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NÃO
A lei veda a liberdade absoluta
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO
No Estado democrático de Direito, todos devem se curvar ao império da lei. Tenho insistido
que, no Brasil, do Zé da Silva ao Luiz Inácio Lula da Silva, todos devem obediência à lei. Isto é
o que sustenta a própria democracia, que comporta a diversidade, a pluralidade e o respeito ao
semelhante.
Nosso povo entende bem isso, pois assevera que o direito de um vai até onde começa o direito
do outro. É nesse contexto que coloco o tema da liberdade de expressão e o caso dos quadros de
Gil Vicente na Bienal de São Paulo.
A nossa Constituição Federal acertadamente proíbe a censura, mas a ausência de censura não
implica ausência de limites legais ou liberdade absoluta para tudo. Não se pode ,sob o manto da
obra de arte, colocar-se acima da lei.
Explico. A liberdade de expressão, em seu processo criativo, não pode ter qualquer tipo de
limite, enquanto na esfera privada, mas a exibição pública do resultado dessa liberdade de
expressão tem que respeitar os limites da lei.
Exemplificando, fica fácil entender e aceitar isso, quando se verifica que não se permite a
exibição de filmes pornográficos, com cenas de sexo explícito pela televisão, em canal aberto,
durante as tardes. Aqui, inegavelmente há limitação na exibição da obra cinematográfica.
Vou mais longe. A ofensa irrogada contra alguém pode ensejar crime e punição ao autor. Caso o
autor repita a ofensa em versos, nada muda. A forma poética não fará com que a ofensa seja
mitigada ou desapareça.
Há peças teatrais que são exibidas em salas fechadas, teatros, nos quais não se permite a entrada
de crianças. Ora, não é porque se trata de arte cênica que poderia ser exibida em praça pública,
também para crianças.
Insisto que caso um pintor conceba uma tela na qual seja retratada a mãe de alguém, nua,
inserida num bacanal, num prostíbulo, embora esse pintor possa concretizar essa obra, não lhe
será permitido, impunemente, exibi-la publicamente. Isso não tem nada a ver com censura.
Aliás, é bom que se lembre, àqueles que bradam pela liberdade de expressão sem limites, que
devem respeitar, em nome dessa mesma liberdade que defendem, o direito da opinião contrária.
Tenho visto manifestações de alguns poucos que asseveram que estou errado, desqualificando-
me, negando-me o direito de opinar, debochando dos argumentos e decretando que qualquer
opinião contrária a sua é censura. Esse debate é menor e não merece resposta.
Por entender que a Bienal de São Paulo é um espaço que recebe um público de massa -estima-se
nessa edição 1 milhão de visitantes-, especialmente jovens em formação, entendo que a série
"Inimigos" não deveria integrar essa mostra.
Isso por fazer apologia ao crime, atacar a dignidade dos representados e atentar contra as
instituições democráticas, representada pelo presidente da República, entre outras figuras
públicas internacionais, como o papa Bento 16.
Urge, portanto, realizarmos uma ampla discussão sobre os limites da liberdade de expressão no
Brasil diante de obras que deseducam e pregam a intolerância aos direitos humanos.
Enquanto isso, o tema já foi encaminhado ao Ministério Público paulista para verificar a questão
da apologia ao crime. Podem discordar de minha posição, mas não serei omisso em temas que
tocam a defesa da cidadania e da democracia.
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal
pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista do Ordem dos Advogados do Brasil).
Também escreve poesias, desenha e pinta.
Medidas restritivas a obras de arte com teor político configuram censura?
SIM
Ação equivale a roubar o direito de pensar
ALEXANDRE DE MORAES
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade
democrática e compreende não só as publicações consideradas inofensivas, indiferentes ou
favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas,
pois a democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e
pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.
A história demonstra que a liberdade de expressão tem lugar central na constitucionalização dos
direitos fundamentais e, junto com a universalização da educação e do direito de sufrágio, como
afirmado por Thomas Jefferson, é um dos pilares do governo republicano.
Isso porque pretender suprimi-la é tentar alcançar a proibição ao próprio pensamento, como
afirmado por Kant ("O poder que retira dos homens a liberdade de expressar publicamente seus
pensamentos, rouba também a liberdade de pensar") e, consequentemente, tentar obter a
unanimidade autoritária, arbitrária e irreal.
A proteção constitucional engloba não só o direito de se expressar, inclusive artisticamente, mas
também o direito de ouvir, assistir, ler, analisar e criticar publicações, inclusive repudiando
aquelas caracterizadas por mensagens agressivas e de extremo mau gosto.
Exigir da 29ª Bienal que impedisse a exposição da série "Inimigos", do artista plástico Gil
Vicente, seria autorizar a censura prévia e relembrar os tempos de Carlos 5º, em 1529, que
estabeleceu tal medida a todas publicações em território alemão, ou, ainda, do famoso "Index
Expurgatorius", de 1559.
No espaço público, lembra Hegel, devem coexistir todas as formas de verdade e de falsidade.
