O documento discute a vida e obra de São Lucas, o santo patrono dos médicos. São Lucas era um médico do século I d.C. que se tornou um dos quatro evangelistas e escreveu o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. O texto também descreve como Eurico Branco Ribeiro, fundador da Sobrames, era um estudioso dedicado a São Lucas e como 18 de outubro é celebrado no Brasil e em outros países como o Dia do Médico em homenagem a São Lucas.
São Lucas: médico, pintor, historiador e padroeiro dos médicos
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XIX - no 216 - novembro de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
São Lucas, Eurico Branco Ribeiro e
a Sobrames
“A santidade talvez não seja mais do que o cúmulo da delicadeza.”
Marcel Jouhandeau (1888-1979), escritor francês.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
Lucas, o santo venerado há séculos O convívio com os seguidores de grandes especialistas. Nas diversas cidades
pelos cristãos, era tido como um sírio Jesus, particularmente os apóstolos onde participava de congressos médicos
de Antioquia (moderna Turquia) e e discípulos, e, com seus familiares, internacionais, tampouco deixava de
foi contemporâneo do Mestre da sobremodo com sua mãe, Maria, frequentar museus e bibliotecas, a fim de
Galileia, embora não o tenha conhecido facultaram-lhe acreditar naquilo em que reunir novas informações sobre a vida e a
fisicamente. Estudou medicina em a priori era cético, rendendo-se aos poucos obra desse destacado evangelista. (...)
Alexandria e exerceu seu mister ao cristianismo. Devido à sua destacada Na obra “Médico, Pintor e Santo”,
hipocrático em Roma, com nobilíssima educação e ao seu comprometimento com Eurico Branco Ribeiro refere que, já em
projeção, especificamente no palácio do a veracidade histórica, passou a redigir 1463, a Universidade de Pádua iniciava
imperador Tibério. Anos depois, deixou detalhadamente os relatos que escutava o ano letivo em 18 de outubro, em
o requinte da corte e atuou junto aos mais e apurava, particularmente sobre o homenagem a São Lucas, proclamado
carentes, com carinho e amor. nascimento, a infância, a vida e morte do patrono do “Colégio dos Filósofos e dos
Lucas conhecia a crença monoteísta Redentor, além de dados exclusivos da Médicos”.
professada pelos judeus, assim como as vida de Maria. A escolha de São Lucas como “patrono
mensagens humanísticas e libertadoras Assim, Lucas é o único evangelista dos médicos” e do dia 18 de outubro
– por vezes atrevidas e revolucionárias a falar da anunciação, da visita à Santa como “dia dos médicos” é comum em
–, além das proezas miraculosas e Isabel com o excelso cântico do Magnificat; muitos países, dentre os quais Portugal,
ressuscitações realizadas por Jesus Cristo, do nascimento de Jesus em Belém, da França, Espanha, Itália, Bélgica, Polônia,
um judeu de origem muito humilde, que adoração dos pastores, da circuncisão, da Inglaterra, Argentina, Canadá e Estados
afirmava ser o Filho de Deus. apresentação no templo e purificação de Unidos da América.
Embora não desse crédito às histórias Maria Santíssima, e da perda e encontro Infelizmente, pouquíssimos médicos
que ouvia, soube que o Nazareno fora do menino Jesus entre os doutores da lei. sabem que o dia 18 de outubro, dia de
morto pelos romanos por crucifixão. Dado Seu Evangelho foi chamado por alguns São Lucas, comemorado no Brasil como
o seu espírito perquiridor, condizente de “O Evangelho de Maria Santíssima”. o “dia do médico”, foi uma conquista
com sua formação científica e cultural, Convertido, Lucas tornou-se árdua graças ao empenho impávido, a
resolveu desvendar os mistérios que evangelizador, divulgando ardentemente inflexível tenacidade e a liderança de
envolviam esse excepcional taumaturgo. os preceitos do Galileu. São Paulo Eurico Branco Ribeiro. (...)
