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E STA D O D E M I N A S    ●   D O M I N G O ,                 2      D E    S E T E M B R O        D E     2 0 0 7



  2                                                                                            CLASSIFICADOSVEÍCULOS



Esboço da Kombi desenhado em 1947

          RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO
                                                                                            ROLIMÃ                                                                                                   Primeiro modelo
                                                                                                                                                                                                           produzido
                                                                                                                                                                                                             em 1957




AQUELE QUE FEZ                                                                                                                                                                                                                        FOTOS: VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO


Quando começou a ser produzida no Brasil, o                              NA                                                                                                                             ta melhor o som ambiente, pois sem rádio e ar-
índice de nacionalização da Kombi era de 50%.                            LUTA                                                                                                                           condicionado os vidros ficam abertos dia e noite.
Em 1961, já alcançava 95% e Simão Nunes Perei-                           Virou do-                                                                                mente em relação ao aca-
ra (acima), então com 28 anos, trabalhava há                             no de dois                                                                          bamento. De 1957 a 1986, a                 APRENDIZADO Com o tempo, aprende-se que o
um ano na Volkswagen como ponteador da pe-                               bares em São                                                                   Kombi teve a versão luxo e, de                  volante também serve de almofada para esperar
rua. “O pessoal montava a lateral e a parte tra-                         Bernardo do                                                                 1997 a 1999, a Carat.                              o semáforo abrir, que o frentista acha engraçado
seira, depois eu vinha soldando com a pontea-                            Campo, no ABC                                                                                                                  colocar álcool na Kombi e que manobrar em uma
deira", lembra Simão, hoje com 74 anos. Nasci-                           Paulista, e participou                                                SIMPLES A injeção eletrônica só chegou em                vaga simples com ela é exercício pesado. Porém,
do no Recife (PE), ele é o exemplo do autêntico                          como sindicalista da                                               1997, fazendo com que a Kombi fosse o último                depois que se conversa com motoristas experien-
metalúrgico brasileiro, que ajudou a construir                           fundação do Partido dos                                            modelo a deixar o carburador. Também foi a últi-            tes na arte de guiar uma Kombi, aprende-se que
                                                                                                                                   M
                                                                                                                                 L /E




a indústria automobilística nacional. Começou                            Trabalhadores (PT). Ten-                                           ma a abandonar o motor refrigerado a ar, no final           para manobrá-la é preciso usar a técnica do ba-
                                                                                                                                   A
                                                                                                                                VID




a trabalhar ainda menino, na feira da Casa Ama-                          tou, sem sucesso, a candida-                                       de 2006, em ambos os casos forçada pela legisla-            lanço, ou seja, acelerar e pisar no pedal da em-
                                                                                                                             EY
                                                                                                                          SN




rela, junto com o pai. Depois, passou por qua-                           tura para uma vaga na Câma-                                        ção ambiental. Mas direção hidráulica e ar-condi-           breagem levemente, para amaciar a direção. Ten-
                                                                                                                        LO
                                                                                                                         R
                                                                                                                      MA




tro ou cinco empresas, a maioria têxtil, todas                           ra Municipal de São Bernardo                                       cionado são luxos que não existem nem como                  tar virá-la parada é um erro crasso, que pode, com
em Pernambuco, até migrar para São Paulo. Em                             do Campo e hoje se orgulha dos                                     opcionais para quem quer comprar uma Kombi.                 o tempo, prejudicar o sistema de direção.
1960, ingressou nas fileiras da Volkswagen, em                           cinco filhos e seis netos. Enche a boca para contar                Aliás, o único opcional é o desembaçador do vi-
São Bernardo do Campo, onde a Kombi é fabri-                             de um rebento, o mais velho, que trabalha na                       dro traseiro. Uma Kombi Standart completa cus-              DEFEITO Não foi possível, entretanto, devolver a
cada até hoje.                                                           Bosch, e de outro que mora em Brasília e atua no                   ta R$ 41.385, na cor invariavelmente branca                 Kombi usada para a reportagem com a caixa de
                                                                         projeto de microcrédito do governo federal.                        (abaixo à esquerda).                                        marchas funcionando. Depois de rodar cerca de
PARADA NO TEMPO Sem o auxílio de robôs, a li-                                                                                                                                                           500 quilômetros, incluindo trechos em estrada de
nha de produção é composta por 322 funcioná-                             MUDANÇA Foi em 1976 que Simão ficou encos-                         TESTE A reportagem do caderno Veículos dirigiu              terra e com capacidade máxima (nove pessoas), a
rios. O modelo Standart tem 4.620 peças. Simão                           tado por causa do Fusca. Um ano antes, a Kom-                      a Kombi por uma semana. O motor 1.4 flex a dei-             primeira marcha não engatava mais. Aliás, engatar,
lembra que, na sua época, entre 1960 e 1963, eram                        bi passou por sua modificação mais significati-                    xou com um som diferente, mas a dureza da dire-             engatava. O problema é que não segurava e a ala-
duas linhas e cada uma produzia cerca de 25 uni-                         va. As portas dianteiras tinham janelas com                        ção, a falta de jeito para encontrar uma posição            vanca voltava para a posição de ponto morto. Mas
dades por dia. Em julho deste ano foram produzi-                         duas peças corrediças de vidro, mas o sistema                      para guiar e os engates pouco precisos levam a              não é nada para um modelo projetado em 1947 e
das 2.125 unidades, uma média de 70 por dia.                             passou a ser manuseado por manivela, como é                        pensar que o veículo deve ter um algo a mais pa-            que começou a ser produzido no Brasil há exatos
                                                                         atualmente, e a entrada de ar, que era no teto,                    ra ter uma vida tão longa. Problemas de conforto            50 anos. Se fosse um carro moderno, só o reboque
ORGULHO DE PÉ A Kombi tem uma vantagem                                   foi instalada entre os piscas. Foram diversas                      e segurança de lado, a Kombi é um barato. Vê-se o           daria conta, mas a idade tem sua vantagem e mes-
para o ponteador: é possível trabalhar em pé,                            mudanças ao longo de seus 50 anos, principal-                      trânsito de um andar superior. Também se escu-              mo com o defeito foi possível guiá-la até a conces-
mesmo dentro da carroceria. Depois que saiu da                                                                                                                                                          sionária, forçando a primeira no muque, é claro.
VW, Simão passou por diversas empresas de au-                                                                                                                                  MARLOS NEY VIDAL/EM
topeças até voltar para a montadora em 1968,                                                                                                                                                            VELHA FOGOSA Grave mesmo são os incêndios
quando foi trabalhar na linha de montagem do                                                                                                                                                            (abaixo) que contribuíram para a fama de insegu-
Fusca (abaixo). “No Fusquinha dava 134 pontos de                                                                                                                                                        ra da perua. O desmazelo de alguns proprietários
solda em dois minutos. Fazia a fixação do banco,                                                                                                                                                        e a idade avançada de muitas Kombis, aliados ao
mas o problema é que tinha que ficar envergado e                                                                                                                                                        filtro de combustível próximo ao distribuidor, fi-
acabei com problema na coluna”, conta. O Fusca o                                                                                                                                                        zeram com que o modelo se transformasse em in-
aposentou, mas ele não conseguiu dinheiro sufi-                                                                                                                                                         cendiário potencial. Porém, com a mudança da
ciente para comprar uma Kombi. Queria uma pa-                                                                                                                                                           geração, em 1997, o risco diminuiu com as altera-
ra vender frutas na rua, já que tinha experiência na                                                                                                                                                    ções na disposição dos componentes. Mas a frota
feira, no Recife.                                                                                                                                                                                       circulante de peruas “fogosas” ainda é imensa.

RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO/REPRODUÇÃO                                                                                                                                                             ESTEVAM PAIVA/DIVULGAÇÃO - 2/8/07

