O documento relata uma denúncia feita pela ONU em 1974 sobre violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil, incluindo o nome de Dilma Rousseff entre 335 mulheres torturadas. O governo brasileiro tentou ignorar a denúncia, alegando falta de provas e ataques à imagem do país. O general Octávio Medeiros é apontado como um dos torturadores de Dilma na época.
1. E STA D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2
4 POLÍTICA
Entre os nomes listados pelas Nações Unidas em 1974 como vítimas da ditadura constava
o de Dilma Rousseff. O então general Otávio Medeiros era citado como um dos torturadores
ONU denunciou repressão
JOSIE JERONIMO redigir em português o texto da
ARQUIVO/EM - 6/12/68
denúncia, trabalho que deman-
O Ministério das Relações Ex- daria seis meses. O Ministério
teriores recebeu em novembro das Relações Exteriores tam-
de 1974 denúncia de violação bém alegava que os aponta-
dos direitos humanos, encami- mentos não faziam sentido,
nhada pela Organização das Na- pois não havia registro de agres-
ções Unidas (ONU), relatando sões a presas no país. “Já nesta
casos de tortura de 335 mulhe- DSI (Divisão de Segurança de In-
res brasileiras, entre elas Dilma formações) não há registro nem
Vana Rousseff. A atual presiden- conhecimento de torturas no
te é a 56ª mulher descrita no Brasil.” O documento também
anexo 7 da denúncia da ONU. reserva anexo para detalhar a
No documento em inglês ela é morte de 12 mulheres que so-
apresentada como uma “estu- freram agressões de militares, Trecho do relatório em que a militante Dilma é citada entre 335 nomes
dante de Minas Gerais, presa em por pertencer a grupos revolu-
São Paulo em 1970, condenada a cionários. A denúncia questiona
13 meses em agosto de 1971 no ainda o paradeiro de quatro de- tratar os relatos como “técnica em escalar consultores jurídicos
estado da Guanabara, bem co- saparecidas. Os documentos subversiva de tornar a imagem para elaborar “defesa” do Brasil
mo a quatro anos pelo Segundo que se tornaram públicos nesta negativa do país no exterior”. junto à ONU, se o organismo in-
Tribunal Militar em São Paulo, semana, e estão sob a guarda do Para contornar as críticas que re- ternacional decidisse questio-
em 18 de setembro de 1971”. Arquivo Nacional, são uma cebia de instituições internacio- nar o país de forma mais incisi-
Apesar de a primeira denún- compilação da troca de ofícios nais que monitoravam as viola- va. As informações sobre viola-
cia, que chegou em setembro de entre o Ministério das Relações ções aos direitos humanos, os ções de direitos humanos eram
1972, relatar atrocidades come- Exteriores e o Ministério da Jus- militares criaram um gabinete tratadas como “dossiês” contra
tidas pelos militares, o governo tiça e têm 258 páginas. interministerial para avaliar as o governo. “No sentido de que o
só analisou formalmente o avi- As denúncias de violação aos denúncias que chegavam. O Ita- presente processo deva ser ins-
so em maio de 1975 e decidiu ig- direitos humanos chegaram à maraty seria o responsável por truído para servir de base à res-
norar o alerta da ONU, alegando ONU por intermédio da Federa- reunir as denúncias, como coor- posta que o Brasil deva apresen-
que o documento atacava a ção Sindical Mundial, então pre- denador do grupo de trabalho. tar como defesa, no âmbito da
imagem de importantes qua- sidida por Enrique Pastorino, Mas uma ordem expressa ONU. Assim, proponho o seu
dros do regime. “A citação de que assina o texto. Além das em um ofício do Ministério das encaminhamento à DSI deste
conceituados oficiais de nossas mulheres torturadas, o docu- Octávio Medeiros, em 1968: apontado até pela ONU como torturador Relações Exteriores deixa claro ministério para que informe a
Forças Armadas, como os gene- mento lista mulheres mortas e que toda informação terá que respeito das acusações formula-
rais Confúcio, Bandeira, Octávio desaparecidas durante exercí- ser compartilhada, acabando das no dossiê anexo”, orientou
Medeiros e Euclides Figueiredo cio de militância revolucionária. (…) Mulheres fazem visitas e são condições tem de adentrar pelo assim com qualquer possibili- o consultor jurídico Hélio Fon-
(todos da ativa) e comandante Relato da organização interna- obrigadas a tirar a rouba e se mérito da questão sem o pre- dade de a pasta responsável pe- seca, antes de o governo decidir
Clemente, atual diretor da Aca- cional informa ao governo bra- submeter a exame ginecológi- cioso concurso do Departamen- lo contato com instituições es- ignorar a resposta à ONU.
