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E STA D O D E M I N A S   ●   S Á B A D O ,    2 3    D E    J U N H O       D E   2 0 1 2
                                                                                                                                                                                                                       3

                                                                       POLÍTICA
                                                                                                                                                                        EDITOR: Baptista Chagas de Almeida
                                                                                                                                                                 EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore
                                                                                                                                                                            E-MAIL: politica.em@uai.com.br
                                                                                                                                                                                 TELEFONE: (31) 3263-5293




Presidente comenta reportagens do EM sobre a tortura a que foi submetida durante a
ditadura e afirma que todos têm o compromisso de “não deixar jamais isso acontecer”


                                    Dilma pede fim dos
“depoimentos difíceis”                                                                                                                                               EVARISTO SÁ/AFP
         DENISE ROTHENBURG
       E GABRIEL MASCARENHAS
            Enviados especiais

    Rio de Janeiro – Ao comen-
                                                                                                                                                                                       Vingar, ou se
tar a reportagem do Estado de
Minas sobre a tortura que so-
                                                                                                                                                                                       magoar, ou odiar é
freu em Juiz de Fora (MG) no
período da ditadura militar, a
                                                                                                                                                                                       ficar dependente
presidente Dilma Rousseff
aproveitou para pregar o fim
                                                                                                                                                                                       de quem você
da tortura policial ainda exis-
tente no Brasil: “Venho dando
                                                                                                                                                                                       quer vingar,
depoimentos ao longo da mi-
nha vida. Alguns te asseguro
                                                                                                                                                                                       magoar ou odiar.
muito difíceis. E este país evo-
luiu muito. E tem que evoluir
                                                                                                                                                                                       Isso não é um
mais, porque os depoimentos
difíceis têm que ser eliminados
                                                                                                                                                                                       bom sentimento
em todas as esferas, inclusive
na atividade da polícia, em ge-
                                                                                                                                                                                       para ninguém
ral”, disse a presidente.
    A defesa abriu uma longa
declaração de Dilma sobre a
tortura e o depoimento ao
Conselho de Defesa dos Direi-
                                                                                                                                                                                       Presidente comenta reportagens do
tos Humanos de Minas Gerais                                                                                                                                                            EM sobre a tortura a que foi
(Conedh-MG), publicado no                                                                                                                                                              submetida durante a ditadura e
domingo com exclusividade                                                                                                                                                              afirma que todos têm o
pelo EM. Ao falar desse assun-                                                                                                                                                         compromisso de “não deixar jamais
to, a maneira incisiva com que                                                                                                                                                         isso acontecer”
ela se pronuncia sobre vários
temas dá lugar à emoção e a
um tom mais pessoal: “Eu acre-
dito, vou te dizer assim com                                                                                                                                                              ENTENDA O CASO
sinceridade: eu entendo o inte-
resse de vocês, sou presidente                                                                                                                                                         ● O Estado de Minas iniciou
e, afinal de contas, vocês quere-                                                                                                                                                        domingo uma série de reportagens
rem saber o que aconteceu co-                                                                                                                                                            em que revela com exclusividade
migo. É um interesse legítimo.                                                                                                                                                           documentos, até então inéditos,
Agora, em geral, posso lhes di-                                                                                                                                                          que comprovam que a presidente
zer o seguinte: algumas das fi-                                                                                                                                                          Dilma Rousseff foi torturada nos
guras que me torturaram não         bunal que condenou nazistas        ta sala, temos o compromisso      justifique contra esse tipo de      te país”. E, assim, inspirada na            porões da ditadura em Juiz de Fora
tinham nomes verdadeiros.           depois da Segunda Guerra           de não deixar jamais isso acon-   ato. Há a frieza da razão. E a      Grécia, tão em voga por conta               (MG) e não apenas em São Paulo e
Há, vamos dizer, elocubrações”,     Mundial. Lá foi aprovado que,      tecer”, afirmou.                  frieza da razão é não esquecer      da crise econômica, ela con-                no Rio de Janeiro, como se
disse a presidente.                 mesmo cumprindo ordens, o             Foi o momento mais pes-        e, por isso, nós criamos a Co-      cluiu: “Na Grécia, vivemos na               pensava. Os documentos
    Nesse momento, ela passa a      torturador é responsável.          soal da entrevista, em que o      missão da Verdade”, comen-          época da Grécia, se não me en-              reproduzem o depoimento pessoal
falar o que quer ver como foco         Dilma disse, porém, não         estereótipo da Dilma durona       tou. “Se vingar, ou se magoar,      gano, aletheia, verdade, é o con-           de Dilma dado em outubro de
ao longo do período em que o        achar que o torturador seja o      se esvai. “E eu te digo: com o    ou odiar é ficar dependente de      trário de lethe, esquecimento. A            2001, no qual ela relata com
país conviverá com a Comissão       problema. “O problema é em         passar dos anos, uma das me-      quem você quer vingar, ma-          verdade é esta: não se esquece,             detalhes todo o sofrimento vivido
da Verdade. “A questão não é o      que condições a tortura é esta-    lhores coisas que me aconte-      goar ou odiar. Isso não é um        mas não se esquece do ponto de              em Minas como militante política
torturador. É a tortura. O tortu-   belecida e operada. E isso todos   ceram foi não me fixar nas        bom sentimento para nin-            vista histórico e não do ponto              de codinome Estela. A série de
rador é um agente, mesmo ele        sabemos em que condições foi.      pessoas (nos torturadores),       guém”, reforçou a presidente.       de vista individual”.                       reportagens, que teve repercussão
tendo a sua responsabilidade        Ninguém aqui desconhece o          nem ter por elas qualquer sen-       Nesse momento, entretanto,                                                   na imprensa internacional, levou a
reconhecida depois do que           que aconteceu neste país num       timento. Como eu disse no         ela recupera mais a formalidade


