1) Cinco veículos antigos foram abandonados em casas no bairro Prado em Belo Horizonte e permanecem parados há décadas.
2) Os veículos incluem um Plymouth de 1950, uma Volkswagen Kombi de 1978, um Buggy, um Chevrolet Opala e um Ford Escort.
3) Moradores contam histórias sobre os veículos, como o dono do Plymouth que afirma ter urgência para remover o carro, mas permaneceu lá por mais de 30 anos.
1. CLASSIFICADOS PA R A A N U N C I A R L I G U E ( 3 1 ) 3 2 2 8 - 1 6 6 1 ● W W W.V R U M .CO M . B R 2.460 OFERTAS
VEÍCULOS ESTADO DE MINAS
D O M I N G O , 1 8 D E M A R Ç O D E 2 0 0 7
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ABANDONADOS
Algumas pessoas têm tanto apego por seus automóveis que não se desfazem deles, nem
quando não conseguem mais rodar. Só no Prado são cinco casos, cheios de histórias
DANIEL CAMARGOS
Belmiro, o amanuense, personagem do romance muito reduzida”. O escritor encerra o capítulo três
de Cyro dos Anjos, havia tomado vários chopes no com os devaneios de Belmiro e uma citação do
Centro de Belo Horizonte. Era véspera de Natal. poema “Cota zero” de Carlos Drummond de
Pegou o bonde e desceu na Rua Erê, no Bairro Prado, Andrade: “Stop. / A vida parou / ou foi o
onde morava, junto com Francisquinha e Emília, e se automóvel?”. A primeira edição de O amanuense
pôs a divagar no alpendre. Sentado na velha cadeira Belmiro é de 1937, publicada sete anos depois do
austríaca, o pensamento ia longe, enquanto primeiro livro de Drummond, Alguma poesia, que
observava os transeuntes: “Uma fauna humana inclui o poema citado.
FOTOS ENIO GRECO/EM
no tempo
Parados
D
epois de 70 anos, quem guém. Dois pedreiros que refor- rádios populares no vidro tra-
anda pelo mesmo Prado mam o imóvel da frente atentam seiro. “Achei bonito e resolvi co-
de Belmiro pode concluir para a quantidade de gatos que lar. Também gosto de escutar
que foram os automóveis que freqüentam a casa. Willian, des- essas rádios”, justifica.
pararam. O pensamento seria confiado, atende o repórter, mas
apenas uma licença poética, mas não abre a porta. POLÊMICA Subindo a Rua Turfa e
fundamentado nos cinco carros À distância, Willian conta seguindo alguns quarteirões pe-
arraigados no solo do bairro de que o carro era uma versão de la Rua Oeste até a Rua Calcedô-
ruas com nomes de pedras e ge- luxo, equipada com rádio a vál- nia, encontra-se uma Kombi de
mas ganha tom real, colorido pe- vula e que, quando o estacio- 1978. Na esquina, três amigos
las nuanças do imaginário. Um nou, a idéia era consertá-lo, conversam e atribuem a alta da
Plymouth, uma Volkswagen mas foi adiando e o veículo gasolina a vinda do presidente
Kombi, um Buggy, um Chevrolet permaneceu ali, parado. Apesar George W. Bush ao Brasil. A as-
Opala e um Ford Escort são mui- de ter sido de seu avô e de se sertiva é consensual, mas eles
to mais do que alguns veículos pai e de ele também ter dirigi- não chegam a um acordo se a
no meio do caminho. do o carro, Willian garante que Kombi está ou não parada. De
Na antiga construção do nú- ele não tem mais valor senti- acordo com o Detran, o último
mero 87 da Rua Turfa falta cor ao mental e mais de três décadas IPVA pago foi o de 1999. Pelo vo-
conjunto casa-automóvel. O Ply- depois afirma ter “urgência pa- lume de pétalas de flores da qua-
mouth de 1950 está parado no ra tirar” o carro do quintal. resmeira roxa e de folhas que se
que seria o jardim, desde o início A desconfiança diminui e acumulam sobre a lataria e no
da década de 1970. A lataria enfer- Willian lembra quando outro au- entorno da Kombi, faz tempo
rujada compõe um quadro gro- tomóvel bateu no Plymouth. que ela permanece imóvel co-
tesco com as grades acima do “Estava atrás de um ônibus, que mo rocha na Rua Calcedônia.
muro, também deterioradas. O parou de uma vez. Eu parei atrás Um dos amigos diz que uma
mato cresce desordenado pelas e veio uma Variant e acertou a vez ou outra o dono sai com o
brechas de concreto. O amarelo traseira. A Variant ficou toda veículo para dar umas voltas. Ou-
do pouco de canjiquinha espa- amassada e o Plymouth nem ar- tro diz que é mentira, que ele só
lhada na mureta salta aos olhos e ranhou”, recorda. Ele completa, fala isso porque é amigo dos do-
indica que há vida ali. É um agra- apontando para o pára-choque nos e que, na verdade, faz alguns
do de Willian Araújo, de 58 anos, da lata-velha e diz que é “uma lâ- anos que ela está imóvel. O tercei-
morador da casa e neto do com- mina de aço que, se cair no pé de ro pergunta o número da placa
prador do carro, aos passarinhos alguém, corta-o ao meio”. do Plymouth da Rua Turfa para
que sobrevoam a área. Na frente do carro, o farol es- uma aposta no jogo do bicho. Se-
O estado do automóvel e da querdo está quebrado, falta a le- limar Fonseca Lopes, proprietária
casa desperta a curiosidade dos tra eme do Plymouth e no lugar da Kombi, encerra a questão e diz
vizinhos e causa bafafá no quar- dos vidros estão cartazes publi- que sempre sai com a Kombi,
teirão. O dono da padaria ao lado citários. O interior está depreda- mas que a estaciona na rua, por-
garante que ali não mora nin- do, pois teve o rádio e instru- que ela não cabe na garagem.
mentos roubados. Willian
amarrou a tampa do capô com
uma corrente, para não mexe-
rem no motor, mas perdeu a
chave do cadeado. Alteração
mesmo só os dois adesivos de
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Plymouth deteriora na garagem Apesar do mato sob a Kombi,
de antiga casa na Rua Turfa dona garante que veículo anda