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E STA D O D E M I N A S      ●      S E X T A - F E I R A ,        2 2        D E       J U N H O             D E      2 0 1 2



   4                                                                                                     POLÍTICA




Companheiros de militância da presidente foram surpreendidos pelos militares quando o
aparelho no Bairro São Geraldo, em BH, foi estourado, marcando o início do fim do Colina


O dia em
                                                                                                                                                                                                                        REPRODUÇÃO




que a
turma da
Dilma caiu
    DANIEL CAMARGOS E SANDRA KIEFER             pelas vítimas da ditadura como um dos
                                                principais torturadores do país. “Eles
    Antes de o Sol nascer, em 14 de ja-         eram muito perigosos”, afirma Lara Re-
neiro de 1969, Jorge, Maria, Afonso,            sende sobre o Colina. O ex-delegado
Murilo, Júlio, Nilo e Maurício estavam          destaca que o subinspetor Cecildes Mo-
reunidos em uma casa numa tranqui-              reira da Silva deixou a viúva com oito
la rua do Bairro São Geraldo, Região            filhos. A outra vítima foi o guarda civil
Leste de Belo Horizonte. Policiais do           José Antunes Ferreira e o ferido o inves-
Dops e da Delegacia de Furtos e Rou-            tigador José Reis de Oliveira. “Meu pro-
bos estouraram o portão e, segundo re-          blema era roubo. Quando era assalto a
latos, entraram atirando. A resposta foi        banco eu me envolvia. Mas no geral
no mesmo tom, e o policial que estava           mandava tudo para o Dops, comanda-
à frente morreu baleado por projéteis           do pelo Luiz Soares da Rocha”, destaca
de uma metralhadora .30. Do lado de             Lara Resende.
fora da casa outro policial morreu. A                Quem portava a metralhadora
então militante Dilma Rousseff fazia            Thompson calibre .30 era Murilo Pinto
parte do grupo, mas não participou.             da Silva, irmão do líder, Ângelo Pezzu-
“Ela articulava o movimento estudan-            ti. Tia deles, Ângela Pezzuti fala com or-
til do Colina e atuava nos bastidores.          gulho dos sobrinhos. “Havia um movi-
Não entrou na linha de frente nem               mento mundial de jovens, não aconte-
participava das ações armadas”, deta-           cia somente no Brasil. Eram idealistas
lha Jorge Nahas, atual secretário de Po-        e queriam o mudar o mundo, come-
líticas Sociais da Prefeitura de Belo Ho-       çando pelo Brasil”, afirma. Ela também
rizonte. A troca de tiros foi o início do       sustenta que o sobrinho agiu em legíti-                                  MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS – 13/12/09
fim do Comando de Libertação Nacio-
nal (Colina), o grupo de esquerda que
                                                ma defesa. “A polícia chegou atirando.
                                                O detetive Cecildes chegou atirando e
                                                                                                                                                                     CAÇADOS PELA DITADURA
chegou a praticar assaltos e pegar em           morreu caído em cima das próprias                                                                                    O regime militar adotava métodos nazistas para procurar militantes políticos,
armas para tentar derrubar a ditadura.          balas”, afirma Ângela Pezzuti.                                                                                       como neste cartaz distribuído por todo o país. Nele, aparecem o mineiro Apolo
    Antes da troca de tiros, que acabou                                                                                                                              Heringer Lisboa, codinome Ricardo (no alto à esquerda e ao lado), hoje
em mortes e provocou a prisão do nú-              ENXOVAL E ARMAS Jorge Nahas, como                                                                                  coordenador do Projeto Manuelzão; Gilberto Faria Lima, o Zorro, morto pelo
cleo duro do Colina, os integrantes do            a maioria do Colina, começou a mili-                                                                               regime militar em 1974 (alto à direita); Carlos Alberto Soares de Freitas, o
grupo assaltaram uma agência do Ban-              tância na Faculdade de Medicina da                                                                                 Breno ou Gustavo, também mineiro, desaparecido em 1971 (embaixo à
co da Lavoura, em Sabará, na região               UFMG. Ingressou na Organização Re-                                                                                 esquerda); e o belo-horizontino Herbert Eustáquio de Carvalho, o Daniel
metropolitana. O cerco apertou e o lí-            volucionária Marxista de Política Ope-                                                                             Tampinha, último exilado a voltar ao país, em 1981. Herbert morreu em 1992.
