SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 9
MORALIDADE E MARCADORES DA DIFERENÇA
Da tolerância religiosa
ao elogio à diversidade
Prof. Gustavo Venturi
Tolerância religiosa
• humanismo nascente no século XIV: tratado Defensor Pacis,
(1324) Marcílio de Pádua e João de Jandun: princípio da
tolerância, referido estritamente à liberdade de confissão, à
possibilidade e necessidade da coexistência pacífica entre
seguidores de mais de uma religião sob um mesmo Estado.
• Debate político sobre a separação entre Estado secular e
autoridade religiosa, demarcação já postulada (Monarchia,
1313) por Dante Alighieri (1265-1321). No mesmo período,
no plano teológico Guilherme de Ockham (1280/90?-1349) –
em oposição a Tomás de Aquino (1225-1274), que
sustentava a conciliação da fé e da razão – defendera a
possibilidade da salvação também sem a fé cristã, para os
que se guiavam pela ‘razão natural’ ou ‘reta razão’ (Lectura
libri sententiarum, 1320?)
• Arrefecimento dos conflitos pós Reforma: Giacomo Aconcio
(1492-1566) sustentaria, em Stratagemata Satanae (1565), a
tese de que a intolerância religiosa era uma armadilha de
Satanás.
• No plano lógico, Jean Bodin (1530-1596), em Colloquium
heptaplomeres (1593), preconiza a possibilidade da paz
religiosa pela volta a uma religião natural, antidogmática;
Hugo Grócio (1583-1645), em De jure belli ac pacis (1625)
defende que a imposição do cristianismo pelas armas era
contrária à razão; e Michel de Montaigne (1533-1592) fará
a defesa da liberdade de consciência a partir de uma
perspectiva cética e relativista (Ensaios, 1580).
• Só no século seguinte, com Baruch Espinosa (1632-
1677), no Tractatus theologico-politicus (1670) apareceria
uma defesa da tolerância com argumentos pragmáticos: a
violência e a imposição não podem promover a fé,
portanto, as leis destinadas a isso seriam inúteis.
Tolerância religiosa
• John Locke (1632-1704) Epístola sobre a Tolerância
(1689): como pode uma religião que propugna pela
caridade (que ultrapassaria a philia grega, perdoando os
inimigos) ter se tornado intolerante, praticar a violência?
• Intolerância cristã teria surgido com a legalização do
cristianismo - religião oficial do império romano sob
Constantino (séc.IV), leva a convergirem interesses da
Igreja e do poder secular: mensagem revolucionária de
liberdade e igualdade na terra transita gradualmente para
a graça no reino dos céus (resignação ante os males
terrenos). Sec VIII: teocracia, Igreja como guardiã da
civilização européia (autoridade é divina)
Tolerância religiosa e liberdade civil
• Locke defenderia a tolerância como ponto de encontro dos
deveres e interesses do Estado e da Igreja:
– ao E. cabe a defesa dos bens civis, não a salvação das almas
– a autoridade da I. não deve ultrapassar seus limites – deve ser
mensageira da paz, da tolerância.
 Liberdade religiosa é questão de foro íntimo
Lei (coerção do soberano) e consciência religiosa (persuasão
do espírito) dizem respeito a coisas distintas.
• Triunfo da tolerência religiosa expressa interesses da burguesia
emergente (comércio nao era pecaminoso, paz civil como melhor
cenário), defendidos pelo racionalismo protestante. Guerras não
advém da diversidade de opiniões, mas da intolerância com a opinião
diversa. Ceticismo X dogmatismo.
• Defesa da sociedade contratualista moderna – origem da
democracia pluralista contemporânea. Premissa: diversidade
humana (perspectiva empirista e culturalista).
Tolerância religiosa e diversidade cultural
• Voltaire (1694-1778), Tratado sobre a Tolerância (1763),
adota argumentação semelhante – pró separação dos
poderes secular e religioso, pró pluralismo religioso – mas
fundamentada antes na ética da identidade (pequenez
humana, não há verdade/caminhos únicos para a
salvação) X ética da diversidade cultural (Locke).
• Voltaire: exaltação do livre-arbítrio, da liberdade de
pensar. Razão é mais eficaz que a força, instrumento para
o combate à ignorância, à estupidez, ao preconceito e à
crueladade, para a consciência da identidade universal.
• Responsabilidade da intolerância religiosa é da Igreja
(condescendente com a monarquia)
Tolerância religiosa
• Séc. 19: Igreja Católica (e monarcas) seguem ortodoxia e
intolerência: encíclicas papais condenam separação de
poderes I. e E., liberdade de consiciência, de culto etc.
• (Dogma da infalibilidade papal: 1870).
• J.Suart Mill (1806-1873), Sobre a Liberdade (1859),
retoma empirismo, mas amplia noção do livre-arbítrio para
liberdade civis: liberdade de consciência (pensamento e
expressão), de autodeterminação (gostos e preferências)
e de associação (política) [Direitos civis, 1a. Geraçao de DH]
• Em suma: tolerância como desdobramento (coletivo) do
princípio interacionista piagetiano (ser humano inacabado
a responder desafios do meio) e da filogênese da
moralidade kohlberguiana (expressa institucionalmente).
Tolerância religiosa e liberdades civis
• M. Walzer (On Tolerance, 1997): cinco (tipos ideais de) regimes de
tolerância às diferenças relativas a direitos coletivamente exercidos – em
associações voluntárias, pertenças religiosas, expressões culturais,
autodeterminação comunitária etc.:
1. Impérios multinacionais (impérios antigos, Persa, Egípcio, Romano –
também coloniais, Espanhol, Britânico etc): coexistência pacífica e
tolerância a grupos - diferentes etnias (culturas, religiões) sob domínio de
burocracia comum;
2. Sociedade internacional (sociedade de Estados): tolerante (a grupos) por
princípio (autodeterminação dos povos) e, para além dos próprios
princípios, por fraqueza (p.22);
3. Consórcios (Suíça, Líbano anos 90): manutenção da coexistência imperial
sem a burocracia imperial, tolerância a grupos, agregada a cidadania
comum mais efetiva (p.35)
4. Estados nacionais (países europeus): sociedades de cidadãos, tolerância
não a grupos, mas a indivíduos como cidadãos e como membros
genéricos de minorias – maior controle de minorias;
5. Sociedades imigrantes (EUA, Canadá, Austrália, [Brasil]): tolerância a
indivíduos (por escolhas pessoais), grupos étnicos e religiosos dependem
mais de si mesmos para se preservarem – mais ameaçados pela
indiferença de seus membros que pela intolerância dos outros.
• M. Walzer: cinco expressões de tolerância às diferenças:
1. Resignação: atitude passiva, de ‘aceitação’ ou
reconhecimento do outro em seu direito básico de existir
(e viver com dignidade);
2. Indiferença: atitude relativista, cabe a cada um decidir
como quer ser (laissez-faire moral);
3. Estoicismo: ou racionalismo abstrato, perspectiva
deontológica, em consideração ao direito de todos;
4. Respeito: atitude de curiosidade ativa, o diferente como
fonte de intercâmbios e aprendizado;
5. Apoio engajado: atitude de endosso entusiástico às
diferenças, o reconhecimento de sua necessidade como
contraponto às próprias ‘escolhas’ identitárias, sem as
quais não haveria individuação e possibilidade de
autonomia (Walzer, On Tolerance, 1997).

