos que o desenvolvimento científico
é uma condição essencial para um efetivo processo de inovação tecnoló-
gica. Dentre os elementos de uma agenda efetiva de pesquisa científica
ressaltamos:
a) Atingir a meta de se investirem 2% do Produto Interno Bruto em pes-
quisa e desenvolvimento nos próximos quatro anos e elevar os gastos
em Educação dos atuais cerca de 4% para 5% do PIB, com um hori-
zonte de atingir 3% do PIB no primeiro caso e 6% do PIB no segun-
do, ao final de dez anos. De fato, o Governo Brasileiro recentemente
aumentou seu investimento em CTI, mas houve diminuição da em-
presa privada, o que fez o investimento total decair de pouco mais de
1% do PIB para algo acima de 0,9% do PIB. Esse dado revela um sério
gargalo em nosso crescimento, que é a transferência do conhecimento
para a inovação no setor produtivo. Esse é um dos grandes desafios
do Governo e da comunidade científico-tecnológica nos próximos
anos. Se houver vontade política da nação, é perfeitamente possível
3
33. vencê-lo. E vencê-lo é fundamental para aumentar substancialmen-
te nossa independência tecnológica e agregar valores expressivos às
nossas exportações.
b) Estimular de forma significativa a indústria instalada no país para
aqui realizar Pesquisa e Desenvolvimento de forma regular; por
exemplo, por meio de estímulo de ordem fiscal ou correspondente à
utilização do poder de compra do Estado. Uma revolução de compe-
tência similar ao que ocorre no Inmetro deve ser promovida no INPI,
acelerando substancialmente a produção de patentes no país e seu
registro expedito. A Lei de Propriedade Intelectual deve ser atualiza-
da.
c) Ampliar a utilização de fundos setoriais que se encontram fechados,
colocando-os à disposição do FNDCT da FINEP e, a partir daí, a seus
Comitês Gestores, cumprindo a Lei e a Constituição.
d) Priorizar a consolidação e a criação das Universidades e Institutos de
Pesquisa de caráter científico-tecnológico e, no nível médio, especial
ênfase na formação de técnicos de laboratório científico-tecnológico.
e) Implantar um Sistema Nacional de Educação em Ciência, abrangen-
te e de grande porte, nos próximos anos. Aí se incluem olimpíadas
regionais e nacionais de ciências, com participação nacional em olim-
píadas internacionais, a formação e o aperfeiçoamento intensivo de
professores do Ensino Médio e Fundamental e os museus e mostras
de ciências.
f) Investir em um crescimento vigoroso na formação de novos pesqui-
sadores. A prioridade nesse crescimento deve ser dada às áreas de
ciências básicas e engenharias. Além disso, é necessário ligar esse in-
vestimento à inserção desses pesquisadores em centros de pesquisa,
de modo que a formação realizada produza desenvolvimento cientí-
fico de maneira sustentada.
g) Dar continuidade, e mesmo maior densidade, à política externa de coo-
peração científico-tecnológica, sobretudo, mas não exclusivamente, à cha-
mada Cooperação Sul-Sul, dentro de uma visão estratégica global para o
país.
IV. Ao se consolidar uma base de desenvolvimento científico mais denso,
torna-se possível a constituição bem-sucedida de suas derivações, den-
tre as quais, em especial, o incremento dos processos de inovação tec-
nológica. Nesse sentido, juntamente com o estabelecimento de políticas
positivas de adensamento do esforço de desenvolvimento científico e de
pesquisa, há que se considerar que esforços complementares, relativos ao
desenho e implementação de uma Política Nacional de Inovação orienta-
da para a aceleração do desenvolvimento nacional, implicam considerar
também, entre outras variáveis:
36
34. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
a) intensificação de liberalização comercial (comércio/PIB mundial de
38% em 1990 para 57% em 2001);
b) globalização de atividades (o valor adicionado por empresas transna-
cionais em 2002 foi cerca de 27% do PIB mundial);
c) valor de produtos e serviços associados, de maneira crescente, à ino-
vação e à criatividade, ou seja, à capacidade tecnológica inovadora
de empresas, indústrias e países, que se torna fator determinante na
diferenciação entre empresas, setores industriais e países no mercado
global.
V. Por isso, é à luz dessa Economia baseada no Conhecimento, Criativi-
dade e Inovação – e não mais na mera oferta de recursos naturais e de
investimentos em formação de capital físico – que se torna necessário ao
Brasil o aprimoramento de esforços já existentes, mas também a imple-
mentação de estratégias de inovação, em nível nacional, para responder
aos atuais requisitos da Economia à base de Conhecimento (tecnoló-
gico) em um contexto de intensificação da liberalização comercial e de
competição globalizada.
