Este documento apresenta o livro-texto "Leitura e Produção de Texto" produzido pela equipe da Universidade Potiguar. O livro contém as apresentações dos autores Sílvio Luís da Silva, José Romerito Silva, Edna Maria Rangel de Sá e Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva, além do plano de ensino da disciplina de mesmo nome ministrada na modalidade a distância.
1. Leitura e Produção de Texto
Sílvio Luís da Silva
José Romerito Silva
Edna Maria Rangel de Sá
Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva
2.
3. UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – NEaD
Leitura e Produção de Texto
Livro-texto EaD
Natal/RN
2010
4. L533 Silva, Silvio Luis da.
Leitura e produção de texto / Sílvio Luís da Silva... [et
al]. – Natal: EdUnP, 2010.
208p. : il. ; 20 X 28 cm
Ebook – Livro eletrônico disponível on-line.
ISBN 978-85-61140-17-5
I. Silva, José Romerito. II. Sá, Edna Maria Rangel. III. Silva,
Celia Maria Barbosa de Medeiros.
RN/UnP/BCSF CDU 504.064.2
DIRIGENTES DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
Reitoria
Sâmela Soraya Gomes de Oliveira
Pró-Reitoria de Graduação e Ação Comunitária
Sandra Amaral de Araújo
Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação
Aarão Lyra
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP
Coordenação Geral
Barney Silveira Arruda
Luciana Lopes Xavier
Coordenação Pedagógica
Edilene Cândido da Silva
Coordenação de Produção
de Recursos Didáticos
Michelle Cristine Mazzetto Betti
Coordenação de Produção de Vídeos
Bruna Werner Gabriel
Coordenação de Logística
Helionara Lucena Nunes
Revisão de Linguagem
e Estrutura em EaD
Priscilla Carla Silveira Menezes
Thalyta Mabel Nobre Barbosa
Úrsula Andréa de Araújo Silva
Apoio Acadêmico
Flávia Helena Miranda de Araújo Freire
Assistente Administrativo
Eliane Ferreira de Santana
Gabriella Souza de Azevedo
Gibson Marcelo Galvão de Sousa
Giselly Jordan Virginia Portella
5. Sílvio Luís da Silva
José Romerito Silva
Edna Maria Rangel de Sá
Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva
Leitura e Produção de Texto
Livro-texto EaD
Natal/RN
2010
6. EQUIPE DE PRODUÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS
Organização
Luciana Lopes Xavier
Michelle Cristine Mazzetto Betti
Coordenação de Produção de Recursos Didáticos
Michelle Cristine Mazzetto Betti
Revisão de Linguagem e Estrutura em EaD
Priscilla Carla Silveira Menezes
Thalyta Mabel Nobre Barbosa
Úrsula Andréa de Araújo Silva
Ilustração do Mascote
Lucio Masaaki Matsuno
EQUIPE DE EDITORAÇÃO GRÁFICA
Delinea - Tecnologia Educacional
Coordenação de Editoração
Charlie Anderson Olsen
Larissa Kleis Pereira
Coordenação Pedagógica
Margarete Lazzaris Kleis
Ilustrações
Alexandre Beck
Revisão Gramatical e Normativa
Vera Vasilévski
Diagramação
Leniza Wallbach e Silva
7. SÍLVIO LUÍS DA SILVA
Olá! Meu nome é Sílvio Luís da Silva, um dos autores deste livro-texto.
Como estaremos “juntos” nesta jornada, gostaria de me apresentar. Sou
bacharel em Letras – Português e Inglês, pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) e licenciado em Português e Inglês pela Faculdade de
Educação(FE),ambasdaUniversidadedeSãoPaulo(USP).EstudeisobreoCampo
da Comunicação e as Teorias do Discurso na Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e sou mestre em Língua Portuguesa,
Leitura e Redação, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). Fui professor substituto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Atualmente, sou professor da graduação na Universidade Potiguar
(UnP) e coordeno a pós-graduação em Língua Inglesa da mesma instituição.
JOSÉ ROMERITO SILVA
Como vai? Sou José Romerito Silva, também autor deste livro-texto.
Assim, gostaria de me apresentar a você. Sou licenciado em Letras pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desde 1981, e em
Pedagogia pela UFRN, desde 1990. Sou mestre em Estudos da Linguagem,
área de concentração Linguística Aplicada, pelo Programa de Pós-graduação
em Estudos da Linguagem (PPgEL), do curso de Letras da UFRN (2000), doutor
em Estudos da Linguagem – Linguística Aplicada, pelo PPgEL (2008), professor
adjunto da UFRN, onde leciono na Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) e no
PPgEL, e membro do Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática, do PPgEL, no
qual desenvolvo pesquisas na linha teórica da Linguística Cognitivo-funcional.
EDNA MARIA RANGEL DE SÁ
Meu nome é Edna Maria Rangel de Sá. Sou formada em Letras pela
UFRN, mestre em Literatura Comparada e doutora em Educação, pela UFRN.
Trabalhei doze anos como professora da UnP, atuando nos cursos de Letras,
Pedagogia, Medicina, Engenharia Civil, Arquitetura, Psicologia e Nutrição. Fui
diretora adjunta do Curso de Letras, e tenho 33 anos de experiência como
docente. Atualmente, sou professora adjunta da UFRN, na Escola de Ciências
e Tecnologia, onde trabalho com Práticas de Leitura e Escrita (PLE).
CÉLIA MARIA MEDEIROS BARBOSA DA SILVA
Olá! É um prazer estar com você nesta jornada! Meu nome é Célia
Maria Medeiros Barbosa da Silva. Sou graduada em Letras com habilitação
em Português e Inglês e respectivas literaturas pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, desde 1986, mestre em Letras pela UFRN (2002) e
doutora em Letras pela UFRN (2010). Trabalho como professora do Curso de
Letras da Universidade Potiguar, onde, atualmente, exerço também a função
de diretora do curso. Tenho experiência na área de Língua Portuguesa,
Linguística, Linguística Aplicada, Ensino e Aprendizagem de Língua Materna
e Estrangeira, Políticas Públicas para o Ensino de Línguas e Livro Didático.
CONHECENDO
O
AUTOR
CONHECENDO
O
AUTOR
8.
9. LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO
Desde muito cedo, na escola, ouvimos falar em Leitura e
Produção de Texto. Passamos por vários momentos em nossa
formação, em que a ideia de texto é vista e revista, e nós, apesar de
sermos conscientes das necessidades de escrever bem, ainda pecamos
em algumas formas de nos comunicar, especialmente por escrito.
Isso, por certo, acontece porque muito de o que aprendemos
sobre a leitura e a produção textuais são regras que parecem
distantes de nossa realidade, porque são por demais eruditas. Em
momentos diversos, ouvimos “isso está errado”, “isso não pode”
e, de tantos nãos, ficamos apreensivos quanto à melhor forma de
empregar nosso conhecimento linguístico.
Neste trabalho que agora iniciamos, vamos desmistificar
alguns dos conceitos fechados que nos foram mostrados, para
passar a entender a leitura e a produção de textos como uma
forma prazerosa de encarar nossa necessidade de comunicação,
especialmente quando se trata de textos escritos, com os quais,
querendo ou não, temos contato diário.
Vamos começar nosso trabalho, percebendo que a leitura
não é uma atividade passiva, que fazemos sem ter em mente nossa
capacidade de interpretar o que estamos lendo e nossa capacidade
de interferir nesse texto, a partir do conhecimento que adquirimos
ao longo de nossa existência.
Isso também deverá acontecer com nosso processo de
escrever. Aqui, o entenderemos mais profundamente, pois
passaremos a compreender que os procedimentos normativos de se
produzir comunicação escrita estão permeados por procedimentos
pragmáticos, situacionais, que permitirão sermos mais flexíveis e
agradáveis para nosso leitor, seja ele de nossa escrita ou de nossa
fala, porque, em ambos os casos, estamos fazendo texto.
Nosso trabalho, a partir de agora, será entender nossa capacidade
delidarcomaspalavrase,comoauxíliodelas,nosexpressarparaomundo.
CONHECENDO
A
DISCIPLINA
CONHECENDO
A
DISCIPLINA
10.
11. CURSO: NEaD - DISCIPLINAS DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA
DISCIPLINA: LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO
PROF. AUTOR: SILVIO LUIS DA SILVA, JOSÉ ROMERITO SILVA, EDNA MARIA
RANGEL DE SÁ GOMES e CÉLIA MARIA MEDEIROS BARBOSA DA SILVA
MODALIDADE: A DISTÂNCIA
1 IDENTIFICAÇÃO
Leitura e produção de texto. Relações de significação e construção de
sentido. Os gêneros textuais e a interação entre autor, texto e leitor. A
textualidade e suas relações com o processo de construção discursiva.
2 EMENTA
Aperfeiçoar os conhecimentos relativos à leitura e produção de textos,
por meio de um suporte teórico-metodológico que possibilite o
desenvolvimento dessas habilidades de forma competente.
3 OBJETIVOS
• Conhecimento dos mecanismos da organização textual.
• Capacidade de produzir textos coerentes.
4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
PLANO
DE
ENSINO
PLANO
DE
ENSINO
Compreensão da produção textual como uma prática ético-estético-
política,vinculadaaocontextodeinteraçãoeaoperfildosinterlocutores.
5 VALORES E ATITUDES
UNIDADE I
• Conceitos de linguagem,
língua e gramática.
• Oralidade e escrita.
• Variações linguísticas.
• O texto e o discurso:
a construção dos sentidos.
UNIDADE II
• Estrutura do período e do
parágrafo.
• Fatores de textualidade.
• Estratégias argumentativas.
• Organização textual: práticas
de leitura e de produção de
gêneros textuais.
6 CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS
12. • Utilização de material didático impresso (livro-texto).
• Interação por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem.
• Utilização de material complementar (sugestão de filmes, livros, sites, músicas,
ou outro meio que mais se adapte à realidade do aluno).
7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
• Pontualidade e assiduidade na entrega das atividades propostas no material
didático impresso (livro-texto) e solicitadas pelo tutor, no Ambiente Virtual de
Aprendizagem.
• Realização das avaliações presenciais obrigatórias.
8 ATIVIDADES DISCENTES
A avaliação ocorrerá em todos os momentos do processo ensino-aprendizagem
considerando:
• leitura do material didático impresso (livro-texto);
• interação com o tutor por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem;
• realização de atividades propostas no material didático impresso (livro-texto) e
pelo tutor no Ambiente Virtual de Aprendizagem;
• aprofundamento de temas em pesquisa extra material didático impresso (livro-texto).
9 PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO
FARACO, C. A.; TEZZA, C. Oficina de texto. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 319p.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo:
Contexto, 2009. 220p.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3.ed. São
Paulo: Parábola Editorial, 2009. 295p.
10.1 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
10 BIBLIOGRAFIA
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2.ed. São Paulo:
Contexto, 2008. 216p. 2.reimp. 2008.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 9.ed. São
Paulo: Cortez, 2008. 133p.
