Este documento analisa as bases teóricas e legais da gestão democrática da escola pública no Brasil pós-1990. Discute como os conceitos de autonomia, participação e descentralização, que antes defendiam a democratização da educação, foram ressignificados sob a influência do neoliberalismo a partir dos anos 1990. Também examina como as políticas educacionais passaram a ser influenciadas por agências internacionais como o Banco Mundial.
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IX SEMINÁRIONACIONAL DE ESTUDOSE PESQUISAS“HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NOBRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
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AS BASES TEÓRICAS E LEGAIS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA NO
BRASIL PÓS‐1990
Paula Roberta Miranda
(Colégio Estadual Rodrigues Alves)
paulinharmiranda@hotmail.com
Adriana Pasquini
adrianapasquini@hotmail.com
(NRE‐ MGA)
Resumo
As discussões sobre a gestão democrática da escola pública remontam à década de 1980, período em que o país saía
de um regime ditatorial. No entanto, só foi reconhecida legalmente a partir de sua implementação na Constituição
Federal de 1988. Para se compreender as bases teóricas e legais da gestão democrática da educação e da escola
pública, é necessário um olhar histórico das condições, políticas e econômicas que determinaram sua implementação.
Este trabalho tem como objetivo analisar as bases teóricas e legais da gestão democrática da escola pública no Brasil,
propondo uma reflexão crítica do processo de ressignificação que termos tais como autonomia, participação e
descentralização, que outrora compuseram as bandeiras de luta e os princípios norteadores da gestão democrática,
assumiram no contexto em que se efetivaram as políticas neoliberais a partir de 1990 bem como da influência e o
impacto das agências internacionais na educação brasileira. Para tal discussão, tomaremos como recorte histórico o
contexto social, político, econômico e educacional da década de 1970 até os dias atuais, explicitando o novo modelo
de gestão, adotado, sobretudo, com a reforma do Estado. Os procedimentos utilizados envolveram a análise e leitura
de importantes autores que têm, em seus trabalhos acadêmicos, valiosas contribuições acerca da história da educação
brasileira, em destaque para os documentos oficiais tais como a Constituição Federal de 1988, e a Lei de Diretrizes de
Bases da Educação nacional de 1996 que inauguraram as discussões da Gestão Democrática no Brasil na elaboração
de políticas públicas voltadas à gestão escolar democrática nesse novo cenário. As análises permitem compreender
que a gestão democrática e as políticas públicas propagada nesse novo cenário estão em articulação com os
interesses e princípios neoliberais e não com a perspectiva de transformação oriunda das lutas populares que
compuseram o cenário sócio‐econômico brasileiro de 1980. Consideramos a ressignificação dos conceitos de
participação, autonomia e descentralização como um importante mecanismo de manobra das elites dominantes ao
processo de “democratização” do Estado Brasileiro, em detrimento da valorização dos embates patrocinados pelos
grupos defensores da democratização do acesso à educação. Concluiremos esse artigo, enfatizando que a luta pela
gestão democrática na educação está na arena de luta das classes sociais, uma vez que, ao estabelecer uma relação
dialética com a realidade, compreende o homem como ser histórico, que sofre os condicionantes da realidade, mas
que traz consigo a capacidade histórica de nela intervir. A escola, como lócus privilegiado de aprendizagem, deve
garantir a viabilização de mais esse espaço de aprendizagem, ou seja, a gestão democrática deve buscar meios de
efetiva participação com todos os limites que a sociedade complexa e neoliberal impõe.
Palavras‐Chave: Educação. Política Pública. Gestão Democrática.
Introdução
A sociedade contemporânea tem passado por profundas transformações de caráter social,
político, econômico e cultural. Essas transformações são oriundas das mudanças que ocorrem no
mundo do trabalho e tem norteado a elaboração e a execução das políticas públicas sociais,
especialmente a educação.
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A Gestão Democrática, como princípio norteador da educação nacional, por estar no
interior desse contexto também está afeta a todas essas mudanças. Isto porque, como política
pública social não está dissociada do contexto mais amplo da qual se inserem.
As discussões que envolvem a problemática da gestão democrática da escola pública
remontam à década de 1980, período em que o país saía de um regime ditatorial (1964‐1985),
reclamando por relações mais democráticas. No entanto, só foi reconhecida legalmente a partir de
sua implementação na Constituição Federal de 1988.
Para se compreender as bases teóricas e legais da gestão democrática da educação e da escola
pública, é necessário um olhar histórico das condições, políticas e econômicas que determinaram
sua implementação. No contexto político‐econômico de sua elaboração, a CF/88 expressou uma
bandeira de luta que já vinha sendo empunhada desde o início da década 1980, o qual tinha como
princípios fundamentais a autonomia, a descentralização e a participação da comunidade escolar,
inclusive nos processos decisórios e na elaboração das políticas educacionais. No entanto, nota‐se
no contexto da prática atual que tais conceitos foram ressignificados a partir da consolidação dos
ideais neoliberais fundamentados nas agências internacionais, estando as políticas educacionais
geradas a partir desse movimento em consonância com as diretrizes dos organismos
internacionais, como o Banco Mundial e FMI, balizadores dessa nova organização social.