demia de Polícia (reserva), como sileiro sobre violência sexual co”, traz a denúncia da ONU en- to de Polícia Federal”, assina trangeiras cuidar sozinha das No documento, o Ministério
supostos torturadores leva-nos contra as mulheres, praticada caminhada ao Ministério das Edelberto Luiz da Silva, que ocu- denúncias. “O Ministério da Jus- da Justiça também lista nomes
a crer ser prudente não darmos pelos militares. “Em São Paulo Relações Exteriores. pava o cargo de consultor jurí- tiça funciona como órgão inter- de desaparecidos e mortos polí-
crédito a tais denúncias”, escre- os oficiais, sargentos e agentes Além de determinar o arqui- dico do ministério. no de coordenação ao qual se- ticos que representariam o
ve o tenente-coronel Juarez de da Operação Bandeirantes fre- vamento das denúncias, a con- rão transmitidas as informa- maior “risco” para a imagem do
Deus Gomes da Silva, diretor da quentemente estupram presas sultoria jurídica do MRE indi- IMAGEM Os documentos reve- ções recebidas pelo Itamaraty país, pois o episódio dos crimes
Divisão da Segurança de Infor- políticas antes, durante e depois cou que o documento fosse lam que a ordem era ignorar as dos organismos internacio- não tinha suporte jurídico elabo-
mações do Ministério da Justiça, de infligirem torturas cruéis. (…) analisado pelo Ministério da denúncias internacionais, mas nais”, ordenaram os militares, rado pelos consultores. Além da
à época. Na cidade de Belo Horizonte, Justiça, aos cuidados do Depar- os militares estavam preocupa- para controlar as informações denúncia da Federação Sindical
Outro argumento, além de a em unidade policial, jovens en- tamento de Polícia Federal. “To- dos com o estrago que a reper- que chegavam do exterior. Mundial, o governo militar foi
denúncia ferir a honra de mili- tre 12 e 15 anos são torturadas davia, se outro for o entendi- cussão das agressões poderia Em vez de apurar as denún- acionado a responder por agres-
tares renomados, foi a falta de na presença de presos políticos, mento de vossa senhoria, creio causar na imagem do Brasil no cias, os documentos mostram sões a outros 1.081 cidadãos bra-
um “tradutor exclusivo” para como forma de demonstração. que esta consultoria poucas exterior. A ordem interna era que os militares se apressaram sileiros relacionados pela ONU.
Medeiros, um nome ligado à tortura
MARIA CLARA PRATES
MEMÓRIA
O advogado Genival Touri-
ARQUIVO/CB/D.A PRESS
nho, deputado cassado duran-
te a ditadura militar, revelou
Nunca falei com Tentativa frustrada
que o então tenente-coronel
Octávio Aguiar Medeiros tortu-
ele. Mas posso de golpe
rou presos quando estava lota-
do nas dependências da 4ª Re-
atestar que ele
gião Militar, na Rua Juiz de Fo-
ra, Barro Preto, Região Centro-
participou A passagem do general Golbery do Couto e
Silva (foto) por Belo Horizonte, foi
Sul da capital. Conhecido à
época apenas como Medeiros,
de vários motivada por uma tentativa frustrada de
golpe contra o governo de Juscelino
o oficial do Exército teria sido o
responsável pelo espancamen-
espancamentos na Kubitschek. Em 24 de agosto de 1954,
quando Getúlio Vargas se suicidou,
to de vários presos políticos,
durante o período de repres-
Rua Juiz de Fora Golbery era adjunto do Departamento de
Estudos da Escola Superior de Guerra golpe. Suas aspirações foram barradas no
são. O general, que chefiou o te- (ESG). Em fevereiro de 1955, JK foi lançado Movimento de 11 de Novembro, chefiado
mido Serviço Nacional de In- pelo Partido Social Democrático (PSD) pelo ministro da Guerra de João Café Filho,
formações (SNI), de 1978 a como candidato a presidente da República, general Henrique Lott, que assegurou a
1985, e ainda o Comando Mili- tendo como vice João Goulart. O grupo posse de JK e Goulart. Em razão disso,
tar da Amazônia (CMA), tem ■ Genival Tourinho, deputado cassado militar da ESG, liderado por Golbery, não Golbery foi preso por oito dias e depois
seu nome na relação de tortu- pela ditadura e advogado que defendeu apoiou Juscelino e, quando ele foi eleito, transferido para a 4ª Divisão do Exército na
radores do livro Brasil: tortura vários presos políticos a partir de 1965, tentaram impedir sua posse com um capital mineira.