Assim, partiu para os locais em que Jesus consigna em sua Epístola aos Colossenses Lucas, há dois milênios, destacou-
andou, no intuito de que contatos com as atividades dele ao seu lado, referindo se como médico, pintor, historiador,
aqueles que tinham convivido com Ele na conclusão dessa carta: “Saúda-vos evangelista e santo, além de escritor,
pudessem-lhe aclarar os fatos. Esteve Lucas, o caríssimo médico, e Demas.” (Col. 4, demonstrando, nesse particular, que os
particularmente na afamada cidade de 14). (...) médicos escritores têm vocação ancestral e
Jerusalém, onde Jesus morreu e, em sua Eurico Branco Ribeiro (1902-1978), abençoada, advinda de uma herança que
cidade natal, a modesta Nazaré, de quem habilidosíssimo cirurgião, notório remonta os tempos imemoriais de Asclépio,
oito séculos antes o profeta Miqueias rotariano, fundador e patrono da o deus da medicina na mitologia grega.
vaticinava: “Tu, Belém-Éfrata, tão pequenina Sociedade Brasileira de Médicos Escritores Na Sobrames se tem o privilégio de
entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair – Sobrames, era devoto e grande estudioso se ver manifestar as benesses desse rico
aquele que dominará em Israel.” (Mq. 5,1) 1. de São Lucas, constituindo-se num de seus atavismo dentre seus diletos membros.
1. Éfrata é o antigo nome da cidade de Belém e, em hebraico, é designada por Bethlehem, que significa “a casa do pão”.
2. 2 O BANDEIRANTE - Novembro de 2010
Discute-se muito em (baixo) nível de eleições sobre a
EXPEDIENTE
aprovação direta dos alunos das escolas públicas do Es-
Jornal O Bandeirante
ANO XIX - no 216 - Novembro 2010
tado de São Paulo. Lamentável que não há a necessidade
de estudarem tanto para passarem de ano, e assim por
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
diante, até se formarem médicos, engenheiros, políticos.
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES- Infelizmente as notas do ENEM dos Estados ditos severos,
SP. Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000
- Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 /
que reprovam, são tão iguais ou menores do que as dos
3062-3604 Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. nossos alunos. Ler e interpretar o que se lê são atividades
Jornalista Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto
(MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição:Alcione
absolutamente diferentes. Mas, afinal de contas, um país
Alcântara Gonçalves, Carlos Augusto F. Galvão, Carlos como o nosso, com leis retrógradas ao Estado moderno,
Roberto Ferriani, Geovah Paulo da Cruz, Helio Begliomini,
José Leopoldo Lopes de Oliveira, Márcia Etelli Coelho,
que permite que “leitureiros” aproveitadores (ou apro-
Roberto Antonio Aniche, Sergio Perazzo e Walter Whitton veitados...) sejam eleitos para as mais altas câmaras de
Harris.Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e
mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.
decisão do País, não tem que discutir quem aprova ou
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio
reprova alunos por decreto. O brasil tem que ser redescoberto, refeito, repensa-
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda do. Cabe a nós, doutores da caneta e da escrita, denunciarmos e estimularmos a
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
leitura e o conhecimento. Quem sabe, no futuro...
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Carlos Augusto F. Galvão
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo Roberto Antonio Aniche
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus
autores e não representam, necessariamente, a
opinião da Sobrames-SP
Editores de O Bandeirante
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
O Malho
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Desanimada e de pouca densidade. Vinte e tantos participantes apenas. O que
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 salvou mesmo foram os textos, poucos, é verdade, mas com a qualidade literária
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
que já conhecemos e, mais importante, enxutíssimos e gostosos de se ouvir. Mas
vinte e dois frequentadores, convenhamos, muito pouco, nem parecia coisa de
Presidentes da Sobrames – SP São Paulo, a cidade das multidões.
