2. BIOGRAFIA: Quarta filha do casal Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, nasce na capital paulista, em 19 de abril de 1923 . Seu pai, advogado, exerceu os cargos de delegado e promotor público em diversas cidades do interior paulista (Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga), razão porque a escritora passa seus primeiros anos da infância mudando-se constantemente. Acostuma-se a ouvir histórias contadas pelas pajens e por outras crianças. Começa a criar seu próprios contos e em 1931, já alfabetizada, escreve nas últimas páginas de seus cadernos escolares as histórias que irá contar nas rodas domésticas. As primeiras narrativas que ouviu falavam de temas aterrorizantes, com mulas-sem-cabeça, lobisomens e tempestades. Seu pai gostava de freqüentar casas de jogos, levando Lygia consigo "para dar sorte". Diz a escritora: "Na roleta, gostava de jogar no verde. Eu, que jogo na palavra, sempre preferi o verde, ele está em toda a minha ficção. É a cor da esperança, que aprendi com meu pai." Em 1936 seus pais se separam, mas não se distanciam. Ingressa, em 1940, na Escola Superior de Educação Física. Ao mesmo tempo, freqüenta o curso pré-jurídico, preparatório para a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. Inicia o curso de Direito em 1941, Ali conhece Mário e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Sales Gomes, entre outros, e integra a Academia de Letras da Faculdade e colabora com os jornais Arcádia e A Balança. Para se sustentar, trabalha como assistente do Departamento Agrícola do Estado de São Paulo. Nesse ano conclui o curso de Educação Física. Casa-se com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., seu professor na Faculdade de Direito que, na ocasião,1950, era deputado federal. Muda-se, em virtude desse fato, para o Rio de Janeiro, onde funcionava a Câmara Federal. Maria do Rosário, sua mãe, falece em 1953 e, no ano seguinte, nasce seu único filho, Goffredo da Silva Telles Neto.
3. Em 1960 separa-se de seu marido Goffredo e, no ano seguinte, começa a trabalhar como procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Dois anos depois, passa a viver com Paulo Emílio Salles Gomes. A convite do cineasta Paulo César Sarraceni e em parceria com Paulo Emílio Salles Gomes, em 1967, faz a adaptação para o cinema do romance D. Casmurro, de Machado de Assis. Esse trabalho foi publicado, em 1993, pela editora Siciliano, de São Paulo, sob o título de Capitu. Em setembro de 1977, falece Paulo Emílio Salles Gomes. Assim, a escritora assume a presidência da Cinemateca Brasileira, que Paulo Emílio ajudara a fundar. Em 1982 é eleita para a cadeira 28 da Academia Paulista de Letras e, em 1985, por 32 votos a 7, é eleita, em 24 de outubro, para ocupar a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Pedro Calmon. Sua posse só ocorre em 12 de maio de 1987. Ainda em 1985 é agraciada com a medalha da Ordem do Rio Branco. Em 1990, seu filho, Goffredo Neto, realiza o documentário Narrarte, sobre a vida e a obra da mãe. Em 1991, aposenta-se como funcionária pública. Em 1998, a convite do governo francês, participa do Salão do Livro da França. Agraciada, em março de 2001, com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB). Em 2005, recebe o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em Língua Portuguesa.