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Aula 3 (In)Tolerancia.ppt

Semelhante a Aula 3 (In)Tolerancia.ppt (20)

Revisahistória o iluminismo
Revisahistória o iluminismoRevisahistória o iluminismo
Revisahistória o iluminismo
 
Iluminismo
IluminismoIluminismo
Iluminismo
 
Ética e bioética - ética moderna - cap 1 aula 3
Ética e bioética - ética moderna - cap 1 aula 3Ética e bioética - ética moderna - cap 1 aula 3
Ética e bioética - ética moderna - cap 1 aula 3
 
historia iluminismo
historia iluminismohistoria iluminismo
historia iluminismo
 
Iluminismo 2010
Iluminismo 2010Iluminismo 2010
Iluminismo 2010
 
Iluminismo
IluminismoIluminismo
Iluminismo
 
Iluminismo2
Iluminismo2Iluminismo2
Iluminismo2
 
Política.pdf
Política.pdfPolítica.pdf
Política.pdf
 
Da rev cient ao iluminismo parte 2
Da rev cient ao iluminismo parte 2Da rev cient ao iluminismo parte 2
Da rev cient ao iluminismo parte 2
 
ILUMINISMO
ILUMINISMOILUMINISMO
ILUMINISMO
 
iluminismo-.pptx
iluminismo-.pptxiluminismo-.pptx
iluminismo-.pptx
 
Tolerancia e reconhecimento
Tolerancia e reconhecimentoTolerancia e reconhecimento
Tolerancia e reconhecimento
 