VI. Apenas a título de ilustração e dentro da concisão deste documento,
mostramos na figura 1, a seguir, o resultado do Índice da Economia do
Conhecimento para ilustrar a posição (e os desafios) do Brasil frente a
outros países. Muito embora a figura sugira uma melhora na posição do
país de 1995 a período recente (2004), há ainda uma distância considerá-
vel a ser superada em relação a outros países, não apenas industrializa-
dos, mas também países de economias em transição.
VII. Como pode ser implementada essa ação governamental para o cresci-
mento industrial? Há duas perspectivas distintas: (i) a Perspectiva da
Acumulação e (ii) a Perspectiva da Assimilação.
3
35. VIII. Embora ambas as perspectivas – ou teorias – reconheçam a importância
de altos níveis de investimento em capital físico e capital humano, seus
mecanismos causais diferem. Enquanto a Perspectiva de Acumulação
enfatiza que a oferta de investimentos em capital físico e capital humano
é suficiente (uma vez que empresas otimizarão tais recursos a partir de
acesso simétrico de informação e conhecimento), a Perspectiva de Assi-
milação enfatiza o papel da acumulação de conhecimento, via processos
de aprendizagem (uma vez que firmas possuem acesso assimétrico ao
conhecimento e à informação), para a implementação de inovação tecno-
lógica na aceleração do crescimento econômico e que, por isso, deveriam
receber atenção governamental e da sociedade em proporção similar à
dada à acumulação de “fatores primários”.
IX. Entre os requisitos de política para promover desenvolvimento de capaci-
dade tecnológica inovadora – aprendizagem tecnológica –, destacam-se:
a) seletividade (“picking winners”) vs. intervenções “funcionais” (inter-
venções relativas ao aprimoramento de mercados sem favorecer seto-
res industriais específicos);
b) um terceiro “modo”, que é denominado “horizontal” (enfocam ati-
vidades em que o mercado não se interessa em atuar). Em termos de
desenvolvimento tecnológico, significam financiamento à inovação
ou subsídios às diferentes atividades de engenharia, pesquisa e de-
senvolvimento (E, PD).
X. Cada uma das intervenções é justificável. Contudo, para que o desenvol-
vimento tecnológico possa render benefícios ao crescimento econômico,
especialmente no contexto de economias de industrialização recente, é
necessária uma combinação de políticas de natureza seletiva, funcional
e horizontal. A ação governamental envolve, portanto, quatro catego-
rias:
• Categoria 1: Prioridade
(1) Desenvolvimento de Capacidade Tecnológica Nacional (para Inovação)
• Categoria 2: Incentivos
(1) Macroeconômicos: sinais que emanam do crescimento do PIB (taxa e
estabilidade), mudanças de preços, taxas de juros, crédito. Ou seja, o
impacto do crescimento, estabilidade, sensata balança de pagamen-
tos, políticas fiscais e monetárias, em investimentos e desenvolvimen-
to de capacidade tecnológica, são óbvios.
(2) Incentivos da competição.
(3) Incentivos de fatores de mercado.
• Categoria 3: Instituições (moldura institucional)
3
36. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
(1) “Regras do jogo” envolvendo sistema regulatório e tributário e legis-
lação específica para apoiar o empreendedorismo e a inovação (por
exemplo, a recém-criada Lei de Inovação no Brasil), leis de incentivo
à inovação.
• Categoria 4: Sistema de coordenação e de integração (interorgani-
zacional) de atividades governamentais e industriais. É importante
para garantir que medidas institucionalizadas e regulamentadas
sejam efetivamente implementadas no dia-a-dia das organizações
de apoio ao desenvolvimento tecnológico (governamentais e não-
-governamentais), assim como em nível das empresas e indús-
trias.
XI. A título de ilustração da Categoria 2 (Incentivos Econômicos), a figura 2,
a seguir, apresenta a classificação (e os desafios) do Brasil frente a outras
economias, conforme dados do Banco Mundial (Knowledge for Develo-
pment Survey).
XII. Elementos-chave para aprofundamento de discussão sobre desenho
e implementação de uma política de ciência, tecnologia e inovação
(CTI) – Política Nacional de Inovação.
XIII. A idéia-chave é que a Política Nacional de Inovação (Política de CTI) deve
estar diretamente conectada à Política Industrial e à Política Macroeconô-
mica. Política de Inovação é uma política integradora. A premissa dessa
política deveria ser a de conseguir que a indústria se mova para o alcance
de níveis avançados de capacidade tecnológica criativa, inovadora.