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  • 1. E STA D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 7 2 CLASSIFICADOSVEÍCULOS Esboço da Kombi desenhado em 1947 RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO ROLIMÃ Primeiro modelo produzido em 1957 AQUELE QUE FEZ FOTOS: VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO Quando começou a ser produzida no Brasil, o NA ta melhor o som ambiente, pois sem rádio e ar- índice de nacionalização da Kombi era de 50%. LUTA condicionado os vidros ficam abertos dia e noite. Em 1961, já alcançava 95% e Simão Nunes Perei- Virou do- mente em relação ao aca- ra (acima), então com 28 anos, trabalhava há no de dois bamento. De 1957 a 1986, a APRENDIZADO Com o tempo, aprende-se que o um ano na Volkswagen como ponteador da pe- bares em São Kombi teve a versão luxo e, de volante também serve de almofada para esperar rua. “O pessoal montava a lateral e a parte tra- Bernardo do 1997 a 1999, a Carat. o semáforo abrir, que o frentista acha engraçado seira, depois eu vinha soldando com a pontea- Campo, no ABC colocar álcool na Kombi e que manobrar em uma deira", lembra Simão, hoje com 74 anos. Nasci- Paulista, e participou SIMPLES A injeção eletrônica só chegou em vaga simples com ela é exercício pesado. Porém, do no Recife (PE), ele é o exemplo do autêntico como sindicalista da 1997, fazendo com que a Kombi fosse o último depois que se conversa com motoristas experien- metalúrgico brasileiro, que ajudou a construir fundação do Partido dos modelo a deixar o carburador. Também foi a últi- tes na arte de guiar uma Kombi, aprende-se que M L /E a indústria automobilística nacional. Começou Trabalhadores (PT). Ten- ma a abandonar o motor refrigerado a ar, no final para manobrá-la é preciso usar a técnica do ba- A VID a trabalhar ainda menino, na feira da Casa Ama- tou, sem sucesso, a candida- de 2006, em ambos os casos forçada pela legisla- lanço, ou seja, acelerar e pisar no pedal da em- EY SN rela, junto com o pai. Depois, passou por qua- tura para uma vaga na Câma- ção ambiental. Mas direção hidráulica e ar-condi- breagem levemente, para amaciar a direção. Ten- LO R MA tro ou cinco empresas, a maioria têxtil, todas ra Municipal de São Bernardo cionado são luxos que não existem nem como tar virá-la parada é um erro crasso, que pode, com em Pernambuco, até migrar para São Paulo. Em do Campo e hoje se orgulha dos opcionais para quem quer comprar uma Kombi. o tempo, prejudicar o sistema de direção. 1960, ingressou nas fileiras da Volkswagen, em cinco filhos e seis netos. Enche a boca para contar Aliás, o único opcional é o desembaçador do vi- São Bernardo do Campo, onde a Kombi é fabri- de um rebento, o mais velho, que trabalha na dro traseiro. Uma Kombi Standart completa cus- DEFEITO Não foi possível, entretanto, devolver a cada até hoje. Bosch, e de outro que mora em Brasília e atua no ta R$ 41.385, na cor invariavelmente branca Kombi usada para a reportagem com a caixa de projeto de microcrédito do governo federal. (abaixo à esquerda). marchas funcionando. Depois de rodar cerca de PARADA NO TEMPO Sem o auxílio de robôs, a li- 500 quilômetros, incluindo trechos em estrada de nha de produção é composta por 322 funcioná- MUDANÇA Foi em 1976 que Simão ficou encos- TESTE A reportagem do caderno Veículos dirigiu terra e com capacidade máxima (nove pessoas), a rios. O modelo Standart tem 4.620 peças. Simão tado por causa do Fusca. Um ano antes, a Kom- a Kombi por uma semana. O motor 1.4 flex a dei- primeira marcha não engatava mais. Aliás, engatar, lembra que, na sua época, entre 1960 e 1963, eram bi passou por sua modificação mais significati- xou com um som diferente, mas a dureza da dire- engatava. O problema é que não segurava e a ala- duas linhas e cada uma produzia cerca de 25 uni- va. As portas dianteiras tinham janelas com ção, a falta de jeito para encontrar uma posição vanca voltava para a posição de ponto morto. Mas dades por dia. Em julho deste ano foram produzi- duas peças corrediças de vidro, mas o sistema para guiar e os engates pouco precisos levam a não é nada para um modelo projetado em 1947 e das 2.125 unidades, uma média de 70 por dia. passou a ser manuseado por manivela, como é pensar que o veículo deve ter um algo a mais pa- que começou a ser produzido no Brasil há exatos atualmente, e a entrada de ar, que era no teto, ra ter uma vida tão longa. Problemas de conforto 50 anos. Se fosse um carro moderno, só o reboque ORGULHO DE PÉ A Kombi tem uma vantagem foi instalada entre os piscas. Foram diversas e segurança de lado, a Kombi é um barato. Vê-se o daria conta, mas a idade tem sua vantagem e mes- para o ponteador: é possível trabalhar em pé, mudanças ao longo de seus 50 anos, principal- trânsito de um andar superior. Também se escu- mo com o defeito foi possível guiá-la até a conces- mesmo dentro da carroceria. Depois que saiu da sionária, forçando a primeira no muque, é claro. VW, Simão passou por diversas empresas de au- MARLOS NEY VIDAL/EM topeças até voltar para a montadora em 1968, VELHA FOGOSA Grave mesmo são os incêndios quando foi trabalhar na linha de montagem do (abaixo) que contribuíram para a fama de insegu- Fusca (abaixo). “No Fusquinha dava 134 pontos de ra da perua. O desmazelo de alguns proprietários solda em dois minutos. Fazia a fixação do banco, e a idade avançada de muitas Kombis, aliados ao mas o problema é que tinha que ficar envergado e filtro de combustível próximo ao distribuidor, fi- acabei com problema na coluna”, conta. O Fusca o zeram com que o modelo se transformasse em in- aposentou, mas ele não conseguiu dinheiro sufi- cendiário potencial. Porém, com a mudança da ciente para comprar uma Kombi. Queria uma pa- geração, em 1997, o risco diminuiu com as altera- ra vender frutas na rua, já que tinha experiência na ções na disposição dos componentes. Mas a frota feira, no Recife. circulante de peruas “fogosas” ainda é imensa. RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO/REPRODUÇÃO ESTEVAM PAIVA/DIVULGAÇÃO - 2/8/07