Intentamos nesse trabalho, realizar uma análise crítica dos processos de ressignificação
que a autonomia, participação e descentralização, conceitos que outrora compuseram as
bandeiras de luta do processo de redemocratização, e os princípios norteadores da gestão
democrática, assumiram no contexto em que se efetivaram as políticas neoliberais a partir de
1990, bem como da influência e o impacto das agências internacionais na educação brasileira.
Nossas análises permitem compreender que as políticas públicas propagadas nesse novo discurso
estão em articulação com os interesses e princípios neoliberais e não com a perspectiva de
transformação oriunda das lutas populares, que compuseram o cenário sócio‐econômico brasileiro
de 1980.
Não obstante, a natureza desse trabalho impôs a delimitação do período. Optamos pelas
décadas de 1970 até os dias atuais, explicitando o novo modelo de gestão em que se inserem tais
conceitos, sobretudo, a partir de 1990, pois foram anos de intensas transformações nos âmbitos
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econômicos, políticos, sociais e culturais. Finalizaremos esse trabalho, enfatizando os enfrentamentos
que devem ser realizados na escola pública, quando se prima pela formação humana
emancipadora.
Contexto internacional, redemocratização brasileira e a gestão democrática
As propostas do capitalismo internacional têm sido efetivadas nos países em
desenvolvimento com o mesmo rigor com que, outrora, a colonização impingiu aos povos
dominados suas características políticas, culturais e sociais. A crise estrutural do capitalismo, no
final da década de 1960, marcou o fim da chamada era do Ouro do capital e o declínio do
chamado socialismo real. O modelo que se firmava na intervenção maciça do Estado na economia,
tal qual expõe Minto (2006), desgastou‐se frente aos avanços tecnológicos que fizeram sucumbir à
necessidade de grande contingente de trabalhadores, agravando sobremaneira os índices de
desemprego. A lógica perversa do mercado que, até então, sustentara as nações capitalistas já não
contemplava a grande massa populacional, causando estragos no orçamento estatal.
No entanto, longe de significar o fracasso do modelo capitalista, o desequilíbrio que se
seguiu fez surgir um novo modelo político‐econômico, originando as condições subjetivas para que
o projeto do neoliberalismo se firmasse. Os países ricos, que sempre comandaram a economia
internacional, por meio do FMI e do Banco Mundial, recorreram às reformas propugnadas por esta
ideologia sob o argumento de que assim se consolidaria a democracia e retomaria a capacidade de
crescimento do capital. Propagaram‐se as propostas neoliberais: a privatização (transferência de
patrimônio e ativos públicos produzidos pelo Estado para empresas); a liberalização das
economias; a elevação das taxas de juros; o rebaixamento de impostos sobre rendimentos altos; a
flexibilização dos mercados com abertura ao capital estrangeiro e internacionalização do mercado
interno; a criação de maciças taxas de desemprego e ataque às legislações trabalhistas para
rebaixar os salários, a fim de enfraquecer as organizações sindicais e diminuir as responsabilidades
do Estado no que concerne às questões sociais.
Com o fim da Ditadura Militar no Brasil, tal modelo encontrou um espaço favorável,
especialmente a partir de 1990, uma vez que os discursos neoliberais fizeram ecoar os princípios
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da democracia e do acesso aos direitos sociais universais, sobretudo no que diz respeito ao
discurso da universalização do ensino, já que a dinâmica da produção capitalista necessitava de
trabalhadores capacitados. Obviamente, as contradições que se avizinham a esse modelo
econômico só se tornaram conhecidas após a implementação de suas propostas privatistas.
Em meio à reestruturação que se firmava na Europa e nos Estados Unidos, os países em
desenvolvimento tiveram sua economia devastada pelo financiamento do capital externo. Longe
de promover e assegurar os direitos fundamentais aos “cidadãos”, a política neoliberal agravou
intensamente os problemas sociais brasileiros.
Segundo Minto (2006), a década de 1980 ficou conhecida como “década perdida”, em
comparação ao período denominado “milagre brasileiro”, um período em que se acreditava ter
sido marcado por intenso crescimento econômico, uma negativa, contudo, dos transtornos sociais
causados pelo militarismo. A semente do engajamento social, contudo, germinara entre os
movimentos sociais que visavam o aumento do controle público sobre o Estado e, mesmo que tais
anseios não tenham sido alcançados, é mister lembrar que a gestão democrática nos mais diversos
níveis e sistemas de ensino tornou‐se a principal “bandeira” na luta dos movimentos educacionais,
inaugurando um novo ciclo de discussões e propostas acerca dos encaminhamentos
administrativos das escolas e universidades brasileiras.
Ao longo dos anos, entretanto, conforme ressalta Oliveira (2006), as reflexões sobre a
gestão democrática no ensino superior ficaram à margem das lutas concernentes à educação
básica.