1o Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000)
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Walter Whitton Harris
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche
CRM 18317
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br
Cel. 9932 5098
CUPOM DE ASSINATURAS* longevità
Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675
Nome:___________________________________________________________ Estética facial, corporal e odontológica *
Massagem * Drenagem * Bronze Spray *
End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * RPG
Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar
________________________________ nº. _______ complemento _________
Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________
Clínica Benatti
Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia
receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF)
Obstetrícia
*Disponível para o público em geral e para não sócios da SOBRAMES-SP
Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal à SOBRAMES-SP para REDAÇÃO
Mastologia
“O Bandeirante” R. Costa Rego, 29 - V. Guilhermina - CEP 03542-030 - São Paulo - SP
Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega (11) 2215-2951
3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Novembro de 2010 3
Notícias
Lançamento da XI Coletânea da Sobrames - SP dia 15/12/2010 - 19:30 horas na APM Associação Paulista de Medicina
Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - Bela Vista - SP
Lançamento de Livros
A Sobrames Cearense lançou sua coletânea no Clube Ideal, em Fortaleza numa linda festa. A Sobrames São Paulo
esteve representada neste lançamento pelo associado Carlos Galvão. De parabéns os confrades da Sobrames Ceará
por mais esta conquista.
Menção Honrosa do XX Prêmio Moutonnée de Poesia 2010
Mais uma vez, Sísifo
Márcia Etelli Coelho
Na página marcada, não mudei o disco.
A taça está vazia. Cruel é a lucidez.
Na mesmice selada, fiquei mais arisco.
Ao raiar do dia, tudo acontece outra vez.
Hoje eu acordei Sísifo, em louco sufoco,
a empurrar uma pedra na íngreme montanha.
Pra aumentar o suplício, não atingi o topo.
No rolar dessa pedra, repetiu-se o drama.
É tão trágica a sina que o mito revive:
Pra findar o castigo, sempre falta um triz.
Minha lágrima ensina: nem tudo é possível.
Quase encontrei meu ninho, quase eu fui feliz.
Com o olhar posto ao chão, nem sempre me acomodo.
Com grande fardo eu luto... Pra quê? Pra nada!
Na triste solidão, tudo jaz ao seu modo.
Tento mudar o rumo... Volto à mesma estrada.
Mas a roda do tempo me fez ser criança.
Sísifo se prepara para a árdua tarefa.
Apesar do tormento, devolve a esperança
que perdida eu julgara na longa quimera.
No absurdo real que a poesia ensaiou
vi Sísifo ao sopé, cansado, mas contente.
Na centelha imortal que alivia toda dor,
ele segue com fé... Será, hoje, diferente!
A minha alma, encantada, não mais se entristece.
Descobriu a magia na estranha insensatez.
Se, através da jornada, a vida se enobrece,
eu abraço esse dia e... começo tudo outra vez.
“...Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que
nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor
não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia
de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um cora-
ção humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.”
(Albert Camus – O Mito de Sísifo – Ensaio Sobre o Absurdo – 1942)
4. 4 O BANDEIRANTE - Novembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Dia de Vaqueiro
Alcione Alcântara Gonçalves
Acorda, Maria Bonita!
Antes que o trem apita,
Embriaguez
E faça a minha marmita,
Fechando-a com uma fita. Carlos Roberto Ferriani
Não quero a fita amarela,
Em cada céu que ando,
Porque é muito singela.
Mas, faço um laço com ela, da boca, vida ou corpo
Pra enfeitar os cabelos dela. da moça,
busco, ávido, desvendar
Os vaqueiros estão chegando, quando seu santo dará vez
E o sol já vem raiando; para o meu
No meu cavalo vou montando, tratar sua nudez.
Pois o dia está clareando.
Dia desses, levo as coisas findas,
Saio cedo para o campo, guardadas ou bem-vindas,
Porque é preciso trabalhar, fatais.
Conserto a cerca com um grampo, Crimes, sublimes anais,
Para a manada não se espalhar. rua da poesia que resta
que pelo troco
Quando a tarde vai caindo, empresta moradia.
No horizonte o sol sumindo,
Com minhas reses vou seguindo, De paixão exausto,
Antes de a noite chegar. só restei encalço.
Corri
Toco o berrante e canto um aboio! raias do tão silêncio
Da porteira da chegada, onde sem chão, me parti.
Vejo a Maria toda engalanada,
Ora dispenso
À espera do seu vaqueiro e seu apoio.
da dor essa fatia.
Vazia imensidão
do dia, da noite
na moça.
Troquei esse açoite,
troça pelo pranto que se fez.
Eis que honrei
minha embriaguez!
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Novembro de 2010 5
A Doença do Aleijadinho
Roberto Antonio Aniche
Uma paródia ao texto da Revista Ser Médico de julho/agosto/setembro de 2010 editada pelo CRM São Paulo.