10.2 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
13. Capítulo 1 - Desmistificando linguagem, língua e gramática.................. 13
1.1 Contextualizando...........................................................................................................13
1.2 Conhecendo a teoria.....................................................................................................14
1.2.1 As concepções de linguagem .........................................................................15
1.2.2 O que é, então, a língua?...................................................................................19
1.2.3 Gramática................................................................................................................25
1.3 Aplicando a teoria na prática.....................................................................................27
1.4 Para saber mais ...............................................................................................................30
1.5 Relembrando...................................................................................................................30
1.6 Testando os seus conhecimentos.............................................................................31
Onde encontrar......................................................................................................................33
Capítulo 2 - Oralidade e escrita .................................................................. 35
2.1 Contextualizando...........................................................................................................35
2.2 Conhecendo a teoria.....................................................................................................36
2.2.1 A soberania da escrita........................................................................................36
2.2.2 A praticidade e importância da oralidade..................................................39
2.2.3 Paradoxo entre oralidade e escrita................................................................42
2.2.4 Semelhanças e diferenças entre oralidade e escrita...............................46
2.2.5 A oralidade na escrita e escrita na oralidade.............................................48
2.3 Aplicando a teoria na prática ....................................................................................51
2.4 Para saber mais ...............................................................................................................52
2.5 Relembrando...................................................................................................................53
2.6 Testando os seus conhecimentos.............................................................................54
Onde encontrar......................................................................................................................56
Capítulo 3 - Variações linguísticas.............................................................. 57
3.1 Contextualizando...........................................................................................................57
3.2 Conhecendo a teoria.....................................................................................................58
3.2.1 Os planos de ocorrência da variação linguística ......................................61
3.2.2 Variação de registro ou estilísticas.................................................................63
3.2.3 Variações históricas.............................................................................................64
3.2.4 Variação diatópica ou geográfica ..................................................................66
3.2.5 Variação diastrática ou social...........................................................................67
3.3 Aplicando a teoria na prática.....................................................................................72
3.4 Para saber mais ...............................................................................................................73
3.5 Relembrando...................................................................................................................74
3.6 Testando os seus conhecimentos.............................................................................75
Onde encontrar......................................................................................................................76
Capítulo 4 - O texto e o discurso: a construção de sentidos..................... 77
4.1 Contextualizando ..........................................................................................................77
4.2 Conhecendo a teoria ....................................................................................................78
4.3 Aplicando a teoria na prática.....................................................................................94
4.4 Para saber mais ..............................................................................................................95
4.5 Relembrando...................................................................................................................96
4.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................97
Onde encontrar .................................................................................................................... 99
SUMÁRIO
SUMÁRIO
14. Capítulo 5 - Estrutura do período e do parágrafo.......................................................101
5.1 Contextualizando .................................................................................................................................101
5.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................102
5.2.1 Frase.................................................................................................................................................103
5.2.2 Oração.............................................................................................................................................104
5.2.3 Período ...........................................................................................................................................107
5.2.4 Parágrafo........................................................................................................................................109
5.3 Aplicando a teoria na prática............................................................................................................118
5.4 Para saber mais .....................................................................................................................................119
5.5 Relembrando .........................................................................................................................................120
5.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................121
Onde encontrar ............................................................................................................................................122
Capítulo 6 - Fatores de textualidade ..........................................................................123
6.1 Contextualizando .................................................................................................................................123
6.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................124
6.2.1 Fatores de coerência textual...................................................................................................125
6.2.2 Os mecanismos de coesão textual.......................................................................................131
A coesão referencial.....................................................................................................................................................131
A coesão sequencial ou sequenciadores lógico-argumentativos...............................................................137
6.3 Aplicando a teoria na prática............................................................................................................145
6.4 Para saber mais .....................................................................................................................................148
6.5 Relembrando .........................................................................................................................................148
6.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................149
Onde encontrar ............................................................................................................................................152
Capítulo 7 - Estratégias argumentativas ....................................................................153
7.1 Contextualizando .................................................................................................................................153
7.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................154
7.2.1 Argumentos retóricos ...............................................................................................................157
7.2.2 Defeitos de argumentação......................................................................................................165
7.3 Aplicando a teoria na prática............................................................................................................172
7.4 Para saber mais .....................................................................................................................................174
7.5 Relembrando .........................................................................................................................................174
7.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................176
Onde encontrar ............................................................................................................................................176
Capítulo 8 - Organização textual: práticas de leitura e de produção
de gêneros textuais ......................................................................................................177
8.1 Contextualizando .................................................................................................................................177
8.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................178
8.2.1 A leitura e sua complexidade.................................................................................................178
8.2.2 Gêneros textuais: definição e constituição........................................................................186
8.3 Aplicando a teoria na prática............................................................................................................196
8.4 Para saber mais .....................................................................................................................................198
8.5 Relembrando .........................................................................................................................................199
8.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................200
Onde encontrar ............................................................................................................................................201
Referências ....................................................................................................................203
15. 13
Leitura e Produção deTextos
1.1 Contextualizando
Você lembra quando estudou na escola os conceitos de língua e
gramática? Bem, neste capítulo você verificará que tanto a língua como a
gramática são vistas no ensino regular de forma um tanto equivocada.
A língua, como veremos, não está sujeita, exatamente, às regras de uma
única normatização, a Gramática Normativa, aquela que encontramos nos
livros e que diz que aqui se usa uma mesóclise, aqui está errada a concordância,
aqui isso e aqui aquilo.
Na verdade, aqui vamos demonstrar que a língua é um sistema de
comunicação, parte integrante da linguagem, que é extremamente dinâmico
e não espera as regras surgirem para se realizar. Vamos descobrir que a
gramática, a Normativa, deveria obedecer à língua falada pelo povo de
determinada localização geográfica e respeitar as escolhas que esse povo fez
para produzir significados em suas relações de comunicação.
Diante disso, estamos certos de que você já percebeu que não falamos
sempre do mesmo modo em todas as situações. Em casa, no contato com
nossa família, e também na rua, com os amigos mais íntimos, não estamos
preocupados se vamos seguir ou não a gramática normativa. Simplesmente
falamos e nos comunicamos, pronto. Mas, se vamos fazer uma entrevista de
emprego, se vamos falar com alguém que acreditamos ser mais importante
ou ter mais conhecimentos do que nós, fazemos o quê? Buscamos as palavras
mais “chiques”, escolhemos formas mais densas para nos expressar, e até nossa
postura muda.
DESMISTIFICANDO LINGUAGEM,
LÍNGUA E GRAMÁTICA
CAPÍTULO 1
1
16. Capítulo 1
14 Leitura e Produção deTextos
Pois bem, isso significa que, embora todos nós, brasileiros, falemos a
mesma língua, ela não é igual, não apresenta sempre as mesmas características
nos vários contextos sociais em que somos inseridos, e há contextos específicos
emquenostornamos,conscientemente,sujeitosaobedeceraumadeterminada
regra e em outros, não.
Por isso, este capítulo torna-se tão relevante para sua formação, pois
compreender as implicações da linguagem, da língua e da gramática na
comunicação é importante para que você seja mais bem compreendido pelos
outros, se expresse como quer e atinja seus objetivos.
Ao final deste capítulo você estará apto a:
• adequar sua linguagem às situações de comunicação;
• compreender diferentes gramáticas e seus usos;
• aproximar-se mais de seu interlocutor, fazendo-se compreender; e
• atingir seus objetivos com a comunicação oral e escrita.
1.2 Conhecendo a teoria
Linguagem, língua e gramática são a mesma coisa?
Por que se discute tanto a respeito delas?
REFLEXÃO
Precisamos, primeiramente, dar uma resposta clara à primeira pergunta:
Não! Linguagem, língua e gramática não são a mesma coisa. Cada qual tem
sua maneira de existir, cada qual tem empregos distintos no processo de
comunicação, mas todas elas são parte da interação social e obedecem (ou
estabelecem, por si mesmas) a maneiras e lugares específicos para se manifestar.
17. Capítulo 1
15
Leitura e Produção deTextos
Ao pensar na inter-relação entre as três, notamos que elas são
“encaixadas” umas nas outras, pois a linguagem é algo mais amplo, que
abarca tanto a língua quanto a gramática, e a língua, que está contida na
linguagem, tem em sua composição aspectos gramaticais. Ao estabelecer uma
relação entre elas, temos:
Linguagem
Língua
Gramática
Figura 1 - Relação entre linguagem, língua e gramática
Vamos dar início a nosso estudo com a linguagem.
1.2.1 As concepções de linguagem
O autor Ataliba Castilho (1998), ao perceber a importância das
concepções de linguagem para o ensino de língua portuguesa, esclarece que
há três maneiras de se entender a língua do homem:
• a língua como atividade mental, ou seja, a linguagem é
entendida como a expressão do pensamento;
• a língua como uma estrutura, ou seja, a linguagem é vista
como um instrumento de comunicação; e
• a língua como atividade social, ou seja, a linguagem é entendida
como uma forma ou meio de interação social entre as pessoas.
Vamos ver, então, como essas maneiras de se entender a linguagem
humana são interpretadas em suas especificidades.
a) A linguagem como expressão do pensamento tem sua base na tradição
gramatical grega, que foi aceita pelos latinos e passou pela Idade
Média e Moderna. Ela só recebeu críticas contundentes no século XX,
18. Capítulo 1
16 Leitura e Produção deTextos
especialmente por Ferdinand de Saussure (1969), nos primórdios dos
estudos da Linguística. Essa perspectiva entende que a linguagem é
uma forma de representar o que se passa em nossa mente e deriva do
conhecimento de mundo do indivíduo, de seu conhecimento empírico
de o que está posto na realidade que ele experimentou ao longo de sua
vida. Por essa razão, o uso da linguagem é tido como ato monológico,
dependente das leis psicológicas do próprio indivíduo e de sua capacidade
de organizar e verbalizar o pensamento de maneira lógica.
Ferdinand de Saussure (1857-1913) nasceu em
Genebra, na Suíça, e estudou Física e Química
em Leipzig, ao mesmo tempo em que estudava
Linguística com cursos de gramática grega e latina.
Ingressou na Sociedade Linguística de Paris e,
ainda como estudante, publicou, em 1879, aos 21
anos, um estudo sobre o sistema das vogais indo-
europeias. Em 1906, começou a lecionar Linguística
Geral na universidade de Genebra. Passou, então, a
realizarconferênciasqueapresentaramconceitosquemudaramaforma
de os estudiosos verem a Linguística. O livro que reúne seu pensamento,
Curso de Linguística Geral, porém, foi publicado após sua morte, a partir
das anotações de dois de seus alunos, Charles Bally e Albert Séchehaye.
Esse livro é considerado um marco nos estudos linguísticos.
BIOGRAFIA
Essa maneira de conceber a linguagem deu origem a estudos como os
desenvolvidos pela gramática tradicional, que se preocupa, principalmente,
com estabelecer regras para se falar e escrever “corretamente”. Por isso, as
regras são como um guia para se produzir comunicação, então, o texto falado
ou escrito deve obedecer às regras de concordância nominal e verbal, de ordem
dos elementos na sentença, de colocação pronominal etc. Um exemplo disso é
defender que não se pode falar “Me dê um copo d’água, por favor”, porque na
língua portuguesa não se deve usar um pronome oblíquo em início de sentença.