Todavia, a importância desse momento histórico ainda reside no resgate da participação
popular conforme evidenciam as principais reivindicações dos movimentos em prol da educação,
destacadas por Minto (2006): a constituição orgânica de um efetivo sistema nacional de educação;
a concepção de educação pública e gratuita; a educação como um direito público subjetivo,
assegurado pelo Estado.
Da mesma forma, em se tratando de gestão e administração escolar, as reivindicações mais
importantes podem ser resumidas em: descentralização administrativa e pedagógica; gestão
participativa na educação; eleições diretas (com voto secreto) para dirigentes de instituições de
ensino; constituição de comissões municipais e estaduais de educação autônomas e amplamente
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compostas para acompanhamento e atuação nas políticas educativas, supressão do Conselho
Federal de Educação, de cunho marcadamente privatista, colegiados escolares eleitos pela
comunidade, com o intuito de frear as arbitrariedades perpetradas pela administração do sistema
e da escola.
No plano das reformas democráticas do Estado Brasileiro, pode‐se destacar a esfera
Legislativa, no qual imbuído dos ideais democráticos, José Sarney inicia o processo de
redemocratização do país pela esfera do Legislativo, uma vez que a forma de se garantir
mecanismos e conteúdos democráticos e na forma da lei. Em outubro de 1988, promulga‐se a
Carta Magna, consolidada no âmbito dos direitos civis e sociais. No entanto, cabe esclarecer que a
promulgação da Constituição de 1988 foi delineada em meio aos profundos debates correntes que
buscavam mudanças mais efetivas no campo educacional. Desses grupos distintos, destacam‐se
dois: os que defendiam a priorização da qualidade do ensino público e o setor das instituições
privadas, que buscavam garantias constitucionais de manutenção e apoio financeiro.
No bojo das discussões entre os grupos referidos acima estão ainda, os princípios
fundamentais da gestão democrática, uma vez que os defensores da escola pública defendiam a
participação de toda a comunidade escolar na administração da instituição de ensino, em
contraposição aos interesses das escolas privadas que pretendiam minimizar tais espaços de
participação. O fato é que a gestão democrática está contemplada na Constituição Federal de
1988, embora tal conceito ainda se configure uma teoria abstrata no contexto das ações
educacionais, especialmente porque não define, nem estabelece critérios para o modo como se
aplicaria tal prerrogativa. Além disso, absteve as instituições privadas da adequação à gestão
participativa.
Nesse contexto, há que se lembrar que todo processo legislativo apresenta‐se num espaço
de disputa e interesses antagônicos, portanto, a lei expressa a síntese dessas disputas. Contudo, é
importante ter presente que as políticas educacionais na década de 1980 foram traçadas segundo
as concepções e entraves oriundos dos interesses e das necessidades das escolas públicas e
privadas do país que buscavam cada grupo a seu modo, estabelecer novas relações com o poder
público.
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Reforma do Estado e a influência dos organismos internacionais na educação brasileira: uma
pseudo gestão democrática
Porém, passado o momento de efervescência política, os governos da nova democracia –
Collor de Mello e Itamar Franco (90‐94) iniciam o processo de inserção da economia brasileira na
economia mundial e globalizada, aderindo às novas estratégias econômicas baseadas no modelo
Tatcher (Inglaterra), cujas orientações econômicas foram a liberalização da economia, abertura
econômica internacional, políticas de privatização e austeridade fiscal.
No entanto, é no governo de Fernando Henrique Cardoso que esse processo tem sua total
consolidação a partir do fortalecimento de alianças com gestores internacionais já firmadas desde
1980, com o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. A partir de então, os organismos
internacionais passam a intervir diretamente na economia e na educação brasileira levando o
Brasil a compartilhar das novas estratégias econômicas e políticas traçadas pelos países centrais
por meio de acordos técnicos e financeiros.
Os organismos internacionais e multilaterais são organizações fundadas a partir da noção
de interdependência e de cooperação internacional. Muitos desses órgãos são de caráter
financeiro e concedem empréstimos aos países em desenvolvimento à custa de significativas
influências na economia e nas políticas sociais desses países (Ex. FMI, BIRD). Outros desses órgãos
apresentam características peculiares e mantém suas influências por meio de normas e pareceres
que devem ser seguidos por todos os países que formam a organização. Essas agências de
regulação são diretamente filiadas a Organização das Nações Unidas (ONU) e foram criadas para a
promoção do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos, no sentido de contribuir
para a superação de sua condição de país capitalista retardatário (NOGUEIRA, 1999).
A expressão interna para atender as recomendações das políticas neoliberais foi a criação
do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado em 1995, tendo como
ministro Bresser Pereira. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado caracterizou‐se por
uma redefinição do papel do Estado e nas suas modalidades de intervenção, enquanto agente
provedor das políticas públicas sociais. A reforma, segundo Lima (2004) foi realizada em todas as
esferas da sociedade instaurando um novo modo de administração pública e gestão da educação.
