1) O documento descreve brevemente a vida e reinado de D. Sebastião, o último rei da dinastia de Avis, que morreu na batalha de Alcácer Quibir em 1578.
2) Também resume a carreira e influência política do Cardeal D. Henrique, tio de D. Sebastião que governou Portugal como regente durante a menoridade do rei.
3) Por fim, apresenta resumidamente a figura de D. António, Prior do Crato, que reivindicou o trono português após a morte
Biografias Reis da União Ibérica ao fim da Guerra da Restauração
1. D. Sebastião
Décimo sexto rei de
Portugal, filho do príncipe D.
João e de D. Joana de Áustria,
nasceu em Lisboa a 20 de
Janeiro de 1554, e morreu em
Alcácer Quibir, a 4 de Agosto
de 1578. Sucedeu a seu avô D.
João III sendo o seu
nascimento esperado com
ansiedade, enchendo de júbilo
o povo, pois a coroa corria o
perigo de vir a ser herdada
por outro neto de D. João III,
o príncipe D. Carlos, filho de Filipe II de Espanha.
De saúde precária, D. Sebastião mostrou desde muito cedo
duas grandes paixões: a guerra e o zelo religioso. Cresceu na
convicção de que Deus o criara para grandes feitos, e, educado
entre dois partidos palacianos de interesses opostos - o de
sua avó que pendia para a Espanha, e o do seu tio-avô o
cardeal D. Henrique favorável a uma orientação nacional -, D.
Sebastião, desde a sua maioridade, afastou-se abertamente dum
e doutro, aderindo ao partido dos validos, homens da sua
idade, temerários a exaltados, que estavam sempre prontos a
seguir as suas determinações.
Nunca ouviu conselhos de ninguém, e entregue ao sonho
anacrónico de sujeitar a si toda a Berbéria a trazer à sua
soberania a veneranda Palestina, nunca se interessou pelo
povo, nunca reuniu cortes nem visitou o País, só pensando em
recrutar um exército a armá-lo, pedindo auxílio a Estados
estrangeiros, contraindo empréstimos a arruinando os cofres do
reino, tendo o único fito de ir a África combater os mouros.
2. Chefe de um numeroso exército, na sua maioria aventureiros
e miseráveis, parte para a África em Junho de 1578; chega
perto de Alcácer Quibir a 3 de Agosto e a 4, o exército
português esfomeado a estafado pela marcha e pelo calor, e
dirigido por um rei incapaz, foi completamente destroçado,
figurando o próprio rei entre os mortos.
Ficha genealógica:
D. Sebastião, nasceu em Lisboa, a 20 de Janeiro de1554;
faleceu em Alcácer Quibir, a 4 de Agosto de 1578; sepultado em
1582 no Mosteiro dos Jerónimos. Morreu solteiro e sem
descendência.
3. Cardeal D. Henrique
Filho do rei D. Manuel e
da segunda mulher deste, D.
Maria, foi o quarto na ordem
varonil dos filhos daquele
rei.
A sua educação foi
orientada para a vida
eclesiástica, recebendo sólida
cultura, que lhe foi
ministrada por sábios como
Pedro Nunes, Nicolau Clenardo
e Aires Barbosa. Um cronista
do tempo define-o como de sua
condição encolhido, e vergonhoso (...) pouco mimoso e severo,
continente e temperado nas palavras».
A sua carreira eclesiástica iniciou-se aos 14 anos, ao ser
investido como prior comendatário de Santa Cruz de Coimbra.
Seis anos depois recebeu a administração do arcebispado de
Braga. Em 1540 é feito arcebispo de Évora. Nesta cidade cria
uma pequena corte de letrados, músicos, cantores a
charameleiros, que faziam parte da sua casa episcopal. A
protecção que dispensou à cultura até 1562 permite considerá-
lo como um príncipe de ideal renascentista. Entretanto fora
nomeado, em 1539, inquisidor-geral do reino, em 1545 cardeal e
sete anos mais tarde legado apostólico em Portugal.
Em 1562 obteve a arquidiocese de Lisboa, mas doze anos
depois transferiu-se de novo para Évora. Foi graças aos seus
esforços que se criou, em 1559, uma Universidade naquela
cidade alentejana, tendo o cardeal ajudado ao desenvolvimento
dessa instituição. Como prelado e inquisidor foi defensor
extreme de princípios religiosos que concebia de forma
altamente conservadora. A sua importância política começa a
4. sobressair durante a menoridade de D. Sebastião, tendo sido
regente de 1562 a 1568, opondo-se às pretensões de D. Catarina
de Áustria, adepta da ingerência espanhola na política
portuguesa.
Nos primeiros anos após a maioridade de D. Sebastião, D.
Henrique é o seu principal orientador. Mas desentendem-se, e
partir de 1572, e o cardeal voltará a Évora onde, em Janeiro
de 1578, recusa o seu consentimento à expedição a Marrocos.
Subindo ao trono após o desastre de Alcácer Quibir, começa por
tentar resolver o problema da sucessão ao trono em termos
nacionais, convocando cortes para Almeirim a projectando o seu
casamento com a rainha-mãe de França. Mas a influência
espanhola cada vez maior em Portugal, as rivalidades entre os
vários pretendentes ao trono, a ruína financeira do País a
outros factores fizeram da última fase do reinado de D.
Henrique um período de indecisão; eximindo-se a nomear um
herdeiro da coroa, preferiu deixar o problema em suspenso,
escolhendo cinco governadores para o substituírem após a sua
morte.
Ficha genealógica:
D. Henrique, nasceu em Lisboa, a 31 de Janeiro de 1512 e
morreu em Almeirim a 31 de Janeiro de 1580. Foi sepultado na
capela-mor da igreja do Paço de Almeirim, e transferido em
1582 para o Panteão dos Jerónimos. Cardeal de Portugal,
arcebispo de Braga, Lisboa e Évora, morreu sem descendência.
5. D. António prior do Crato
Nasceu em Lisboa, filho de
uma mulher do povo e do
infante D. Luís.
Seu pai desejava que ele
seguisse a vida eclesiástica e
a sua educação processou-se em
sucessivos mosteiros e
colégios religiosos, tendo
tido por mestres o grande
humanista Fr. Diogo de Murça,
o padre Simão Rodrigues de
Azevedo, o teólogo Pedro
Margalho a D. Frei Bartolomeu
dos Mártires.
Com a morte de seu pai decide romper com a carreira que lhe
tinha sido imposta. Já prior do Crato e com as ordens de
diácono, recusa a ordenação de presbítero e comporta-se como
pessoa secular. Por esse motivo, seu tio o cardeal D. Henrique
manifesta-lhe um ódio declarado, o que o leva a exilar-se em
Castela, em várias ocasiões, durante a menoridade de D.
Sebastião. Com a subida ao trono deste monarca e gozando da
sua estima, D. António desempenha o cargo de governador de
Tânger.
Obtém, então, dispensa do papel das ordens de diácono. Toma
parte na batalha de Alcácer Quibir e é feito prisioneiro.
Resgatado, regressa a Lisboa para chefiar um dos partidos
nacionais que se opunham à candidatura de Filipe II ao trono
português. O prior do Crato baseava a sua candidatura na
situação de filho legitimado do infante D. Luís, segundo filho
de D. Manuel, uma vez que não havia descendentes directos de
D. João III. Era necessário, todavia, provar o matrimónio
secreto de seus pais. Organiza-se um processo a D. António
6. obtém uma sentença favorável, mas a actuação pessoal do
cardeal-rei, que contesta aquela decisão, culmina numa nova
sentença desfavorável.
Com a morte do cardeal, as tropas filipinas entram em
Portugal. Os partidários do prior do Crato aclamam-no rei em
Santarém; Lisboa e Setúbal recebem-no vibrantemente e, em
breve, quase todos os burgos do reino alinham a seu lado. Mas,
não dispondo de exército organizado, nem de recursos, é
derrotado na batalha de Alcântara pelo exército castelhano.
Consegue fugir com dificuldade para o estrangeiro onde, nas
cortes de França a de Inglaterra, procura obter auxílio para
lutar contra Filipe II.
Duas esquadras francesas enviadas à Ilha Terceira são
derrotadas sucessivamente pelos castelhanos. A Terceira perde-
se, como último bastião de D. António. Vivendo miseravelmente
em França, a expensas de Catarina de Médicis resolve passar à
corte de Isabel I pedindo novo auxilio. Os ingleses como
represália contra o ataque da Invencível Armada, resolvem
enviar a Portugal uma esquadra, comandada por Drake. D.