                                                                                                                                             ❚                                   ❚
                                                                                                                                                                                         Comissão da Verdade a mobilizar
aconteceu no julgamento dos         determinado período de sua         meu discurso, nem ódio, nem       e se refere à Comissão da Verda-        LEIA MAIS SOBRE TORTURA                 um grupo de historiadores de
que estiveram em Nuremberg”,        história. E todos nós, eu tenho    vingança, nem tampouco per-       de como o fórum que tem co-                NO REGIME MILITAR                    Minas para analisar o testemunho.
disse Dilma referindo-se ao tri-    certeza, que estamos aqui nes-     dão. Não há sentimento que se     mo missão “virar a página des-                   PÁGINA 4




   SAIBA MAIS                    TRIBUNAL DE NUREMBERG
                                                         Ao se referir ao julgamento de Nuremberg, a
                                                         presidente Dilma Rousseff lembrou o
                                                         tribunal militar criado depois da 2ª Guerra
                                                         Mundial. Com o fim do conflito, em 1945,
                                                         representantes dos países vencedores –
                                                         Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e
                                                         União Soviética – se reuniram no mesmo
                                                         ano para discutir como seriam punidos os
                                                         responsáveis pelos crimes de guerra
                                                         cometidos durante o regime nazista. Ficou
                                                         decidido que seria aberto um tribunal militar
                                                         com atuação de juízes e promotores públicos
                                                         dos países vitoriosos e a cidade escolhida
                                                         para receber o julgamento foi Nuremberg, na
                                                         Alemanha, mesmo local onde, 10 anos antes,
                                                         foram criadas as leis arianas que defendiam a
                                                         raça alemã como superior. Durante o
                                                         julgamento, o argumento de que os réus
                                                         teriam cometido tais crimes apenas
                                                         cumprindo ordens superiores e por isso não
                                                         deveriam ser responsabilizados foi muito
                                                         usado pelos advogados de defesa. Mas, na
                                                         maioria dos casos, a justificativa foi
                                                         descartada. O tribunal durou 285 dias e 24
                                                         réus foram julgados e 12 pegaram a pena
                                                         máxima, sendo condenados à morte por
                                                         enforcamento, entre eles o braço direito de
                                                         Adolf Hitler, Hermann Goering, que se
                                                         suicidou na prisão antes de ser executado.

ARQUIVO/EM - 3/4/46

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Dilma pede fim dos 'depoimentos difíceis' e fala sobre tortura sofrida na ditadura