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É importante destacar que num contexto global, as reformas significaram um conjunto de
medidas corretivas com plano de ajuste estrutural orientado por vários gestores internacionais,
como a ONU, UNESCO, CEPAL e BM, que se organizaram em reuniões e conferências para discutir
a situação dos países do terceiro mundo, sobretudo, os prejudicados pela Guerra.
O Brasil, enquanto país signatário dessas conferências adota tais medidas sob a justificativa
de que o não desenvolvimento do país estaria no alto índice de analfabetismo e administração do
país. Nesse sentido, é salutar a compreensão do papel que certos organismos internacionais têm
no desenvolvimento dos países pobres e sua influência sobre suas políticas. Dentre eles podemos
destacar a participação da UNESCO, UNICEF e BM no desenvolvimento de diretrizes da educação
(EVANGELISTA, SHIROMA e MORAES, 2001).
No Brasil, simultaneamente a reforma do Estado, é implementada a reforma educacional
que teve início com Itamar Franco com a elaboração do Plano Decenal de Educação e
efetivamente implementado a partir do governo FHC. A reforma estava em consonância com os
acordos firmados na Conferência de Ministros da Educação e Planejamento Econômico, ocorrida
no México em 1979 e na Conferência de Jomtien, em 1990, na Tailândia – Conferência Mundial de
Educação para Todos, na qual 155 governos assumiram o compromisso de assegurar a educação
básica de qualidade para crianças, jovens e adultos.
Para Evangelista, Shiroma e Moraes (2001), a Declaração Mundial de Educação para Todos,
aprovada no final da Conferência, foi o marco a partir do qual os nove países com maior índice de
analfabetismo do mundo foram levados e desencadear ações para a consolidação dos princípios
acordados na Declaração de Jomtien. A conferência funcionou como espaço de difusão das
políticas internacionais para a educação. O Brasil buscou cumprir os compromissos firmados em
Jomtien por meio do Plano Decenal de Educação.
Nesses termos, o Plano Decenal de Educação é a expressão brasileira do movimento
mundial organizado pela UNESCO, BIRD e BM e assumido pelo Brasil como orientador das políticas
públicas para a educação resultando na reforma educacional dos anos 90, realizada em todos os
níveis e modalidades, produzidos por especialistas e pesquisadores afinados com o compromisso
assumido pelas autoridades políticas brasileiras em todas as áreas de ação do Estado.
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A educação, enquanto fenômeno social não ficou de fora das mudanças do contexto social
e econômico mundial, passando a ser considerada o ponto fulcral para a inserção dos países em
desenvolvimento na atual conjuntura produtiva e competitiva. Assim, o papel e a função da
educação assumem novos contornos exigidos pelo atual momento político e econômico
ocasionando uma onda de reformas em todos os níveis de ensino com o objetivo de ajustá‐las às
novas exigências do mercado.
Apesar de o Brasil não ter tido as políticas de Bem Estar Social1
, ficaram claras, no plano da
reforma, as intenções do presidente em consolidar um Estado Mínimo2
, por meio da
racionalização do gasto público e a ascensão da educação como mola‐mestra para o
desenvolvimento sustentável, mostrando, com isso, que não ficou de fora das orientações e
estratégias traçadas pelos organismos internacionais, que, por meio dos ajustes estruturais
orientam a elaboração das políticas públicas.
O plano diretor foi caracterizado pela descentralização administrativa, pedagógica e
financeira. Para Lima (2004), descentralização significa a transferência do poder central para
outras esferas governamentais e setores da sociedade. Isso significou a transferência de
responsabilidades da União aos estados e municípios pela oferta e manutenção da educação em
regime de colaboração. Sobre esse aspecto, o autor diz que se trata de uma democracia
delegativa, uma vez que o Estado delega para outros entes federados e setores da sociedade a
incumbência de oferecer e manter serviços sociais básicos como saúde, educação, aposentadoria,
1
Estado de bem‐estar social ( Welfare State), também conhecido como Estado‐providência, é um tipo de organização
política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e
organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social,
política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a
nação em questão. Cabe ao Estado do bem‐estar social garantir serviços públicos e proteção à população.
2
O Estado mínimo é um termo derivado das consequências do pensamento oriundo da Revolução Francesa e
Revolução Americana, que prega o liberalismo. A burguesia consegue após essas revoluções alcançar esse patamar e
fazer com que o Estado interferisse minimamente. O Estado de intervenção mínima cuidava apenas da segurança
interna e externa. Vários problemas começaram a surgir em razão desse Estado, principalmente após a Revolução
industrial, que a burguesia passa a deter além do poder econômico, os meios de produção. Só então, começam os
primeiros rumores, de que o Estado deveria também interferir no social. Disponível em: http://pt.wikipédia.com
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etc. Neste momento, abrem‐se espaço para as Ongs, entidades, voluntários, Terceiro Setor 3
e a
iniciativa privada, que se encarregam de oferecer e manter esses serviços.