– Doutor, tem um senhor estranho querendo falar sobre um paciente.
– Mande entrar.
Entra um senhor de terno, gravata, cabelo pintado. Senta-se sem pedir licença.
– Sou do INSS e preciso ver a ficha do paciente Antonio Francisco Lisboa para conferir alguns dados.
– Do Aleijadinho? E quem é o senhor para ver ficha de paciente meu?
– Sou médico auditor. E lhe advirto que Aleijadinho é um termo pejorativo. O certo é portador de necessidades
especiais.
A conversa começou ruim. Pedi a carteira do Conselho, entrei no site e lá estava o almofadinha com um sorriso
kolynos rindo da situação.
– O que o senhor quer saber?
– Diagnóstico, condições atuais e tratamento. Tenho uma queixa contra o senhor e antes de mandar para o Con-
selho quero tirar as dúvidas.
– Foi uma consulta difícil. Entrou mancando da perna direita e saiu mancando da perna esquerda, acho que pen-
sou que eu fosse burro. Tinha as mãos também deformadas, mas nada que o impedisse de trabalhar.
– Doença?
– Não fechei o diagnóstico. Provas reumáticas básicas estão normais, só o VHS aumentado. O convênio não libe-
rou ainda a pesquisa de anemia falciforme, quer mais relatórios. Eu não tive tempo de preencher.
– Se o doente for prejudicado pela sua falta de tempo vai ter mais complicação. Porque acha que é falciforme?
– Não acho, é só uma hipótese, a mãe era negra e o pai branco. Pode ser.
– Mas ele alega que foi do trabalho... quer a CAT preenchida. Reclamou muito dos seus atendimentos.
– Acidente de trabalho? Nas duas mãos e nos dois joelhos? Ora essa. Trouxe um laudo de um psiquiatra dizendo
que ele fazia esculturas retratando a si mesmo e seus defeitos. Problema de infância, coisa do tipo. O colega encami-
nhou o aleija... desculpe, o paciente para análise, prescreveu fluoxetina. Também contou que foi acusado de fazer
trabalhos horrorosos como forma de protesto contra o regime, quase foi preso.
– O senhor também se recusou a fazer o relatório. É direito do paciente, tem até uma nova norma do Conselho
Federal de Medicina orientando este tipo de documento.
– Relatório? Se eu ainda não sei o diagnóstico, como é que eu vou fazer um relatório. Imagine que ele exigiu que
eu fizesse um laudo dizendo que não podia mais trabalhar, que era para colocar que deveria ser aposentado e sem
esquecer o CID.
– É um direito dele e sua obrigação fazer um relatório detalhado.
– Mais ainda, ele queria um relatório para condução gratuita. E ainda queria me ensinar: “Olha, coloca aí o CID
M.17. Na justificativa coloca limitação motora importante”. Mas como eu vou escrever isso aí? Você veio dirigindo!
– O senhor não tem nada a ver com o que ele faz lá fora. E mais ainda, ele, na queixa, alega que o senhor não fez
os relatórios por causa da cor dele, mulato, deformado, deficiente, diz que sequer foi examinado direito.
– Como? Eu não o examinei? Deixei o safado de cuecas, aliás, ele cheirava urina seca, examinei cada articulação,
está aqui na ficha pode olhar. Quer saber mais, ele está com raiva porque eu disse que ele não era inválido, que po-
deria fazer outros serviços além de subir em escadas e dar marretada em pedra.
– O senhor extrapolou seu trabalho. Nenhum médico tem o direito de obrigar o paciente a trabalhar. É óbvio que
ele não gostou das suas consultas.
Fiquei olhando o tal auditor. No mínimo era outro pseudossocialista que um dia iria buscar votos na periferia
falando mal de quem trabalha decentemente. Toca o meu celular.
– Tá... ok... depois eu ligo... beijo.
– O senhor sempre atende o celular no meio das consultas? Isso desvia a atenção, sua relação médico-paciente
fica pobre.
Toca o interfone. Agora é a secretária.
– Doutor, os pacientes estão impacientes com a demora.
