1. E STA D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 1 2 D E J U L H O D E 2 0 0 6
8 VEÍCULOS
LITERATURA
Produtos que fizeram história são descritos em livro de jornalista mineiro, no resgate
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de elementos que mexeram com a memória afetiva dos brasileiros, como os carros m
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FOTOS ACERVO DE ALBERTO VILLAS k
O Vemaguet lembrava o objeto de desejo de Alberto, o Aero Willys era um autêntico carro de médico e o Simca, o sonho de consumo. Mas a bicicleta Monark pneu balão foi o primeiro veículo do jornalista
Tem, mas acabou
DANIEL CAMARGOS azul que envolve a maçã à naftalina. Dis-
corre sobre a recorrente falta d’água no
afetiva e atiçam as lembranças.
A Rural Willys da família,
outro objeto, como uma garra-
fa do refrigerante Crush.
O jornalista e escritor mineiro Alberto bairro de Santa Tereza e sobre os efeitos comprada pelo pai em 1963, é re-
Villas nunca dirigiu e muito menos é ha- da Emulsão de Scott e relembra os veí- corrente nas histórias. “A Rural se RIMA TRISTE Bernadete era vizi-
bilitado, mas descreve com detalhes os culos que não são mais fabricados, mas tornou personagem da família”, nha dos Villas quando a família
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carros e itens automotivos que fizeram representam uma época que não volta. lembra Alberto. O escritor consi- mudou para Brasília. A dica para
parte de seu passado, no livro O Mundo Os detalhes que Alberto ressalta não dera que, atualmente, o apego saber se ela estava em casa, e as-
Acabou!, lançado pela Editora Globo. O li- são os relativos à potência, torque, de- não existe mais, pois há certa re- sim poder observá-la, era olhar
vro resgata uma série de objetos, do mis- sign ou estabilidade, mas os mais au- pulsa aos modelos velhos. “As se a Vemaguete do pai da moça
sal aos Cigarrinhos Pan, do papel de seda tênticos, que se referem à memória pessoas chegam a ter vergonha estava na garagem. Quando o
de dizer que têm um carro de carro estava estacionado, Alber-
1999”, comenta. Tudo bem dife- to ficava na espreita, observando
rente da Rural de seu pai, como as calotas pequenas, a faixa bran-
conta no livro: “O tempo foi pas- ca no pneu, o estofado vermelho
sando e meu pai não trocava e até um rádio AM e FM. Mas
aquela Rural por nada na vida. quando o pai de Bernadete ven-
Dizia que não existia na face da deu a Vemeguete foi uma rima
Terra um carro como aquele. Os triste. Pois, sem a Vemaguete,
bancos foram ficando velhos, os Alberto nunca mais soube se ia
vidros embaçados, o vermelho ou não ver a Bernadete.
foi se apagando, mas meu pai Já o doutor Aldo Casilo era o
nunca se desfez daquele carro. médico da família e a chegada
No dia em que morreu, encon- dele era anunciada pelo ronco do
tramos, no cofre que ficava atrás motor do Aero-Willys. Veículo
da porta do quarto dele, um en- que, segundo a propaganda, era
velope em que estava escrito: ‘distinto, sóbrio e de linhas clás-
‘Abrir somente depois que eu sicas’, um autêntico carro de mé-
morrer’. Abrimos e tinha um bi- dico. Mas o sonho de consumo
lhete no qual ele deixava de he- de Alberto era um Simca Cham-
rança para minha irmã aquela bord, preferencialmente um
Rural Willys vermelha e branca”. Rural Willys ficou com a família por muitos anos modelo amarelo e preto, equipa-
O carinho com automóvel do com enorme antena na tra-
também estava expresso em ati- seira, igualzinho ao do tenente
tudes menores, como a plaquinha iman- Maria , que era primo dos Villas, e de um Carlos, do O Vigilante rodoviário, seriado
tada com a inscrição: “Não corra, papai”. painel no qual o ímã grudava, bem dife- da TV. Como não teve, contentou-se com
Alberto relata que, no dia seguinte à rente dos feitos em plástico de hoje. “Tí- um carrinho qualquer da Matchbox, um
compra da Rural, o pai foi à Avenida Pa- nhamos a impressão de que nunca acon- soldadinho de chumbo e um cachorri-
raná para comprar a plaquinha, com os teceria nada”, lembra. nho de madeira, que representavam o Si-
dizeres e o espaço para duas fotos. Os Apesar de escrever uma espécie de mca, o tenente e o pastor alemão Lobo
dois filhos caçulas tiveram os retratos es- biografia baseada em produtos, Alber- nas brincadeiras de criança.
tampados no painel, o que gerou ciúme to não padece da lamentação nostálgi- Entretanto, o primeiro veículo do jor-
dos outros dois. Para resolver o proble- ca de que os bons tempos são os que já nalista foi uma bicicleta, a propagada
ma, a solução foi comprar outra placa, foram vividos. “Em nenhum momen- Monark Pneu Balão, ‘uma espécie de 4x4
dessa vez com a frase “ Papai, te espero to digo que aquele tempo era melhor das magrelas’. No livro, também estão as
em casa”, e pôr a foto da dupla ciumen- que o atual. É diferente, por isso, o no- histórias do caminhão FNM, o famoso
ta. A filha mais velha já era casada e ficou me do livro”, explica. Grande parte das Fenemê, as gotinhas e o tigre da Esso, o
de fora do painel, porém herdou o carro. imagens que ilustram o livro foi repro- elefantinho da Shell e uma fauna rica de
O veículo não tinha freio ABS, airbag e duzida dos anúncios publicitários da elementos que compuseram a história
outros itens de segurança, mas contava coleção de revistas do autor. Ela é a emocional da sociedade brasileira, na se-
com a proteção da bênção do padre Zé única de Alberto, que guarda um ou gunda metade do século passado.
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