Não por outro motivo, a liberdade de manifestação de pensamento é mais ampla que o direito de
informar, pois "a primeira deve ser reconhecida inclusive aos mentirosos e loucos, enquanto o
segundo, diferentemente, deve ser objetivo, proporcionando informação exata e séria" (Revel).
Obviamente que, assim como os demais direitos fundamentais, o exercício da liberdade de
expressão não é absoluto, sofrendo restrições perante a análise de compatibilidade e
razoabilidade com o conjunto das previsões constitucionais, entre elas a proibição ao racismo e
a qualquer forma de preconceito, a proteção à criança e ao adolescente, além da possibilidade de
indenização por danos morais e à imagem, consagrando ao ofendido a total reparabilidade em
virtude de prejuízos sofridos.
A constante reafirmação da livre expressão de pensamento e de opinião constitui verdadeiro
instrumento constitucional de garantia da autodeterminação democrática da sociedade, pois não
se destina somente à garantia da expressão individual, mas também à garantia do bom
funcionamento e controle do sistema político, com respeito ao pluralismo de ideias e
fortalecimento dos debates.
À sociedade, a Constituição garante a liberdade de expressão; ao artista, o direito de expor suas
obras; ao público, o direito de aprová-las ou repudiá-las; aos ofendidos, o direito de pleitear
indenização por danos morais; e ao Judiciário, o dever de verificar se houve desrespeito à
dignidade da pessoa humana.
Essa é a força do Estado de Direito. Essa é a beleza da democracia.
ALEXANDRE DE MORAES é professor doutor e livre-docente de direito constitucional da
USP. Foi secretário estadual de Justiça de São Paulo (2002-05), membro do Conselho Nacional
de Justiça e secretário municipal de São Paulo de Transportes e Serviços (gestão Kassab). É
autor de "Direito Constitucional" (ed. Atlas), entre outras obras.

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  • 2. Medidas restritivas a obras de arte com teor político configuram censura? SIM Ação equivale a roubar o direito de pensar ALEXANDRE DE MORAES A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não só as publicações consideradas inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo. A história demonstra que a liberdade de expressão tem lugar central na constitucionalização dos direitos fundamentais e, junto com a universalização da educação e do direito de sufrágio, como afirmado por Thomas Jefferson, é um dos pilares do governo republicano. Isso porque pretender suprimi-la é tentar alcançar a proibição ao próprio pensamento, como afirmado por Kant ("O poder que retira dos homens a liberdade de expressar publicamente seus pensamentos, rouba também a liberdade de pensar") e, consequentemente, tentar obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal. A proteção constitucional engloba não só o direito de se expressar, inclusive artisticamente, mas também o direito de ouvir, assistir, ler, analisar e criticar publicações, inclusive repudiando aquelas caracterizadas por mensagens agressivas e de extremo mau gosto. Exigir da 29ª Bienal que impedisse a exposição da série "Inimigos", do artista plástico Gil Vicente, seria autorizar a censura prévia e relembrar os tempos de Carlos 5º, em 1529, que estabeleceu tal medida a todas publicações em território alemão, ou, ainda, do famoso "Index Expurgatorius", de 1559. No espaço público, lembra Hegel, devem coexistir todas as formas de verdade e de falsidade. Não por outro motivo, a liberdade de manifestação de pensamento é mais ampla que o direito de informar, pois "a primeira deve ser reconhecida inclusive aos mentirosos e loucos, enquanto o segundo, diferentemente, deve ser objetivo, proporcionando informação exata e séria" (Revel). Obviamente que, assim como os demais direitos fundamentais, o exercício da liberdade de expressão não é absoluto, sofrendo restrições perante a análise de compatibilidade e razoabilidade com o conjunto das previsões constitucionais, entre elas a proibição ao racismo e a qualquer forma de preconceito, a proteção à criança e ao adolescente, além da possibilidade de indenização por danos morais e à imagem, consagrando ao ofendido a total reparabilidade em virtude de prejuízos sofridos. A constante reafirmação da livre expressão de pensamento e de opinião constitui verdadeiro instrumento constitucional de garantia da autodeterminação democrática da sociedade, pois não se destina somente à garantia da expressão individual, mas também à garantia do bom funcionamento e controle do sistema político, com respeito ao pluralismo de ideias e fortalecimento dos debates. À sociedade, a Constituição garante a liberdade de expressão; ao artista, o direito de expor suas obras; ao público, o direito de aprová-las ou repudiá-las; aos ofendidos, o direito de pleitear indenização por danos morais; e ao Judiciário, o dever de verificar se houve desrespeito à dignidade da pessoa humana. Essa é a força do Estado de Direito. Essa é a beleza da democracia. ALEXANDRE DE MORAES é professor doutor e livre-docente de direito constitucional da USP. Foi secretário estadual de Justiça de São Paulo (2002-05), membro do Conselho Nacional de Justiça e secretário municipal de São Paulo de Transportes e Serviços (gestão Kassab). É autor de "Direito Constitucional" (ed. Atlas), entre outras obras.