António desembarca em Peniche mas sofre novo desaire. Regressa
a França e, depois de ter conseguido um novo auxílio de
Henrique IV, morre em Paris de uma crise de uremia, sem
realizar o projecto por que tanto lutou.
Ficha genealógica:
D. António nasceu em Lisboa, em 1531, tendo falecido em
Paris, a 26 de Agosto de 1595, tendo sido enterrado no
Convento de S. Francisco da mesma cidade. Era filho natural ou
legitimado do infante D. Luís e de Violante Gomes, mulher
plebeia. Foi rei de Portugal desde 19 de Junho de 1580, data
da sua aclamação em Santarém, até à derrota de Alcântara, a 25
de Agosto seguinte.
Nunca resignou aos seus direitos e, embora exilado em
França e na Inglaterra, manteve luta armada contra Filipe II,
7. nos Açores (1582-1583) a em Lisboa (1589). De várias mulheres
teve 10 filhos, sendo os mais conhecidos:
1. D. Manuel de Portugal (n. em Lisboa, 1568; f. em
Bruxelas, a 22 de Junho de 1638), acompanhando seu pai no
exílio e vivendo em França, na Inglaterra a na Flandres. Casou
em 1597 com Emília de Nassau, princesa de Orange, dela se
separando em 1625 por motivos de ordem religiosa;
2. D. Cristóvão de Portugal (n. em Tânger, em Abril de
1573; f. em Paris, a 3 de Junho de 1638). Viveu também no
estrangeiro, sustentando a causa paterna e, após a morte de D.
António, manteve vivo o mesmo ideal.
8. Filipe II de Espanha e I de
Portugal
n. 1527
f. 13 de Setembro de 1598
O Prudente.
Nasceu em Valladolid em
1527, faleceu no Escurial a 13
de Setembro de 1598. Era filho
de Carlos V, imperador da
Alemanha, e da imperatriz D.
Isabel, filha de el-rei D.
Manuel, de Portugal.
Casou em 15 de Novembro de
1543, contando 16 anos de
idade, com a infanta D. Maria,
que também contava a mesma
idade, filha de D. João III e da rainha D.: Catarina, a qual
faleceu dois anos depois, a 12 de Julho de 1545. Ficando viúvo
aos 18 anos, Filipe assim se conservou até 1551, em que casou
com Maria Tudor, rainha de Inglaterra, e foi residir em
Londres, mas tornou-se tão pouco simpático aos ingleses, que
estes, com o maior prazer o viram partir em 1555 para os
Países Baixos, cujo governo Carlos V lhe cedeu, como
anteriormente lhe cedera, um ano antes, o governo de Nápoles e
da Sicília, e como lhe cedeu mais tarde, em 1556, a coroa de
Espanha, quando completamente abdicou para se recolher no
mosteiro de S. Justo. Filipe enviuvou também da rainha de
Inglaterra, falecida em 1558, e tornou a casar, pela terceira
vez, com a princesa de França, Isabel de Valois, filha de
Henrique II. Não seguiremos a vida deste monarca, senão depois
de se ter apoderado de Portugal em 1530.
9. Depois da morte de el-rei D. Sebastião na funesta batalha
de Alcácer Quibir, Filipe pensou na posse do trono português,
com as maiores esperanças, por ver aclamado o cardeal D.
Henrique, velho decrépito, de quem não se podia recear
sucessão. Era, porém, preciso antes da sua morte, assegurar a
posse do trono, e para isso empenhou, todos os meios, intrigas
e dinheiro para ganhar ao seu partido a corte de Portugal,
conseguindo assim chamar para seu lado muitos fidalgos
portugueses. Os pretendentes, que eram sete, disputavam entre
si a posse do reino, mas; desses sete, contavam-se cinco que
baseavam as suas pretensões em fundamentos aceitáveis. Estes
cinco eram: Filipe do Espanha, que alegava ser filho de D.
Isabel, filha primogénita de D. Manuel, que casara com Carlos
V; o duque de Sabóia dizia ser filho da infanta D. Beatriz,
filha do referido monarca, que casara com seu pai o duque de
Sabóia; D. António, prior: do Crato, alegava ser filho natural
do infante D. Luís, igualmente filho de el-rei D. Manuel; o
duque de Parma, o ser neto, por sua mãe, do príncipe D.
Duarte, filho também de D. Manuel; e a duquesa de Bragança, D.
Catarina, alegava ser filha do mesmo príncipe. Os dois, que
menos direito mostravam, eram Catarina de Medicis, rainha de
França, dizendo-se descendente de D. Afonso III e de sua
primeira mulher, a condessa Matilde de Bolonha, e finalmente o
papa, que se dizia herdeiro natural dos cardeais, e entendia
portanto dever usufruir o reino que um cardeal governava como
podia usufruir uma quinta de que fora possuidor. Os cinco
primeiros é que apresentavam títulos valiosos, e entre esses
só três disputavam seriamente entre si a coroa: Filipe, D.
António, prior do Crato, e a duquesa de Bragança. Cem a morte
do cardeal D. Henrique ainda mais se acendeu a intriga.
Cristóvão de Moura, o português renegado que estava sendo em
Portugal o agente infernal do rei de Espanha, conhecido pelo
demónio do meio-dia, enleava tudo nas redes da sua diplomacia
corruptora, espalhando ouro castelhano, com que comprava as
10. consciências que quisessem vender-se: Filipe II, em Espanha,
seguia com ansiedade a marcha dos acontecimentos, e de lá
dirigia os planos e auxiliava a politica do seu emissário. O
reino ficara, entregue a cinco governadores vendidos a
Cristóvão de Moura, os quais, receando do povo que se agitava;
hesitavam em reconhecer Filipe como rei de Portugal. Vendo
isto, o monarca castelhano dispôs-se a conquistar o reino pela
força das armas, empresa fácil, porque os governadores das
praças já eram, na maior parte, criaturas de Cristóvão de
Moura. D. António, prior do Crato, fizera-se aclamar em
Santarém, mas dispunha de poucas tropas. Apesar disso, Filipe
reuniu um poderoso exército, cujo comando confiou ao general
duque de Alba; confiou ao marquês de Santa Cruz o comando duma
esquadra, e conservou-se próximo da fronteira de Badajoz. O
duque de Alba marchou sobre Setúbal; conquistando facilmente o
Alentejo, atravessou para Cascais na esquadra do marquês de
Santa Cruz, marchou sobre Lisboa, derrotou o prior do Crato na
batalha de Alcântara, a 4 de Agosto de 1580, perseguiu-o até à
província do Minho, e preparou enfim o reino para receber a
visita do seu novo soberano. (V. António, D.).
Filipe, em 9 de Dezembro, atravessou a fronteira, entrou em
Elvas, onde se demorou dois meses recebendo nesta sua visita
os cumprimentos dos novos súbditos, sendo um dos primeiros que
o veio saudar o duque de Bragança. A 23 de Fevereiro de 1581
saiu de Elvas, atravessou triunfante e demoradamente todo o
país, e a 16 de Março entrou em Tomar, para onde convocara
cortes, e ali distribuiu as primeiras recompensas, e ordenou
os primeiros suplícios e confiscos, e recebeu a notícia de que
todas as colónias portuguesas haviam reconhecido a sua
soberania, exceptuando a ilha Terceira, onde se arvorara a
bandeira do prior do Crato, que fora ali, jurado rei de
Portugal a 16 de Abril de 1581. Nessas cortes prometeu Filipe
II respeitar os foros e as isenções de Portugal, e nunca lhe
dar para governador senão um português ou um membro da família
11. real. Entendendo que devia demorar-se algum tempo no
território português, expediu de Lisboa as tropas que
subjugaram, depois de porfiada luta, a resistência da ilha
Terceira, em que D. António fora auxiliado pela França, e só
partiu para Espanha, quando a vitória naval de Vila Franca, em
que o marquês de Santa Cruz destroçou a esquadra francesa em
26 de Julho de 1582, lhe garantiu a definitiva submissão da
referida ilha. Nomeando para vice-rei de Portugal seu
sobrinho, o cardeal-arquiduque Alberto, e depois lhe ter
agregado um conselho de governo, e de ter nomeado os membros
do conselho de Portugal, que devia funcionar em Madrid, partiu
finalmente a 11 de Fevereiro de 1583 para Espanha. A 29 de
Agosto conquistava o marquês de Santa Cruz a ilha Terceira. A
nova monarquia hispano-lusitana era opulentíssima; abrangia na
Europa toda a península ibérica, Nápoles, Sicília, Milão,
Sardenha e Bélgica actual; na Ásia as feitorias portuguesas da
Índia, da Pérsia, da China, da Indochina, e a da Arábia; na
África: Angola, Moçambique, Madeira. Cabo Verde, S. Tomé e
Príncipe, Canárias, toda a América menos algumas das Antilhas,
parte dos actuais Estados Unidos e o Canadá, e urnas porções
de terrenos na Guiana; na Oceânia tudo o que então havia
conhecido e pertencente aos europeus. Nenhuma outra nação ali
fora ainda assentar domínio. As Molucas eram a parte mais
importante dessas possessões.