XIV. Para isso, a política de CTI deveria ser funcionalmente relacionada ao
nível de capacidade tecnológica de cada setor industrial. Nenhum país,
nem mesmo os mais ricos, conseguem apoiar uma base compreensiva de
CTI (pela perspectiva de oferta) na esperança de que isso conduzirá ao
3
37. crescimento industrial. Pelo contrário, ao redor do mundo, políticas de
CTI são desenhadas e implementadas em relação à política industrial. O
processo de inovação ocorre na indústria e, mais precisamente, no âmbito
das firmas. Por isso, são necessários esforços para gerir a oferta de recur-
sos (financeiros, físicos, humanos) com as necessidades atuais e potenciais
da indústria.
XV. Outro requisito importante é que Inovação (no sentido schumpeteriano)
seja entendida de maneira a abranger atividades de imitação, adaptação,
experimentação, assimilação e absorção de tecnologias existentes, assim
como a geração de inovação tecnológica em termos de sistemas técnico-
físicos (maquinarias e equipamentos, instalações físicas, bancos de da-
dos, software), produtos, processos e organização da produção, arranjos
organizacionais, novos materiais e novos insumos de produção.
XVI. Por outro lado, uma vez que o processo inovador se caracteriza: (i) por
crescente grau de incerteza, (ii) pela sua forte dependência em avanços
científicos, (iii) pela natureza multitecnológica dos produtos e serviços
e (iv) pela mobilidade (e descontinuidade) da fronteira tecnológica in-
ternacional, as empresas não podem realizar atividades tecnológicas de
maneira isolada. Muito embora o processo inovador ocorra primaria-
mente dentro de empresas, esse processo é apoiado e complementado
por organizações de apoio ao Sistema Nacional de Inovação.
XVII. Por isso, são necessários a criação e o fortalecimento de um Sistema Na-
cional de Inovação que envolva, além das empresas e setores industriais,
um conjunto de organizações entre as quais estejam universidades, ins-
titutos de pesquisa (privados e governamentais), centros de formação
e treinamento técnicos, organizações de metrologia, consultorias, assim
como parques tecnológicos e incubadoras de empresas, além de orga-
nizações de fomento e de financiamento à inovação. É esse conjunto de
organizações que forma o Sistema Nacional de Inovação, que, por sua
vez, pode ser desagregado em Sistemas Regionais/Locais e/ou Setoriais
de Inovação para lidar com as particularidades regionais e setoriais.
XVIII. As ações dos diversos componentes do Sistema Nacional de Inovação
devem convergir para a emergência de um número significativo de em-
presas que se movam de níveis de capacidade tecnológica para operar
sistemas de produção para níveis de capacidade tecnológica para reali-
zar atividades inovadoras em níveis cada vez mais avançados, com ade-
quada velocidade frente à mobilidade (e freqüentes descontinuidades)
da fronteira tecnológica internacional.
XIX. Por “empresas”, entendem-se aqui tanto empresas de capital nacional
como de capital estrangeiro. É importante considerar o capital estrangei-
ro produtivo (FDI) como uma das fontes-chave para o desenvolvimento
de capacidade tecnológica.
XX. Por outro lado, é preciso considerar que não há correlação entre nacio-
nalidade do capital e esforços para desenvolvimento de capacidade tec-
40
38. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
nológica no país receptor ou “hospedeiro” de empresas transnacionais.
Assim, políticas governamentais que tentarem “selecionar” FDI a partir
de sua nacionalidade são equivocadas.
XXI. Por isso, à luz dos pontos acima, são importantes as seguintes ações no
que concerne ao aprimoramento de uma Política Nacional de Inovação:
a) fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação a partir da cons-
trução e fortalecimento de sistemas de inovação regionais e setoriais
(da infra-estrutura de inovação ao processo de inovação no âmbito de
clusters tecnológicos);
b) formação, educação, treinamento e (re)treinamento de recursos hu-
manos para inovação tecnológica:
i) revisão de currículos de engenharia (cursos relacionados à tecno-
logia de informação como recente exemplo de mudança curricular
a partir de demanda da indústria de software);
ii) revisão de currículos de cursos de administração;
iii) acesso a diferentes níveis de educação, mas com incentivo à forma-
ção técnica vocacionada;
iv) balanço entre níveis educacionais;
v) qualidade do conteúdo educacional;
vi) estímulo à formação em engenharias;
c) fortalecimento de organizações voltadas para Tecnologia Industrial
Básica (por exemplo, em metrologia);
d) esforços interorganizacionais para pesquisa em tecnologias voltadas
para fontes alternativas de energia;
e) esforços interorganizacionais para pesquisa em tecnologias voltadas
para inovações no campo da biotecnologia, nanotecnologia e biomas-
sa;
f) esforços para integrar e acelerar relativos às áreas de segurança na-
cional, tais como:
i) atividades espaciais (Programa Nacional de Atividades Espa-
ciais);
ii) atividades nucleares (Programa Nacional de Atividades Nuclea-
res);
iii) desenvolvimento da Região Amazônica;
41
39. iv) recursos fluviais e marítimos;
v) sistema de pesquisa e monitoração de clima e tempo;
g) racionalização e focalização de parques tecnológicos (potenciais e
existentes) e incubadoras de acordo com as reais demandas existentes
e potenciais da indústria;
h) racionalização e focalização das atividades de pesquisa e gestão em
saneamento básico, saúde, segurança alimentar e nutricional;
i) esforços sistemáticos interministeriais para melhora do sistema legal,
organizacional e gerencial (em nível nacional), para que os recursos
financeiros existentes e disponíveis possam ser concretamente usa-
dos em nível federal, estadual e municipal. As Fundações de Amparo
à Pesquisa (FAPs), em nível estadual, são organizações-chave para
canalizar tais recursos para os setores industrial e acadêmico. A títu-
lo de ilustração, e com base em informação já divulgada na imprensa,
vale mencionar que, no sistema de CTI no Brasil, existem, em várias
áreas, entraves ao uso de recursos financeiros disponíveis (reembol-
sáveis e/ou não-reembolsáveis) em função de obstáculos legais e ad-
ministrativos. A pavimentação de aspectos legais e gerenciais é fun-
damental para a operacionalização de avanços institucionais, como é
o caso da Lei de Inovação.
XXII O aprimoramento contínuo de alguns instrumentos importantes, recen-
tes ou relativamente recentes, já implantados ou em implantação, pode
permitir um salto sustentável extraordinário de CTI no Brasil: joint
ventures da FINEP com o setor produtivo, a Lei de Inovação e a de Bio-
segurança, a Lei de Informática e quatro pilares do Sistema de CT:
Fundos Setoriais, os Institutos do Milênio, o Programa de Núcleos de
Excelência – Pronex e o programa Universal de apoio direto ao pesqui-
sador. Além disso, há ênfase na formação de pesquisadores e uma revo-
lução em curso em alguns Institutos, fundamentais para CTI, como o
Inmetro.
XXIII. Entretanto, a simples oferta de recursos financeiros assim como a oferta
de elementos óbvios de infra-estrutura tecnológica (capital físico e ca-
pital) não são suficientes. Torna-se necessário um esforço contínuo e
sistemático de avaliação, a partir da perspectiva de demanda, principal-
mente, por parte de setores industriais. Ou seja, o crescimento industrial
– e parte considerável do desenvolvimento econômico – é explicado pela
capacidade da indústria de implementar atividades tecnológicas inova-
doras e aumentar o conteúdo tecnológico de seus produtos e serviços
comercializados no mercado mundial.
XXIV. Por isso, torna-se necessário que boa parte do Sistema Nacional de Ino-
vação possa contribuir, de maneira concreta, para o aumento do grau de
inovação industrial.
42
40. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
XXV. Levando-se em conta o princípio básico de gestão segundo o qual se
pode gerir (e mudar) com eficácia aquilo que se pode medir, os esforços
de avaliações independentes tornam-se cruciais para correções e ajustes
na Política Nacional de Inovação.
XXVI. Por isso, os esforços de avaliação deveriam concentrar-se tanto no lado
da oferta de infra-estrutura tecnológica (parques tecnológicos, universi-
dades, etc.) como no lado da demanda (setores industriais).
XXVII. Por exemplo, no lado da demanda, os esforços de avaliação à base de mé-
tricas específicas seriam importantes pelos motivos expostos a seguir:
a) Permitem clarificar as definições subjacentes ao desenho de estudos
empíricos e de estratégias de inovação industrial. A partir de uma
noção mais clara do real escopo do tema e das variáveis envolvidas, é
possível calibrar, desenhar ou redesenhar estratégias com foco mais
coerente com as necessidades do contexto industrial e tecnológico do
Brasil e das suas diferentes regiões.
b) Permitem auxiliar a condução de novos estudos de inovação indus-
trial, baseados fortemente em trabalho de campo – em vez de basear-
se somente em análise de estatísticas oficiais – a fim de coletar evi-
dências, tanto qualitativas como quantitativas de primeira mão, no
intuito de captar, com adequado nível de detalhe e profundidade, a
realidade das atividades tecnológicas na indústria. Mais especifica-
mente, a aplicação empírica das métricas aqui apresentadas permite:
i) avaliar, identificar e pontuar o nível tecnológico dos setores indus-
triais cruciais da economia brasileira;
ii) identificar a maneira e a velocidade com que certos setores têm
acumulado suas capacidades tecnológicas ao longo do tempo;
iii) distinguir os setores mais dinâmicos dos mais lentos em termos
de acumulação de capacidades tecnológicas. Por exemplo, setores
mais vagarosos em termos de acumulação tecnológica talvez ne-
cessitem de incentivos diferentes e de maior exposição às pressões
competitivas internacionais;
iv) identificar setores industriais que têm maior potencial para rece-
ber maior atenção – em termos de recursos materiais, humanos,
técnicos, organizacionais e financeiros – para aprofundar o desen-
volvimento de capacidades tecnológicas; e
v) recomendar políticas específicas para disseminar atividades que
conduzam ao desenvolvimento de capacidades tecnológicas nos
setores mais relevantes para cada região do Brasil.
XXVIII. Em decorrência, no intuito de contribuir para facilitar a materialização de
certos objetivos, tanto governamentais como empresariais, como, por exem-
43
41. plo, o alcance de alto nível de desempenho inovador e exportador numa
perspectiva de 2020 para certos segmentos da indústria no Brasil, sugere-se
a criação de metas de desenvolvimento de capacidade tecnológica.
XXIX. Isso significa criar prazos para o alcance de diferentes tipos e níveis de
capacidades tecnológicas para os diferentes setores industriais no longo
prazo, com avaliação a cada dois anos. Essa medida possibilitaria que
ajustes periódicos em termos, por exemplo, de fortalecimento e/ou re-
organização da infra-estrutura tecnológica e de processos de aprendi-
zagem pudessem ser implementados, a fim de contribuir para a mate-
rialização dos níveis tecnológicos desejados. O processo de elaboração
e implementação das metas de desenvolvimento de capacidade tecno-
lógica poderia envolver lideranças empresariais, governamentais, da
academia e de outras organizações da sociedade comprometidas com o
desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.
XXX. Finlândia e Malásia (assim como países do Leste Europeu) são alguns dos
exemplos de países que implementam essa prática. Por exemplo, a Malásia,
que fixou a meta de tornar-se um país tecnologicamente desenvolvido até
2020, formou recentemente um grupo de trabalho, internacional e interinsti-
tucional, justamente para examinar tipos, níveis e velocidade de acumulação
de capacidades tecnológicas em setores industriais estratégicos para a sua
economia: de óleo de palma a semicondutores. Isso também mostra que a
responsabilidade pelo aprimoramento da estratégia de inovação industrial
de um país não é apenas do governo federal, mas também envolve o setor
privado e outros componentes do sistema nacional de inovação.
XXXI. Durante o processo de desenho de estratégias de inovação industrial, é
importante distinguir dois tipos de desenvolvimento de capacidade tec-
nológica: rotineira (para usar) e inovadora (para gerar e gerir mudança
tecnológica). Enquanto governos estão interessados em acelerar ambos
os tipos de trajetória, diferentes recursos e ações são necessários para
cada caso. Decisões relativas a essas duas trajetórias estão no coração das
opções estratégicas de desenvolvimento industrial de um país.
XXX. Para economias emergentes, a questão-chave é não apenas calibrar o
grau de incentivos a empresas, como, por exemplo, para compra de má-
quinas e equipamentos ou exportação (abordagem estática), mas, em
paralelo, estimular que um grande número de empresas se mova, com
adequada velocidade, para a acumulação de níveis inovadores de capa-
cidade tecnológica por meio de um contínuo processo de aprendizagem
(abordagem dinâmica).
XXXI. Finalmente, o tipo de desenvolvimento industrial seguido por empresas
e países deriva, em grande parte, da qualidade das decisões estratégicas
tomadas em certo ponto no tempo. Por isso, as opções feitas hoje sobre a
diretriz de desenvolvimento industrial e tecnológico no Brasil certamen-
te influenciarão o nível – e a velocidade – do desenvolvimento econômico
(e social) nas próximas décadas no país.
44
42. Temas para o
Desenvolvimento
com Eqüidade
Po lÍtICas s oC I a I s