der do grupo, Ânge-                                                   rária (Polop) e de-
lo Pezzuti, foi preso.                                                pois, como grande
Outro integrante,                                                     parte da Polop, mi-
Pedro Paulo Bretas,           ❚ OS SETE DA CASA                       grou para o Colina.                                               JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS – 13/9/07                                                      PEDRO GRAEFF/EM – 16/11/85
também foi captu-                                                     Depois da prisão na
rado pelos militares.            DO SÃO GERALDO                       queda do aparelho
“O Bretas era o úni-                                                  do Bairro São Geral-
co que sabia onde fi-          ● Jorge Nahas                          do, Jorge foi solto
cavam os três apare-           ● Maria José Nahas                     um ano e meio de-
lhos da Colina”, lem-                                                 pois em troca do
                               ● Afonso Celso Lana Leite
bra Jorge. Com a pri-                                                 embaixador alemão
são e as recorrentes           ● Murilo Pinto da Silva                Ehrenfried Anton
torturas praticadas            ● Júlio Bitencourt                     Theodor Ludwig
nos porões do Exér-            ● Nilo Sérgio Macedo
                                                                      Von Holleben, se-
cito e da polícia, era                                                questrado por mili-
                               ● Maurício Paiva
uma questão de                                                        tantes. Foi para a Ar-
tempo até os poli-                                                    gélia com sua mu-
ciais descobrirem o                                                   lher, Maria José
esconderijo da Coli-                                                  Nahas, também do
na. Os sete decidiram esperar amanhe-             Colina e presa na queda do aparelho
cer para abandonar o aparelho do Bair-            em BH. Maria José ficou conhecida, por
ro São Geraldo. Não deu tempo.                    ser loira e portar uma metralhadora.
    A troca de tiros, que levou à morte           Na imprensa, entre os militantes e os
de dois policiais, deixando outro mi-             policiais passou a ser chamada de a
litar ferido e também ferindo o mili-             “Loira da Metralhadora”. Uma história
tante Maurício Paiva, foi uma espécie             curiosa do período é que o dinheiro do
de gota d’água para os militares. “O              enxoval de casamento do casal foi re-
impacto foi muito grande. Os milita-              vertido para compra de armas.
res ficaram desorientados porque não
imaginavam que aquilo poderia acon-               CLANDESTINIDADECOM a perseguição
tecer e a repressão aumentou muito”,              a seus militantes, o Colina chegaria ao        Jorge Nahas e Lara Resende, estavam em lados opostos: um como militante e o outro, apontados como um dos principais torturadores
lembra Jorge Nahas.                               fim, logo depois do Ato Institucional 5
    O cerco apertou na casa do Bairro             (AI-5). “Passei a ser procurado como
São Geraldo e os sete membros da Co-              terrorista no país inteiro, em cartazes
lina foram rendidos. Eles foram colo-             pregados em todos os aeroportos e ro-          Manuelzão, que vai concluir no fim                   ção, tocou a campainha. O casal foi sal-              tem muito orgulho do que viveu.