A Europa principiou a assustar-se com este poderio
colossal, receosa de que por este caminho Filipe chegasse a
realizar o sonho ambicioso de monarquia universal. Sucederam
se então importantes acontecimentos políticos, em que a
Inglaterra aproveitou para se vingar de Filipe, de quem se
considerava ofendida. As coisas complicaram-se gravemente
porque Isabel, de Inglaterra, mostrou-se disposta a auxiliar
as pretensões do prior do Crato, e o almirante Drake, por
ordem superior, invadiu as colónias espanholas, que eram
também as portuguesas, saqueando Cabo Verde, tomando o castelo
12. do Cabo de S. Vicente, e apresando quantos galeões americanos
cruzavam nos mares dos Açores. Foi então que Filipe organizou
a célebre Armada Invencível, comandada pelo duque de Medina
Sidónia, que uma tempestade aniquilou por completo, em Junho
de 1588. (V. Armada Invencível). As ambições de Filipe II
foram profundamente ruinosas para as nossas colónias. Em 1589
fechara aos ingleses os Portos portugueses e em 1591 fechou-os
também aos holandeses Daí resultou que não podendo nem uns nem
outros vir buscar a Portugal os géneros do Oriente, lembraram-
se de ir à, fonte desse comércio. Os holandeses começaram a
aparecer no seu tempo no Oriente, onde a nossa decadência era
sensível, e onde depois da perda da nossa independência só
dois capitães ilustres, D. Paulo de Lima Pereira e André
Furtado de Mendonça, tinham mantido nobremente a honra da
bandeira portuguesa. Os ingleses salteavam as nossas
possessões mais próximas, Cabo Verde e os Açores, mas não
tardariam também a aparecer no Oriente favorecendo a natural
reacção dos indígenas contra o nosso domínio.
Em Portugal houve duas tentativas de revolta, promovidas
pela aparição de dois homens em quem o povo julgou ver D.
Sebastião, e que por isso tiveram a denominação de rei de
Penamacor e de rei da Ericeira. O motim promovido por este
último tomou proporções gravíssimas, e foi reprimido dum modo
sanguinário e violentíssimo. Filipe II, apesar da destruição
da Armada Invencível, não desistiu das suas expedições contra
a Inglaterra, e ainda em 1596 enviou urna à Irlanda que também
os temporais dispersaram, perdendo a Espanha neste desastre 40
navios. Filipe enviuvou pela terceira vez, e casou novamente
com uma segunda prima, Ana de Áustria, que faleceu em 1580,
quando estava com seu marido em Badajoz, seguindo o progresso
das armas castelhanas em Portugal, deixando-o pela quarta vez
viúvo. Filipe II teve uma série de primeiros-ministros
notáveis: o duque de Alba, que morreu em Lisboa dois anos
depois da conquista; o príncipe de Eboli que morreu muito
13. antes do rei; António Peres, que lhe sobreviveu, mas que ele
perseguiu implacavelmente; o cardeal de Granville, que depois
de ter perdido todo o valimento, o recuperou e foi chamado de
Nápoles para ficar como regente do reino em Madrid, enquanto o
rei vinha a Portugal; e Cristóvão de Moura, que foi o valido
da última hora, o que recebeu o seu derradeiro suspiro e as
suas derradeiras confidencias. Pouco tempo antes de morrer, o
cardeal-arquiduque Alberto, vice-rei de Portugal, fora nomeado
soberano de Flandres, e para o substituir em Portugal nomeou
um conselho composto do arcebispo de Lisboa, dos condes de
Portalegre, de Sabugal e de Santa Cruz, e de Miguel de Moura.
Foi este o último acto importante do seu reinado.
Com a Universidade de Coimbra deu-se o seguinte facto, logo
no começo do reinado de Filipe. Em Fevereiro de 1580, pouco
depois da morte do cardeal rei D. Henrique, apresentou-se ao
claustro da Universidade o Dr. João Nogueira, com uma provisão
dos governadores do reino, na qual permitiam a todos os
lentes, que não fossem desembargadores, dar o seu parecer
dentro de oito dias, sobre a sucessão do trono. Quis, porém, a
má estrela da Universidade, que D. António, prior do Crato,
lhe escrevesse uma carta, datada de Santarém aos 20 de Junho
do mesmo ano, dando conta de ter sido aclamado rei em diversos
lugares do reino. A Universidade resolveu em claustro que se
fizesse uma procissão, em acção de graças, desde a sua capela
até Santa Cruz; e no mesmo claustro foram eleitos, para irem
dar obediência ao nosso rei, reconhece-lo como tal e fazer-lhe
a entrega da protectoria, o reitor Fernão Moniz Mascarenhas e
Fr. Luís Sotto-mayor. Em 13 de Dezembro voltou o reitor, disse
em claustro que era desnecessário dar conta do desempenho da
sua missão, pois de todos era já sabido que o rei de Castela
estava reconhecido como rei de Portugal. Em vista desta
declaração deliberou-se que o próprio reitor, encarregado
havia pouco de cumprimenta o prior do Crato, fosse agora com
os lentes da sua escolha, dar obediência a Filipe I. Este acto
14. cerimonial realizou-se em Elvas a 20 de Dezembro de 1580,
sendo a Universidade representada por D. Jorge de Ataíde e D.
Afonso Castelo Branco. Tornou-se a fazer outra procissão
solene, quando o reitor, em voltando, trouxe carta de el-rei,
datada de Elvas a 25 de Fevereiro de 1581, na qual significava
o contentamento que sentira pela obediência da Universidade, e
com o ser declarado seu protector. Mas Filipe não era homem
que deixasse sem castigos os sentimentos que a Universidade
manifestara ao prior do Crato. Pedro de Alpoim, colegial de S.
Pedro e lente do Código, foi degolado em Lisboa; Fr. Luís de
Sotto-mayor privado da cadeira grande de Escritura; Fr.
Agostinho da Trindade, da de Escoto; Fr. Luís foi depois
restituído, mas Fr. Agostinho ausentou-se para França, e foi
lente de Teologia na Universidade de Tolosa; João Rodrigues de
Vasconcelos, que trouxera a carta do prior do Crato, foi preso
e morreu na prisão. Outro facto é também digno de narrar-se;
pela provisão de 9 de Março de 1583 foi Manuel de Quadros
nomeado visitador e reformador da Universidade; tomou posse do
cargo e prestou, juramento a 21 de Março do mesmo ano. O
visitador vinha encarregado de construir escolas para a
Universidade, mas os seus esforços estacaram afinal pela falta
de dinheiro. A Universidade pediu a Filipe I que lhe cedesse
os paços reais para neles se assentarem as escolas, que lá
estavam havia já 40 anos. O rei respondeu, em 30 de Setembro
do referido ano de 1583, que, embora desejasse fazer muitas
mercês à Universidade, não era conveniente a seu serviço dar-
lhe os seus paços, que aliás, em sendo desocupados pela
Universidade, tencionava mandar concertar, para poder em algum
tempo ir a eles, como desejava. Filipe nunca realizou o desejo
que disse ter de ir aos paços de Coimbra. Anos depois, em
1597, o mesmo monarca vendeu à Universidade esses mesmos paços
por 30 mil cruzados. Neste sentido foi expedido um alvará em
17 de Maio de 1597, e se fez a carta de venda, em nome de el-
rei, a 16 de Setembro do mesmo ano. No reinado de Filipe I
15. recebeu a Universidade estatutos por duas vezes, uma em 1592,
sendo trazidos de Madrid pelo Dr. António Vaz Cabaço,
resultantes da reformação operada por Manuel de Quadros;
outra, os novos estatutos confirmados em 8 de Junho de 1597, e
trazidos de Madrid pelo Dr. Rui Lopes da Veiga.