Notamos claramente a consolidação de um projeto neoliberal para a sociedade brasileira,
especialmente a educação que, sob esses pressupostos é obrigada a buscar novas fontes de
financiamento e parcerias. Vale destacar que o enfoque colocado na responsabilidade por seus
aspectos financeiros, prevê que as instituições devam se auto‐sustentar, ou ter na melhor das
hipóteses grande esforço para buscar recursos junto à comunidade ou junto à empresas. Esses
novos atores, ao co‐financiarem a educação passam a exigir dela sua prestação de serviços, numa
relação entre mercado e consumidores. Essa relação também se fortalece por meio da abertura de
múltiplas instâncias de coordenação e debate dentro das instituições, passando então o gestor a
ser um mero articulador dos vários atores dentro da instituição escolar, pois a “autonomia das
instituições, responsabilidade pelos resultados, dinamismo dos atores, são questões cruciais na
concepção de novas modalidades de ação educacional” (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 135). Essa é
uma condição, e salientam que:
[...] para avançar na direção indicada é preciso, em primeiro lugar, garantir maior
autonomia às unidades dos sistemas em causa, em seguida geram mecanismos
flexíveis de controle e, finalmente, incentivar o estabelecimento de múltiplas
instâncias de coordenação e debate. (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 223)
Assim, a gestão democrática da educação passa pela estratégia da eficácia e da eficiência,
uma vez que o governo apoia e promove a participação do Terceiro Setor na educação. Pablo
Gentilli (2002) reafirma que a eficácia e a eficiência impingida na educação trata‐se de uma visão
mercadológica da educação, transferindo‐a da esfera política para a esfera do mercado, negando
sua condição de direito social e transformando‐a em possibilidade de consumo individual,
submetendo‐as às regras do mercado.
A partir da elaboração do Plano Decenal de Educação, o Legislativo iniciou o processo de
reforma para a educação, cujas propostas foram desencadeadas pelos ajustes estruturais, por
meio de políticas de focalização, descentralização e equidade.
3
é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na
sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, um vocábulo muito utilizado nos Estados Unidos para
definir as diversas organizações sêm vínculos diretos com o Primeiro setor (Público, o Estado) e o Segundo setor
(Privado, o Mercado). Disponível em: http://pt.wikipédia.com
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Na educação, as políticas de focalização significam a substituição do acesso universal aos direitos
sociais públicos, para um processo seletivo, reduzindo as políticas sociais a programas
emergenciais de combate à pobreza, aumentando cada vez mais a segregação social. A política
pública que deveria emanar necessariamente do Estado, perde totalmente essa característica, ou
seja, se reveste de intencionalidades que de modo geral tem como princípios a coesão das
desigualdades geradas pelo próprio sistema capitalista de produção. Buscam estabelecer os
princípios da equidade, e não da igualdade, contribuindo apenas para diminuir as tensões entre os
grupos e as classes sociais. Embora as políticas públicas devam ser o resultado das demandas
sociais, é fato observar que elas têm exercido o papel de atenuar as desigualdades sociais,
mantendo o caráter da exploração dos trabalhadores, não rompendo com a lógica capitalista.
Ao se considerar esse princípio, enfatiza‐se o ensino fundamental que se circunscreve ao
básico (ler, escrever e contar), cujo objetivo está em oferecer um ensino para nivelação das
massas. Estimula‐se a conclusão desse nível de ensino com o objetivo de “capacitar” essa
população, sobretudo a jovem, com as competências e habilidades necessárias para sua inserção
no mercado produtivo e competitivo.
Nesse sentido as reformas são implementadas com objetivos determinados pelos organismos
internacionais, que tem como prioridade o crescimento econômico. Para isso, elaboram
documentos que traçam as metas e estratégias as quais os países em desenvolvimento devem
alcançar alinhando a escola à empresa.
Seguindo essa lógica, a organização da escola foi‐se adaptando à flexibilização, à
criatividade, à racionalidade, ao reflexo e impacto da empresa, adequando‐se, como pôde à lógica
do mercado, aproximando‐se cada vez mais a um ritmo empresarial, pois essa já era uma das
diretrizes nos documentos: “finalmente, cabe considerar que muitos países estão procurando
aproximar a educação da economia e o sistema educacional das empresas” (CEPAL & UNESCO,
1995 p. 127). Trata‐se de ter como princípio a estreita vinculação entre sistema de ensino e
empresa, como podemos observar:
[...] infere‐se que os princípios básicos que orientam uma política educacional
bem‐sucedida parecem ser comuns nos diferentes casos nacionais: altos níveis de
qualidade, respeito e valorização dos professores e estreita articulação entre
sistemas de ensino e empresa. (CEPAL & UNESCO, 1995 p.175).
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Nessa perspectiva, a gestão democrática da educação assume os contornos da gestão
empresarial. No Plano Nacional, a LDB/96 prevê mecanismos de gestão democrática para a escola
pública, por meio da descentralização pedagógica, administrativa e financeira.