Apenas para começarmos a pensar, você já ouviu, por acaso, alguém
dizer “Dê-me um copo d’água, por favor”? Pois é, se fôssemos guiados em
todos os momentos por essa perspectiva de o que é a linguagem humana na
comunicação verbal, deveríamos falar assim e nosso pensamento deveria ser
organizado para se expressar segundo essa regra normativa.
19. Capítulo 1
17
Leitura e Produção deTextos
b) A linguagem como instrumento de comunicação entende que a língua é
um código por meio do qual um emissor transmite sua mensagem a um
receptor. Para isso, é necessário que esse código seja comum aos falantes
do grupo social que o utiliza.
A novidade dessa perspectiva é a inclusão do destinatário a quem a
informação é dirigida no processo de comunicação. Com isso, a proposta
é mais social do que a anterior, que se estruturava apenas em regras, sem
pensar na pessoa que vai ouvir ou ler o que outra fala ou escreve. Porém,
o enfoque dado a essa concepção de linguagem é unidirecional, porque
ela entende que apenas o emissor é um elemento ativo no processo de
comunicação,erelegaoreceptoraserumelementopassivo,quesórecebe
a informação posta na comunicação, e não questiona o entendimento
de o que se “quer” comunicar, nem age sobre isso. Permanece, assim, o
caráter monológico atribuído à linguagem.
Podemos dizer, então, que não é difícil de entender também que a língua,
nessa proposta, é estudada apenas em seus aspectos internos (isto é,
estruturais), desvinculada do uso, o que significa dizer que não se leva
em conta o contexto sociodiscursivo da produção textual. Além disso,
ignoram-se as características dos interlocutores (idade, sexo, posição
social), a situação enunciativa (uma entrevista, um professor em sala de
aula, um diálogo com parentes ou colegas) e as determinações que cada
uma das situações impõe aos usuários.
c) A linguagem como forma ou meio de interação social acrescenta uma
perspectiva muito importante para que se compreendam os usos da
linguagem humana: a perspectiva do intercâmbio discursivo, ou seja,
passa-se a entender a linguagem como um trabalho coletivo, de natureza
social e histórica e com finalidade específica. Nas palavras de Brasil (1998,
p.20), trata-se de “uma ação orientada para uma finalidade específica
[...] que se realiza nas práticas sociais existentes, nos diferentes grupos
sociais, nos distintos momentos da história”.
A linguagem deixa de ser uma abstração, e passa a fazer parte do
processo comunicativo todo, no qual os papéis sociais dos interagentes
influenciam sua forma de se comunicar. Assim, a comunicação se dá em
processo de co-autoria, pois não são duas entidades abstratas que se
comunicam, mas um pai com um filho, um patrão com um empregado,
20. Capítulo 1
18 Leitura e Produção deTextos
um médico com um paciente, um escritor com um leitor etc.. Ainda,
ambos são produtores de sentido, ambos contribuem para que o que é
dito seja efetivamente compreendido e a informação dada seja recebida
em sua plenitude, ou seja, em processo de interação.
Quando estamos falando sozinhos ou
escrevendo um diário íntimo, ainda é possível
preservar o caráter interacional e dialógico da
linguagem?
REFLEXÃO
A resposta é: “É claro que sim!”. Mesmo em situações como essas, a
linguagem não perde sua natureza interativa. Em momentos assim, é como se
o locutor se desdobrasse em outro, que se torna seu interlocutor e com quem
interage e trava um diálogo.
Vista desse modo, a linguagem não viabiliza apenas a interlocução
entre falante e ouvinte ou entre escritor e leitor, mas, sobretudo, o diálogo
entre representantes de posições sociais, histórico-culturais e ideologicamente
definidas. Como se pode observar, nessa nova maneira de conceber a
linguagem, não há mais lugar para as figuras polarizadas do emissor e do
receptor. Ambos são redefinidos como interlocutores e, assim, co-responsáveis
pelo estabelecimento da relação sociodiscursiva.
Isso nos leva a concluir que a linguagem, de acordo com essa perspectiva,
não independe dos usuários nem do contexto de interação. Ao contrário, ela
mantém relação intrínseca com o uso, e é moldada conforme as condições de
produção do discurso.
Assim, por exemplo, numa propaganda dirigida ao público infantil, a
linguagem assume características próprias da fala dessa faixa etária. Por outro
lado, caso seja direcionada aos jovens ou a profissionais de determinada área,
ela deve ajustar-se ao perfil específico dos respectivos interlocutores. Caso isso
seja desconsiderado, pode haver falhas na interlocução. Concorda?
21. Capítulo 1
19
Leitura e Produção deTextos
Vamos a um desafio? Leia o Texto 1 a seguir:
TEXTO 1
Maria Gulora
Vem cá, Maria Gulora!
Escuta, que eu quero agora
uma coisa te contar.
É uma recordação
dos dias das inlusão
que faz a gente chorar.
Eu antonte andei na varze.
Não morri, mas porém quase
enlouqueço, de repente.
Quando meus óio avistou
as casa que tu morou,
Quando nóis era inucente.
Fonte: CARVALHO, G. P. poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Ed. Associados Ltda, 2002. p. 42.
Agora, responda, com base no texto lido:
a) Pelos aspectos linguísticos do texto, em qual
das teorias que vimos você acredita que o
autor se baseou para escrever o texto?
b) Ainda pelos aspectos linguísticos, como você
descreveria o autor?
c) Quais elementos do texto contribuíram para
você identificar o autor?
d) Reescreva o trecho do poema seguindo as
regras da gramática normativa.
DESAFIO
1.2.2 O que é, então, a língua?
Percebemos que a linguagem é um sistema criado pelo homem para atender
a suas necessidades de comunicação e, como sabemos, existem várias línguas no
mundo, pois cada país (ou grupo de países) escolhe um determinado código
linguístico para se comunicar verbalmente. Antes de entrar, precisamente, no
conceito de língua, precisamos entender outra coisa: a composição da linguagem.
22. Capítulo 1
20 Leitura e Produção deTextos
Vamos, então, esclarecer os elementos que constituem a linguagem.
A primeira coisa que precisamos saber é que a linguagem de determinado
grupo é composta por signos socialmente construídos e partilhados por toda
a comunidade, porém, “conquanto constitua a linguagem dom comum de
todos os homens, nem todos eles se comunicam pelas mesmas palavras. O
conjunto de palavras, ou melhor, a linguagem própria de um povo chama-se
língua ou idioma” (ALMEIDA, 1999, p.17).
Como estamos falando de signo, precisamos saber direito o que é um
signo, não é? Pois bem, os signos não são apenas as palavras. Podemos entender
o conceito de signo como sendo qualquer objeto, som, palavra, imagem etc.,
capaz de representar outra coisa. Hoje em dia, por exemplo, ao dirigir, estamos
sujeitos à interpretação de inúmeros signos, como uma buzinada, que indica
que fizemos algo errado no trânsito, as placas que indicam a velocidade, os
semáforos que nos dizem para continuar, se estão verdes, pararmos, se estão
vermelhos, e inúmeros outros fatores. Cada um desses fatores são signos que
representam coisas que devemos saber e que nossos pares sociais também
entendem. Assim, para se compreender a relevância do termo, é preciso notar
que viver em sociedade implica, necessariamente, entender os signos que
nossa sociedade escolheu para significar para nós e para nos significar.
CONCEITO
CONCEITO
Um signo é a união de um componente de
expressão (falado, escrito, gestual, audiovisual
etc.) com um conceito (ou significado). Contudo,
sua significação não é dada em si mesmo, mas
depende de quem o utiliza, da situação e da
finalidade. Assim, o signo é contextualmente
(sociocultural e historicamente) determinado.
Como já percebemos, os signos que constituem a linguagem são divididos
em não-verbais, mistos e verbais. Vamos diferenciá-los?
a) Signos não-verbais: podem ser gestuais (movimentos e expressões
corporais e faciais), plásticos (tais como monumentos, esculturas etc.),
pictóricos (desenhos, tabelas, gráficos, esquemas, gravuras, fotografias
etc.), acústicos (sons de buzinas, campainhas, sirenes etc.), dentre outros.
Veja os exemplos a seguir:
23. Capítulo 1
21
Leitura e Produção deTextos
Crystian Cruz Carola Koffiemetkoek
Figuras 2 e 3 - Exemplos de signos não-verbais
b) Signos mistos: são aqueles em que encontramos a combinação de itens
verbais, escritos ou falados, e os demais, como imagens, fotos, gravuras
etc. A utilização desses signos se dá de diversas maneiras, como, por
exemplo, em uma conversa em que os elementos não-verbais, acrescidos
da fala dos interagentes, são formas de significar, como a gesticulação,
a entonação, a expressão facial e até mesmo a postura adotada pelos
falantes e seu modo de se vestir. Incluímos nessa categoria os textos
audiovisuais, como as charges televisivas, o desenho animado etc., que
se valem de vários elementos para produzir significação na comunicação.
Assim, a TV, o cinema e o teatro são ótimas evidências da articulação bem-
sucedida das diferentes formas de linguagem. Vejamos alguns exemplos:
Figuras 4 e 5 - Exemplos de signos mistos
Fonte: < http://portal.saude.gov.br>.
c) Signos verbais: são os signos linguísticos, isto é, aqueles que compõem
uma língua natural (português, inglês, alemão, russo, japonês, guarani)
e até mesmo as línguas artificiais, criadas para fins específicos, como o
esperanto. É o que se pode também chamar de linguagem verbal.
24. Capítulo 1
22 Leitura e Produção deTextos
Aqui entramos, especificamente, no conceito de o que é a língua, um dos
itens – talvez o mais importante – do processo de significação, na construção
de sentidos nas interações sociais. As sociedades organizam-se em torno da
língua, que é, na realidade, um código específico dentro da linguagem.
O linguista Ferdinand de Saussure entende a língua como um sistema de
signos linguísticos que:
[...] existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados
em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares,
todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois,
de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e
independa da vontade dos depositários (SAUSSURE, 1970, p.27).
Para simplificar, podemos entender a língua como um sistema variável,
composto por signos verbais, postos em movimento durante o processo de
comunicação verbal, que possibilitam a interação e a compreensão da informação.
Assim, esses signos verbais escolhidos pela comunidade ocorrem na comunicação
oral e na comunicação escrita. São, portanto, divididos segundo esta perspectiva:
• Signos orais: são aqueles realizados pela fala (ou língua falada).
Exemplos disso são as conversas informais (face a face ou ao telefone),
as conferências, as aulas expositivas, as transmissões de rádio etc. Veja os
exemplos que se seguem:
Saul Godilho ESMTG
Figura 6 e 7 - Exemplos de signo oral
• Signos escritos: são aqueles expressos por meio de caracteres gráficos (ou
língua escrita). Como exemplos deles, temos os livros, os jornais, as revistas,
as correspondências, dentre outros. Observe os seguintes exemplos:
25. Capítulo 1
23
Leitura e Produção deTextos
Beck
Figura 8 - Exemplo de signo escrito (nos balões)
Já podemos perceber que, mesmo que tentemos estabelecer uma
divisão didática para compreender os signos verbais, essa divisão nos permite
compreender cada um dos tipos de ocorrência, mas eles se dão, muitas
vezes, de maneira mista. Veja o exemplo da tira, em que os elementos
visuais são produtores de significado tanto quanto as palavras escritas, que
podem eventualmente acompanhar a comunicação; ou mesmo a televisão,
os outdoors, os panfletos, em que muitos dos recursos de significação estão
imbricados. Não se pode conceber, por exemplo, um filme em que só ocorram
imagens, pois, mesmo na época do chamado “cinema mudo”, a ocorrência
de sons, com as músicas de fundo, ajudava no processo de significação, além
das palavras que eram utilizadas em quadros, para “contar” algo de que a
imagem não dava conta.