Filipe I, o rei ambicioso e desumano, que todos esmagava
com o seu feroz despotismo, faleceu coberto de vermes e de
úlceras, depois dum doloroso e demorado sofrimento.
16. Filipe III de Espanha e II de
Portugal
n. 1578
f. 31 de Março de 1621
O Pio. Nasceu em Madrid em
1578, onde também faleceu em
31 de Março de 1621. Era filho
de Filipe II, e de sua quarta
mulher, D. Ana de Áustria.
Subiu ao trono em 1598,
contando 20 anos de idade.
Tinha um carácter fraco,
apático e irresoluto, e foi
completamente dominado pelo
seu ministro duque de Lerma,
D. Cristóvão de Moura, que
fora elevado a marquês de Castelo Rodrigo, e nomeado vice-rei
de Portugal, o que muito indignou os portugueses, apesar da
sua administração ser das mais hábeis, segundo consta. O duque
de Lerma procurava um pouco favorecer Portugal e cimentar a
união dos dois reinos da península, adoptando medidas de
grande importância. Assim tratou tanto quanto possível do
desenvolvimento da marinha, aboliu os Portos secos, as
alfândegas, abriu os Portos de Portugal ao comércio inglês, e
por algum tempo também os abriu ao comércio holandês, mas essa
ultima medida pouco tempo durou, o que prejudicou muito
Portugal. Em 1609, vendo que não podia lutar por mais tempo
com os estados da Holanda, assinou com eles uma trégua de doze
anos, mas tão ineptamente procedeu o marquês de Castelo
Rodrigo que, assinando a trégua na Europa, deixou que
continuassem as hostilidades nas colónias, onde mais
prejudiciais eram ao país. Por essa mesma época publicou
17. Filipe III um edito expulsando definitivamente de Espanha os
descendentes dos mouros. Depois da conquista de Granada por
Fernando o Católico, esses moiros tinham sido forçados a
abraçar o Cristianismo, formavam uma massa de população
submissa, industriosa, cultivando admiravelmente a terra e
enriquecendo o Estado, mas o fanatismo espanhol não lhes
perdoava a sua origem. A sua expulsão foi uma grande
fatalidade para a península, que perdeu perto de um milhão doa
seus habitantes mais industriosos, e arruinou a sua
agricultura e a sua indústria. Desses desgraçados, os que se
recusavam a abandonar a pátria, eram perseguidos como feras e
assassinados, ficando somente as crianças de menos de 7 anos,
que se venderam como escravas, depois de se baptizarem. Esta
expulsão dos moiros não foi movida só pelo fanatismo, porque
Filipe III tratava ao mesmo tempo com os judeus de Portugal
para os proteger contra os rigores da Inquisição, a troco dum
subsídio importante. Ao marquês de Castelo Rodrigo sucedera no
governo de Portugal o bispo de Coimbra, a este o bispo de
Leiria, voltara depois ao marquês, novamente ao bispo de
Leiria, ao arcebispo de Braga, ao arcebispo de Lisboa, e
finalmente ao marquês de Alenquer, espanhol de origem, e que
por conseguinte estava completamente fora das condições
estipuladas pelas cortes de Tomar. O descontentamento dos
portugueses era geral, e Filipe III, que não o ignorava,
empreendeu uma viagem a Portugal, resolução que muito aplaudiu
o novo ministro e valido, o duque de Uzeda, filho do duque de
Lerma, que descaíra do valimento real, e se havia afastado da
corte. A viagem realizou-se em 1619. Dela ficou a
interessantíssima narrativa ilustrada de João Baptista
Lavanha, e que, embora impressa em Madrid, o foi à custa da
cidade de Lisboa. O soberano foi acolhido por toda a parte com
o maior entusiasmo, as câmaras e as corporações portuguesas
gastaram enormes somas para uma pomposa recepção, esperando
grandes proveitos desta viagem, imaginando que o soberano
18. daria providencias contra os danos de que todos se queixavam
das arbitrariedades dos governadores. Filipe III, porém, nada
fez, nem sequer soube cativar simpatias. Insinuou-se-lhe que
fizesse de Lisboa a capital da vasta monarquia espanhola, e
Filipe nem se dignou responder; os fidalgos e os
jurisconsultos queixaram-se de que nem recebiam mercês, nem
eram empregados nos tribunais, nas embaixadas, nas
universidades espanholas, e Filipe não fez o mínimo caso
destas reclamações. O duque de Uzeda, muito menos hábil que
seu pai tratou com aspereza o duque de Bragança, que viera
também prestar homenagem à majestade castelhana. Depois de
estar alguns mexes em Lisboa, sem fazer mais do que causar
grandes despesas aos seus súbditos portugueses, Filipe
retirou-se em Outubro do referido ano de 1619, deixando
Portugal descontentíssimo, agravando-se ainda mais esse
descontentamento, depois da sua saída, com a recondução do
marquês de Alenquer no cargo de vice-rei de Portugal. Na
Índia, contudo, mantinha-se o nosso domínio, ainda que, a
muito custo; os holandeses já tinham tentado tomar-nos as
Molucas, Malaca e Moçambique, mas batidos por André Furtado de
Mendonça e Estêvão de Ataíde, haviam desistido dessa empresa.
Na América também os holandeses ainda não tinham atacado as
nossas colónias. Filipe III casou com D. Margarida de Áustria,
filha do arquiduque Carlos, no dia 18 de Abril de 1599. Ao
sair de Portugal Filipe adoeceu gravemente em Covarrubias, e
nunca mais se restabeleceu, falecendo pouco mais dum anuo
depois. Diz-se que a sua morte foi devida ao rigor de
etiqueta, porque sentindo-se muito incomodado com o calor dum
braseiro, teve de o suportar enquanto não apareceu o fidalgo,
que pela sua hierarquia, segundo as praxes palacianas, era
encarregado de o fazer remover para outro lugar. No Panorama,
vol. II da 2.ª série, 1843, a pág. 218, 238 e 253, vem uma
narrativa intitulada O Brazeiro, em que se descreve este
facto. No seu reinado publicou-se a reforma das Ordenações do
19. reino, que Filipe II tratou logo no começo do seu reinado;
apesar de já estar concluída em 1597, só veio a publicar-se em
1603. São as conhecidas ordenações denominadas Filipinas, e
que na ordem dos tempos foram precedidas pelas intituladas
Afonsinas e Manuelinas.
20. Filipe IV de Espanha e III de
Portugal
n. 8 de Abril de 1605
f. 7 de Setembro de 1665
O Grande. Nasceu em Madrid
a 8 de Abril de 1605, onde
também faleceu a 7 de Setembro
de 1665. Era filho de Filipe
III, de Espanha, e da rainha
sua mulher, D. Margarida de
Áustria.
Em 14 de Julho de 1619 foi
jurado príncipe de Portugal, e
aos 16 anos de idade, em 1621,
sucedeu no trono por morte de
seu pai. Logo no começo do seu
reinado chamou para junto de si D. Gaspar de Guzman, que fez
conde-duque de Olivares, que se tornou o seu ministro e valido
homem em que depositava a maior confiança e a quem entregou
completamente a administração dos negócios do Estado. O novo
valido era mais activo e mais inteligente que os anteriores
ministros, os duques de Lerma e de Uzeda, mas pela sua má
política, foi mais prejudicial do que eles ao rei e aos países
que governava. Julgando conseguir os seus fins adoptando
medidas rigorosas, tomou tais providências com relação a
Portugal, que provocou a maior resistência. O que os
portugueses aceitaram de bom grado, serenando mais os ânimos
irrequietos, foi a demissão do marquês de Alenquer, que era o
vice-rei de Portugal, substituindo-o por uma junta de três
membros, composta do conde de Basto, D. Nuno Alvares Portugal
e o bispo de Coimbra. Seria decerto um bom ensejo para se
entrar numa politica conciliadora, muito mais, conhecendo-se a
21. irritação que lavrava em Lisboa e nas províncias, mas o conde-
duque não viu ou não quis ver a gravidade da situarão, e
seguiu um caminho cheio de precipícios. Promulgou, em nome do
rei, decretos sobre bens da Coroa, sobre a fiscalização
financeira, que feria os interesses do povo, decretos que
começaram a suscitar grande indignação; arrancou tributos ao
país, a título de subsídios voluntários, publicou fechar outra
vez os Portos do reino aos holandeses, medidas que muito
contribuíram para a ruína do país, que tivera algumas
esperanças de lucrar com a actividade e inteligência do novo
ministro e valido. A esta situação pouco tranquilizadora
sobrevieram factos que seriamente inquietavam o conde-duque, e
que o obrigaram a empregar toda a energia.