nunca mais. Coincidência ou se referindo ao general Medeiros
não, em seu depoimento ao
Conselho de Defesa dos Direi-
tos Humanos de Minas Gerais mais aguerridos grupos de re- vários espancamentos na Rua que Golbery, depois de deixar o Golbery apontou o general Me- De janeiro a agosto de 1980
(Conedh-MG), em 25 de outu- sistência à ditadura militar, o Juiz de Fora.” governo, classificou o colega de deiros como suposto autor. foram registrados no país 46
bro de 2001, a presidente Dilma Comando de Libertação Nacio- Com intensa vida política, farda como “trapalhão”, duran- “Ah, bom, eu estava meio em atentados políticos contra ban-
Rousseff citou como um de nal, o Colina, ao qual a presiden- que o levou à Câmara dos Depu- te um encontro dos dois na sede dúvida, porque isso não está ca de jornais, associações civis,
seus torturadores em Minas te era filiada. tados em 1969 e depois na legis- do extinto Banco Cidade de São me parecendo coisa do Pires redações, entre outros, além do
um homem que atendia pela A perseguição a Dilma Rous- latura de 1974, Tourinho revela Paulo, em Brasília, às 16h. “Gol- (Leônidas Pires, ministro do que causou a morte da funcio-
alcunha de dr. Medeiros. seff teria se iniciado a partir da que, além do general Medeiros, bery queria se inteirar das cir- Exército durante o governo Jo- nária da Ordem dos Advogados
O general Medeiros, que dei- informação de que ela planeja- o também temido general Gol- cunstâncias do atentado que so- sé Sarney). Está me cheirando a do Brasil (OAB) do Rio Lyda
xou a cena nacional em 1987 ao va a fuga de um dos cabeças do bery do Couto e Silva viveu por fri em 1980, a 300 metros do ae- coisa do Medeiros... Eu não te- Monteiro da Silva. A denúncia
entrar para a reserva, cruzou o movimento, Ângelo Pezzuti, dois anos em Belo Horizonte, roporto de Brasília, ocorrido no nho dúvida nenhuma em dizer de Tourinho não foi investiga-
caminho de Dilma ao presidir o que estava detido no Presídio servindo também na 4ª Divisão dia anterior.” Tourinho teve o que efetivamente isso foi tra- da, mas lhe rendeu um proces-
Inquérito Policial Militar (IPM) de Linhares, em Juiz de Fora, Zo- do Exército, ainda no posto de carro alvejado por tiros logo de- palhada do Medeiros”, conta o so com base na Lei de Segurança
que resultou na prisão da então na da Mata. O advogado Geni- major. Segundo o advogado, pois de denunciar envolvimen- advogado em um trecho do li- Nacional, que resultou, em
militante, em 1970, no Rio de Ja- val Tourinho, que defendeu vá- Golbery – considerado um dos to de oficiais do Exército em vro. Antes do atentado, Genival 1981, na sua condenação a seis
neiro. À época, o militar chefia- rios presos políticos a partir de ideólogos do golpe militar de ações de extrema direita. Tourinho denunciou os gene- meses de prisão e na cassação
va o Centro de Preparação de 1965, contou que viu o então 1964 que depôs o presidente rais Antônio Bandeira, Milton de direitos políticos.
Oficiais da Reseva (CPOR), em tenente-coronel Medeiros vá- João Goulart e chegou à chefia TRAPALHADA Segundo Touri- Tavares de Souza e José Luiz
Belo Horizonte. Atuando em rias vezes na sede da 4ª Divisão da Casa Civil no governo do ge- nho, que relatou o encontro Coelho como responsáveis pe-
Minas, o general Medeiros ga- do Exército em Belo Horizonte. neral Ernesto Geisel em 1974 – em seu livro Baioneta calada e lo que chamou de Operação LEIA AMANHÃ
nhou notoriedade nacional ao “Nunca falei com ele. Mas pos- não via o general Medeiros com baioneta falada, depois de ou- Cristal, que incluía uma série NOVOS RELATOS SOBRE DILMA
conseguir pôr fim a um dos so atestar que ele participou de bons olhos. O advogado lembra vir a descrição do atentado, de atentados terroristas. E O PERÍODO DA DITADURA