Para concluir, cabe esclarecer que não existe uma modalidade de
linguagem prioritária, superior ou melhor do que outra. Também não é
correto supor que uma forma de expressão possa substituir a outra com a
mesma eficácia. Isso significa que cada comunidade desenvolve as modalidades
de linguagem – e de uso da língua – dentro de suas condições e demandas
socioculturais, e procura utilizá-las apropriadamente, de acordo com as
situações de interação, de modo a atingir objetivos pretendidos.
Vamos a uma atividade? Observe o cartaz a seguir:
26. Capítulo 1
24 Leitura e Produção deTextos
Figura 9 - Cartaz
Fonte: <www.greenpeace.org>.
PRATICANDO
PRATICANDO
No cartaz, tente destacar os signos verbais e
não-verbais. De que forma os signos não-verbais
o ajudaram nesse entendimento? Qual signo
verbal contribuiu para sua interpretação?
Com o que vimos até agora, já sabemos, claramente, que língua e
linguagem são duas coisas distintas, mas complementares. Entendemos
também que a língua se divide em oral e escrita. Não fica difícil, então, de
perceber que há regras distintas para a ocorrência de cada uma delas. Assim,
a língua oral tem suas formas de ocorrer e a escrita, outras tantas. A essas
normas de ocorrência chamamos gramática.
Contudo, gramática não é apenas aquele amontoado de regras que
aprendemos para engessar nossa comunicação ou mesmo aquela variedade
enorme de nomes estranhos, como predicativo do sujeito, morfema etc.
27. Capítulo 1
25
Leitura e Produção deTextos
Gramática é um sistema de organização das produções verbais. Vejamos, então,
a seguir, como entender a gramática e qual é seu papel na composição dos três
elementos que analisamos neste capítulo: linguagem, língua e gramática.
1.2.3 Gramática
Uma das primeiras coisas que precisamos saber é que aquela gramática que
vemosnaescolasechamaGramáticaNormativa,enãoéaúnicaexistente.Naverdade,
há várias gramáticas além dessa, como a descritiva, a internalizada, a implícita, a
explícita, a reflexiva, a contrastiva ou transferencial, a geral, a universal, a histórica e
a comparada. Por certo, não vamos aqui nos alongar em todas elas, apenas nas três
mais importantes, para que possamos entender as gramáticas que nos ajudam a usar
a língua adequadamente: a Normativa, a Descritiva e a Internalizada.
A primeira a ser aqui tratada é a Gramática Normativa ou Tradicional,
que é entendida como um conjunto de regras para o bom uso da língua. Essa
gramática é aquela encontrada nos manuais, tão conhecidos por nós, que dita
normas – por isso é normativa – e toma os escritores consagrados da língua como
parâmetros para estabelecer essas regras. Todos os desvios desses parâmetros,
para essa gramática, são considerados erros, pois ela entende que a única forma
realmente válida de se usar a língua é a variedade culta ou padrão.
Para os autores Cipro Neto e Infante (1997, p.16) a Gramática Normativa:
[...] estabelece a norma culta, ou seja, padrão lingüístico que
socialmente é considerado modelar... as línguas que têm forma escrita,
como é o caso do português, necessitam da Gramática normativa para
que se garanta a existência de um padrão lingüístico uniforme.
Essa visão tão fechada da Gramática Normativa tem sido muito
questionada, especialmente quanto à soberania dessa normatização da
comunicação escrita. O autor Marcos Bagno (2006, p.64) diz que:
[...] a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela,
depende dela. Como a gramática, porém, passou a ser instrumento de
poder e controle, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores
da língua é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de
fontemísticainvisíveldaqualemanaalíngua“bonita”,“correta”e“pura”.
28. Capítulo 1
26 Leitura e Produção deTextos
A Gramática Normativa é uma tentativa de se estabelecer patamares de
qualidade e, de certa forma, uniformizar a comunicação de um povo. É preciso
que saibamos que essa concepção enxerga “apenas uma variedade da língua
como válida, como sendo a língua verdadeira” (TRAVAGLIA, 2001, p.30), o
que, sabemos, não é a verdade absoluta. Concorda?
A segunda, a Gramática Descritiva, é “um conjunto de regras que
o cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e
método” (NEDER apud TRAVAGLIA, 2001, p.27). Assim, ela tem como
parâmetro o anseio de se descrever a estrutura e o funcionamento da língua,
sem se preocupar com conceitos de certo ou errado, pois seu objeto de estudo
é a produção dos falantes, a forma com que os usuários da língua a tomam
para se comunicar e, evidentemente, produzir significados.
NocernedaGramáticaDescritivaestáanoçãodequeéconsideradogramatical
tudo o que os falantes efetivamente usam para se comunicar, sem se preocupar com
regras de uso, mas sim com o produto da comunicação e sua efetiva consumação.
Não fica difícil de compreender, a partir disso, que a variação linguística – que antes
mencionamos com as palavras de Marcos Bagno – é tida como uma forma “correta”
de se empregar o aparato linguístico disponível no idioma.
Chegamos, por fim, à terceira concepção de gramática que mais nos
interessa neste capítulo, a Gramática Internalizada, ou seja, aquela que o falante
tem em si e adquiriu com o contato com a língua no decorrer de sua vida. Essa
noção é entendida pelos teóricos como “o conjunto das regras que o falante de
fato aprendeu e das quais lança mão ao falar” (TRAVAGLIA, 2001, p.28).
Essa gramática internalizada é formada na mente do falante a partir da
interpretação e do desenvolvimento gradual da compreensão que ele faz das
produções orais e escritas que lhe são apresentadas. É fácil, então, compreender
o porquê de ela se chamar de internalizada, pois o falante não tem plena
consciência de que “sabe” as regras, ele simplesmente as usa, pois todo falante:
[...] possui um conhecimento implícito altamente elaborado da
língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento
[...] adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a
nossa habilidade de andar. Mesmo pessoas que nunca estudaram
gramática chegam a um conhecimento implícito perfeitamente
adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a
anatomia e a fisiologia das pernas, mas que andam, dançam, nadam
e pedalam sem problemas (PERINI, 2001, p.13).
29. Capítulo 1
27
Leitura e Produção deTextos
Pois bem, entendemos que a gramática que tanto nos assustava nada
mais é do que a sistematização do uso da língua em suas mais variadas situações
enunciativas ou ocorrências em estado normal de comunicação. Podemos
entender, a partir disso, que existe uma gramática que rege as comunicações
familiares, outra que rege as comunicações empresariais, outra que rege as
cartas comerciais e assim por diante. A gramática, então, não é nossa inimiga,
ao contrário, é com ela que nos fazemos entender.
Agora, sabemos que gramática não é apenas a memorização de termos, mas
a compreensão de um sistema de uso da língua que pode ser analisado de várias
maneiras. Os exercícios que fazíamos na escola eram para descrever e dizer que
um termo é ajudante do outro, que é chamado de adjunto, lembra?, e as regras
que aprendemos são uma forma de prescrever, para que sigamos instruções de
como se deve escrever. Porém, essas duas atividades são apenas duas maneiras de
se entender gramática. Descrever ou prescrever são apenas duas vertentes dessa
possibilidade de se compreender o termo. Você percebeu, com isso, como a noção
de gramática que tínhamos até então era um tanto limitada?
Imagine duas situações de seu cotidiano. Tente
observar como seu comportamento linguístico se
altera em cada uma delas. Agora que estudamos
a respeito, você consegue perceber as diferenças
de uma e de outra? Pois, é... e nós fazíamos tudo
isso sem nos apercebermos, não é?
REFLEXÃO
1.3 Aplicando a teoria na prática
Vamos verificar, no decorrer de seu dia, como os elementos aqui vistos
se consolidam na execução de suas atividades e em seu uso linguístico dos
recursos disponíveis na linguagem para se comunicar e se fazer entender.
Para que possamos entrar, efetivamente, nas mais variadas situações,
devemos pensar que estamos à procura de emprego e, a partir disso, estabelecer
o que vamos fazer durante nosso dia. Assim, responda ao que se pede, com
base no que estudamos até este momento:
30. Capítulo 1
28 Leitura e Produção deTextos
a) É segunda-feira, você se levanta, não encontra o jornal em que você, no
dia anterior, anotou os telefones para os quais você ligaria para marcar
a entrevista. Como você se comunica com sua família para saber “onde
está seu jornal”?
b) Finalmente, lhe deram o jornal. Você o abre e verifica os anúncios que
marcara no dia anterior. Quais são os tipos de linguagem que estão
presentes nos anúncios?
c) Agora, você vai pegar o número do telefone de um dos anúncios e ligar
para a empresa que fornece a vaga, para marcar a entrevista. Que língua
você vai usar ao telefone? Por quê?
d) Para sua sorte, a entrevista é hoje. Você se arruma, sai, chega à recepção
da empresa e o chefe de recursos humanos da empresa lhe atende.
Como é seu comportamento linguístico nessa situação? Quais aspectos
não-verbais você põe em prática para conseguir a vaga?
e) Parasuasorte,vocêconseguiuavaga!Pronto,vocêvaicomeçaratrabalharna
quarta-feira! Você está tão feliz, e não vê a hora de chegar a sua casa e contar
para todo mundo. No caminho, encontra um velho colega, aquele amigão
do peito. Como você conta para ele essa sua segunda-feira maravilhosa?
Quais são os recursos que você usa para expressar sua felicidade?
O que você acha de respondermos juntos às perguntas sobre como
utilizar a língua?
Vamos começar com a primeira situação, quando me acordo e não acho
o jornal. Nesse caso, como eu sou falante da língua, possuo um conhecimento
empírico, que eu aprendi simplesmente de viver e conviver com os outros,
de que minha família me conhece o suficiente para me entender e não ficar
preocupada com as regras gramaticais. Vou falar, então, espontaneamente.
Assim, não vou me preocupar com como vou dizer. Preciso do jornal e vou falar
com ênfase, nervoso e não vou ligar para o que os parentes vão pensar. É claro
que tentarei ser um pouco educado. Vou perguntar: “Vocês viram meu jornal?”,
mas se ninguém se manifestar, vou me exasperar e gritar: “Cadê meu jornal?!”.
Na segunda situação, a em que eu vou ler o jornal e procurar os anúncios,
vou encontrar algo diferente, pois os anúncios, em geral, apresentam uma
31. Capítulo 1
29
Leitura e Produção deTextos
linguagem mais próxima de o que vimos até aqui como Gramática Normativa,
porque ela estabelece o que é a:
[...] norma culta, ou seja, padrão lingüístico que socialmente é
considerado modelar... as línguas que têm forma escrita, como é
o caso do português necessitam da Gramática normativa para que
se garanta a existência de um padrão lingüístico uniforme (CIPRO
NETO e INFANTE,1997, p.16).