– Ah! Também corre para não perder tempo. Já fiz minha opinião sobre o caso.
– E?
– Vou encaminhar para o Conselho, acho que o senhor foi displicente, racista e discriminatório.
Levantou-se e saiu sem mais palavras. Abaixei a cabeça, respirei fundo. Entrou o primeiro paciente:
– Doutor eu estava bem até ontem, mas levei um escorregão e não estou aguentando de dor nas costas. Outra coisa
que eu ia esquecendo, amanhã tenho “pirícia” e preciso de outro laudo...
Abaixei a cabeça, respirei fundo, uma, duas vezes. Rezei com toda a fé que eu tenho em todos os Santos:
– Senhor meu Deus, preciso urgente de um alçapão embaixo deste paciente...
Ele não me ouviu... Ia ser mais um dia daqueles...
6. 6 O BANDEIRANTE - Novembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
José Leopoldo Lopes de Oliveira
O único benefício da prece maometana é o alongamento da coluna.
Amor, só de mãe, dos outros.
A vida é simples. Consiste em estar e não mais estar.
A vice-presidência, expectativa ou angústia é o clímax da representação.
Atenção. Paro, olho, escuto. Adeus mundo.
Quem sonega só nega dar valor ao governo.
Justiça eleitoral verdadeira faz a natureza.
Cabeça, tronco e membros. Amor fatal.
Sangue, suor e lágrimas. Feto morto.
Fernando... Lula: Dilma? Fim de linha.
Ereção. Corpo a corpo. Muito prazer.
Amigos desde os bancos escolares até o curso superior, casados, bem profissional e economicamente e
se frequentando muito até que um deles tem doença prolongada, incurável e com ela impossibilidade de
servir a mulher madura e desejável, o que coube ao amigo de todas as horas e mais estas. Antes do primei-
ro entrevero, questionou-se sobre a dificuldade da missão, amizade, lealdade... Enfim encarou tudo com a
prestação de serviço fisiológica e sentimental que realizou até a morte do amigo para nunca mais.
Epitáfio Virtual
Geovah Paulo da Cruz
Deixo inscrito nesta merecida lousa
Um epitáfio para minha ex-esposa:
Finalmente, aqui jaz a falecida.
Foi pro inferno a desgraçada
Morar lá com os demônios seus.
Devia ter bebido raticida,
Para uma morte mais adequada
Aos mortais sentimentos meus.
Morreu de simples morte morrida
Uma mortezinha de nada,
Juro pelo capeta e por Deus,
Merecia mesmo é morte matada.
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Novembro de 2010 7
No Banco Traseiro de um Táxi
Sergio Perazzo
Dr. Carlos Augusto Galvão
No banco traseiro de um táxi, ela se aninha em meus braços, bem ali onde
Psiquiatria e Psicoterapia
se aninha a noite.
Rua Maestro Cardim, 517
De repente, nada mais importa. Importa apenas o silêncio pleno que nos Paraíso – Tel: 3541-2593
envolve. Silêncio de um renascer transbordante de esperanças. Esperanças que
ao mesmo tempo tememos porque voltamos a acreditar na vida, esta mesma
vida, vilã, que já nos machucou tanto e tanto. Mas nosso arrebatamento traz PUBLICIDADE
o sorriso de volta. Traz o riso solto. Traz o mistério de um amor que ela não TABELA DE PREÇOS 2009
ousou declarar sem ter provas concretas, mas que está visível nos olhos. Na (valor do anúncio por edição)
1 módulo horizontal R$ 30,00
própria maneira de olhar. No modo de se deixar acolher. No jeito de me ou-
2 módulos horizontais R$ 60,00
vir com as janelas do coração escancaradas. Como se não acreditássemos que 3 módulos horizontais R$ 90,00
somos abençoados no altar em que se transmutou um simples banco de táxi. 2 módulos verticais R$ 60,00
E porque abençoados e porque banhados nesta luz infinita, nos refugiamos 4 módulos R$ 120,00
um no outro. Beliscamos a alma um do outro, só para ver se é verdade. Para 6 módulos R$ 180,00
Outros tamanhos sob consulta
conferir que o que nos inunda é um mesmo sentimento de pertencer, de um
compartilhar que transcende as palavras, que faz jorrar emoções para todo sobramessaopaulo@gmail.com
lado, ali naquele banco de táxi. Queremos que o tempo congele e que nunca
mais se acabe. A tão procurada outra metade nesta mulher caliente e sem
pudores, como ela mesma se define.