A trégua com as Províncias Unidas estava concluída, e a
luta recomeçava não muito desvantajosa na Europa, onde Spínola
mantinha o prestigio das armas espanholas, mas nas colónias,
onde o desmoronamento estava sendo completo, principalmente
nas colónias portuguesas menos protegidas que as de Espanha,
pelo egoísmo inepto do governo de Madrid. Em 1623, Ormuz caiu
em poder dos persas auxiliados pelos ingleses; em 1624, os
holandeses tomaram Baía; no entretanto, Macau e a Mina foram
heroicamente defendidas; repeliram os holandeses, e a Baia
foi-lhes reconquistada em 1625, por uma forte esquadra, que o
conde-duque de Olivares mandou rapidamente aprestar, com o
auxílio do patriotismo português, então vivamente excitado.
Contudo, o ministro bem calculava que os holandeses deveriam
continuar a inquietá-lo, porque a França aliara-se com os
protestantes da Alemanha, com a Dinamarca e a Holanda, sendo
um dos planos desses aliados o enfraquecimento da Espanha
pelos repetidos assaltos dados ás suas colónias pelas
esquadras holandesas. Para resistir àquela aliança, entendeu
Olivares que devia ligar fortemente os diferentes reinos que
constituíam a monarquia espanhola, quebrando os foros e as
isenções que cada um deles guardava com a maior tenacidade.
22. Para realizar esse plano começou por enfraquecer os diversos
reinos, exigindo-lhes pesados impostos, especialmente a
Portugal, que no plano tributário ocupava o primeiro lugar. O
conde-duque de Olivares, de tal forma o oprimiu que o povo se
revolucionou, cansado de tantas violências. Não tendo já sobre
que lançar impostos, chegou até a tributar as maçarocas, o que
amotinou as regateiras do Porto, que correram à pedrada
Francisco de Lucena, que fora ali encarregado de distribuir e
cobrar o novo imposto. (V. Maçarocas, imposto das). Os
governadores do reino, o conde de Basto e D. Afonso Furtado de
Mendonça eram os primeiros a protestar contra os inauditos
tributos e tão repetidas vexações, ponderando ao governo de
Madrid que o povo, já tão oprimido e massacrado, poderia
reagir energicamente, mas os seus protestos não foram ouvidos,
e o implacável ministro castelhano ainda mais agravou os
impostos, recomendando aos agentes fiscais que procedessem com
o máximo rigor contra os que não pagassem pontualmente. Era
duma sofreguidão insaciável; Olivares empregava mil formas
para arrancar dinheiro a Portugal, já alcançando dos cristãos
novos milhão e meio de cruzados a troco de um indulto que lhes
oferecia, já levantando empréstimos, que eram verdadeiros
tributos, já promovendo subscrições, a que dava o nome de
voluntárias, a pretexto de socorrer as colónias. As ordens do
conde-duque de Olivares tinham hábeis executores em Diogo
Soares, secretário do conselho de Portugal em Madrid, e no seu
parente, o celebre Miguel de Vasconcelos, nomeado escrivão de
fazenda e secretário de Estado de Portugal, quando a duquesa
de Mântua, parenta de el-rei, foi nomeada em 1631 vice-rainha
de Portugal.
Este homem tornou-se justamente odioso aos portugueses pelo
modo como desempenhava a sua missão de secretário de Estado.
Os impostos eram cada vez mais odiosos. Olivares tivera a
ideia de obrigar os portadores de títulos de divida publica a
um empréstimo forçado, mandando que os tesoureiros das
23. alfândegas retivessem um trimestre de juros aos portadores, a
quem os pagavam. Com esta simplicidade entendia também Miguel
de Vasconcelos que se deviam cobrar os tributos. Foi ele quem
lembrou que, em vez de se lançarem tributos novos neste ou
naquele género, se lançasse ao reino de Portugal uma finta de
500:000 cruzados, finta que as câmaras distribuiriam depois
entre os contribuintes como lhes aprouvesse. A paciência
popular estava esgotada; de tantos sacrifícios e vexames
resultara o povo revolucionar-se. Em Évora romperam os
tumultos e com Poda a energia, em que tanto se salientou o
celebre Manuelinho de Évora. Contudo, tomaram um carácter
exclusivamente democrático, que foi muita prejudicial, porque
a nobreza em vez de se aliar à insurreição, viu-se insultada
pelo povo, e o mais que pôde fazer, em atenção ao patriotismo,
foi apresentar-se como medianeira deixando a revolução
entregue ás suas próprias forças, mas o movimento propagou-se
com bastante rapidez no Alentejo, Algarve, Porto e em alguns
pontos do Minho. Faltava, porém, um chefe, direcção e unidade
neste ímpeto revolucionário. Olivares aproveitou-o como
pretexto para trazer tropas castelhanas a Portugal, punindo
severamente os revoltosos de Évora, e tornando ainda mais
despótico e opressor o jugo que fazia pesar sobre Portugal.
Esperava que o povo português reagisse de novo, dando-lhe
pretexto para poder aniquilar completamente a nossa autonomia.
Tomara para isso todas as precauções necessárias. Fora
chamando a Espanha pouco a pouco os principais fidalgos
portugueses, invocando diferentes pretextos, mas na realidade
para tirar à revolução, que esperava, os seus naturais chefes;
mandava alistar em Portugal terços que remunerava bem para
irem servir em Flandres, apoderava-se de todos os navios
portugueses, e dera ordem à, esquadra de D. António de Oquendo
que viesse para Lisboa, afim de dar força à proclamação da
união definitiva de Portugal com a Espanha.
24. Receando que o duque de Bragança se resolvesse a capitanear
uma insurreição, resolveu Olivares enleá-lo de tal modo que,
ou se declarasse formalmente em oposição ao governo espanhol,
e então seria um pretexto para o obrigar a sair do reino, ou
se tornasse cúmplice do domínio espanhol, fazendo-se executor
das suas ordens mais odiadas. D. João aceitou o cargo de
presidente de uma junta de defesa do reino, e nessa qualidade
veio até Almada, onde os fidalgos lhe pediram para tomar a
Coroa. D. João recusou, mas se a sua timidez o impedia de se
lançar no caminho da revolução, o seu natural bom senso fazia
com que se escapasse dos laços de Olivares, e evitasse a
posição falsa em que o ministro castelhano o pretendia
colocar, procedendo de modo que todos percebessem que ele
andava ali forçado e tratando dos interesses do nosso país.
Procurando por todas as formas desprestigiar, desmoralizar e
enfraquecer Portugal, Olivares não hesitava em recomendar a
Miguel de Vasconcelos que promovesse tanto quanto possível a
desonra e o descrédito das famílias nobres; fazendo com que se
lhes seduzissem as filhas, indicação que pareceria fantasiada,
se não estivesse publicada a correspondência sobre este
assunto, entre Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos. Os planos
do conde-duque de Olivares não se realizaram, porque a
esquadra do almirante Oquendo foi derrotada pelos holandeses
na batalha do Canal, porque a guerra dos Trinta Anos
recrudesceu, achando-se a Espanha a braços com todo o poder da
França, porque a Catalunha, que via os seus foros já
suprimidos violentamente por Olivares, respondeu à opressão
com a revolução, e, expulsando o vice-rei e as tropas
castelhanas, declarou-se em insurreição aberta. Os
acontecimentos das colónias, que estavam cada vez em piores
circunstâncias, tendo-nos tomado os holandeses Pernambuco,
Paraíba, Maranhão, S. Jorge da Mina e Malaca, indignavam
seriamente os portugueses que já tinham reagido com toda a
energia contra a imprudência com que o conde-duque de Olivares
25. quisera mandar em socorro do México uma esquadra, equipada à
custa do tesouro português e destinada ao Brasil.