E os anúncios são uniformizados para que uma parcela maior da
população possa entendê-los.
Depois, na situação em que eu atendo ao telefone, tenho de ser mais
cauteloso do que com minha família, por isso, eu vou utilizar uma língua mais
homogênea, próxima de o que é estabelecido pela norma culta, pela gramática
normativa. Vou fazer isso, porque quero que a telefonista, a empresa em que
quero trabalhar, saiba que eu sei usar o código linguístico mais aceito em
minha sociedade.
Quando eu chegar para fazer a entrevista, vou ter de mostrar que eu sei
me comunicar bem, então, meu comportamento linguístico vai ser parecido com
o que usei ao telefone. Como a situação agora é face a face, emposto minha
voz para oferecer segurança ao que eu falo e me aproximo da linguagem culta,
emprego as regras da gramática normativa sem exageros, mas sempre tentando
manter as coisas mais importantes, como a concordância. Afinal, eu estou usando
a língua como “uma ação orientada para uma finalidade específica [...] que se
realiza nas práticas sociais existentes” (BRASIL, 1998, p.20). A prática social é a
entrevista, e meu objetivo específico é conseguir o emprego.
Na última situação, inicialmente, me contive para não dar um grito de
alegria ao saber que tinha um emprego. Naquele momento, apenas sorri
e demonstrei minha satisfação. Em seguida, encontrei o meu amigo! Vou
abraçá-lo e dar um tapa nas suas costas. Isso vai demonstrar a minha alegria.
Provavelmente, minha voz vai se alterar, vou falar mais alto. Esses aspectos
extralinguísticos significam a minha felicidade e, quanto ao padrão de
linguagem que vou utilizar, bem, sequer vou lembrar que existe essa coisa de
base grega de tradição da linguagem. Vou é me comunicar, sem me preocupar
com parâmetros de correção ou adequação. Aliás, vou é adequar a minha
língua, a minha gramática e a minha linguagem à minha emoção. Afinal,
estou empregado, e é isso que ele – e o povo de casa – precisa saber!
32. Capítulo 1
30 Leitura e Produção deTextos
1.4 Para saber mais
LUFT, C. P. Língua e liberdade. 6.ed. São Paulo: Ática, 1998.
Embora o livro seja destinado ao ensino de língua e gramática e tenha
como público-alvo os professores de português, oferece inúmeros conceitos
básicos da diferença entre ambas e problematiza a noção de língua como
um sistema de regras apenas. Não obstante, toma o conceito de gramática
para esclarecer que a gramaticalização da língua é uma forma de cercear a
liberdade de expressão do falante.
NASI, L. O conceito de língua: um contraponto entre a Gramática Normativa
e a Lingüística. Revista Urutágua, n.13, 2007. Disponível em: <http://www.
urutagua.uem.br/013/13nasi.htm#_ftn1 >. Acesso em: 05 jun. 2010.
O texto oferece uma perspectiva sobre as abordagens de língua e de
Gramática Tradicional e traça um panorama sobre as diferentes noções de
língua, desde os conceitos mais clássicos até aqueles empregados atualmente
pela linguística.
1.5 Relembrando
Neste capítulo, você aprendeu que:
• língua e linguagem não são a mesma coisa, porque percebemos que a
linguagem é mais ampla do que a língua, pois engloba todas as formas
de comunicação, seja por meio de textos verbais, não-verbais ou mistos.
Já a língua, como uma fração da linguagem, é responsável apenas pelos
textos escritos e orais.A gramática não é apenas o tão temido manual de
normas e regras de uma língua, aliás, existe mais de uma. Vimos as três
principais: a Normativa, que fornece os parâmetros para a construção
de textos oficiais; a Descritiva, que abrange as formas com as quais os
falantes utilizam a língua; e a Internalizada, que é a que todo o falante
possui e foi adquirida pelo contato com a língua.
33. Capítulo 1
31
Leitura e Produção deTextos
1.6 Testando os seus conhecimentos
1) Observe a capa da revista Veja, edição 2049, de 27 de fevereiro de 2008,
abaixo, e responda ao que se pede:
Figura 10 - Capa da revistaVeja Edição 2049, de
27/02/2008
a) Como a linguagem não-verbal contribui para a construção do sentido?
b) O que é preciso saber, ainda sobre a linguagem não-verbal, para se
compreender a mensagem?
c) O texto fala em “fim melancólico”. Para se saber do que se trata,
exatamente, quais outros elementos linguísticos contribuem para a
construção da mensagem?
d) No cantinho esquerdo da capa, há a figura do presidente Lula. Nessa
figura, como os aspectos não-verbais contribuem para a noção que a
revista quer dar em seu uso?
e) Se pensarmos no que vimos sobre Gramática Normativa, você entende
que a utilização da palavra “surfa” no texto está adequada à situação
de enunciação? Por quê?
34. Capítulo 1
32 Leitura e Produção deTextos
2) Observe a placa abaixo e explique quais são os elementos que a compõem.
Figura 11 - Placa de trânsito
3) A gramática normativa pode ser entendida como:
a) Um conjunto de regras do funcionamento prático da língua;
b) Um conjunto de regras que determina como os falantes devem falar;
c) Um conjunto de regras que tem por função tentar unificar a
comunicação em determinado idioma;
d) Um conjunto de regras que demonstra como os usuários da língua
escrita se comportam.
4) A respeito da Gramática Internalizada, responda com (V) para verdadeiro e
(F) para falso:
( ) É um conjunto de regras da língua que o usuário apreende no
decorrer de sua vida.
( ) É adquirida natural e espontaneamente pelos falantes e pode ser
comparada ao ato de andar de bicicleta.
( ) Faz parte de um conjunto de habilidades que o falante já nasce
sabendo.
35. Capítulo 1
33
Leitura e Produção deTextos
( ) As pessoas que nunca estudaram gramática jamais conseguirão saber
como a língua é estruturada para comunicação.
( ) É um conjunto de regras que o falante aprendeu e lança mão na
hora de falar.
Onde encontrar
ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. 43.ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é e como se faz. 47.ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: terceiro e
quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARVALHO, G. de. Patativa poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Editora
Associados Ltda., 2002.
CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa. São Paulo:
Scipione, 1997.
PATATIVA DO ASSARÉ. M. G. In: CARVALHO, G. Patativa poeta pássaro do
Assaré. Fortaleza: Omni Editora Associados Ltda., 2002. p.42-43.
PERINI, M. Gramática descritiva do português. 4.ed. São Paulo: Ática, 2001.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1970.
36.
37. 35
Leitura e Produção deTextos
2.1 Contextualizando
Você deve ter percebido, no capítulo anterior, que há alguns mitos a
respeito do funcionamento da língua e de algumas coisas que aprendemos, as
quais são, na verdade, formas de se entender o processo de comunicação. Já
percebemos que não há apenas uma forma de se compreender a gramática e
que a Gramática Normativa é apenas uma dessas formas.
Outra coisa que muito se escuta a respeito da língua portuguesa é que
ela é difícil por sua estruturação, mas as palavras não são assim tão difíceis,
exceto por alguns detalhes de ortografia, por exemplo, aquilo de se escrever
uma palavra com “x” ou com “s”. Mas será que é verdade que a gente fala
como se escreve ou escreve como se fala?
Se repararmos, falamos muita coisa que não se vê escrita, pelo menos,
não em documentos oficiais, em textos acadêmicos, em notícias de jornal
etc. Quer ver um exemplo? Você está procurando um amigo. No shopping,
encontra outra pessoa, um amigo comum seu e do amigo que você procura.
Imediatamente, ao ver esse amigo em comum, você pergunta: “Cê viu
fulano?”. E seu amigo, prontamente, responde: “Nos últimos instantes, não o
vi. Não obstante, ao vê-lo, digo-lhe que tu estás a sua procura”.
Jáimaginoucomovocêsesentiria?Nãoteriavergonhadeter-lhedito“Cê”?
Você não acha que seu amigo é esnobe demais? Quem estava mais adequado
ao se expressar nessa situação? Você, que se mostrou próximo, descontraído,
camarada, ou seu amigo, que se pautou pela Gramática Normativa para se
comunicar consigo em uma situação extremamente informal?
ORALIDADE E ESCRITA
CAPÍTULO 2
2
38. Capítulo 2
36 Leitura e Produção deTextos
Por certo, ambos fizeram escolhas, ambos estabeleceram parâmetros distintos
para a comunicação, e isso ficou marcado pela forma com que tomaram a língua
portuguesa, que algumas pessoas dizem ser escrita e falada de forma igual.
Neste capítulo, vamos descobrir que os iguais não são tão iguais assim
e que, para se comunicar corretamente, oralidade e escrita, embora possam
se imiscuir uma na outra de vez em quando, não são comutáveis sem critérios
específicos. Assim, não se pode usar uma em lugar de outra, sem que isso seja
um procedimento realizado sob critérios que atendam a um propósito. Ao
final desta etapa, você será capaz de:
• distinguir as marcas de oralidade presentes na escrita;
• perceber as especificidades tanto da oralidade quanto da escrita;
• adequar sua fala e escrita à situação de comunicação; e
• valorizar adequadamente as idiossincrasias da oralidade.
2.2 Conhecendo a teoria
Como vimos, língua falada não é língua escrita. Ambas têm funções
sociais distintas e podem ser entendidas como duas formas específicas de
se utilizar a língua. Cada qual, então, deve ter suas características. Vejamos,
agora, como ambas são entendidas e estudadas.
2.2.1 A soberania da escrita
Os valores sociais atribuídos à escrita são tantos que, na história da
humanidade, são considerados dois períodos, a Pré-história e a História,
separados por um divisor de águas: o surgimento da escrita.
O período que chamamos de Pré-história é assim intitulado porque,
naquele período, não existia a escrita. Na chamada Pré-história, os povos se
valiam de figuras gravadas em pedras. Essa forma de comunicação, de expressar
pensamentos e emoções por intermédio desses símbolos é conhecida como
escrita pictórica, mas não era, exatamente, escrita.
39. Capítulo 2
37
Leitura e Produção deTextos
O surgimento da escrita – chamada
de cuneiforme – se deu, mais ou menos, por
volta do ano 4000 a.C., na Mesopotâmia, e
marca o que conhecemos como o período
da História, porque muito de o que hoje
sabemos da história do homem se deu pelo
conhecimentodosregistrosencontradosnas
placas de argila daquele povo. Poderíamos,
então, dizer que a humanidade se divide
em período Pré-escrito e período Escrito.
Os egípcios antigos também se
valeram de uma forma de “escrita” para
registrar seus feitos e suas impressões do
mundo. Para eles, no Antigo Egito, havia
duas formas de se expressar por intermédio
da escrita: uma chamada de demótica,
mais simplificada; e outra conhecida como
hieroglífica, mais complexa e composta de
um misto de símbolos e desenhos.
Na Mesopotâmia, por volta do ano 3000 a.C.,
existiam duas espécies de “escrita”: uma, oficial,
feitasobrepedraoumetalimportado,comaqualse
registravam apenas os acontecimentos entendidos
pelo governo como importantes; e outra mais
“popular”, feita em argila fresca. Percebe-se, com
isso, que nem mesmo a escrita é uniforme.