O iluminismo
O iluminismoO iluminismo
O iluminismo
 
Iluminismo
IluminismoIluminismo
Iluminismo
 
33 - O iluminismo
33  - O iluminismo33  - O iluminismo
33 - O iluminismo
 
O iluminismo
O iluminismoO iluminismo
O iluminismo
 
Iluminismo.melissa
Iluminismo.melissaIluminismo.melissa
Iluminismo.melissa
 
40123_8b227bc4a7182502604d43855c99ae0a.pdf
40123_8b227bc4a7182502604d43855c99ae0a.pdf40123_8b227bc4a7182502604d43855c99ae0a.pdf
40123_8b227bc4a7182502604d43855c99ae0a.pdf
 
Humanismo, Jusnaturalismo, Criticismo E Deontologia
Humanismo, Jusnaturalismo, Criticismo E DeontologiaHumanismo, Jusnaturalismo, Criticismo E Deontologia
Humanismo, Jusnaturalismo, Criticismo E Deontologia
 
O Iluminismo
O IluminismoO Iluminismo
O Iluminismo
 

Último

PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéisines09cachapa
 
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdfA QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdfAna Lemos
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfHELENO FAVACHO
 
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfRecomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfFrancisco Márcio Bezerra Oliveira
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Ilda Bicacro
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSOLeloIurk1
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfWagnerCamposCEA
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfTutor de matemática Ícaro
 
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.pptaula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.pptssuser2b53fe
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médiorosenilrucks
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAPROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAHELENO FAVACHO
 
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdf
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdfatividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdf
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdfLuizaAbaAba
 
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfHELENO FAVACHO
 

Último (20)

PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
 
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdfA QUATRO MÃOS  -  MARILDA CASTANHA . pdf
A QUATRO MÃOS - MARILDA CASTANHA . pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
 
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdfRecomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
 
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.pptaula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIAPROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
 
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdf
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdfatividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdf
atividades_reforço_4°ano_231206_132728.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
 