cados no paredão e os policiais, furio-           doviárias. Meus irmãos passaram a so-          deste ano o doutorado, aos 69 anos,                  vo pelo porteiro, segundo relato que                  “Nós atendemos a um chamado his-
sos com a morte dos colegas, queriam              frer bullying na escola e meu pai e mi-        postergado pelo período vivido na                    consta do depoimento pessoal de Este-                 tórico. A ditadura não deixava espaço
fuzilá-los ali mesmo. “O comandante               nha mãe, que eram evangélicos presbi-          clandestinidade.                                     la, arquivado no Conselho de Defesa                   e nós não medíamos as consequên-
da diligência suspendeu o massacre,               terianos, foram alvo de deboche até na                                                              dos Direitos Humanos de Minas Gerais                  cias para combatê-la mesmo as chan-
pois seria uma barbárie de prisionei-             igreja”, desabafa Apolo Heringer Lis-          FUGA NA MADRUGADA No dia se-                         (Conedh-MG): “Numa noite, no fim de                   ces de vitórias sendo muito peque-
ros rendidos”, lembra Jorge. Ele se re-           boa, que dividia a liderança do Colina         guinte em que o aparelho do Bairro                   dezembro, o apartamento foi cercado                   nas”, acredita. Ele completa: “Estáva-
corda de ter, por mais de uma vez, a              com Ângelo Pezzuti. Médico, passou a           São Geraldo foi descoberto, Dilma e o                e conseguimos fugir, na madrugada. O                  mos imbuídos de um imperativo
sensação de que ali seria seu fim. O co-          sofrer de anorexia nervosa ao fugir pa-        marido, Cláudio Galeno, fugiram do                   porteiro disse aos policiais do Dops de               moral e claro que sabíamos que o
mandante da operação era o delegado               ra o Rio de Janeiro e ser impedido de          apartamento 1001 no Edifício Solar, na               BH que não estávamos em casa. Fugi-                   preço a pagar não seria baixo”. Por
Luiz Soares da Rocha, chefe do temido             exercer a profissão, por ser clandesti-        Avenida João Pinheiro, na Região Cen-                mos pela garagem que dá para a rua do                 fim, Nahas acredita que valeu a pena:
Departamento de Ordem Política e                  no. “Enfrentei privações morando cin-          tral da cidade. A residência do casal,               fundo, Rua Goiás”, relata a presidente.               “A história diz que fomos vencedores.
Social (Dops), que se notabilizou pelas           co anos em uma favela no Rio. Cheguei          que já havia deixado de ter a destina-                                                                     A prova maior é a Dilma, eleita demo-
torturas praticadas nas dependências              a pesar 64 quilos, pois não tinha fome.        ção original e estava sendo usada co-                VERDADE E ORGULHO A onda de re-                       craticamente presidente do Brasil”.
do local .                                        Eu me sentia vítima de uma mentira             mo ponto de encontro pelos militan-                  visão do passado, motivada pela cria-
    Quem comandava a Delegacia de                 que a ditadura inventou contra o meu           tes do Colina, estava “queimada”. De                 ção da Comissão da Verdade pela pre-
Furtos e Roubos e também participou               grupo e não podia nem me defender.             fato, no momento em que os dois se                   sidente Dilma, não assusta o delega-                      LEIA AMANHÃ
da operação foi o delegado Antônio No-            Nunca fui um terrorista”, desabafa He-         encontravam dentro do apartamento                    do Lara Resende. “É uma besteira                          NOVOS RELATOS SOBRE DILMA
gueira Lara Resende, 83 anos, apontado            ringer, atual coordenador do Projeto           destruindo documentos da organiza-                   muito grande”, afirma. Já Jorge Nahas                     E O PERÍODO DA DITADURA

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A queda do grupo Colina e a prisão de militantes da esquerda na ditadura militar brasileira