REVISÃO
Nada de nossos tropeços importa. Nada dos capítulos censurados da nossa
de textos em geral
biografia. Nenhuma dor. Nenhum atalho falso. Nenhum desvio de caminho.
Nenhuma pedra. Nenhuma erva daninha a impedir o viço do crescimento. Ligia Pezzuto
Especialista em Língua Portuguesa
Compomos juntos uma trilha sonora em cima de brotos que surgem nos
galhos de uma árvore recém-saída do inverno. Temos que acreditar na pri- (11) 3864-4494 ou 8546-1725
mavera. Ela nasce de nós e dentro de nós. Nós sabemos. Nós sentimos. É isto
que nos alimenta. Não sabíamos, tão famintos estávamos deste pão, deste doce
ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
alimento, deste leite, desta água que não para de correr. Deste abrigo, desta
ADVOGADO - OAB-SP 51.532
tempestade que guarda-chuva nenhum pode impedir de molhar, encolhidos
que estamos, agarrados um ao outro como sobreviventes, neste banco traseiro ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
de um táxi como um tapete mágico levitando e deslizando pelas esquinas NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
noturnas de um amor buscando cometas e estrelas. COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
Terminou de
escrever seu
livro? Então
publique!
Nesta hora importante, não deixe de
consultar a RUMO EDITORIAL.
Publicações com qualidade impecável,
dedicação, cuidado artesanal e preço
justo. Você não tem mais desculpas
para deixar seu talento na gaveta.
rumoeditorial@uol.com.br
(11) 9182-4815
8. 8 O BANDEIRANTE - Novembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Varíola!
Walter Whitton Harris
Quem não se lembra da obrigatoriedade de estar com a vacinação antivariólica em dia para se matricular na escola? Isso
era um fato comum até apenas três décadas atrás, quando enfim a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou que essa
grave doença estava erradicada.
Nenhuma outra doença afetou tanto a Humanidade, nem mesmo a peste bubônica, a tuberculose, a cólera ou a febre amare-
la. Derrubou vários impérios e o Homem viu seus filhos sucumbirem, ficarem desfigurados e cegos pela moléstia.
Há mais de 200 anos, Edward Jenner fez uma importante observação que serviu de fundamento para acabar com esse flagelo.
As ordenhadeiras que contraíam varíola bovina pelo contato com úberes de vacas contaram a Jenner que ficaram protegidas da
forma humana de varíola. Ele ouviu a voz do povo e comprovou o fato cientificamente. Não havia descoberto a vacinação, que
já existia, mas sua técnica oferecia uma defesa confiável contra a doença.
Acredita-se que a varíola surgiu há mais de 10.000 anos em aglomerações agrícolas na África, espalhando-se para a Índia
carregada por mercadores egípcios no último milênio antes de Cristo. Há evidências de alterações variólicas nas faces de muitas
múmias, em especial na de Ramsés V, que morreu ainda jovem, em 1157 a.C.
A primeira epidemia de que se tem notícia ocorreu em 1350 a.C., na guerra entre egípcios e hititas. Numa epidemia em
Atenas, em 430 a.C., observou-se que os sobreviventes da doença tornavam-se imunes a ela. Al-Razi (Abu Bakr Muhammad Ibn
Zakariya al-Razi) fez a primeira descrição médica da varíola, em 910 d.C., intitulada De variolis et morbillis commentarius. Relatou
que a transmissão se fazia de pessoa a pessoa e sua explicação do porquê as pessoas não desenvolvem a doença uma segunda vez
foi a primeira teoria sobre imunidade adquirida.
Houve uma grande epidemia em Roma por volta de 180 d.C., matando entre 3,5 a 7 milhões de indivíduos; eram os primei-
ros anos do declínio do Império Romano. A disseminação da doença se deu com o avanço dos árabes, as Cruzadas e a descoberta
do Novo Mundo. Foi a causa da queda dos impérios Asteca e Inca. Quando os espanhóis chegaram ao México, havia uma popu-
lação de 25 milhões. Em 100 anos, havia menos de 2 milhões!