Aula 3 (In)Tolerancia.ppt

  • 1. MORALIDADE E MARCADORES DA DIFERENÇA Da tolerância religiosa ao elogio à diversidade Prof. Gustavo Venturi
  • 2. Tolerância religiosa • humanismo nascente no século XIV: tratado Defensor Pacis, (1324) Marcílio de Pádua e João de Jandun: princípio da tolerância, referido estritamente à liberdade de confissão, à possibilidade e necessidade da coexistência pacífica entre seguidores de mais de uma religião sob um mesmo Estado. • Debate político sobre a separação entre Estado secular e autoridade religiosa, demarcação já postulada (Monarchia, 1313) por Dante Alighieri (1265-1321). No mesmo período, no plano teológico Guilherme de Ockham (1280/90?-1349) – em oposição a Tomás de Aquino (1225-1274), que sustentava a conciliação da fé e da razão – defendera a possibilidade da salvação também sem a fé cristã, para os que se guiavam pela ‘razão natural’ ou ‘reta razão’ (Lectura libri sententiarum, 1320?) • Arrefecimento dos conflitos pós Reforma: Giacomo Aconcio (1492-1566) sustentaria, em Stratagemata Satanae (1565), a tese de que a intolerância religiosa era uma armadilha de Satanás.
  • 3. • No plano lógico, Jean Bodin (1530-1596), em Colloquium heptaplomeres (1593), preconiza a possibilidade da paz religiosa pela volta a uma religião natural, antidogmática; Hugo Grócio (1583-1645), em De jure belli ac pacis (1625) defende que a imposição do cristianismo pelas armas era contrária à razão; e Michel de Montaigne (1533-1592) fará a defesa da liberdade de consciência a partir de uma perspectiva cética e relativista (Ensaios, 1580). • Só no século seguinte, com Baruch Espinosa (1632- 1677), no Tractatus theologico-politicus (1670) apareceria uma defesa da tolerância com argumentos pragmáticos: a violência e a imposição não podem promover a fé, portanto, as leis destinadas a isso seriam inúteis. Tolerância religiosa
  • 4. • John Locke (1632-1704) Epístola sobre a Tolerância (1689): como pode uma religião que propugna pela caridade (que ultrapassaria a philia grega, perdoando os inimigos) ter se tornado intolerante, praticar a violência? • Intolerância cristã teria surgido com a legalização do cristianismo - religião oficial do império romano sob Constantino (séc.IV), leva a convergirem interesses da Igreja e do poder secular: mensagem revolucionária de liberdade e igualdade na terra transita gradualmente para a graça no reino dos céus (resignação ante os males terrenos). Sec VIII: teocracia, Igreja como guardiã da civilização européia (autoridade é divina) Tolerância religiosa e liberdade civil
  • 5. • Locke defenderia a tolerância como ponto de encontro dos deveres e interesses do Estado e da Igreja: – ao E. cabe a defesa dos bens civis, não a salvação das almas – a autoridade da I. não deve ultrapassar seus limites – deve ser mensageira da paz, da tolerância.  Liberdade religiosa é questão de foro íntimo Lei (coerção do soberano) e consciência religiosa (persuasão do espírito) dizem respeito a coisas distintas. • Triunfo da tolerência religiosa expressa interesses da burguesia emergente (comércio nao era pecaminoso, paz civil como melhor cenário), defendidos pelo racionalismo protestante. Guerras não advém da diversidade de opiniões, mas da intolerância com a opinião diversa. Ceticismo X dogmatismo. • Defesa da sociedade contratualista moderna – origem da democracia pluralista contemporânea. Premissa: diversidade humana (perspectiva empirista e culturalista). Tolerância religiosa e diversidade cultural
  • 6. • Voltaire (1694-1778), Tratado sobre a Tolerância (1763), adota argumentação semelhante – pró separação dos poderes secular e religioso, pró pluralismo religioso – mas fundamentada antes na ética da identidade (pequenez humana, não há verdade/caminhos únicos para a salvação) X ética da diversidade cultural (Locke). • Voltaire: exaltação do livre-arbítrio, da liberdade de pensar. Razão é mais eficaz que a força, instrumento para o combate à ignorância, à estupidez, ao preconceito e à crueladade, para a consciência da identidade universal. • Responsabilidade da intolerância religiosa é da Igreja (condescendente com a monarquia) Tolerância religiosa
  • 7. • Séc. 19: Igreja Católica (e monarcas) seguem ortodoxia e intolerência: encíclicas papais condenam separação de poderes I. e E., liberdade de consiciência, de culto etc. • (Dogma da infalibilidade papal: 1870). • J.Suart Mill (1806-1873), Sobre a Liberdade (1859), retoma empirismo, mas amplia noção do livre-arbítrio para liberdade civis: liberdade de consciência (pensamento e expressão), de autodeterminação (gostos e preferências) e de associação (política) [Direitos civis, 1a. Geraçao de DH] • Em suma: tolerância como desdobramento (coletivo) do princípio interacionista piagetiano (ser humano inacabado a responder desafios do meio) e da filogênese da moralidade kohlberguiana (expressa institucionalmente). Tolerância religiosa e liberdades civis
  • 8. • M. Walzer (On Tolerance, 1997): cinco (tipos ideais de) regimes de tolerância às diferenças relativas a direitos coletivamente exercidos – em associações voluntárias, pertenças religiosas, expressões culturais, autodeterminação comunitária etc.: 1. Impérios multinacionais (impérios antigos, Persa, Egípcio, Romano – também coloniais, Espanhol, Britânico etc): coexistência pacífica e tolerância a grupos - diferentes etnias (culturas, religiões) sob domínio de burocracia comum; 2. Sociedade internacional (sociedade de Estados): tolerante (a grupos) por princípio (autodeterminação dos povos) e, para além dos próprios princípios, por fraqueza (p.22); 3. Consórcios (Suíça, Líbano anos 90): manutenção da coexistência imperial sem a burocracia imperial, tolerância a grupos, agregada a cidadania comum mais efetiva (p.35) 4. Estados nacionais (países europeus): sociedades de cidadãos, tolerância não a grupos, mas a indivíduos como cidadãos e como membros genéricos de minorias – maior controle de minorias; 5. Sociedades imigrantes (EUA, Canadá, Austrália, [Brasil]): tolerância a indivíduos (por escolhas pessoais), grupos étnicos e religiosos dependem mais de si mesmos para se preservarem – mais ameaçados pela indiferença de seus membros que pela intolerância dos outros.
  • 9. • M. Walzer: cinco expressões de tolerância às diferenças: 1. Resignação: atitude passiva, de ‘aceitação’ ou reconhecimento do outro em seu direito básico de existir (e viver com dignidade); 2. Indiferença: atitude relativista, cabe a cada um decidir como quer ser (laissez-faire moral); 3. Estoicismo: ou racionalismo abstrato, perspectiva deontológica, em consideração ao direito de todos; 4. Respeito: atitude de curiosidade ativa, o diferente como fonte de intercâmbios e aprendizado; 5. Apoio engajado: atitude de endosso entusiástico às diferenças, o reconhecimento de sua necessidade como contraponto às próprias ‘escolhas’ identitárias, sem as quais não haveria individuação e possibilidade de autonomia (Walzer, On Tolerance, 1997).