No plano pedagógico, a lei prevê em seu Art. 3º, inciso VII que as escolas devem ser geridas
e administradas na forma da gestão democrática. Institucionaliza também a gestão democrática
por meio da participação da comunidade escolar conferindo‐lhe autonomia para elaborar sua
proposta pedagógica, calendário escolar, bem como conferindo‐lhe progressivos graus de
autonomia pedagógica e financeira.
Para Vitor Paro (2007), a LDB/96 pouco avançou nos princípios da gestão democrática. O
autor questiona a obviedade da lei, dizendo que a proposta pedagógica não poderia mesmo ser
escrita por outros profissionais que não fossem a comunidade escolar. Afirma que a conquista da
democracia no âmbito escolar foi parcial, pois se por um lado favoreceu a participação de
professores, pais, alunos, comunidade na gestão escolar por meio de APMF, conselhos escolares,
Grêmios estudantis, por outro, a gestão democrática ficou à mercê de diferentes interpretações e
concepções de gestão democrática.
No campo do financiamento, as políticas de descentralização instituíram a Emenda
Constitucional 14/96 – FUNDEF, o qual prevê ao governo federal a redução de sua participação
com a educação. Esse fundo, enquanto política educacional que à época foi considerada como a
salvadora de todos os problemas da educação mostra as suas fragilidades. A ínfima valorização de
recursos destinados para o ensino fundamental (1ª a 8ª séries), escolas especiais e rurais de
acordo com o número de matrículas não superou as necessidades educacionais em termos locais e
regionais, bem como de acesso e permanência e manutenção do ensino. Ademais, deixou de fora
outros níveis de ensino, como o ensino médio e profissionalizante. Quanto à formação de
professores, os recursos foram insuficientes para a capacitação dos docentes em serviço,
evidenciando que a formação de professores fica a patamares inferiores e que está à margem das
prioridades governamentais, o qual o governo deixou de ser o provedor passando a exercer ação
supletiva.
A política de descentralização contida na EC14/96 prevê a transferência de
responsabilidade pelo governo federal, a qual reduz sua responsabilidade com a educação, tendo
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em vista que este passa a aplicar apenas 30% dos recursos na manutenção e desenvolvimento do
ensino. Antes da emenda, a União, Estados e Municípios estavam obrigados a aplicar igualmente
50%; com a promulgação da emenda, Estados e Municípios foram obrigados a aplicar 60%.
Com isto, se antes da emenda, a situação do ensino fundamental encontrava‐se
precarizada, agora ficou pior. A partir de 1988, Estados e Municípios são obrigados a criar fundos,
bem como aplicar projetos para sanar as “diferenças” e dificuldades no setor, recorrendo à
sistematização de contribuições pela comunidade para co‐manutenção do ensino fundamental.
As debilidades desse fundo foram expressas na elaboração do Plano Nacional de Educação
(2001), que acabou por não contemplar as reivindicações da sociedade, que lutavam pelo
fortalecimento da escola pública estatal e a plena democratização da gestão da educação. Isso
implicaria na ampliação dos gastos públicos total para a manutenção e o desenvolvimento do
ensino. Porém, a proposta aprovada pelo projeto do Ministério da Educação e Cultura (MEC) que,
sob orientação do Banco Mundial, insistiu na permanência da atual política educacional e nos seus
dois pilares: máxima centralização, particularmente na esfera federal e o progressivo abandono,
pelo Estado, de manter e desenvolver o ensino, transferindo‐o para a sociedade.
O princípio da descentralização deve ser compreendido dentro da lógica de universalização
do capitalismo. Trata‐se de uma concepção que tem como modelo o próprio mercado, e isso passa
a ser o parâmetro de organização que levará os países periféricos à “modernização”, pois é
estabelecido como meta, uma maior produção com menores custos possíveis, “equalizando” as
diferenças e levando a todos à moderna cidadania:
[...] a descentralização deve ser concebida e praticada de maneira que contribua
para melhorar, e não, piorar, a equidade do sistema, única maneira de garantir
sua efetiva contribuição para a formação de uma cultura comum da moderna
cidadania (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 211).
Visa‐se buscar soluções a partir da descentralização, nas relações de competitividade, e no
esforço em angariar recursos da realidade circundante para auto‐manter‐se, o que, segundo
Oliveira (2001), estas formas de organização seriam as únicas capazes de instaurar a excelência em
espaços antes dominados pelo paternalismo ineficiente do Estado.
Seguindo a lógica da descentralização e cumprindo as determinações do Plano Nacional de
Educação, ainda que, sob pressões, inclusive populares, Luís Inácio Lula da Silva promulga a
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Emenda Constitucional 53/2006 – FUNDEB que, apesar de contemplar a toda a educação básica,
também apresentou suas fragilidades. Seus avanços podem ser notados no fato de que foram
incorporadas a educação infantil e educação de jovens e adultos, todavia, continuou excluindo a
educação profissional, pois a mesma só é atendida se estiver vinculada ao ensino médio. Oliveira
(2009) ressalta que os recursos destinados à educação básica continuam sendo insuficientes para
atender toda a especificidade da escola pública. Uma de suas fragilidades está no fato de que traz
poucos recursos novos à educação, uma vez que apenas redistribui os recursos que já são
constitucionalmente vinculados à educação, com base no número de matrículas da educação
básica, o que significa que uns municípios ganharão e outros perderão, na mesma proporção.