CURIOSIDADE
Evidentemente, a forma escrita como hoje entendemos não tem muitas
semelhanças com o que se via naquela época, mas já podemos vislumbrar que:
[...] aproximadamente em 3.100 a.C., a escrita, segundo vários
autores, chegou com propósitos bem definidos: servir à ideologia
monárquica que pretendia unificar o país. O escrever passou a
funcionar como um instrumento capaz de registrar os feitos do rei
para, em conseqüência, reforçar seu poder (FERREIRA, 2004, p.40).
Figura 2 - Exemplo de hieróglifos
Fonte: <www.algosobre.com.br>.
Figura 1 - Exemplo de escrita pictórica
Fonte: <www.infoescola.com>.
40. Capítulo 2
38 Leitura e Produção deTextos
Comisso,jáseesboça,mesmoantesdosurgimentodeoqueconhecemoscomo
a escrita moderna e a sociedade letrada, uma cisão entre aqueles que se expressam
apenas oralmente e aqueles que lançam mão de outras maneiras de comunicação
que não seja a fala. Segundo o professor Luiz Antonio Ferreira (2004, p.41),
A escala social dos letrados, entretanto, não se limitou à
Mesopotâmia ou ao Egito. Na China, a escrita ideográfica alcançou
sua função máxima com relação ao poder: como a língua falada se
dividira em muitos dialetos, os diversos povos não conseguiam se
comunicar [...]. A escrita [...] passou a ser código de uma elite e até
mesmo objeto de uma arte: caligrafia estilizada.
Nosso alfabeto, o romano, tem suas origens por volta do século VII a.C.,
quando Roma se valia de 21 símbolos dos 26 símbolos etruscos e escrevia
da direita para a esquerda. Só algum tempo depois se passou a escrever da
esquerda para a direita e, na Roma Antiga, as letras Y e Z passaram a fazer
parte do sistema de escrita para representar sons gregos. Porém, a abstração
alfabética, ou seja, a representação de um som por uma letra, como hoje
fazemos, é atribuída aos fenícios, por volta de 1000 a.C., e sua popularização
se deu em razão de que esse povo, o fenício, era comerciante e navegador,
o que facilitou que seu sistema de representação escrita ganhasse o mundo e
influenciasse o idioma hebraico, o copta, o árabe, o grego e o latim.
Como sabemos que o português – e
o espanhol, o francês etc. – se originou do
latim, agora entendemos a história de nosso
alfabeto, a história da escrita, que precedeu
a forma atual de nos comunicarmos
verbalmente em textos escritos. O alfabeto
é tão importante para nossa comunicação,
que até mesmo as línguas dos deficientes
auditivos, como a Língua Brasileira de
Sinais (Libras), que são compostas por
vários gestos para se “falar” algo, têm
representação baseada no alfabeto
manual, para se “soletrar” palavras que
são desconhecidas do interlocutor ou que
ainda não receberam da comunidade surda
um gesto que as represente.
Figura 3 - Exemplo de alfabeto manual
41. Capítulo 2
39
Leitura e Produção deTextos
O próprio pensamento platônico aceita a importância da escrita ao dizer,
em Fedro (1980, p.179), que, “uma vez escrito, um discurso sai a vagar por
toda a parte”. Porém, esse discurso, como é proferido assincronicamente,
ou seja, de forma que pode ser lido posteriormente por qualquer pessoa, é
difundido “não só entre os conhecedores, mas também entre os que não o
entendem” (Idem, p. 179). A escrita é entendida, por essa perspectiva, como
uma forma de perpetuar o pensamento, o conhecimento, mas sua forma, por
não se adequar a todos os interlocutores no momento da comunicação, pode
dificultar o entendimento de muitos deles. Isso mostra que, ao se expressar por
meio da oralidade, o locutor, quem fala, interage melhor com o interlocutor,
quem escuta, porque faz as adequações concomitantemente à produção do
discurso, como veremos em nosso próximo tópico.
2.2.2 A praticidade e importância da oralidade
Bem... já entendemos que a escrita tem sua complexidade e sua
importância, mas, antes de existir a escrita, os povos já se comunicavam uns
com os outros oralmente. A cultura oral, naquela época, era a única forma de
se transmitir conhecimento. Por isso, as pessoas mais velhas eram consideradas
mais sábias do que as mais jovens, porque tinham repertório oral mais vasto. A
oralidade era tão importante, que a morte de uma pessoa era tida como uma
perda inestimável por duas razões: a primeira, porque, com sua morte, morria
uma parte da cultura do povo, que não poderia ouvir essa pessoa contar suas
histórias; a segunda, porque a inteligência estava associada à memória.
Mesmo nos dias atuais, sabemos que a forma mais comum de o ser
humano externar seus pensamentos e suas concepções de mundo é por meio
da oralidade, pois conversamos muito mais do que escrevemos, aprendemos a
falar antes de aprender a escrever etc. Por isso a comunicação oral é o maior
veículo de comunicação entre os homens, mesmo que a comunicação escrita
receba reconhecimento maior entre os povos.
42. Capítulo 2
40 Leitura e Produção deTextos
Seoserhumanosecomunicamaisfrequentemente
na modalidade oral do que na modalidade escrita,
por que a escrita tem mais prestígio na sociedade?
REFLEXÃO
Independentemente do valor social da escrita ou da fala, o ser humano se
vale das formas de comunicação para se fazer entender, para persuadir o outro,
parainfluenciá-lo,paraobterajuda,paratudo.Nãohásociedadesemcomunicação
e, por isso, as práticas oral e escrita são as duas formas mais importantes que os
homens encontraram para formar grupos e constituir sociedades.
CONCEITO
CONCEITO
A oralidade seria “uma prática social interativa
para fins comunicativos que se apresenta sob
várias formas ou gêneros textuais fundados na
realidade sonora: ela vai desde uma realização
mais informal a mais formal nos vários contextos
de uso” (MARCUSCHI, 2001, p.21).
A supervalorização da escrita a que hoje assistimos em nossa sociedade é o
resultado de um processo cultural que foi se solidificando no decorrer do tempo.
Na Grécia Antiga, por exemplo, ao contrário de hoje em dia, a oralidade era
valorizada, e seu prestígio, reconhecido por todos. Um dos três maiores filósofos
da Antiga Grécia de que já tratamos, Platão, “preferia o pensamento em busca
de si mesmo pela linguagem oral e, por isso, ressaltou o diálogo, a interrogação
como passos constitutivos do pensar, do senso crítico” (FERREIRA, 2004, p.74).
Veja como a oralidade ajudou e ajuda a constituir as significações do mundo!
Assim, a humanidade veio se valendo da oralidade para conseguir
evoluir nos mais variados sentidos. Por exemplo, a oralidade, sendo mais fácil
de ser entendida, tornou-se imprescindível nos veículos de mídia em massa
que transmitem informação. Você já reparou como os jornalistas apresentam
um telejornal hoje em dia? Parece até que estão conversando com a gente.
43. Capítulo 2
41
Leitura e Produção deTextos
No Brasil, por exemplo, onde parte da população é não-alfabetizada ou
não letrada, “a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no
dia-a-dia da maioria das pessoas” (MARCUSCHI, 2002, p.21). Ao perceber isso,
entendemos que não é erro afirmar que a oralidade, então, é mais importante
do que a escrita na comunicação entre os membros de nossa sociedade, não
apenas em termos quantitativos, mas também em termos qualitativos.
Oralidade não é a mesma coisa que linguagem
verbal, que foi vista no primeiro capítulo,
mas traços e características de textos orais,
falados. Os textos escritos podem ser dotados
de oralidade e, também, os textos orais podem
ter algumas características da escrita. Quanto
mais formal for uma situação, mais aspectos da
escrita ela conterá, e vice-versa.
SAIBA QUE
Além disso, a oralidade está presente em todas as camadas sociais. Nem
mesmo os professores de gramática famosos que escrevem guias de como falar
corretamente abandonam traços de oralidade em seus textos orais, pois eles
sabem que devem se adequar à situação de comunicação e que a oralidade é
importante para a manutenção da sociedade.
Na verdade, a gente não deve valorizar mais a escrita do que a oralidade
ou vice-versa, é preciso que tenhamos consciência de que ambas são parte do
processo comunicativo em todos os sentidos. Elas dialogam entre si e se ajudam
mutuamente no processo de desenvolvimento social, pois “o desenvolvimento
da língua oral e o desenvolvimento da escrita se suportam e se influenciam
mutuamente” (KLEIMAN, 1995, p.91).
PRATICANDO
PRATICANDO
Discuta com um amigo os problemas da fome no
Brasil. Anote as observações de seu amigo e as
suas a respeito do tema. Em seguida, escreva um
texto jornalístico, uma reportagem, a respeito
disso. Observe as diferenças que ocorreram em
ambas as situações.
44. Capítulo 2
42 Leitura e Produção deTextos
Percebemos que a oralidade é a forma mais recorrente de interação
entre membros de uma sociedade, que a valorização da escrita é uma questão
histórica e que ambas se influenciam mutuamente. Pois bem, vamos nos
aprofundar nessas questões e entender os porquês de cada uma delas.
Lucas Ribeiro
Figura 4 - Interação verbal
2.2.3 Paradoxo entre oralidade e escrita
O caminho percorrido pela História até chegar ao que conhecemos hoje
como escrita moderna não foi feito igualitariamente entre as culturas orientais
e ocidentais. A cultura oriental desenvolveu características ideográficas para
representar graficamente as ideias da fala. Já as culturas ocidentais, das quais
o português faz parte, escolheu representar graficamente os fonemas da fala,
ou seja, escolheram representar cada um dos sons da fala na escrita. A partir
da junção desses fonemas, criam-se sílabas, que se unem para formar palavras
que, por sua vez, unem-se para formar sentenças.
Bem... a escrita, então, é uma espécie de desdobramento da fala, pois, a
partir da produção fonética dos usuários de determinada língua, forma-se o
alfabeto, que constitui o meio de representação do grupo. Até para as formas
de se entoar, optou-se por uma representação gráfica, para que a escrita pudesse
ser a representante da fala. Veja, por exemplo, o uso do sinal de interrogação,
que altera completamente o sentido de uma sentença. Se alguém escreve “Você
está feliz.”, assim, com ponto final, entendemos a sentença como uma afirmação
e deduzimos que o produtor está exprimindo uma opinião. Se a mesma frase
receber um sinal de interrogação no final: “Você está feliz?”, automaticamente,
percebemos a vontade de saber a respeito do interlocutor.
45. Capítulo 2
43
Leitura e Produção deTextos
A escrita, então, buscou formas de ser uma representante da oralidade e dela
extrair significados, representando-os em outro continuum, e escolheu, inclusive,
divisões diferentes desse continuum. No processo da fala, não dizemos exatamente
todos os fonemas, emendamos palavras, “comemos” pedaços delas e, em alguns
casos, até omitimos muitas palavras, o que não pode acontecer na escrita.