A notícia da insurreição da Catalunha veio agitar ainda
mais a opinião pública. Olivares aproveitou esse acontecimento
para arrancar mais tropas a Portugal, e chamar a Madrid
quantos fidalgos pôde, sendo o primeiro que chamou o duque de
Bragança. Em Lisboa conspirava um grupo de fidalgos de acordo
com João Pinto Ribeiro, procurador do duque de Bragança, para
lhe darem a Coroa. D. João, vendo que não podia desobedecer ás
ordens do governo de Espanha, que o chamava a Madrid, senão
pondo-se à frente da revolução, deu o seu consentimento, e o
glorioso dia primeiro de Dezembro de 1640 raiou finalmente, em
que Portugal readquiriu a sua independência depois de tio anos
de ignominiosa opressão sob o domínio de três monarcas
castelhanos. Filipe IV de Espanha e III de Portugal, enquanto
o seu ministro e valido conde-duque de Olivares governava
abertamente, cavando com os seus planos e as suas teorias a
ruína de Espanha, empregava o tempo divertindo-se, caçando,
escrevendo comédias, namorando actrizes, com especialidade
Maria Calderon, de quem teve um filho, que foi depois D. João
de Áustria, um dos generais espanhóis de maior nomeada; e
fazia-se retratar por Velásquez e Rubens. Apesar da sua
indiferença, causou-lhe uma certa sensação a perda de
Portugal, e desde então começou a desgostar-se do valido, que
não tardou a substituir por D. Luís de Haro. Deram-se em
seguida grandes batalhas, como as das Linhas de Elvas, do
Ameixial, de Castelo Rodrigo, terminando a campanha da
Independência com a de Montes Claros, em 1665.
Filipe faleceu pouco depois desta batalha. Tinha casado com
D. Isabel de Bourbon, filha de Henrique IV, de França.
26. D. João IV
Filho de D. Teodósio,
duque de Bragança e de D. Ana
Velasco, casou em 1633 com D.
Luísa de Gusmão, espanhola da
casa de Medina Sidónia.
Já em 1638, os conjurados
da Revolução de 1640 tinham
procurado obter a aceitação de
D. João para uma revolta
contra Espanha. Mas as
hesitações, ou cautelas, do
duque fizeram levantar a
hipótese de se conseguir o
regresso do infante D. Duarte, solução que falhou, tendo-se
mesmo encarado a instauração de uma república, nos moldes da
das Províncias Unidas.
A verdade é, que depois da sua aclamação como rei a 15 de
Dezembro de 1640, todas as hesitações desapareceram e D. João
IV fez frente às dificuldades com um vigor que muito
contribuiu para a efectiva restauração da independência de
Portugal. Da actividade global do seu reinado, deveremos
destacar o esforço efectuado na reorganização do aparelho
militar - reparação das fortalezas das linhas defensivas
fronteiriças, fortalecimento das guarnições, defesa do
Alentejo e Beira e obtenção de material e reforços no
estrangeiro; a intensa e inteligente actividade diplomática
junto das cortes da Europa, no sentido de obter apoio militar
e financeiro, negociar tratados de paz ou de tréguas e
conseguir o reconhecimento da Restauração; a acção
desenvolvida para a reconquista do império ultramarino, no
Brasil e em Africa; a alta visão na escolha dos colaboradores;
27. enfim, o trabalho feito no campo administrativo e legislativo,
procurando impor a presença da dinastia nova.
Quando morreu, o reino não estava ainda em segurança
absoluta, mas D. João IV tinha-lhe construído umas bases
suficientemente sólidas para vencer a crise. Sucedeu-lhe D.
Afonso VI, seu segundo filho.
Ficha genealógica:
D. João IV nasceu em Vila Viçosa, a 19 de Março de 1604 e
morreu em Lisboa, a 6 de Dezembro de 1656, tendo sido
sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora. Era filho de D.
Teodósio II, 7 ° duque de Bragança, e de sua mulher, D. Ana de
Velasco. Do seu casamento, celebrado em 12 de Janeiro de 1633,
com D. Luísa Francisca de Gusmão, que nasceu em San Lucar de
Barrameda, a 13 de Outubro de 1613, e morreu em Lisboa a 27 de
Outubro de 1666, filha do 8 ° duque de Medina-Sidónia, D. Juan
Manuel Pérez de Guzman, e da duquesa D. Joana de Sandoval,
nasceram:
1. D. Teodósio, que nasceu em Vila Viçosa a 8 de Fevereiro
de 1634 e morreu em Lisboa, a 13 de Maio de 1653. Foi 9 °
duque de Bragança e príncipe do Brasil, em 1645;
2. D. Ana, que nasceu em Vila Viçosa, a 21 de Janeiro de
1635 e morreu no mesmo dia; estando enterrada no Convento das
Chagas daquela vila;
3. D. Joana, que nasceu em Vila Viçosa a 18 de Setembro de
1635 e morreu em Lisboa, a 17 de Novembro de 1653; sepultada
no Mosteiro dos Jerónimos e mais tarde trasladada para o
Mosteiro de S. Vicente de Fora;
4. D. Catarina, que nasceu em Vila Viçosa, a 25 de Novembro
de 1638 e morreu em Lisboa, a 31 de Dezembro de 1705. Foi
sepultada no Mosteiro dos Jerónimos e mais tarde trasladada
para o Mosteiro de S. Vicente de Fora. Foi rainha de
Inglaterra pelo seu casamento, em 1661, com o Carlos II, rei
de Inglaterra, que morreu em 16 de Fevereiro de 1685;
28. 5. D. Manuel, que nasceu em Vila Viçosa, a 6 de Setembro de
1640 e faleceu no mesmo dia, tendo sido sepultado no Convento
de S. Francisco daquela vila;
6. D. Afonso VI, que herdou a coroa;
7. D. Pedro II, que sucedeu ao precedente;
Teve D. João IV uma filha ilegítima, de mãe desconhecida:
8. D. Maria, que nasceu em Lisboa, a 30 de Abril de 1644, e
morreu em Carnide, a 7 de Fevereiro de 1693, no Convento de S.
João dos Carmelitas Descalços. Foi reconhecida pelo
progenitor, o qual lhe fez mercê das vilas de Torres Vedras e
Colares e dos lugares de Azinhaga e Cartaxo, tendo-se dado à
vida religiosa.
29. D. Afonso VI
Rei de Portugal.
Sexto filho de D. João IV
e de D. Luísa de Gusmão.
Atacado na infância por
doença não identificada, fica
mental e fisicamente
diminuído. Com a morte de seu
irmão D. Teodósio e de seu
pai, sobe ao trono com treze
anos, pelo que a regência
ficou entregue a sua mãe. O
rei foi crescendo, rebelde a
toda a acção educadora,
levando uma vida desregrada e manifestando-se perfeitamente
incapaz para assumir as responsabilidades do governo.
Um dos seus companheiros, na vida de arruaceiro que levava,
António Conti, italiano de origem, insinuou-se-lhe de tal
maneira que em breve passou a viver no Paço, a convite de D.
Afonso VI e a ter influência nos negócios do governo do reino.
O escândalo aumentou a um ponto que D. Luísa de Gusmão fez
jurar herdeiro do trono o infante D. Pedro e António Conti foi
preso. Logo a seguir, o conde de Castelo Melhor executa um
golpe de Estado, compelindo D. Luísa a entregar o governo a D.
Afonso VI e forçando-a a retirar-se para um convento.
Nas boas graças do rei, Castelo Melhor lança-se na sua
curta a brilhante carreira política, terminando vitoriosamente
com a guerra da Restauração e conseguindo casar D. Afonso com
Mademoiselle de Aumale. Em breve a nova rainha entra em
conflito com Castelo Melhor.
Giza-se nova conspiração no paço, de que resulta a demissão
do conde e a abdicação de D. Afonso VI. D. Pedro toma as
rédeas do poder, casa com a cunhada, depois da anulação do
30. casamento desta com D. Afonso e este último é desterrado para
Angra do Heroísmo em 1669, donde regressa em 1674, sendo então
encerrado no Palácio de Sintra até à sua morte.