Diante disso, podemos depreender que as reformas educacionais expressas nos
documentos legais como a CF/88, LDB, Fundef, PNE e Fundeb estão articulados com os interesses
e diretrizes internacionais, preocupados mais com o imediatismo custo/benefício em detrimento
da qualidade da educação e de se investir consistentemente na educação básica, logo, promovem
a redução das garantias da qualidade na educação expressa na Carta Magna.
Algumas considerações
Em face do que discutimos até aqui, depreendemos que década de 1990 vivenciou um
período de reformas e ajustes estruturais que significou um processo de desconstrução das
conquistas sociais garantidas na CF/88, buscando o Estado se desvencilhar dos compromissos ali
firmados, bem como engajar o país na ordem mundial, tornando‐o capaz de competir no mundo
do mercado livre, adotando políticas neoliberais.
Nesse contexto, Lima (2004) afirma que atravessamos a década de 1990 sem resolver os
problemas educacionais, ao contrário, gerando‐se outros mais graves, como a violência e o
descrédito da população no ensino público. Adentramos o século XXI sem uma política
educacional que promovesse a qualidade do ensino com igualdade para todos, mas com um
profundo retrocesso dos direitos fundamentais.
É fundamental termos a clareza do que apresentam as receitas prontas vindas de cima para baixo
propostas pelos organismos internacionais. A forte influência desses organismos na educação
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brasileira, sendo maior influente o BM, que funciona como instituição técnica e financeira tem
sido o principal articulador dos pacotes educacionais.
O governo brasileiro tem sido um seguidor sistemático dos pacotes importados, os quais
estabelecem diretrizes para as políticas públicas na área educacional, que nem sempre respondem
com sucesso às metas estabelecidas por estes pacotes, culminando nos altos índices de
analfabetismo e exclusão social.
Diante das questões aqui explicitadas, podemos depreender que a gestão democrática, tão
propalada na década de 1980 está longe de se consolidar, isso porque, os conceitos como
autonomia, participação, descentralização foram ressignificados em nome de um projeto de
sociedade excludente e discriminatórias. Esses conceitos foram incorporados ao capitalismo e o
que antes tinha caráter progressista, se torna conservador, neoliberal. Logo, a democracia que se
busca é uma democracia burguesa, neoliberal. A descentralização, a participação se configura
como a desresponsabilização do Estado com as políticas públicas e a autonomia, é uma autonomia
decretada, relativa, uma vez que se limita às imposições do capital.
Considerando, pois, todas as discussões acerca do papel da escola na vida social brasileira
notam‐se a prerrogativa política que foi auferida à participação popular, todavia, avaliamos a
ressignificação dos conceitos de participação, autonomia e descentralização como um importante
mecanismo de manobra das elites dominantes ao longo do processo de “democratização” do
Estado Brasileiro, em detrimento da valorização dos embates patrocinados pelos grupos
defensores da democratização do acesso à educação.
Sabemos que na sociedade de classes, o conceito de democracia nem sempre foi o mesmo,
mas acompanha os contornos exigidos pela sociedade em determinado momento histórico. O
conceito de democracia cunhado pelo capitalismo se configura numa pseudo‐democracia, uma
vez que não se aplica a todos, se apresentando apenas no campo das legislações, na letra da lei e
não no contexto da prática social onde as políticas públicas são elaboradas, vivenciadas,
experenciadas e interpretadas.
As políticas públicas, bem como as leis que as precedem são elaboradas num campo
conflituoso, de disputas e embates sociais que se efetivam entre grupos sociais com interesses
antagônicos e que, portanto, a elaboração dessas políticas são sínteses desses embates sociais que
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trazem consigo, em maior ou em menor grau, os anseios e os interesses de uma classe, que nem
sempre é o da maioria.
Sendo isso verdadeiro, é possível afirmar que a luta pela gestão democrática na educação
também está nessa arena de luta das classes sociais, ou seja, para se tornar um projeto social
hegemônico, precisa ter como base uma concepção dialética da realidade, aquela que considera a
relação intersubjetiva entre o homem e o objeto de conhecimento e que compreende o homem
como ser histórico, que sofre os condicionantes da realidade, mas que traz consigo a capacidade
histórica de nela intervir.
E, sendo a escola um lócus privilegiado de aprendizagem, ela deve garantir a viabilização de
mais esse espaço de aprendizagem, ou seja, a gestão democrática deve buscar meios de efetiva
participação e o envolvimento de toda comunidade e da sociedade no processo educativo, com
todos os limites que a sociedade complexa e neoliberal impõe.