  • 1. E STA D O D E M I N A S ● S E X T A - F E I R A , 2 2 D E J U N H O D E 2 0 1 2 4 POLÍTICA Companheiros de militância da presidente foram surpreendidos pelos militares quando o aparelho no Bairro São Geraldo, em BH, foi estourado, marcando o início do fim do Colina O dia em REPRODUÇÃO que a turma da Dilma caiu DANIEL CAMARGOS E SANDRA KIEFER pelas vítimas da ditadura como um dos principais torturadores do país. “Eles Antes de o Sol nascer, em 14 de ja- eram muito perigosos”, afirma Lara Re- neiro de 1969, Jorge, Maria, Afonso, sende sobre o Colina. O ex-delegado Murilo, Júlio, Nilo e Maurício estavam destaca que o subinspetor Cecildes Mo- reunidos em uma casa numa tranqui- reira da Silva deixou a viúva com oito la rua do Bairro São Geraldo, Região filhos. A outra vítima foi o guarda civil Leste de Belo Horizonte. Policiais do José Antunes Ferreira e o ferido o inves- Dops e da Delegacia de Furtos e Rou- tigador José Reis de Oliveira. “Meu pro- bos estouraram o portão e, segundo re- blema era roubo. Quando era assalto a latos, entraram atirando. A resposta foi banco eu me envolvia. Mas no geral no mesmo tom, e o policial que estava mandava tudo para o Dops, comanda- à frente morreu baleado por projéteis do pelo Luiz Soares da Rocha”, destaca de uma metralhadora .30. Do lado de Lara Resende. fora da casa outro policial morreu. A Quem portava a metralhadora então militante Dilma Rousseff fazia Thompson calibre .30 era Murilo Pinto parte do grupo, mas não participou. da Silva, irmão do líder, Ângelo Pezzu- “Ela articulava o movimento estudan- ti. Tia deles, Ângela Pezzuti fala com or- til do Colina e atuava nos bastidores. gulho dos sobrinhos. “Havia um movi- Não entrou na linha de frente nem mento mundial de jovens, não aconte- participava das ações armadas”, deta- cia somente no Brasil. Eram idealistas lha Jorge Nahas, atual secretário de Po- e queriam o mudar o mundo, come- líticas Sociais da Prefeitura de Belo Ho- çando pelo Brasil”, afirma. Ela também rizonte. A troca de tiros foi o início do sustenta que o sobrinho agiu em legíti- MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS – 13/12/09 fim do Comando de Libertação Nacio- nal (Colina), o grupo de esquerda que ma defesa. “A polícia chegou atirando. O detetive Cecildes chegou atirando e CAÇADOS PELA DITADURA chegou a praticar assaltos e pegar em morreu caído em cima das próprias O regime militar adotava métodos nazistas para procurar militantes políticos, armas para tentar derrubar a ditadura. balas”, afirma Ângela Pezzuti. como neste cartaz distribuído por todo o país. Nele, aparecem o mineiro Apolo Antes da troca de tiros, que acabou Heringer Lisboa, codinome Ricardo (no alto à esquerda e ao lado), hoje em mortes e provocou a prisão do nú- ENXOVAL E ARMAS Jorge Nahas, como coordenador do Projeto Manuelzão; Gilberto Faria Lima, o Zorro, morto pelo cleo duro do Colina, os integrantes do a maioria do Colina, começou a mili- regime militar em 1974 (alto à direita); Carlos Alberto Soares de Freitas, o grupo assaltaram uma agência do Ban- tância na Faculdade de Medicina da Breno ou Gustavo, também mineiro, desaparecido em 1971 (embaixo à co da Lavoura, em Sabará, na região UFMG. Ingressou na Organização Re- esquerda); e o belo-horizontino Herbert Eustáquio de Carvalho, o Daniel metropolitana. O cerco apertou e o lí- volucionária Marxista de Política Ope- Tampinha, último exilado a voltar ao país, em 1981. Herbert morreu em 1992. der do grupo, Ânge- rária (Polop) e de- lo Pezzuti, foi preso. pois, como grande Outro integrante, parte da Polop, mi- Pedro Paulo Bretas, ❚ OS SETE DA CASA grou para o Colina. JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS – 13/9/07 PEDRO GRAEFF/EM – 16/11/85 também foi captu- Depois da prisão na rado pelos militares. DO SÃO GERALDO queda do aparelho “O Bretas era o úni- do Bairro São Geral- co que sabia onde fi- ● Jorge Nahas do, Jorge foi solto cavam os três apare- ● Maria José Nahas um ano e meio de- lhos da Colina”, lem- pois em troca do ● Afonso Celso Lana Leite bra Jorge. Com a pri- embaixador alemão são e as recorrentes ● Murilo Pinto da Silva Ehrenfried Anton torturas praticadas ● Júlio Bitencourt Theodor Ludwig nos porões do Exér- ● Nilo Sérgio Macedo Von Holleben, se- cito e da polícia, era questrado por mili- ● Maurício Paiva uma questão de tantes. Foi para a Ar- tempo até os poli- gélia com sua mu- ciais descobrirem o lher, Maria José esconderijo da Coli- Nahas, também do na. Os sete decidiram esperar