Ficha genealógica:
D. Afonso VI nasceu em Lisboa, a 12 de Agosto de 1643 e
morreu em Sintra, a 12 de Setembro de 1683, tendo sido
sepultado no Mosteiro dos Jerónimos e trasladado para o
Mosteiro de S. Vicente de Fora. Casou em 1666 com D. Maria
Francisca Isabel de Sabóia, que nasceu em Paris, a 21 de Junho
de 1646, e morreu em Lisboa, a 27 de Dezembro de 1683, estando
sepultada na igreja do Convento das Francesinhas e trasladada
em 1912, para o Mosteiro de S. Vicente de Fora, filha de
Carlos Amadeu de Sabóia, duque de Nemours, e de Isabel de
Vendôme. Morreu sem descendência.
31. D. Pedro II
Último dos sete filhos de
D. João IV, quarto na ordem de
sucessão, nascido em 1648, foi
vigésimo terceiro rei de
Portugal e o terceiro da
Dinastia de Bragança, pelo
imperativo duma solução
política de emergência na mais
grave conjuntura das primeiras
décadas da Restauração, tão
recente como ainda
periclitante.
Um signo funesto parecia
pesar sobre os destinos da nascente dinastia. Não desistia o
orgulho da Espanha de eliminá-la radicalmente por guerra de
reconquista. Consumira-se o fundador, exausto na luta, sem ter
podido consolidá-la. Por cúmulo, três anos antes da sua morte,
falecera-lhe em 1653, aos 19 anos de idade, o primogénito,
príncipe D. Teodósio, em quem seu pai fundava as melhores
esperanças. Ficava-lhe por sucessor, ainda menor de 13 anos, o
infante D. Afonso, com os defeitos que o incompatibilizavam
com o exercício da realeza e as consequências políticas da sua
doentia inferioridade, a principal das quais foi o golpe de
estado que elevou à situação de primeiro-ministro,
aparentemente na modesta designação de escrivão da puridade do
monarca, mas na função efectiva de verdadeiro soberano, o
conde de Castelo Melhor.
Entretanto em 1666, para assegurar-lhe a sucessão e o apoio
do poderoso Luís XIV, o diligente ministro negociara o
casamento de D. Afonso VI com uma princesa de França,
Mademoiselle d'Aumale, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia,
sobrinha de Luís XIV e neta de Henrique IV. E foi esse o único
32. acto imprudente do sagaz político, tão fatal para a desgraça
do rei, como para os seus próprios planos ambiciosos duma
política de engrandecimento do Reino. Realizado em 1666,
resultou o casamento irreparavelmente desastroso, dada a
incapacidade física e moral do rei. Foi praticamente o
detonador da segunda revolução de palácio, em 1667, encabeçada
agora pelo infante D. Pedro, com o apoio de todos os inimigos
de Castelo Melhor, invejosos da sua fortuna política.
Educada na dissoluta corte de Versalhes, a nova e formosa
rainha D. Maria Francisca, vexada por tal consórcio,
apaixonou-se pelo brilhante cunhado D. Pedro, de 18 anos. Nos
seus delituosos amores, ambos conluiaram novo golpe político.
Em certa manhã de Novembro de 1667, a rainha abandonava o Paço
e, de concerto com o infante D. Pedro, refugia-se no Convento
da Esperança, aonde logo ele acorria a seu favor, com o
Conselho de Estado; e, depois de tumultos vários, o rei era
coagido a assinar a sua própria deposição e entrega do governo
do Reino a seu irmão, o qual, em nome da rainha, assumia o
poder como príncipe-regente, desterrando para os Açores o
irmão destronado e, depois de rápido e escandaloso divórcio,
casava com a cunhada em Abril de 1668, dela tendo logo em
Janeiro do ano seguinte a sua primeira e única filha, a
princesa D. Isabel Luísa.
Consumara-se a dupla usurpação do trono e da mulher.
Assim dramaticamente, com 20 anos apenas, começava D.
Pedro, em 1668, a sua atribulada vida política. Defrontava-se
de entrada com a gravíssima situação económica e financeira do
Portugal restaurado, arruinado por vinte e oito anos de guerra
sem tréguas, depois dos sessenta de estragos directos e
indirectos do domínio filipino.
Resolutamente se esforçou desde logo o usurpador por
administrar bem, com acerto, chamando ao Conselho, para
conjurar a crise, um escol de homens notáveis pela cultura e
pelo carácter, como Diogo Rodrigo de Macedo, o 3.º conde da
33. Ericeira, D. Luís de Meneses, e outros economistas, homens
cultos, informados já pelas novas teorias económicas
fisiocráticas de Colbert, grande ministro das Finanças de Luís
XIV.
Nada, porém, remediavam de momento as suas tentativas de
reformas drásticas, por inoperantes em país tão devastado pela
guerra, desfalcado de população produtiva, com as lavouras ao
abandono, sem indústrias fabris e inveteradamente viciado no
gozo falaz da ilusória opulência do comércio do Oriente, já
reconhecidamente ruinoso para o Estado e para a Nação desde os
tempos de D. João III e Pêro de Alcáçova Carneiro.
Restava à Metrópole, como esteio económico, o Brasil, com
sua próspera actividade, agro-industrial de plantações e
engenhos de açúcar, exportação de pau-brasil e outras madeiras
e produtos exóticos, além da intensiva pesquisa de minas de
ouro e prata que se presumia existirem a oeste, como nos
sertões do Peru e da Bolívia, próximos em continental
continuidade. No afã de se acudir por todos os meios à ameaça
duma bancarrota à vista, recorria-se ainda complementarmente à
valorização económica dos domínios de África. Em 1678 tentava-
se uma colonização militar em Moçambique, para fixação de
colonos e exploração agrícola, e desenvolvia-se na
fertilíssima região da Zambézia um símile de capitanias
donatárias, à semelhança das do Brasil, com as concessões de
terras, a que se deu a designação oficial de prazos da Coroa.
Na Guiné, em Cabo Verde, em Angola, que praticamente viviam do
tráfico de escravatura, incrementava-se por meios adequados o
fomento agrícola e comercial, criando companhias de comércio
privilegiadas, como as de Cacheu e Cabo Verde e outras,
disseminando feitorias e povoações comerciais nas zonas mais
populosas de Angola e Moçambique.
Tudo, porém, pouco mais do que inútil. Progressivamente se
agravavam a penúria e decadência material da Metrópole, sob a
regência de D. Pedro, cujo reinado legítimo só propriamente
34. começara em 1683, por morte do irmão proscrito, sem
descendência, na sua prisão-desterro do Paço de Sintra, para
onde viera transferido dos Açores (ilha Terceira), depois de
malograda, pela execução dos cabecilhas, a conjura de 1673,
para o libertar e repor no trono.
De perto o seguiu no túmulo, ainda nesse ano, a própria
rainha D. Maria Francisca, sua ex-mulher, sem outros herdeiros
além da infanta D. Isabel Luísa. Já rei de facto, proclamado
em Cortes, D. Pedro II casava, em segundas núpcias, com D.
Maria Sofia de Neuburgo, princesa bávara do Palatinado do
Reno, que em 1689 lhe assegurava a sucessão da coroa em varão
herdeiro dando à luz o príncipe D. João, depois D. João V,
logo como tal proclamado, em substituição da princesa Isabel
Luísa, das primeiras núpcias, falecida pouco depois, aos 22
anos de idade.
Nesse mesmo ano de 1690 a situação agravava-se com o
suicídio do 3.0 conde da Ericeira, seu vedor da Fazenda, numa
crise aguda de neurastenia, exacerbada pela inanidade da sua
sábia administração desde 1675 e de todos os seus planos da
criação de indústrias fabris para ressurgimento da Metrópole
em sólidas bases económicas. Era o sinal de alarme duma
inevitável ruína financeira a curto prazo, que arrastaria
possivelmente a própria Nação à catástrofe duma desagregação
política, precursora de definitiva absorção por Espanha. De
resto, já mesmo em 1683, ano da proclamação do rei em Cortes,
era tão patente e generalizada a previsão dessa fatalidade que
o próprio D. Pedro II chegara a encarar seriamente o propósito
de renunciar à coroa e retirar para o Brasil, abdicando na
filha D. Isabel e em quem viesse a ser seu marido.
Dissuadiram-no dessa espécie de deserção o confessor e o seu
conselheiro secreto, sem que por esse facto se desanuviassem
as perspectivas do pessimismo que havia levado ao suicídio o
seu mais ilustre vedor da Fazenda. Em 1685, cedia enfim ao
35. acto de generosidade de autorizar o regresso de Castelo
Melhor, já velho e sem veleidades políticas.