Assim, a gestão democrática, a exemplo de outros modos de gestão encontra limites e
condicionantes políticos que interferem diretamente na consolidação de um projeto social de
educação que leve em consideração os interesses da maioria e não da minoria, mas que,
igualmente, podem ser recriados na prática social.
O que percebemos, entretanto, pelas políticas educacionais de descentralização, das quais
se destacam a criação dos “fundos” de financiamento, a propagação do ideário em torno da
gestão participativa e as propostas de municipalização do ensino, é que a autonomização da
escola significa, ainda, uma tentativa de desresponsabilização do Estado. É importante, então
vislumbrar com maior criticidade os aparentes progressos dos processos inaugurados no seio da
política capitalista.
Tais propostas firmaram‐se por meio de conferências, publicações, financiamentos de
projetos que se configuraram por Lei de Diretrizes, Diretrizes Curriculares, Referenciais, Planos de
Educação, reestruturação dos livros didáticos e inúmeras outras ações que promovem a
internalização desses valores, restando pouco espaço para a crítica e a construção de alternativas
coletivas capazes de subjugarem tal projeto.
Porquanto, é correto afirmar, como já diziam os estudos de Marx e Engels no século XIX,
que não é possível desvincular a economia da educação, porém, o foco deve ser outro:
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compreender como a economia interfere em todos os setores da vida exigindo de todos os
sujeitos históricos um posicionamento e uma ação para a transformação, uma vez que, estando
mantida a mesma lógica do sistema capitalista, ou seja, exploração, acumulação, concentração do
lucro, exclusão social, faz‐se necessário uma ação coletiva em prol da mudança profunda na
estrutura da sociedade.
Nesses termos, é imprescindível que todos saibam discernir os mecanismos pelos quais a
prática neoliberal tem se mantido, perpetuando os ciclos de miséria e desigualdade social, a fim
de que as “bandeiras” de luta defendidas pelos movimentos sociais não sejam violadas por um
sistema que nos tem ludibriado a bel prazer.
Decorre daí a importância de se desvelar o caráter ideológico implícito na elaboração de políticas
públicas, a fim de não cairmos no engodo de que democratização, cidadania, autonomia e descentralização
estejam sendo efetivadas em nossas instituições.
Rossler (2004) colabora nessa discussão, ao argumentar acerca da relação entre educação e
sociedade. Afirma que a educação pode cumprir dupla função na sociedade capitalista: reproduzir as
relações existentes, ou seja, atender aos objetivos da classe dominante, ou servir de instrumento de luta
para os dominados, configurando seu caráter transformador:
A educação deve ser vista como “produção ideológica”. E, assim, deve estar filiada
a um movimento específico: ou se filia ao movimento de manutenção do status
quo, a conservação da sociedade vigente, ou se filia ao movimento revolucionário
de transformação e superação do atual estado de coisas, do quadro social. E isto
posto que pode desempenhar dois papéis: ser arma de luta e instrumento de
adaptação às relações vigentes ou de sua transformação (ROSSLER, 2004, p. 86‐
87).
Compreendemos que além da função de possibilitar ao homem a humanização, por meio
da transmissão dos conceitos científicos, a escola configura‐se como um local em que o processo
de alienação, erigido por uma sociedade cindida em classes antagônicas, que se caracteriza na
exploração do homem pelo homem e pelo lucro desmedido, pode ser desmobilizado e
transformado. Para que isso se efetive, é preciso que nós, professores, tenhamos clareza da
concepção de educação que perpassa esse tipo de estrutura societal, qual seja a educação
direcionada para as exigências do mercado.
Seguindo o fio condutor dessa discussão, compreendemos que o trabalho realizado na
escola confere aos seus principais atores ‐ professores, alunos, gestores, funcionários da
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instituição escolar, a possibilidade de desenvolvimento da consciência humana, bem como da luta
contra a alienação que perpassa a vida dos homens e mina a consciência da concretude e a
acepção de serem sujeitos da história, responsáveis por seus atos e pela transformação do que
está posto como algo imutável e eterno – a sociedade capitalista.
Em face às questões aqui explicitadas, é evidente o processo de ressignificação que a
autonomia, participação e descentralização na perspectiva da gestão democrática assumiram na
atual conjuntura sócio‐econômica, se distanciando em muito, dos horizontes almejados pelas mais
variados movimentos e organizações sociais da década de 1980. Atualmente, a busca pela
superação dessa realidade se esbarra nessas novas concepções e diretrizes neoliberais que
infelizmente comandam os ideais de muitos dos educadores.
Retomando a dupla função exercida pela instituição escolar, como já citada por Rossler
(2004), ao mesmo tempo em que ela é disseminadora de idéias, de grande valor para a
manutenção das relações sociais de produção capitalista, ela representa, junto a outros
mecanismos, uma fonte de superação dessa sociedade, uma vez que, pautando‐se pelo viés crítico
se debruça na historicidade e na materialidade abrindo a possibilidade de realizar a transformação
objetiva na realidade concreta e nos homens que dela participam.
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