Talvez o fato de a escrita ser mais constante, mais estanque, a tenha
tornado a forma escolhida para a sociedade registrar sua história. A questão
não é qual das duas, oralidade ou escrita, é mais importante, mas qual delas
é mais adequada em determinada situação. Embora a oralidade seja mais
importante para a comunicação diária, a escrita tem mais estima, porque não
morre com o falante e se tornou a forma de se registrar para a posteridade os
fatos e as ideologias de determinada época ou sociedade.
Ambas fazem parte de o que podemos chamar de multiplicidade da língua,
que, por ser utilizada por todos os membros da sociedade, recebe deles influência
de várias maneiras. Podemos pensar que a língua corrente, assim entendida
porque está envolvida em um processo comunicativo, torna-se a base de tudo
o que fazemos para interagir. Assim, em nossa sociedade, todos os membros,
com maior ou menor frequência, encontram-se e partilham seu entendimento
de como devem proceder para produzir significação nos momentos de interação.
Para isso, escolhem o gênero do texto que vão utilizar, as palavras mais adequadas,
as entonações de voz que melhor se adaptam à situação etc.
Gênero Textual é um termo que designa o jeito
com que se usam as palavras em um texto falado
ou escrito. Assim, são exemplos de gêneros
escritos a carta comercial, o artigo de opinião,
a receita, a notícia etc., e de gêneros orais o
diálogo, a entrevista, o debate, a aula etc. Eles
são assim definidos porque têm características
específicas que os diferem dos outros.
SAIBA QUE
Como vemos, fala e escrita são interdependentes, pois, como diz o
professor Antonio Marcuschi (2001, p.34-35),
46. Capítulo 2
44 Leitura e Produção deTextos
[...] o contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os
textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias
de formulação que determinam o contínuo das características que
produzem as variações das estruturas textuais discursivas, seleções
lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num contínuo
de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de
contínuos sobrepostos.
A questão é que falar e escrever são duas formas de expressão distintas,
é como se houvesse duas línguas, uma falada e uma escrita, inclusive, com
gramáticas diferentes, como vimos no capítulo anterior. Conceber oralidade
e escrita como modalidades diferentes é primordial para entendermos a
importância e as características de cada uma delas.
Vimos que Platão achava melhor o discurso oral do que o escrito, pelo
fato de o escrito poder ser lido por outras pessoas, inclusive, pessoas que o
autor do texto nunca vira na vida, o que acabaria por tirar o direcionamento
do texto. Entretanto, é essa a função principal da escrita, é esse o motivo
pelo qual ela foi criada. Por meio da escrita, a humanidade pode perpetuar
conhecimento, pode acumular ideias e se desenvolver, como vimos no
primeiro item.
No entanto, não é porque a escrita teve (e tem) esse papel fundamental
que devemos torná-la soberana e nos esquecer da importância social e
histórica da oralidade. Como Marcuschi (2002, p.24) diz, nós devemos “formar
a consciência de que a língua não é homogênea nem monolítica”, ou seja, a
língua, a portuguesa, em nosso caso, não é igual em todas as situações, em
todas as camadas sociais e em todos os lugares: a língua não é única.
A gente às vezes discrimina uma determinada
forma de falar. Como você costuma reagir
quando ouve expressões como: “Arrenti fumo
pra praia”; “Cheguêmu gurinha mes”; e “Que
o macho lá dexô ela, dexô ela lá na rua...”?
Você, em seu dia-a-dia, reafirma a exacerbada
importância da escrita e perpetua o preconceito
contra a oralidade?
REFLEXÃO
47. Capítulo 2
45
Leitura e Produção deTextos
É em razão da visão errônea de que a língua é única que se repudiam as
marcas de oralidade em alguns textos. Muitas vezes, essas marcas repudiadas
são inadequadas à situação de comunicação. Nos meios de comunicação, por
exemplo, há certo tabu em relação ao uso da oralidade, mesmo ela sendo
importante para o entendimento da maioria. Alega-se que a oralidade está
acabando com a capacidade de se dominar a linguagem formal, com todas
as regras e convenções da Gramática Normativa, além de haver interesse
de manipular o público menos instruído, devido ao uso da linguagem
simplificada, entretanto:
[...] não há mal em si no verbal da televisão, do rádio, dos cinemas,
dos comerciais publicitários ou do discurso político. Eles cumprem
seu papel. E se atingem tantos e alienam muitos é porque se lê mal
o que transmitem, porque ainda existe inércia que impele milhões
a receber, sem dar retornos, a voz que se produz eletronicamente
(FERREIRA, 2004, p.147).
Além disso, em algumas situações, as marcas da oralidade são muito
importantes para representar o falante e sua identidade. Quem não conhece
o famoso personagem de Maurício de Sousa, o Chico Bento, que fala como um
campesino? Sua fala, se fosse escrita na norma culta, não teria a mesma força
que tem com todas suas marcas regionais, que representam não só o jeito de
ele falar, mas quem ele é, sua identidade.
Mas ele não é o único, muitas pessoas marcam a sua identidade pelo
modo como falam, pelas palavras que escolhem e, também, pelo tom que
usam ao falar. Quem de nós não conhece alguém que fala como alguém do
campo? Pois bem, eles falam assim porque ao falar representam toda a cultura
da comunidade.
Outra pessoa famosa que usa os recursos da fala representados na
escrita é o poeta Patativa do Assaré que, em seus poemas, mistura a língua
chamada de culta e a linguagem do nordestino. Veja um exemplo disso no seu
poema “Maria Gulora” (Texto 1), cujas palavras em negrito (destacadas por
nós) representam o falar regional:
48. Capítulo 2
46 Leitura e Produção deTextos
TEXTO 1
Vem cá Maria Gulora!
Escuta, que eu quero agora
uma coisa te contar.
É uma recordação
dos dias das inlusão
que faz a gente chorar.
Eu antonte andei na varze.
Não morri, mas porém quase
enlouqueço, de repente. [...]
Fonte: Carvalho, G. P. poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Ed. Associados Ltda,
2002. p. 42.
Pois bem, percebemos que não existe uma briga entre o discurso oral e o
escrito. Eles se complementam e se enriquecem mutuamente e conservam suas
peculiaridades. Vejamos, a seguir, essas particularidades.
2.2.4 Semelhanças e diferenças entre oralidade e escrita
O grande diferencial da oralidade, segundo Ferreira (2004, p.144) é que
ela alcança todos, todas as camadas da sociedade, pois:
[...] há uma voz coletiva que denota fala nas produções escritas
de nossos vestibulandos, uma voz que denota seres amplamente
dominados por um senso comum moldado, em maior ou menor
proporção, pela mídia, pela família, pela própria escola.
Todo mundo sabe falar, mas nem todos sabem escrever. Aprender
a escrever é parte de um processo educacional que tem implicações
socioeconômicas, por isso, a escrita é mais restrita, afinal:
[...]todosnecessitamdeummodooudeoutrosaberlercertascoisas,mas
o número cai enormemente quando se conta quem necessita produzir
a escrita na proporção do que lê. Muitas pessoas podem até ler jornais
todos os dias, mas escrevem muito raramente (CAGLIARI, 1989, p.102).
Quanto maior for o poder econômico de uma pessoa, mais propensa a ter
maiorcontatocomaescritaelaserá.Todacultura,letradaounão,vale-sedaoralidade
como principal forma de comunicação, todavia, quanto mais complexa a cultura é,
mais a escrita é necessária para essa sociedade. Marcuschi (1997, p.39) diz que:
49. Capítulo 2
47
Leitura e Produção deTextos
A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a
dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão
à fala atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a
escrita. Crucial neste caso é que não se trata de uma contradição,
mas de uma postura. [grifo do autor]
Isso confirma o que dissemos acima quanto à supervalorização da escrita frente
à oralidade. Essa supervalorização, que faz com que se crie preconceito contra aqueles
quenãodominamasregrasdalínguaescritaoupoucoutilizamasregrasdaGramática
Normativa na fala, inicia-se principalmente nas escolas, que se esquecem de esclarecer
as diferenças entre uma e outra e postulam a norma culta como a única correta.
Adespeitodofatodeque“aescritatemsidovistacomodeestruturacomplexa,
formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada,
informal, concreta e dependente do contexto” (FÁVERO, 2005, p.09), já sabemos
que a história não é bem assim. É preciso conhecer ambas melhor para se discutir a
questão com propriedade. Vejamos, então, as peculiaridades de cada uma:
a) Quanto à forma
a fala contém vários termos implícitos, ao passo que a escrita se
mostra muito mais prolixa;
a fala apresenta muitas repetições e redundâncias, enquanto a
escrita é condensada, pouco repetitiva e com muitas retomadas
feitas por elementos gramaticais, como os pronomes;
a fala é menos elaborada, com frases curtas, ao passo que a escrita
é elaborada em frases mais longas e complexas; e
a fala se dá com o uso de palavras mais simples do cotidiano das
pessoas, conquanto a escrita se vale de léxico mais rebuscado.
b) Quanto ao uso
a fala se dá em situações mais informais, e a escrita, em situações
mais formais;
a fala é sincrônica, acontece no exato momento da interação, por sua
vez, a escrita é assíncrona, primeiro o texto é escrito e só depois ele é lido;
50. Capítulo 2
48 Leitura e Produção deTextos
a fala contém menos informações e, por isso, é menos densa, à
proporção que a escrita contém mais informações, por isso, é mais
densa, com textos mais longos.
c) Quanto à produção
a fala é produzida no momento da interação e há pouco tempo
para ser elaborada, enquanto a escrita é produzida anteriormente
a sua leitura, o que lhe permite a reescrita, a busca de termos mais
específicos, ou seja, o planejamento estratégico;
a fala é sempre individual, enquanto a escrita pode ser produzida
por mais de uma pessoa;
A fala não permite ser apagada, o produtor tem de refrasear o que
disse e, se for o caso, desculpar-se, ao passo que a escrita permite o
apagamento e o reajuste do texto.
Percebemos que a fala não é desestruturada, como muitos podem
alegar, mas tem características diferentes da escrita. O fato de a escrita poder
ser mais complexa não implica, exatamente, que ela seja melhor do que a
fala, mas que ela tem características diferentes. É fácil de explicar o porquê
de isso se dar: se você não entender um texto escrito, basta que volte a
ele e o releia. Já imaginou você pedir para alguém repetir exatamente o
que acabou de dizer? Isso seria impossível, pois, depois de dita, a fala não é
totalmente recuperável. O que vai acontecer, nessa situação, é que a pessoa
vai tentar recuperar apenas o significado de o que disse e, para redizer, vai
reelaborar a fala, e isso será um novo texto, com tom de voz diferente, com
outras palavras e, muitas vezes, outro sentido.
PRATICANDO
PRATICANDO
Em uma conversa com um colega, preste atenção
no que ele diz e, em seguida, apenas para verificar
o que dissemos aqui, peça-lhe para repetir
exatamente o que ele disse. Note que, quanto
mais longo tiver sido o texto oral de seu colega,
mais alterações ele fará ao tentar repeti-lo.
51. Capítulo 2
49
Leitura e Produção deTextos
Como já percebemos que oralidade e escrita são formas diferentes de se
comunicar, vamos ver como elas se imiscuem simbioticamente, para facilitar a
comunicação entre as pessoas e criar efeitos de sentido.