4. PRINCIPAIS OBRAS: Contos: Porão e sobrado, 1938 Praia viva, 1944 O cacto vermelho, 1949 Histórias do desencontro, 1958 Histórias escolhidas, 1964 O jardim selvagem, 1965 Antes do baile verde, 1970 Seminário dos ratos, 1977 Filhos pródigos, 1978 A disciplina do amor, 1980 Mistérios, 1981 A noite escura e mais eu, 1995 Venha ver o por do sol Oito contos de amor Invenção e Memória, 2000 Durante aquele estranho chá: perdidos e achados, 2002 Meus contos preferidos, 2004 Histórias de mistério, 2004 Meus contos esquecidos, 2005
5. PRINCIPAIS OBRAS: Romances: Ciranda de pedra, 1954 Verão no aquário, 1963 As meninas, 1973 As horas nuas, 1989
6. ENTREVISTA Publicada originalmente por Sonia Racy no jornal O Estado de São Paulo em 21/12/09. Dona de olhos fortes e sorriso terno, Lygia Fagundes Telles impressiona pela energia. Ainda se recuperando de uma cirurgia, em seu apartamento nos Jardins, em São Paulo, avisa de bate-pronto: "Já estou andando. Daqui a pouco vou sair rodopiando por aí." Formada em Direito no Largo do São Francisco, tendo juntado pela vida afora uma farta coleção de prêmios, a escritora faz jus ao título de “Dama da Literatura" - uma dama familiar, romântica e profundamente eloquente. Sobretudo quando avalia o papel da mulher atual: "Não me agrada ver a mulher agressiva, arrogante, escrava das cirurgias plásticas e da moda. Ah, tanto medo da velhice! Mas o que é isso?"Esse é o estilo de "Kuko", como a chamava carinhosamente seu segundo marido, Paulo Emílio Salles Gomes. E ela não poupa adjetivos ao se recordar do companheiro: "Foi uma relação rica, muito feliz. Dois contos que escrevi devo a ele, que me inspirou". A veia familiar também se faz presente na literatura, onde comemora, atualmente, as reedições de seus livros com o apoio da neta, Lúcia, que ajuda a revisar os textos.Homenageada na Balada Literária de 2010, ela se mostra reticente quando o assunto é política. Mas não esconde sua preferência: "Simpatizo mais com Marina Silva". A seguir trechos da entrevista.
7. Seu romance “As Meninas” foi adaptado para o teatro por Maria Adelaide Amaral. A senhora gostou da montagem?LFT - Quando a peça chegou ao fim, eu estava tão emocionada que não conseguia falar. Enxuguei as lágrimas e abracei a Maria Adelaide. O público aplaudia de pé. Pensei então no ensaísta norte-americano Ernest Becker, que já tinha anunciado: a palavra escrita (e agora, no palco) é realmente A Negação da Morte - como bem diz o título de seu livro.E como “As Meninas” escapou da censura?LFT - Porque o censor da época não chegou até a página 148 do livro, na qual reproduzi aquele panfleto. Ele achou tudo chato e não prosseguiu. Soube disso pelo Paulo Emílio, que comprou uma garrafa de vinho quando chegou em casa. "Fui hoje informado que você escapou. Ah, Kuko, vamos comemorar", ele me disse. A senhora afirmou, recentemente, que as mulheres de hoje estão com a imagem muito denegrida. O que poderia mudar? LFT - Já dizia o filósofo Miguel Reale, meu professor de Direito: "A mais importante revolução do século 20 foi a Revolução da Mulher“ Gosto de ver as mulheres dividindo o tempo com o lar - que exige atenção - e ainda batalhando bravamente lá fora, porque este País precisa dos verdadeiros lutadores. Vamos à luta! Não me agrada, isto sim, ver a mulher agressiva, arrogante. Não me agrada ver a mulher escrava das cirurgias plásticas e da moda. Ah, tanto medo da velhice... Mas o que é isto? O medo da velhice ficou ainda maior que o medo da morte? Há, sim, tantas tarefas a realizar na velhice, sem ressentimento e sem amargor.”
8. Qual o maior desafio da literatura atual?LFT - Não sei dos desafios da literatura atual, sei dos meus próprios, que não são poucos. "A confusão é geral", já dizia o nosso Machado de Assis. E isso foi há tanto tempo! Posso bem imaginar o que ele diria hoje...Como poderia definir sua relação com Paulo Emílio? LFT - Muito rica, muito feliz. Dois contos que escrevi devo a ele, que me inspirou a escrevê-los, “Helga” e “A Estrutura da Bolha de Sabão”.Como se sente, homenageada pela Balada Literária de 2010? LFT -O homenageado terá que dar seu depoimento sem a menor formalidade. Qual o objetivo? Seduzir novos leitores, leitores jovens que gostam desses encontros bem-humorados e quentes.Acha o leitor de hoje menos interessado?LFT - Escrevi há alguns anos que no Brasil havia três espécies em processo de extinção: a Árvore, o Índio e o Escritor. Hoje, já substituí o escritor pelo leitor. Está claro que não é mais o escritor que está em processo de extinção, mas sim o leitor que anda por demais fugidio. O que poderá fazer o escritor sem o leitor, que é seu cúmplice?