amanhe- Colina e presa na queda do aparelho cer para abandonar o aparelho do Bair- em BH. Maria José ficou conhecida, por ro São Geraldo. Não deu tempo. ser loira e portar uma metralhadora. A troca de tiros, que levou à morte Na imprensa, entre os militantes e os de dois policiais, deixando outro mi- policiais passou a ser chamada de a litar ferido e também ferindo o mili- “Loira da Metralhadora”. Uma história tante Maurício Paiva, foi uma espécie curiosa do período é que o dinheiro do de gota d’água para os militares. “O enxoval de casamento do casal foi re- impacto foi muito grande. Os milita- vertido para compra de armas. res ficaram desorientados porque não imaginavam que aquilo poderia acon- CLANDESTINIDADECOM a perseguição tecer e a repressão aumentou muito”, a seus militantes, o Colina chegaria ao Jorge Nahas e Lara Resende, estavam em lados opostos: um como militante e o outro, apontados como um dos principais torturadores lembra Jorge Nahas. fim, logo depois do Ato Institucional 5 O cerco apertou na casa do Bairro (AI-5). “Passei a ser procurado como São Geraldo e os sete membros da Co- terrorista no país inteiro, em cartazes lina foram rendidos. Eles foram colo- pregados em todos os aeroportos e ro- Manuelzão, que vai concluir no fim ção, tocou a campainha. O casal foi sal- tem muito orgulho do que viveu. cados no paredão e os policiais, furio- doviárias. Meus irmãos passaram a so- deste ano o doutorado, aos 69 anos, vo pelo porteiro, segundo relato que “Nós atendemos a um chamado his- sos com a morte dos colegas, queriam frer bullying na escola e meu pai e mi- postergado pelo período vivido na consta do depoimento pessoal de Este- tórico. A ditadura não deixava espaço fuzilá-los ali mesmo. “O comandante nha mãe, que eram evangélicos presbi- clandestinidade. la, arquivado no Conselho de Defesa e nós não medíamos as consequên- da diligência suspendeu o massacre, terianos, foram alvo de deboche até na dos Direitos Humanos de Minas Gerais cias para combatê-la mesmo as chan- pois seria uma barbárie de prisionei- igreja”, desabafa Apolo Heringer Lis- FUGA NA MADRUGADA No dia se- (Conedh-MG): “Numa noite, no fim de ces de vitórias sendo muito peque- ros rendidos”, lembra Jorge. Ele se re- boa, que dividia a liderança do Colina guinte em que o aparelho do Bairro dezembro, o apartamento foi cercado nas”, acredita. Ele completa: “Estáva- corda de ter, por mais de uma vez, a com Ângelo Pezzuti. Médico, passou a São Geraldo foi descoberto, Dilma e o e conseguimos fugir, na madrugada. O mos imbuídos de um imperativo sensação de que ali seria seu fim. O co- sofrer de anorexia nervosa ao fugir pa- marido, Cláudio Galeno, fugiram do porteiro disse aos policiais do Dops de moral e claro que sabíamos que o mandante da operação era o delegado ra o Rio de Janeiro e ser impedido de apartamento 1001 no Edifício Solar, na BH que não estávamos em casa. Fugi- preço a pagar não seria baixo”. Por Luiz Soares da Rocha, chefe do temido exercer a profissão, por ser clandesti- Avenida João Pinheiro, na Região Cen- mos pela garagem que dá para a rua do fim, Nahas acredita que valeu a pena: Departamento de Ordem Política e no. “Enfrentei privações morando cin- tral da cidade. A residência do casal, fundo, Rua Goiás”, relata a presidente. “A história diz que fomos vencedores. Social (Dops), que se notabilizou pelas co anos em uma favela no Rio. Cheguei que já havia deixado de ter a destina- A prova maior é a Dilma, eleita demo- torturas praticadas nas dependências a pesar 64 quilos, pois não tinha fome. ção original e estava sendo usada co- VERDADE E ORGULHO A onda de re- craticamente presidente do Brasil”. do local . Eu me sentia vítima de uma mentira mo ponto de encontro pelos militan- visão do passado, motivada pela cria- Quem comandava a Delegacia de que a ditadura inventou contra o meu tes do Colina, estava “queimada”. De ção da Comissão da Verdade pela pre- Furtos e Roubos e também participou grupo e não podia nem me defender. fato, no momento em que os dois se sidente Dilma, não assusta o delega- LEIA AMANHÃ da operação foi o delegado Antônio No- Nunca fui um terrorista”, desabafa He- encontravam dentro do apartamento do Lara Resende. “É uma besteira NOVOS RELATOS SOBRE DILMA gueira Lara Resende, 83 anos, apontado ringer, atual coordenador do Projeto destruindo documentos da organiza- muito grande”, afirma. Já Jorge Nahas E O PERÍODO DA DITADURA