2.2.5 A oralidade na escrita e escrita na oralidade
Na verdade, a fala e a escrita apresentam superficialmente formas
diferentes de se realizar. Apesar disso, em sua estrutura mais profunda, em
sua essência, são muito parecidas, porque utilizam o mesmo sistema léxico
e semântico e sua variação se dá, especialmente, na escolha de termos e na
distribuição dos elementos escolhidos nas sentenças produzidas, além de no
vocabulário que é, em geral, mais difícil na escrita do que na fala.
A oralidade apresenta-se mais maleável, mais versátil e, muitas vezes,
invade a escrita. Alguns textos, literários ou não, valem-se dela pra causar
determinado efeito no leitor. Por exemplo, temos presença da oralidade em
textos jornalísticos, em poesias, em crônicas, em receitas etc. o que facilita
o entendimento do texto, pois, como você sabe, os textos orais são mais
presentes na sociedade do que os textos escritos. Então, para facilitar a
compreensão dos textos escritos, levou-se um pouco dos textos orais para
dentro daqueles. Veja como a escritora Hilda Hilst, na crônica “Tô Só” (Texto
2), publicada no jornal Correio Popular, de Campinas, São Paulo, em 16 de
agosto de 1993, faz uso da oralidade para produzir um efeito de sentido no
texto e, com isso, aproxima o texto do leitor:
52. Capítulo 2
50 Leitura e Produção deTextos
TEXTO 2
Tô Só
Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e
fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo
brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival
de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com
beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque
a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida
pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os
humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas
babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no
céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas
e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser
poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.*
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais
ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.
No Texto 2, encontramos os verbos que deveriam estar no infinitivo, como
brincar, fazer, sonhar, sem o “r” final, porque a gente não fala, geralmente,
esses erres. Ela também fala “bestando”, “zoiando”, “mundão”, “pinel”, que
não são palavras que a gente vê escritas com muita frequência, não é? Mas
isso não é um privilégio da oralidade, porque:
[...] existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos
da fala conversacional (bilhete, carta familiar, textos de humor), ao
passo que existem textos falados que mais se aproximam do pólo
da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos
cargos administrativos dentre outros), existindo, ainda, tipos mistos,
além de muitos outros intermediários (KOCH, 1997, p.32).
53. Capítulo 2
51
Leitura e Produção deTextos
Veja como os aspectos da escrita são, também, incutidos na oralidade.
No discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 09 de setembro de 2009,
feito em rede nacional de televisão, encontramos essas marcas. Veja o Texto 3:
TEXTO 3
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
É comum que o 7 de Setembro sirva para a gente enaltecer o passado e pensar o
presente. Desta vez é diferente: este é o 7 de Setembro do Brasil festejar o futuro.
De celebrar uma nova independência.
Esta nova independência tem nome, forma e conteúdo. Seu nome é pré-sal; seu
conteúdo são as gigantescas jazidas de petróleo e gás descobertas nas profundezas
do nosso mar; sua forma é o conjunto de projetos de lei que enviamos, há poucos
dias, ao Congresso Nacional. E que vai garantir que esta riqueza seja corretamente
utilizada para o bem do Brasil e de todos os brasileiros.
Peço a cada um de vocês que acompanhe passo a passo as discussões destas leis
no Congresso. Que se informe, reflita, e entre de corpo e alma nesse debate tão
importante para os destinos do Brasil e para o futuro de nossos filhos e netos. [...]
Sabemos que o presidente estava falando para a nação e, nesse falar,
encontram-se as marcas da escrita. Ora, não faz sentido pensarmos que um
pronunciamento, uma ocasião bastante formal, não tenha sua aproximação
com a língua mais formal, a escrita. Aqui, na conversa que o presidente tem
com seu povo, temos uma maneira de perceber que, quanto mais formal for
a situação de comunicação, mais regras são utilizadas em sua construção. As
frases são mais longas, as concordâncias são respeitadas, o uso dos pronomes
é mais complexo. Veja, por exemplo, como a palavra pré-sal é repetida várias
vezes pelo pronome possessivo seu e sua. Se fosse uma fala menos formal,
com certeza haveria a repetição do termo ou o uso da palavra dele. Assim, a
frase seria “o nome dele é pré-sal...”, “o conteúdo dele são as jazidas...” ou,
ainda, “a forma do pré-sal é o conjunto de projetos de lei...”.
Para sintetizar, é fato que as sociedades letradas são aquelas em que se
encontram mais registros históricos, justamente porque a escrita tem esse caráter de
perpetuar a história e permitir que as coisas não se apaguem com seus produtores.
Os grandes pensamentos que hoje norteiam a humanidade são retomados, séculos
depois, e estudados por muitos. Porém, não é possível negar a importância da
oralidade na vida das pessoas e no desenvolvimento dessas sociedades.
54. Capítulo 2
52 Leitura e Produção deTextos
Reparou em como a oralidade está presente na escrita e que é
completamente possível e comum a representação da oralidade na escrita?
Isso prova que oralidade e escrita estão interligadas, não podem ser separadas.
Então, quando você vir na televisão, Internet, bancas de jornal e livrarias guias
para falar melhor o português, você, agora, sabe que são tentativas de ensinar
a usar a oralidade mais próxima à escrita.
Como bem vimos no capítulo 1, a Gramática
Normativa foi feita para servir de guia para a
escrita formal, então, é certo, do ponto de vista
da oralidade como comunicação entre sujeitos
de determinada sociedade, que se queira
“forçar” os falantes do português a falar como
as regras e os padrões da Gramática Tradicional?
REFLEXÃO
2.3 Aplicando a teoria na prática
No capítulo anterior, você foi levado a pensar como se comportaria para
conseguir um emprego. Você se deu muito bem e o conseguiu, porque se
adequou. Agora que você está empregado, tem de trabalhar, claro. Seu novo
emprego é de secretário(a).
Seu chefe chega de manhã e diz: “Faz um memorando pro departamento
de pessoal dizendo que vou viajar amanhã, para uma feira de exposição
tecnológica. Diz pra eles providenciá as passage e a estadia. Diz aí que é
importante pra gente”. Em seguida, ele lhe entrega um panfleto informativo
sobre a FENART – Feira Nacional de Artigos Tecnológicos, que será de 03 a
06/11/2010, em São Paulo. Como você faria esse trabalho?
Vamos pensar juntos? Bom... primeiro, já sei que o texto escrito e o texto
falado têm suas regras e suas especificidades, por isso, não estranho meu chefe
cometer uns errinhos de gramática ao me dar uma ordem, afinal, ele está falando
comigo. Depois, ele nem fala tudo o que precisa dizer para eu entender o que
tenho de fazer. Sua fala não diz quando, nem onde será a feira. Essa informação
eu recolho do panfleto que ele me entregou. Depois, eu não posso escrever
“amanhã” no memorando, porque preciso ser claro e dar todas as informações
55. Capítulo 2
53
Leitura e Produção deTextos
para meu interlocutor me entender, já que eu não vou estar presente quando
ele ler o memorando. Afinal, “cada modalidade (fala e escrita) [determina] o
contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais
discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc.” (MARCUSCHI,
2001, p.34-35), que deverão ser utilizados nas situações de comunicações.
É por isso que também não posso dizer simplesmente que é importante
“pra gente”, preciso dizer os porquês. Também não posso deixar de dizer se
ele vai de avião, de trem ou de jegue, porque vou ter de pedir para que eles
comprem a passagem e reservem um hotel etc.
Ao final, vou ter de refazer tudo o que ele disse, nos moldes mais
formais, explicar tudo, não deixar lacuna nenhuma de interpretação e, claro,
vou caprichar no vocabulário, para mostrar que sei as diferenças e sei adequar
o texto à situação de comunicação. Além disso, quem vai assinar é o chefe... e
eu não posso perder esse emprego!
2.4 Para saber mais
ROLINDO,J.eSOUZA,F.Leitura/Escrita:umprocessodeconstruçãodesentido.Revista
de Educação, XI, n.12, 2008. Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.
php/reduc/article/viewFile/274/273>. Acesso em: jun. 2010.
Embora o artigo tenha como foco principal oferecer uma análise do
processo de leitura e escrita como um processo unificado, trata também
dos aspectos importantes da oralidade e da escrita como uma forma de
expressão muito importante na sociedade e aborda, inclusive, os processos do
desenvolvimento cognitivo para o desenvolvimento da criticidade.
FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. O.; AQUINO, Z. Oralidade e escrita: perspectivas
para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2002.
O foco principal do livro é o ensino de língua portuguesa, porém, os
autores traçam um panorama da evolução da escrita e oferecem várias dicas
para se entender o processo de comunicação oral e escrita, inclusive, com as
estruturas da escrita e da organização conversacional.
56. Capítulo 2
54 Leitura e Produção deTextos
2.5 Relembrando
Neste capítulo, você aprendeu que:
• a língua escrita foi criada por causa da necessidade de se guardar
dados que se perderiam na língua falada, e que ela, mesmo sendo
uma forma secundária de comunicação, é mais valorizada em nossa
sociedade e cultura letrada;
• a oralidade, mesmo desvalorizada em relação à escrita, tem uso mais
frequente,muitocontribuiparaamanutençãodasociedadeeseencontra
presente mesmo em textos escritos, o que mostra sua importância;
• a fala, além da simplificação do vocabulário, não tem grandes
preocupações com regras gramaticais de concordância, regência etc.,
nem com a clareza das construções sintáticas;
• a língua escrita mantém contato indireto com quem a lê, o que possibilita
a reescrita e a reelaboração das ideias, sem deixar marcas disso no texto;
• a língua falada conta com outros elementos para produzir significado,
como os gestos, o contexto, o tom de voz etc., por isso, é mais “simples”; e
• aausênciaderecursosextralinguísticostornaaescritamaiselaboradaeprolixa,
pois o produtor deve expressar em palavras tudo o que pretende comunicar.
2.6 Testando os seus conhecimentos
1) Já vimos bastante coisa sobre oralidade e escrita, afinal, esse é o objetivo
deste capítulo. Agora, discorra sobre o processo de evolução da escrita,
perpassando desde as primeiras representações pictóricas até o alfabeto de
nossa língua. Lembre-se também de falar sobre a escrita oriental.
2) O texto que segue apresenta traços de oralidade? Explique detalhadamente.
57. Capítulo 2
55
Leitura e Produção deTextos
TEXTO 4
O Analista de Bagé
Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão,
possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm
de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta.
Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o
próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando
bem, ele não poderia vir de outro lugar.
Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego.
Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.
— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.
— O senhor quer que eu deite logo no divã?
— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro
ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder
tempo nem dinheiro.
— Certo, certo. Eu...
— Aceita um mate?
— Um quê? Ah, não. Obrigado.
— Pos desembucha.
— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?
— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.
— Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe.
— Outro.
— Outro?
— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.
— E o senhor acha...
— Eu acho uma pôca vergonha.
—Mas...
— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!
Fonte:VERÍSSIMO,L.F.In:TodasasHistóriasdoAnalistadeBagé.RiodeJaneiro:Objetiva,2002.
3) Os traços de oralidade são mais comuns em:
a) Cartas comerciais;
b) Diálogos;
c) Entrevistas de emprego;
d) Comerciais televisivos;
e) Sentenças judiciais.
4) Marque (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas.