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LITERATURA
Cinco décadas de produção de automóveis
no país não são suficientes para fazer do
carro protagonista na ficção brasileira, mas
crônicas e contos cumprem o papel
CYAN MAGENTA AMARELO PRETO
Caronade estilo
cheia
DANIEL CAMARGOS
Pouco antes da indústria automo-
bilística brasileira nascer, o poeta Car-
los Drummond de Andrade escreveu
artigo para a Revista de Automóveis
discutindo o papel do carro na literatu- “Stop. / A vida Parou / ou foi o automó- produzem nenhum efeito aerodinâ-
ra nacional. Era janeiro de 1955, e só em vel?”, emparelhado na obra ao lado de mico, isso quando não atrapalham.
setembro do ano seguinte o primeiro clássicos como Poema de sete faces, Aliás, algumas das crônicas publica-
veículo totalmente brasileiro deixaria Quadrilha e No meio do caminho. das na Revista de Automóveis podem
a linha de montagem, mas a importân- Se não há um romance que consa- ser entendidas como previsões para
cia do produto já moldava as cidades e gre o automóvel, ele conquista suas os tempos atuais. Na publicação de ju-
afligia o espírito do poeta: “Os persona- epifanias em crônicas como as que nho de 1954, Orígenes Lessa falava do
gens da nossa ficção usam automóveis eram publicadas nas Revistas de Auto- que pode ser considerada a avó da
para ir a seu destino ou sucumbem móveis, parte da coleção que o leitor atual Maria-Gasolina, na crônica Ma-
sob suas rodas, mas não sei de alguém Gilberto Soutto Mayor doou ao Veícu- riazinha, o automóvel e o amor. Lessa
que haja atribuído a esse veículo, em los. Em março de 1955, quem ocupava conta a história de Mariazinha, que ti-
página literária, a importância que ele a primeira página interna da revista nha o “melhor corpo da rua inteira” e
realmente tem no quadro da vida de era Rubem Braga, com uma crônica que via a felicidade na vizinha Ritinha,
hoje. Vida que transcorre entre dois que havia sido publicada em janeiro esposa de velho Dodge, “de mil baru-
carros: o que nos traz da maternidade e de 1951 e reproduzida no espaço após lhos por minuto”, que “levava o cora-
o que nos leva ao repouso final, haven- constar no livro A borboleta amarela. ção, o corpo e o melhor de seus lábios
do de permeio uma porção de outros para o aconchego precário do calham-
destinados a casamento, viagens, tra- FAIXA BRANCA Com o título Banda beque quase sempre afogado, possi-
balho e vadiação”. branca, Braga discorria sobre o absur- velmente de emoção”.
Mais de meio século se passou, do do excesso de carros de luxo no Rio Mariazinha rejeita o galanteio dos
Drummond morreu, a Romi-Isetta – de Janeiro e atentava para o detalhe da homens que ousam cortejá-la sem
que foi o primeiro veículo nacional – é faixa branca nos pneus: “Explique vo- um volante nas mãos até que encon-
apenas um retrato na parede e o auto- cê, como quiser, meu amigo, esse tra o amor a bordo de um “Chevrolet
móvel continua estacionado em um prestígio das bandas brancas. A mim risonho, de liberdades insólitas, de ma-
papel secundário na ficção. A profes- elas me fazem pensar em polainas. neiras chocantes”. Mariazinha se casa
sora do departamento de Letras da Depois de tanto tempo voltam os ri- com o proprietário do Chevrolet, mas
UFMG Vera Casa Nova acredita que o cos a usar polainas, como para signi- não resiste à tentação de um Oldsmo-
automóvel não é um assunto princi- ficar que a lama do chão os não macu- bile e é flagrada no Bairro da Tijuca, no
pal, pois a literatura é centrada no su- la jamais. Como nunca andam a pé, Rio de Janeiro. Persistente, a moça re-
jeito e isso faz com que objetos – como usam polainas nos carros. Ao pobre começou a vida com o Oldsmobile até
o carro – circulem em torno do cerne que espera uma hora, ao sol ou à chu- o dia em que o Oldsmobile “pisou na
da questão. “Em um conto ou outro, va, sua condução, o esguicho de lama estrada e nunca mais voltou”. O final
em uma crônica ou poesia, o automó- que lhe envia às pernas um desses da crônica é uma lição para qualquer c
vel sempre aparece, mas não como as- monstros luzidios e buzinadores (que Maria-Gasolina: “Mariazinha acabou m
sunto principal. Ele é mais para ser vis- nunca têm um segundo a perder, na voltando a um Chevrolet, mas lotação, y
to, por isso, é mais comum vê-lo em urgência terrível de chegar a qualquer que reside numa garagem de seu ve-
artes visuais, como o cinema e as artes parte onde vão fazer coisa nenhuma) lho bairro. E como sofre Mariazinha, k
plásticas”, entende Casa Nova. deve ser um consolo reparar que pelo humilhada em sua carne, com tanta
A professora ressalta que Drum- menos o carro tinha banda branca”. mulher entrando e ainda pagando”.
mond já se preocupava com o automó- A banda branca é passado, mas dei-
vel desde sua primeira publicação (Al-
❚ ❚
xou herdeiros superficialmente esté-
guma Poesia, 1930). A aflição do poeta ticos nos carros atuais, como os este- LEIA MAIS SOBRE CRÔNICAS
pode ser percebida no pequeno poema pes exibidos na traseira, aerofólios, AUTOMOTIVAS
com influência modernista Cota Zero: spoilers e estribos laterais que não PÁGINA 2
CYAN MAGENTA AMARELO PRETO