O Brasil foi o último país das Américas a eliminar a varíola. Em 1971, foram notificados 19 casos da doença, e apenas um
caso em 1972. A partir daquela data, foi considerada erradicada nas Américas. Não se tem notícia de um único caso desde 1977,
quando foi constatado o último na Somália (África). A varíola foi declarada erradicada do Mundo, pela OMS, em 1980.
A varíola foi a principal causa de morte nas aglomerações brasileiras, fossem elas vilas, vilarejos ou cidades. Na disseminação
pelo interior, contaminou e matou muitos índios e escravos, além da população branca em geral. O mais antigo surto de varíola
na cidade de São Paulo data dos primeiros anos da sua fundação. Uma terrível epidemia assolou São Paulo em dezembro de
1873, causando muitas mortes. Em consequência, foram construídos pavilhões de isolamento para varíola, na “antiga estrada
do Araçá”, inaugurados em 1880, conhecido como o Hospital dos Variolosos. Em 1932 virou o Hospital de Isolamento Emílio
Ribas, o atual Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na Avenida Dr. Arnaldo.
Os últimos estoques do vírus da varíola encontram-se abrigados em dois laboratórios de referência da OMS: o Centro de
Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta (Estados Unidos) e no Centro Estatal de Pesquisas de Virologia e Biotecnologia em
Koltsovo (Rússia).
Desde sua erradicação, a Organização Mundial da Saúde, por meio das Assembleias Mundiais de Saúde, vem discutindo a
possibilidade de destruição desses estoques do vírus. Até 2007, não se havia chegado a um consenso sobre isso. Há, inclusive,
grupos que são formalmente contra a destruição do vírus variólico, pela simples razão de que é um ser vivo que sobreviveu desde
os tempos mais remotos e não deve ser liquidado da face da Terra. Outros grupos alegam que os vírus remanescentes devem
permanecer para futuras pesquisas médicas, principalmente no combate a outras doenças, como a AIDS, através de estudos de
modificações genéticas.
Recentemente, tomou-se conhecimento de que o Laboratório Nacional Sandia, pertencente ao Departamento de Energia
dos Estados Unidos, está fazendo experiências com genes da varíola, introduzindo-os em outros organismos para produzir pro-
teínas codificadas, com finalidades não reveladas. O governo não fornece nenhuma informação a respeito, mas sabe-se que a
missão da Sandia é focalizada no planejamento e teste de Armas de Destruição em Massa para as Forças Armadas dos Estados
Unidos. O DNA da varíola não se originou dos estoques controlados pela OMS, mas de empresas especializadas em engenharia
genética.
Nas discussões sobre varíola, nas Assembleias Mundiais de Saúde, sempre há grandes divergências, e os Estados Unidos são
inflexíveis em relação à destruição dos vírus variólicos. A OMS, por falta de provas, considera infundadas as alegações america-
nas de que há outros países que possuem o vírus. No entanto, os americanos afirmam que um cientista russo que passou para o
lado deles confirmou que a Rússia desenvolve a varíola como uma arma biológica desde a década de 1980. Relatam, também,
que a França mantém estoques com finalidade defensiva, em caso de um surto da doença. Inspetores das Nações Unidas obser-
varam que prisioneiros iraquianos da Guerra do Golfo (1982) estavam imunizados contra a varíola, evidência de que o Iraque
tinha o vírus à disposição. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos e os russos mantêm que os norte-coreanos têm estoques
para fins militares, embora estes sejam de qualidade mediana.
Enfim, são mais de 30 anos que não se tem notícia de um único caso de varíola natural em seres humanos. Todavia, relatam-se
vários outros tipos de varíola, em macacos e outros animais.
Fica a dúvida se se deve manter o vírus vivo em benefício da Humanidade ou destruí-lo para se evitar uma guerra biológica
que poderia trazer uma desgraça incomensurável, provavelmente dizimando nações, que estão indefesas contra esse flagelo que
se perpetuou durante milênios e, há tão pouco, pôde ser eliminado.