Nesse destino lúgubre se teria talvez afundado, com a
dinastia, a sobrevivência da Nação, se nos fins do século não
tivesse providencialmente chegado à corte a alvoroçada notícia
da descoberta de minas de ouro e brilhantes no Brasil, a
coroarem de pleno êxito as exaustivas e pertinazes incursões
do bandeirismo paulista nas selvas e sertões a oeste do imenso
e inexplorado estado americano.
Como o rendimento fiscal da Coroa era desde logo o quinto
da mineração, a primeira remessa de 1699 trazia a D. Pedro,
além de 11000 quilos de ouro amoedado, o valor de sete milhões
de cruzados, na transacção de brilhantes em Amesterdão; e até
final do reinado o quinto devido à Coroa orçaria por cerca de
cinco milhões de cruzados.
Era uma ressurreição de desvairantes esperanças!
Considerados desnecessários, e logo abandonados, todos os
planos de sadia reformação económica por exploração metódica
das próprias riquezas da Metrópole, e por isso também já
despiciendo, por supérfluo, o acordo comercial negociado com
Inglaterra em 1703, conhecido por Tratado de Methuen. Era,
aliás, de vantagens problemáticas para a nossa economia a
colocação dos nossos vinhos em Inglaterra, mas substancial
para esta a colocação entre nós de seus lanifícios. O fortuito
caudal de ouro e pedras preciosas do Brasil tudo viria suprir
e sanar sem mais cuidados para o futuro da dinastia.
Ter-lhe-ia, pois, terminado em glória o tormentoso reinado
sem a aventura militar em que por fim precipitava o Reino,
acedendo a pressões inglesas para se imiscuir também, como
aliado, no imbróglio inextricável da Guerra de Sucessão de
Espanha, em que rigorosamente não se pleiteavam vitais
interesses materiais ou políticos para a Nação, nem mesmo a
defesa do seu território ou da honra nacional, que, pelo
36. contrário, ficavam sob a permanente ameaça das contingências
duma guerra, sempre imprevisíveis.
Aderindo à tripla aliança anglo-austro-holandesa contra o
bloco bourbónico franco-espanhol, D. Pedro obrigava-se, por
acordo de 1703, a fornecer aos aliados um exército de 28 000
homens e, pior que tudo, à cedência do próprio território
pátrio para teatro de operações, como a melhor base
estratégica de invasão da Espanha.
Favorável de começo a campanha, pelos êxitos efémeros do
exército do marquês das Minas na sua marcha e entrada triunfal
em Madrid (1706), evoluiria em breve desastrosamente para os
aliados, depois da sua decisiva derrota na batalha de Almansa,
em Espanha (1707), a que se seguiu a contra-ofensiva espanhola
sobre Portugal, em cujas fronteiras, forçosamente
desguarnecidas, a batalha do Caia foi outra--derrota para o
exército anglo-português.
Em suma, por sua morte, em 1706, o rei, cognominado
Pacífico, deixava ao sucessor, com várias praças do Alentejo
ocupadas por espanhóis, o encargo de liquidar uma guerra
inglória e dispendiosa que, no reinado seguinte, se arrastaria
por mais seis anos e de que a única vantagem positiva para a
Nação, pelo Tratado de Paz de Utreque, ratificado em 1713 com
a França e em 1715 com a Espanha, viria a ser a de se ter
salvo, ao menos, a integridade dos seus domínios do Ultramar.
Em reinado de tão tumultuária política interna e externa, a
actividade cultural da Nação não sofreu, todavia, o colapso ou
afrouxamento que seria de esperar, quer na expressão
literária, em que fulgurara o talento dum António Vieira,
mestre e renovador da língua, quer nas artes plásticas,
pintura religiosa e arquitectura religiosa e civil, em que o
barroquismo seiscentista, com toda a sua sobrecarga de
decoração ornamental, teve entre nós e no Brasil o seu período
áureo e de carácter tão inconfundivelmente nacional como o
manuelino, no século XVI.
37. Ficha genealógica:
D. PEDRO II nasceu em Lisboa, a 26 de Abril de 1648, e
faleceu em Lisboa a 1 de Dezembro de 1706; tendo sido
sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora. Do seu primeiro
casamento, com a cunhada D. Maria Francisca Isabel de Sabóia,
teve:
1. D. Isabel Luísa Josefa (n. em Lisboa, a 6 de Janeiro de
1668; f. no palácio de Palhavã, a 21 de Outubro de 1690;
sepultada no Convento das Francesinhas, erigido por sua mãe, e
transladada para o Mosteiro de S. Vicente de Fora). Foi
herdeira presuntiva do Reino entre 1668 e 1689, tendo-se
malogrado o projecto de consórcio com Vítor Amadeu de Sabóia.
Do segundo casamento de D. Pedro II, com D. Maria Sofia de
Neuburg (n. em Brewath, a 6 de Agosto de 1666; f. em Lisboa, a
4 de Agosto de 1699; sepultada no Mosteiro de S. Vicente de
Fora), filha de Filipe Guilherme de Neuburg, eleitor palatino
do Reno, e de sua mulher Isabel Amália, nasceram os seguintes
filhos:
2. D. João (n. em Lisboa, a 30 de Agosto de 1688; f. em 17
de Setembro seguinte; sepultado em S. Vicente de Fora);
3. D. João, que herdou o trono;
4. D. Francisco Xavier José António Bento Urbano (n. em
Lisboa, a 25 de Maio de 1691; f. na quinta das Gaeiras, em
Óbidos, a 21 de Julho de 1742; sepultado no Mosteiro de S.
Vicente de Fora). Foi 7 ° duque de Beja, grão-prior do Crato e
senhor do Infantado. Morreu solteiro e sem descendência;
5. D. António Francisco Xavier José Bento Teodósio Leopoldo
Henrique (n. em Lisboa, a 15 de Março de 1695; f. em Lisboa, a
20 de Outubro de 1757; sepultado no Mosteiro de S. Vicente de
Fora). Morreu solteiro e sem descendência;
6. D. Teresa Maria Francisca Xavier Josefa Leonor (n. em
Lisboa, a 24 de Fevereiro de 1696; f. em Lisboa, a 16 de
Fevereiro de 1704; sepultada no Mosteiro de S. Vicente de
Fora);
38. 7. D. Manuel José Francisco António Caetano Estêvão
Bartolomeu (n. em Lisboa, a 3 de Agosto de 1697; f. na quinta
de Belas, em igual dia de 1736; sepultado no Mosteiro de S.
Vicente de Fora). Morreu solteiro e sem descendência;
8. D. Francisca Josefa (n. em Lisboa, a 30 de Janeiro de
1699; f. na mesma cidade, em 15 de Julho de 1736; sepultada no
Mosteiro de S. Vicente de Fora). Morreu solteira.
Fora dos dois consórcios, D. Pedro II teve os seguintes
filhos:
9. D. Luísa (n. em Lisboa, a 9 de Janeiro de 1679; f. em
Évora; a 23 de Dezembro de 1732; sepultada no Convento de S.
João Evangelista, dos cónegos seculares da mesma cidade),
filha de D. Maria da Cruz Mascarenhas. Foi criada na família
do secretário de estado Francisco Correia de Lacerda, e depois
no Mosteiro de Carnide, junto de sua tia D. Maria (veja-se
supra, 1, 8). Casou com D. Luís e, em seguida, com D. Jaime de
Melo, respectivamente, 2.º e 3.º duques de Cadaval.
10. D. Miguel (n. em Lisboa, a 15 de Outubro de 1699; f.
afogado no Tejo, a 13 de Janeiro de 1724; sepultado no
Convento de S. José de Ribamar), filho da francesa Ana Armanda
Du Verger. Foi reconhecido por D. João V como seu irmão e
casou em 1715 com D. Luísa Casimira de Nassau e Ligne,
herdeira da casa de Arronches.
11. D. José (n. em Lisboa, a 6 de Maio de 1703; f. em Ponte
de Lima, a 3 de Junho de 1756; sepultado na sé arquiepiscopal
de Braga), filho de D. Francisca Clara da Silva, foi aluno da
Universidade de Évora e ali obteve o grau de doutor em
Teologia. Arcebispo de Braga em 1739, foi sagrado em 5 de
Fevereiro de 1741 e entrou naquela sé em 23 de Julho seguinte.