  • 1. E STA D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2 3 POLÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: politica.em@uai.com.br TELEFONE: (31) 3263-5293 Presidente comenta reportagens do EM sobre a tortura a que foi submetida durante a ditadura e afirma que todos têm o compromisso de “não deixar jamais isso acontecer” Dilma pede fim dos “depoimentos difíceis” EVARISTO SÁ/AFP DENISE ROTHENBURG E GABRIEL MASCARENHAS Enviados especiais Rio de Janeiro – Ao comen- Vingar, ou se tar a reportagem do Estado de Minas sobre a tortura que so- magoar, ou odiar é freu em Juiz de Fora (MG) no período da ditadura militar, a ficar dependente presidente Dilma Rousseff aproveitou para pregar o fim de quem você da tortura policial ainda exis- tente no Brasil: “Venho dando quer vingar, depoimentos ao longo da mi- nha vida. Alguns te asseguro magoar ou odiar. muito difíceis. E este país evo- luiu muito. E tem que evoluir Isso não é um mais, porque os depoimentos difíceis têm que ser eliminados bom sentimento em todas as esferas, inclusive na atividade da polícia, em ge- para ninguém ral”, disse a presidente. A defesa abriu uma longa declaração de Dilma sobre a tortura e o depoimento ao Conselho de Defesa dos Direi- Presidente comenta reportagens do tos Humanos de Minas Gerais EM sobre a tortura a que foi (Conedh-MG), publicado no submetida durante a ditadura e domingo com exclusividade afirma que todos têm o pelo EM. Ao falar desse assun- compromisso de “não deixar jamais to, a maneira incisiva com que isso acontecer” ela se pronuncia sobre vários temas dá lugar à emoção e a um tom mais pessoal: “Eu acre- dito, vou te dizer assim com ENTENDA O CASO sinceridade: eu entendo o inte- resse de vocês, sou presidente ● O Estado de Minas iniciou e, afinal de contas, vocês quere- domingo uma série de reportagens rem saber o que aconteceu co- em que revela com exclusividade migo. É um interesse legítimo. documentos, até então inéditos, Agora, em geral, posso lhes di- que comprovam que a presidente zer o seguinte: algumas das fi- Dilma Rousseff foi torturada nos guras que me torturaram não bunal que condenou nazistas ta sala, temos o compromisso justifique contra esse tipo de te país”. E, assim, inspirada na porões da ditadura em Juiz de Fora tinham nomes verdadeiros. depois da Segunda Guerra de não deixar jamais isso acon- ato. Há a frieza da razão. E a Grécia, tão em voga por conta (MG) e não apenas em São Paulo e Há, vamos dizer, elocubrações”, Mundial. Lá foi aprovado que, tecer”, afirmou. frieza da razão é não esquecer da crise econômica, ela con- no Rio de Janeiro, como se disse a presidente. mesmo cumprindo ordens, o Foi o momento mais pes- e, por isso, nós criamos a Co- cluiu: “Na Grécia, vivemos na pensava. Os documentos Nesse momento, ela passa a torturador é responsável. soal da entrevista, em que o missão da Verdade”, comen- época da Grécia, se não me en- reproduzem o depoimento pessoal falar o que quer ver como foco Dilma disse, porém, não estereótipo da Dilma durona tou. “Se vingar, ou se magoar, gano, aletheia, verdade, é o con- de Dilma dado em outubro de ao longo do período em que o achar que o torturador seja o se esvai. “E eu te digo: com o ou odiar é ficar dependente de trário de lethe, esquecimento. A 2001, no qual ela relata com país conviverá com a Comissão problema. “O problema é em passar dos anos, uma das me- quem você quer vingar, ma- verdade é esta: não se esquece, detalhes todo o sofrimento vivido da Verdade. “A questão não é o que condições a tortura é esta- lhores coisas que me aconte- goar ou odiar. Isso não é um mas não se esquece do ponto de em Minas como militante política torturador. É a tortura. O tortu- belecida e operada. E isso todos ceram foi não me fixar nas bom sentimento para nin- vista histórico e não do ponto de codinome Estela. A série de rador é um agente, mesmo ele sabemos em que condições foi. pessoas (nos torturadores), guém”, reforçou a presidente. de vista individual”. reportagens, que teve repercussão tendo a sua responsabilidade Ninguém aqui desconhece o nem ter por elas qualquer sen- Nesse momento, entretanto, na imprensa internacional, levou a reconhecida depois do que que aconteceu neste país num timento. Como eu disse no ela recupera mais a formalidade ❚ ❚ Comissão da Verdade a mobilizar aconteceu no julgamento dos determinado período de sua meu discurso, nem ódio, nem e se refere à Comissão da Verda- LEIA MAIS SOBRE TORTURA um grupo de historiadores de que estiveram em Nuremberg”, história. E todos nós, eu tenho vingança, nem tampouco per- de como o fórum que tem co- NO REGIME MILITAR Minas para analisar o testemunho. disse Dilma referindo-se ao tri- certeza, que estamos aqui nes- dão. Não há sentimento que se mo missão “virar a página des- PÁGINA 4 SAIBA MAIS TRIBUNAL DE NUREMBERG Ao se referir ao julgamento de Nuremberg, a presidente Dilma Rousseff lembrou o tribunal militar criado depois da 2ª Guerra Mundial. Com o fim do conflito, em 1945, representantes dos países vencedores – Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética – se reuniram no mesmo ano para discutir como seriam punidos os responsáveis pelos crimes de guerra cometidos durante o regime nazista. Ficou decidido que seria aberto um tribunal militar com atuação de juízes e promotores públicos dos países vitoriosos e a cidade escolhida para receber o julgamento foi Nuremberg, na Alemanha, mesmo local onde, 10 anos antes, foram criadas as leis arianas que defendiam a raça alemã como superior. Durante o julgamento, o argumento de que os réus teriam cometido tais crimes apenas cumprindo ordens superiores e por isso não deveriam ser responsabilizados foi muito usado pelos advogados de defesa. Mas, na maioria dos casos, a justificativa foi descartada. O tribunal durou 285 dias e 24 réus foram julgados e 12 pegaram a pena máxima, sendo condenados à morte por enforcamento, entre eles o braço direito de Adolf Hitler, Hermann Goering, que se suicidou na prisão antes de ser executado. ARQUIVO/EM - 3/4/46