9. AS MENINAS Trata-se, sem dúvida, do mais importante romance de Lygia Fagundes Telles. Escrito em 1973 é resultado do esforço de três anos de trabalho dessa autora perseverante, que valoriza a palavra e mostra, por meio de seus textos, a luta de todos nós em defesa da liberdade. O texto de Lygia Fagundes Telles não cai na vulgaridade, não se banaliza. A linguagem é coloquial e expressiva e os diálogos abandonam as conveniências formais. O ano de lançamento do livro foi um dos períodos mais críticos da História de nosso país, já que a censura e a repressão do governo militar estava no auge. O livro nos traz a história de três meninas que têm o seu destino trançado, ao se encontrar em um pensionato de freiras. A partir de então, a autora nos traz o relato do dia a dia das meninas, em uma sucessão de acontecimentos e diálogos surpreendentes. Com uma dose de coragem, Lygia Fagundes Telles aborda temas polêmicos em seu livro e apresenta uma crítica velada ao sistema imposto naquele momento. Em um primeiro momento, temos a descrição das três personagens principais. Lorena é apresentada como a menina rica e cheia de ideais. Apaixonada por Marcos Nemesius, um médico casado e pai de cinco filhos, a estudante de Direito passa o livro a sonhar com um telefonema, uma visita ou mesmo um recado de seu amado, o que nunca ocorre. A segunda personagem retratada é a revolucionária Lia, chamada algumas vezes por suas amigas de Lião. Filha de uma brasileira, natural da Bahia, com um alemão ex-nazista, Lia tem seus ideais bem resolvidos e demonstra muita fibra ao persegui-los, não importando as dificuldades que tenha que superar. Estudante de Ciências Sociais, tenta a todo custo reencontrar seu namorado, um preso político que será enviado para a Argélia. Já Ana Clara é uma atormentada aluna de Psicologia que passa toda a história envolta com problemas de drogas, seu namorado traficante e alucinações com seu trágico passado.
10. Àprimeira vista, o livro parece tratar de simples banalidades, problemas de mulheres recém-saídas da adolescência e futilidades. Contudo, sob uma análise mais cuidadosa do enredo, podemos depreender uma genial crítica à ditadura e à sociedade brasileira da época. Se considerarmos cada personagem principal descrita acima como sendo um segmento da sociedade, veremos que cada papel encaixa-se com perfeição. A sonhadora Lorena seria a elite de nosso país. Uma classe rica, sonhadora e com a tendência de florear a real situação. A drogada Ana Clara encarnaria as classes média e popular, atormentada e fora de sintonia da realidade. Sempre preocupada com uma subida de nível e se torturando com o passado, ela acaba ficando em um mundo particular, distante de tudo. A lutadora Lia seria a parte da sociedade envolvida com guerrilhas, manifestações e qualquer tipo de contestação ao sistema, que tentou a todo o custo reverter a situação em curso no país. Algumas passagens do livro nos transmitem à ideia da busca da liberdade e da esperança, de voltarmos à democracia. A personagem de Ana Clara a todo o momento exclama: “Pomba”. Seria o símbolo da tão sonhada paz que a população brasileira estava clamando, mesmo que secretamente, naquele momento? Já a personagem Lorena vive a sonhar e esperar um amor impossível (Democracia?) e seu gato Astronauta que fugiu ainda filhote. Lia, desesperançosa, resolve fugir do país e encontrar com seu namorado no exterior, recurso este muito utilizado na época. Todas as passagens citadas nos mostram como foi hábil e muito inteligente Lygia Fagundes Telles. A semelhança de diversos compositores de música da época, que falavam por meio de sentido figurado para escapar da censura, Lygia aplicou um verdadeiro “drible” nos censores do regime e publicou esta obra prima da literatura brasileira.